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período de cerca de nove meses de gestação nas mulheres, contado a partir da fecundação e implantação de um óvulo no útero até ao nascimento Da Wikipédia, a enciclopédia livre
Gravidez é o período de cerca de nove meses de gestação nas mulheres, contado a partir da fecundação e implantação de um óvulo no útero até ao nascimento. Durante a gravidez, o organismo materno passa por diversas alterações fisiológicas que sustentam o bebé em crescimento e preparam o parto. A fecundação pode dar-se através de relações sexuais ou ser medicamente assistida. Após a fecundação, o óvulo fecundado desloca-se ao longo de uma das trompas de Falópio e implanta-se na parede do útero, onde forma o embrião e a placenta que o alimentará. O desenvolvimento do embrião tem início com a divisão do óvulo em múltiplas células e é nesta fase que se começam a formar a maior parte dos órgãos, muitos deles funcionais. A partir das oito semanas de idade gestacional, o embrião passa a ser designado feto e apresenta já a forma humana que se desenvolverá continuamente até ao nascimento. O parto ocorre em média cerca de 38 semanas após a fecundação, o que corresponde a aproximadamente 40 semanas após o início do último período menstrual. Uma gravidez múltipla é a gravidez em que existe mais do que um embrião ou feto, como é o caso dos gémeos.
Gravidez | |
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Mulher grávida | |
Sinónimos | Gestação |
Especialidade | Obstetrícia |
Sintomas | Ausência de menstruação, mamas sensíveis, náuseas e vómitos, fome, micção frequente[1] |
Complicações | Aborto espontâneo, doenças hipertensivas da gravidez, diabetes gestacional, anemia por deficiência de ferro, náuseas e vómitos graves[2][3] |
Duração | ~40 semanas, contadas a partir do último período menstrual[4][5] |
Causas | Relação sexual, reprodução medicamente assistida[6] |
Método de diagnóstico | Teste de gravidez[7] |
Prevenção | Contracepção, aborto[8] |
Tratamento | Cuidados pré-natais[9] |
Medicação | Ácido fólico[9] |
Frequência | 213 milhões (2012)[10] |
Mortes | 293 000 (2013)[11] |
Classificação e recursos externos | |
CID-10 | Z33 |
CID-9 | 650 |
CID-11 | 472990502 |
DiseasesDB | 10545 |
MedlinePlus | 002398 |
eMedicine | article/259724 |
MeSH | D011247 |
Leia o aviso médico |
Os primeiros sinais que indicam uma possível gravidez são a ausência de menstruação, sensibilidade nas mamas, náuseas, vómitos e aumento da frequência urinária. Uma gravidez pode ser confirmada com um teste de gravidez disponível em farmácias. A gravidez é convencionalmente dividida em três trimestres, de forma a simplificar a referência às diferentes fases do desenvolvimento pré-natal. O primeiro trimestre tem início com a fecundação e termina às doze semanas de idade gestacional, durante o qual existe risco acrescido de aborto espontâneo (morte natural do embrião ou do feto). Durante o segundo trimestre, o risco de aborto espontâneo diminui acentuadamente, a mãe começa a sentir o bebé, são visíveis os primeiros sinais exteriores da gravidez e o seu desenvolvimento é mais facilmente monitorizado. O terceiro trimestre é marcado pelo desenvolvimento completo do feto até ao nascimento.
Os cuidados de saúde e os exames pré-natais apresentam uma série de benefícios para a saúde da grávida e do bebé. Entre os cuidados de saúde essenciais estão a suplementação com ácido fólico, a restrição do consumo de tabaco, álcool e drogas, a prática de exercício físico adequado à gravidez, a comparência às consultas de acompanhamento e a realização dos exames médicos e ecografias recomendados. Entre as complicações mais comuns estão a hipertensão, diabetes gestacional, anemia por deficiência de ferro e náuseas e vómitos graves. O termo da gravidez ocorre entre as 37 e as 41 semanas. Os bebés que nascem antes das 37 semanas são considerados pré-termo e depois das 41 semanas pós-termo. Os bebés prematuros apresentam risco acrescido de problemas de saúde. A indução de parto e cesariana não são recomendadas antes das 39 semanas, exceto por motivos médicos.
Em 2012 ocorreram 213 milhões de gravidezes, das quais 190 milhões em países em vias de desenvolvimento e 23 milhões em países desenvolvidos. Isto corresponde a 133 gravidezes por cada 1 000 mulheres entre os 15 e 44 anos de idade. Cerca de 10 a 15% das gravidezes diagnosticadas terminam em aborto. Em 2013, as complicações da gravidez causaram a morte a 230 000 pessoas, uma diminuição em relação às 377 000 em 1990. Entre as causas mais comuns estão as hemorragias maternas, complicações de um aborto, hipertensão arterial, infeções, e complicações do parto. Cerca de 40% das gravidezes em todo o mundo não são planeadas, das quais metade resultam em aborto.
"Gestação" ou "gravidez" designa a condição de uma mulher ("gestante") que já concebeu e que na qual evolui o produto da concepção.[12] "Gestação a termo" é a gestação com duração entre 37 semanas completas e 42 semanas. "Gestação pré-termo" é a gestação com duração inferior a 37 semanas, enquanto que "gestação pós-termo" corresponde à gestação de período igual ou superior a 42 semanas. A gestante pode ser classificada segundo o número de gestações: "primigesta" é a mulher que se encontra grávida pela primeira vez, "secundigesta" é a mulher grávida pela segunda vez, "tercigesta" pela terceira vez, "quadrigesta" pela quarta vez e assim sucessivamente. A gestante pode ainda ser classificada segundo o número de partos: "nulípara" é a mulher que nunca deu à luz; "primípara" é a mulher que deu uma única vez à luz um feto, com 20 ou mais semanas, vivo ou morto; "multípara" é a mulher que deu à luz duas ou mais vezes.[13]
A "idade gestacional" é a duração da gestação a partir do primeiro dia do último período menstrual normal, sendo medida em dias ou semanas completas. A "fecundação" é a fase da reprodução em que o espermatozoide se funde com o óvulo. Durante as primeiras oito semanas, o produto da fecundação é denominado "embrião"; a partir da oitava semana e até ao parto passa a ser denominado "feto".[13]
O parto pode ser classificado segundo a idade gestacional a que ocorre. Aborto designa a perda da gravidez antes da 20ª semana de gestação, podendo ser espontâneo ou induzido. O "parto pré-termo" é o parto ocorrido entre as 20ª e 37ª semanas de gravidez; o "parto a termo" é o parto ocorrido entre as 37 semanas completas e as 42 semanas incompletas; e o "parto pós-termo" é o parto que ocorre após as 42 semanas completas. O parto pode também ser classificado conforme a sua evolução e resolução. O "parto espontâneo" ou "parto natural" é o parto que ocorre espontaneamente sem qualquer intervenção. O "parto induzido" é o parto provocado por medicamentos ou outras técnicas. O "parto dirigido" é o parto assistido por ação médica. O "parto eutócito", "normal", "espontâneo" ou "fisiológico" denomina a expulsão espontânea do feto por vias normais, enquanto o "parto distócito" é o parto que decorre de forma anormal.[13][14] Uma cesariana é uma intervenção cirúrgica destinada a retirar o feto por via abdominal através de uma incisão no útero, quando não é possível ou desaconselhado o "parto vaginal". Numa "cesariana segmentária" a abertura no útero é feita no segmento inferior, enquanto na "cesariana corporal" a incisão é feita até ao fundo uterino. "Puérpera" é a mulher que se encontra no "puerpério", o período de 6 a 8 semanas desde o fim do parto até ao momento em que os órgãos voltam ao estado normal anterior à gestação. O "período neonatal" é o período entre o nascimento do bebé e os primeiros 28 dias de vida.[13]
Os primeiros sinais e sintomas de uma gravidez são a ausência do período menstrual, náuseas, vómitos e dor ou sensibilidade nas mamas. Os testes de gravidez biológicos têm uma precisão de 95% e detectam a presença na urina ou no sangue de gonadotrofina coriónica humana, uma hormona produzida pela placenta durante a gravidez. A partir das 16-20 semanas é possível ouvir com um estetoscópio o batimento cardíaco fetal e confirmar em definitivo a gravidez. Ao longo da gestação, as ecografias permitem observar o feto em crescimento e por volta das 18-20 semanas é possível começar a sentir os movimentos fetais.[1]
A maior parte das mulheres grávidas apresenta uma série de sinais e sintomas que podem ser indicadores de uma gravidez.[15] O sinal inicial de gravidez mais confiável e perceptível é ausência de um período menstrual, ou um período muito ligeiro com pouca quantidade de sangue. Entre os sintomas iniciais mais comuns estão o cansaço e fadiga em excesso; náuseas, com ou sem vómitos (durante todo o dia mas principalmente de manhã); sensibilidade ou dor nas mamas (principalmente em mulheres jovens) e aumento da frequência urinária (principalmente durante a noite). No início da gravidez são também comuns outros sintomas, embora nem sempre se manifestem, como a obstipação, aumento do corrimento vaginal ou ligeira hemorragia 10 a 14 dias após a fecundação, alteração do palato (sabor metálico na boca, desejo por determinados alimentos que não consome regularmente e rejeição de outros), aumento da sensibilidade olfativa (capaz de provocar náuseas), cólicas uterinas ligeiras, tonturas e alterações de humor. No entanto, todos estes sintomas não são exclusivos da gravidez, ao mesmo tempo que é possível estar grávida sem que nenhum destes sintomas se manifeste.[1][16][17][18]
Existem também uma série de sinais associados à gravidez e que se manifestam logo a partir das primeiras semanas após a conceção.[19][20] No entanto, estes sinais não são universais; isto é, em muitos casos as grávidas não apresentam alguns dos sinais e os sinais que apresentam podem ser diferentes de grávida para grávida. Nos casos em que estes sinais se manifestem isoladamente não é possível determinar um diagnóstico definitivo, mas caso se manifestem vários sinais em conjunto é possível assumir um diagnóstico de gravidez. Estes sinais incluem a presença de gonadotrofina coriónica humana (hCG) no sangue e na urina, hemorragia devido à nidação do embrião no útero na terceira ou quarta semana após o último período menstrual, aumento da temperatura corporal basal de forma sustentada duas semanas após a ovulação, sinal de Chadwick (escurecimento do colo do útero, vagina e vulva), sinal de Goodell (amolecimento da parte vaginal do útero), sinal de Hegar (amolecimento do istmo do útero) e presença da linea nigra (escurecimento da pele ao longo de uma linha no abdómen, provocado pela hiperpigmentação resultante das alterações hormonais, que geralmente se manifesta a meio da gravidez).[19][20]
Existem, no entanto, uma série de condições médicas cujos sinais e sintomas se podem confundir com os de uma gravidez. A ausência do período menstrual pode ser causada por doença crónica, por distúrbios emocionais ou alimentares ou pela menopausa. As náuseas e os vómitos podem ter apenas origem gastrointestinal, enquanto a sensibilidade nas mamas se pode dever a distúrbios hormonais. As condições que causam congestão pélvica, como o cancro do colo do útero, podem provocar sintomas semelhantes a uma gravidez, e alguns tumores raros produzem falsos positivos nos testes de gravidez.[1] Em alguns casos, mulheres com o forte desejo de engravidar acreditam vincadamente que estão grávidas, apesar de não o estarem, manifestando inclusive algumas das alterações físicas da gravidez, uma condição denominada pseudociese.[21] Por outro lado, e apesar de terem presentes vários sinais, algumas mulheres só se apercebem da gravidez quando esta já está numa fase avançada. Em alguns casos extremos, a mulher só se apercebe da gravidez durante o trabalho de parto. Isto pode ser causado por diversos factores, entre os quais períodos irregulares, alguns medicamentos e mulheres obesas que não dão importância ao aumento de peso. Cerca de 1 em 475 mulheres às vinte semanas e 1 em 2 500 mulheres na data do parto recusam reconhecer que estão grávidas.[22]
Os testes de gravidez permitem detectar com bastante precisão uma gravidez a partir do 12º dia posterior à nidação.[23][24] A maior parte dos testes de gravidez acusa a presença na urina ou no sangue da subunidade beta da gonadotrofina coriónica humana (hCG), uma hormona produzida pela placenta recém-formada. A hCG pode ser detectada após a nidação, que ocorre seis a doze dias após a fecundação.[25] A presença de gonadotrofina coriónica no sangue significa apenas que a mulher alberga tecido placentário vivo, não permitindo determinar a condição do feto.[1] Os testes ao sangue quantitativos têm maior sensibilidade do que os à urina, devido ao menor número de falsos negativos, sendo capazes de detectar quantidades de hCG a partir de 1 mIU/mL, enquanto que as tiras reagentes de urina só detectam a partir de 10 mIU/mL a 100 mIU/mL.[26][27]
Os testes disponíveis nas farmácias para utilização em casa são testes à urina. Nestes testes, aplica-se uma pequena quantidade de urina numa tira química que, em caso de resultado positivo, muda de cor ou aparece um símbolo, conforme o fabricante.[28] Têm, em média, uma precisão de 95% para uma utilização correta; valor muito idêntico aos testes profissionais em laboratório (97,4%). A maior parte dos falsos negativos e falsos positivos, que pode atingir os 20% numa utilização típica, tem origem na utilização incorreta do dispositivo, devido aos utilizadores não seguirem corretamente as instruções da embalagem ou fazerem o exame demasiado cedo. A possibilidade de falsos negativos e de falsos positivos, ainda que ínfima numa utilização correta, faz com que o resultado apenas indique uma elevada probabilidade de estar ou não grávida, e não uma garantia absoluta.[1][29] Os falsos positivos podem dever-se a uma série de razões, entre as quais a utilização incorreta do teste, o uso de fármacos com hCG, como a clorpromazina, fenotiazina ou metadona, e a ocorrência de doenças hepáticas, cancro ou condições médicas que produzem quantidades elevadas de hCG. As mulheres que foram submetidas a uma injeção de hCG no contexto de um tratamento de fertilidade também apresentam sempre resultados positivos, independentemente de estarem ou não grávidas.[30] Um resultado positivo num teste de farmácia pode ser confirmado com um teste de laboratório ou com um exame pélvico realizado por um médico. Por serem qualitativos, os exames de laboratório têm uma precisão ligeiramente superior.[28]
O tempo médio de uma gravidez é de 268 dias (38 semanas e dois dias) contados a partir da ovulação, com um desvio padrão de 10 dias ou coeficiente de variação de 3,7%.[31] A idade gestacional é calculada a partir do primeiro dia do último ciclo menstrual normal da mulher. Escolhe-se este momento porque não existe forma de determinar com precisão a data em que ocorreu a fecundação. A fecundação geralmente ocorre cerca de duas semanas antes do próximo ciclo menstrual, pelo que é comum acrescentar 14 dias à idade embrionária para obter a idade gestacional e vice-versa. Assim, na 1ª e 2ª semanas de idade gestacional, a mulher ainda não está grávida.[32][33] No entanto, o método mais preciso para determinar a idade gestacional é através de ecografia durante o primeiro trimestre de gravidez, o qual tem um intervalo de precisão de sete dias.[34] Ao contrário do cálculo da idade gestacional, em que o evento inicial é o primeiro dia do último período menstrual, no cálculo da "idade fetal", "idade embrionária" ou "idade de fecundação" o evento inicial é a fecundação.[35]
Os obstetras estimam a data prevista de parto (DPP) acrescentando sete dias ao primeiro dia do último período menstrual e mais nove meses de calendário. Por exemplo, se o último período menstrual teve início em 10 de janeiro, a data prevista de parto será 17 de outubro.[1] No entanto, apenas 5% dos nascimentos é que ocorrem na data prevista de parto e em que se completam as 40 semanas de idade gestacional. 50% dos nascimentos ocorrem entre uma semana antes ou uma semana depois da data prevista. 80% ocorrem entre duas semanas antes ou depois.[36] Na estimativa da data prevista de parto, as aplicações móveis oferecem estimativas consistentes entre si e corrigem os anos bissextos, enquanto os discos gestacionais de papel podem apresentar variações até sete dias e geralmente não contabilizam anos bissextos.[37] Uma vez estimada a data do parto, raramente é alterada, já que que a estimativa é mais precisa no início da gravidez.[38]
Ao longo da gravidez, a mulher passa por diversas alterações fisiológicas perfeitamente normais, incluindo alterações cardiovasculares, hematológicas, metabólicas, renais e respiratórias, que asseguram a viabilidade do feto e têm um papel fundamental no caso de complicações. A gravidez é geralmente dividida em três trimestres, cada um com a duração aproximada de três meses. Os obstetras definem cada trimestre com a duração de 14 semanas, num total de 42. Embora não haja limites precisos entre eles, esta distinção é útil para descrever as diferentes alterações fisiológicas e anatómicas que ocorrem em cada um deles.[39]
Uma gravidez tem início com a fecundação de um óvulo (gâmeta feminino) por um espermatozoide (gâmeta masculino). Ao longo do ciclo menstrual que antecede a gravidez o corpo da mulher sofre alterações no sentido de se preparar para uma possível fecundação. Com a ovulação, o óvulo maduro liberta-se do seu folículo e deposita-se numa das trompas de falópio. Através da ejaculação de sémen durante uma relação sexual são depositados na vagina milhões de espermatozoides, que percorrem todo o útero e trompas de falópio até cercarem o óvulo. Ao entrar na trompa, o óvulo perde a camada exterior de células devido à ação de substâncias nos espermatozoides e no revestimento da parede das trompas. Ao perder a camada exterior, o óvulo permite que alguns espermatozoides penetrem na sua superfície; no entanto, geralmente só um dos espermatozoides é que realiza a fecundação. Depois de penetrar no óvulo, a cabeça do espermatozoide separa-se da cauda. Embora a cauda desapareça gradualmente, a cabeça e o respetivo núcleo sobrevivem. À medida que vai avançando em direção ao núcleo do óvulo, nesta fase designado pronúcleo feminino, a cabeça do espermatozoide aumenta de tamanho e torna-se o pronúcleo masculino. Os pronúcleos unem-se no centro do óvulo, onde a cromatina de ambos se organiza em cromossomas.[1]
O núcleo feminino tem inicialmente 44 cromossomas não sexuais (autossomas) e dois cromossomas sexuais (X, X), num total de 46. Antes da fecundação, uma forma particular de divisão celular denominada meiose reduz para metade (23) o total de cromossomas no pronúcelo feminino, entre os quais apenas um cromossoma sexual X. O gâmeta masculino tem também 44 autossomas e dois cromossomas sexuais (X, Y). Após a meiose, este número é igualmente reduzido para metade, entre os quais apenas um cromossoma sexual que pode ser X ou Y. Com a união dos pronúcleos feminino e masculino, os cromossomas de ambos unem-se através de um processo denominado mitose. Após a mitose, o óvulo fecundado, agora denominado zigoto, divide-se em duas células-filhas de igual tamanho. O sexo das células-filhas é determinado pelo cromossoma sexual masculino que resultou da meiose, conforme seja X ou Y.[1]
A formação de gémeos depende de eventos ocorridos na fecundação. Os gémeos verdadeiros ocorrem quando, após ser fecundado por um espermatozoide, um óvulo se divide em dois. Os gémeos verdadeiros partilham a mesma informação genética, são do mesmo sexo e têm personalidades semelhantes. Só 2/3 dos gémeos verdadeiros é que partilham a mesma placenta no útero, embora tenham sacos amnióticos diferentes. Os gémeos falsos ocorrem quando a mulher produz dois óvulos distintos que são fecundados por dois espermatozoides diferentes. Os gémeos falsos são tão parecidos entre si como qualquer irmão, podendo ser de sexos diferentes, uma vez que só metade da sua informação genética é igual. Cada gémeo falso tem a sua própria placenta e saco amniótico. A probabilidade de ter gémeos aumenta no caso da mulher estar a ser submetida a tratamentos de fertilidade ou houver antecedentes familiares, especialmente da parte da mãe.[40]
Nos seres humanos, a embriogénese, ou período embrionário, tem início com a fecundação e prolonga-se até ao início do período fetal. Após a fecundação, o zigoto desloca-se lentamente ao longo da trompa de Falópio em direção ao útero. Ao longo desta viagem de mais de uma semana, o zigoto divide-se em células idênticas. Esta divisão celular tem início aproximadamente entre 24 a 36 horas após a fecundação. Ao fim do 4º dia de divisão celular, o zigoto dá origem a uma esfera sólida de 16 ou 32 células denominada mórula. Ao chegar ao útero, cinco dias após a fecundação, esta esfera apresenta-se oca e tem entre 50 e 100 células. Nesta fase passa a ser denominada blastócito, demorando cerca de seis dias até nidificar na parede uterina. O revestimento de proteínas do blastócito dissolve-se, o que permite às suas células trofoblásticas entrar em contacto e aderir às células endometriais da parede uterina. O embrião une-se com o endométrio através de um processo denominado nidação, que ocorre oito a dez dias após a ovulação. Após alguns dias, forma-se o celoma extra-embrionário que se tornará na cavidade coriónica, a qual irá conter o embrião, o líquido amniótico e o cordão umbilical. Desenvolve-se também a cavidade amniótica entre o citotrofoblasto e a massa de células interna. Desenvolve-se também a placa pré-cordal, que indica o futuro local da boca e da região cranial. Nesta fase, o embrião cresce rapidamente e começam a tomar forma as principais características externas. Este processo, denominado diferenciação celular, produz os diferentes tipos de células do organismo.[41][42][43]
Durante a quarta semana de idade gestacional (segunda semana de idade embrionária), as células trofoblásticas que envolvem as células embrionárias penetram profundamente no revestimento uterino, formando a placenta e as membranas embrionárias. Começa-se também a formar a vesícula vitelina, as células embrionárias formam um disco embrionário com duas células de espessura, desenvolve-se a linha primitiva e aparecem as vilosidades coriónicas. Na quinta semana de idade gestacional (terceira semana de idade embrionária) tem início a gastrulação, forma-se a corda dorsal no centro do disco embrionário, começa-se a formar o que virá a ser a medula espinal, com uma saliência que corresponderá ao cérebro, e aparecem os primeiros neurómeros. Já no final da semana, começam também a formar-se os vasos do coração primitivo e a desenvolver-se vascularização no disco embrionário.[44]
Embora entre a 5ª e 6ª semana de gestação seja possível detectar atividade elétrica no cérebro, isto é apenas considerado atividade neural primitiva, e não ainda o início do pensamento consciente, algo que só se desenvolverá muito mais tarde. As sinapses só se começam a formar por volta das 17 semanas e, no início da 28ª semana, começam-se a multiplicar a um ritmo acentuado que se prolonga até 3 a 4 meses após o nascimento.[45]
À sexta semana de idade gestacional (quarta semana de idade embrionária), o embrião mede cerca de 4 mm de comprimento e começa-se a curvar em forma de C. O coração desenvolve-se e começa a bater a um ritmo regular, aparece o septo primário e formam-se as cavidades que irão dar origem às estruturas da face e do pescoço, sendo já visível o início da formação dos braços e de uma cauda. O tubo neural encerra, aparecem os primeiros traços do pulmão e do fígado, aparecem ainda as estruturas que formarão o pâncreas e o baço e rompe-se a membrana bucofaríngea que formará boca. Na medula espinal, começa-se a diferenciar o corno anterior e posterior. Durante a sétima semana de idade gestacional (quinta semana de idade embrionária) o embrião mede cerca de 9 mm de comprimento. Nesta semana, começam-se a desenvolver as estruturas que formarão os olhos e o nariz e os brotos das pernas e das mãos. O cérebro divide-se em cinco vesículas, incluindo o telencéfalo primitivo e inicia-se a diferenciação do estômago. Existe já uma circulação sanguínea primitiva entre os vasos que ligam a vesícula vitelina e as vilosidades coriónicas. Inicia-se ainda o desenvolvimento do metanefro, precursor dos rins.[44]
Durante a oitava semana de idade gestacional (sexta semana de idade embrionária) o embrião mede aproximadamente 13 mm de comprimento. Começam-se a formar os pulmões, o sistema linfático e os órgãos genitais externos, sendo também visível a crista gonadal. Os braços e as pernas aumentam de comprimento, sendo agora visíveis as áreas dos pés e das mãos, as quais já têm dedos mas que ainda estão unidos.[44] Durante a nona semana de idade gestacional (sétima semana de idade embrionária) o embrião mede cerca de 18 mm de comprimento, estando já em processo de formação todos os órgãos essenciais. É possível ouvir o som do batimento cardíaco através de doppler e pode ser possível observar movimentos espontâneos dos membros através de ecografia. Começam-se a formar os folículos pilosos e os mamilos, são visíveis os cotovelos e os dedos dos pés e o ducto vitelino é geralmente encerrado. Ao fim da nona semana, decorreram 49 dias desde a fecundação e 63 dias desde o primeiro dia do último período menstrual.[44] Ao longo da décima semana de gestação (oitava semana de idade embrionária), as pálpebras estão mais desenvolvidas e começam-se a fechar e as orelhas e as características faciais tornam-se mais distintas.[32]
Ao fim da décima semana de idade gestacional, o embrião passa a ser denominado feto. Termina assim o período embrionário e inicia-se o período fetal.[32] No início da fase fetal, o risco de aborto diminui acentuadamente.[46] O feto tem agora cerca de 30 mm de comprimento e através de ecografia é possível observar o batimento cardíaco e a realização de vários movimentos involuntários.[47] Entre as 11 e 14 semanas de idade gestacional, as pálpebras do feto estão cerradas e só se voltarão a abrir por volta da 28ª semana. A face está bastante desenvolvida, os membros apresentam-se longos e esguios e o fígado já produz glóbulos vermelhos. Neste intervalo aparecem as unhas nos pés e nas mãos, os órgãos genitais e os brotos para os futuros dentes. A cabeça é proporcionalmente muito grande, cerca de metade do tamanho do feto. Entre as 15 e 18 semanas de gestação o bebé começa-se a mexer e a esticar. A pele é praticamente transparente e surge um tipo de cabelo muito fino denominado lanugo. Desenvolvem-se os tecidos musculares, os ossos tornam-se mais fortes e o fígado e o pâncreas já produzem secreções.[32]
Entre as 19 e as 21 semanas de gestação o bebé já consegue ouvir e é muito mais ativo em relação às semanas anteriores, sendo capaz de engolir. A mãe começa a ter uma sensação semelhante ao bater de asas de borboleta no baixo ventre, que corresponde aos primeiros movimentos do bebé. À 22ª semana, o bebé está mais ativo e algumas mães já conseguem sentir claramente o bebé a mover-se. O lanugo cobre a totalidade do corpo, aparecem as sobrancelhas e as pestanas, as unhas crescem até às extremidades dos dedos, o aparelho digestivo começa a produzir mecónio e é possível ouvir o batimento cardíaco apenas com um estetoscópio. Entre as 23 e 25 semanas, a medula óssea começa a produzir células sanguíneas, desenvolvem-se as vias respiratórias e o feto começa a armazenar gordura. À 26ª semana, as sobrancelhas e pestanas já se encontram formadas, os olhos estão plenamente desenvolvidos e as impressões digitais estão em formação. O feto sobressalta-se em resposta a ruídos altos e formam-se nos pulmões alvéolos, embora o feto não seja ainda capaz de respirar no exterior.[32]
Entre as 27 e as 30 semanas de gestação o cérebro do feto cresce aceleradamente e o sistema nervoso encontra-se suficientemente desenvolvido para controlar algumas funções corporais. As pálpebras são capazes de abrir e fechar e o aparelho respiratório, embora imaturo, produz tensioativos que permitem encher os pulmões com ar. Entre as 31 e 34 semanas o feto cresce muito rapidamente e armazena uma quantidade assinalável de gordura, ferro, cálcio e fósforo. Os ossos encontram-se desenvolvidos, embora sejam ainda moles. O feto começa a respirar de forma ritmada, embora os pulmões não estejam completamente desenvolvidos. Entre as 35 e 37 semanas o feto pesa já cerca de 2,5 kg e continuará a ganhar mais peso, embora provavelmente o comprimento já não deva aumentar significativamente. Devido à gordura acumulada, a pele já não é tão rugosa. O feto tem padrões de sono definidos, o coração e os vasos sanguíneos estão completos e os músculos e ossos totalmente desenvolvidos. Entre as 38 e 40 semanas de gestação, o lanugo desaparece, exceto nos ombros, o cabelo é mais denso e espesso, as unhas crescem para além das extremidades dos dedos e estão presentes mamilos em ambos os sexos. À 40ª semana de idade gestacional decorreram 38 semanas desde a fecundação e o trabalho de parto pode começar a qualquer momento.[32]
Durante a gravidez, o organismo materno passa por diversas adaptações e alterações fisiológicas fundamentais para sustentar o feto em crescimento e preparar o parto. Embora as alterações mais evidentes sejam as decorrentes do aumento do volume uterino, ocorre também um grande número de alterações hormonais, metabólicas, bioquímicas e anatómicas.[48]
O corpo lúteo, que normalmente se desintegra no fim do ciclo menstrual e dá origem à menstruação, é, em caso de gravidez, preservado por hormonas segregadas pela recém-formada placenta. Isto acontece porque o corpo lúteo produz duas hormonas essenciais à gravidez, a progesterona e o estrogéneo, e só após algumas semanas é que a placenta é capaz de produzir estas hormonas de forma autónoma e sem colocar em risco a gravidez. Durante os primeiros meses, o ovário onde se situa o corpo lúteo em funcionamento é consideravelmente maior, normalmente regredindo no fim da gravidez. O papel das trompas de Falópio na gravidez restringe-se à alimentação do zigoto enquanto se desloca entre o ovário e o útero. Ao longo da gravidez, a cor geralmente rosada da vagina altera-se para um tom azulado devido à dilatação dos vasos sanguíneos e, mais tarde, para vermelho devido à maior afluência de sangue. O número e o tamanho das células da mucosa vaginal aumentam, produzindo maior quantidade secreções. A superfície torna-se mais macia, flexível e relaxada com o objetivo de preparar a passagem do feto durante o parto.[1]
O útero é um órgão de forma semelhante a uma pêra, que compreende uma extremidade inferior, denominada colo do útero (ou cérvix), adjacente a uma parte bolbosa maior, denominada corpo do útero. Numa mulher não grávida com cerca de vinte anos, o útero mede aproximadamente sete centímetros de comprimento e pesa cerca de 30 gramas. No termo de uma gravidez, o útero mede cerca de 30 cm de comprimento, pesa cerca de 1 200 g e tem uma capacidade líquida entre 4 e 5 litros. Este aumento significativo de tamanho durante a gravidez deve-se ao aumento da quantidade de fibras musculares, vasos sanguíneos, nervos e vasos linfáticos na parede uterina. A própria fibra muscular aumenta entre cinco a dez vezes de tamanho e o diâmetro dos vasos sanguíneos e capilares aumenta consideravelmente. Durante as primeiras semanas de gestação, a forma do útero mantém-se inalterada. Por volta da 14ª semana, o corpo do útero apresenta a forma de uma esfera achatada, enquanto o colo se apresenta muito mais macio e adquire um rolhão mucoso que o protege. À medida que o feto em crescimento vai exigindo mais espaço, o corpo do útero alonga-se e a parede torna-se mais fina. A determinado ponto, sobe para além da pélvis e preenche a cavidade abdominal, exercendo pressão no diafragma e nos outros órgãos. Com a aproximação da data de termo, a cabeça do feto começa a descer em direção à pélvis, fazendo com que todo o útero acompanhe o movimento, dando origem ao que popularmente se denomina "descida da barriga". No entanto, este processo pode só ocorrer durante o parto ou não ocorrer caso o feto esteja numa posição fora do esperado. No termo da gravidez, o colo do útero vai-se tornando gradualmente mais fino e macio e, durante o parto, dilata para a passagem do bebé.[1]
A placenta é uma estrutura em forma de disco que envolve e protege o feto e o líquido amniótico. No termo da gravidez, pesa entre 500 e 1 000 gramas, mede 16 a 20 cm de diâmetro e 3 a 4 cm de espessura. Este órgão encontra-se unido às vilosidades coriónicas que revestem todo o útero, tem aparência lisa e brilhante e é constituída por diversos vasos sanguíneos que se unem no ponto onde começa o cordão umbilical. O sangue materno flui entre os vasos uterinos e o espaço interviloso, onde se acumula. Em cada vilosidade existe uma rede de vasos sanguíneos que fazem parte do sistema circulatório fetal e cuja circulação é impulsionada pelo coração do feto. Esta divisão entre a circulação materna e fetal denomina-se barreira placentária. À medida que a gravidez avança, a barreira torna-se mais fina. Esta barreira impede a passagem de células sanguíneas e de bactérias, embora permita a passagem de nutrientes, sal, vírus, hormonas e diversas substâncias, entre as quais drogas nocivas ao feto.[1]
Na região pélvica, os vasos sanguíneos e linfáticos aumentam de tamanho e desenvolvem novas ramificações de modo a suportar o aumento de fluxo de sangue ao útero e restante órgãos. À medida que a gravidez avança, os músculos, ligamentos e outros tecidos da região tornam-se gradualmente mais pronunciados, elásticos e fortes de modo a permitir que o útero cresça para além da pélvis e que o bebé possa atravessar o canal de parto com maior facilidade. Os ossos pélvicos sofrem poucas alterações durante a gravidez. No entanto, a hormona relaxina relaxa a união entre os ossos frontais da bacia e entre a bacia e o sacro.[1]
Durante o início da gravidez, uma das alterações mais percetíveis nas mamas é o agravamento da sensação de desconforto e saturação características do período pré-menstrual, que é de tal forma específica que pode ser um sinal da gravidez. À medida que a gravidez avança, os seios aumentam de tamanho, a pigmentação da aréola torna-se cada vez mais escura, e as artérias por baixo da pele e as glândulas de Montgomery tornam-se mais proeminentes. Estas alterações são causadas pelo aumento da quantidade de estrogéneo e progesterona no sangue, as quais também preparam o tecido mamário para a ação da hormona prolactina, responsável pela produção de leite após o parto. No final da gestação os ductos lactíferos começam a segregar colostro, um líquido leitoso que servirá para alimentar o bebé nos primeiros dias de vida. A produção de prolactina e a lactação continuam enquanto a mãe continuar a amamentar.[1]
Um dos sinais mais visíveis da gravidez é o aparecimento de estrias nas mamas e nos abdómen, devido ao rompimento das fibras elásticas da pele e à deposição de gordura subcutânea. Após o parto, estas marcas podem-se tornar permanentes, embora não se manifestem em muitas mulheres. Outro sinal universal é o aumento da pigmentação da pele, sobretudo das aréolas e da vulva. Também comuns são a descoloração das palmas das mãos e o aparecimento de vasos sanguíneos avermelhados na pele dos braços e da cara. Durante a gravidez, aumenta também a produção de sebo e suor pela pele, o que pode acentuar o odor. Em alguns casos, o cabelo e as unhas tornam-se mais finos. No entanto, a maior parte destas alterações desaparece após o parto.[1][49]
Durante a gravidez, a necessidade cada vez maior de sangue, oxigénio e nutrientes por parte do feto e dos tecidos coloca um esforço acrescido no coração da mãe. Entre as 9 e as 14 semanas de gestação, o débito cardíaco começa a aumentar significativamente, só voltando a diminuir perto da data do parto. Entre as 28 e 30 semanas, o esforço do coração é 25 a 30% superior ao período anterior à gravidez, embora o órgão não aumente de volume. No entanto, empurrado pelo diafragma e pelo útero em crescimento, o coração da grávida fica mais perto da parede torácica, o que pode distorcer os sons ouvidos ao estetoscópio. Uma gravidez normal não provoca o aumento da pressão arterial, verificando-se, pelo contrário, uma ligeira diminuição. Aliás, o aumento da pressão arterial é um sinal de alarme, geralmente indicando a possibilidade de pré-eclampsia. Por outro lado, a pulsação arterial é ligeiramente superior durante a gravidez, causada pelo aumento do débito cardíaco, necessário para deslocar o maior volume de sangue. O aumento da circulação de sangue na pele (circulação periférica) causa, em algumas mulheres, o aumento da temperatura da pele, tendência para suar e vermelhidão das palmas das mãos.[1]
A alteração mais perceptível no sistema circulatório é o abrandamento da circulação sanguínea nos membros inferiores, o que leva ao aumento da pressão nas veias e estagnação do sangue nas pernas. Estas alterações são provocadas pela compressão da veia cava inferior pelo útero e pelo aumento da produção de hormonas. Embora sejam cada vez mais proeminentes ao longo da gravidez, podendo causar varizes e inchaço das pernas, estas alterações geralmente desaparecem após o parto. A pressão do útero em crescimento nos vasos linfáticos da pélvis provoca a diminuição da drenagem linfática das pernas, o que causa inchaço e dilatação das pernas e pés. O inchaço generalizado noutras partes do corpo é geralmente um sinal de alarme. O volume plasmático aumenta progressivamente a partir da sexta semana e o volume de hemácias aumenta depois da oitava semana. Ambos os volumes tornam-se estáveis nas últimas semanas, mas, como o aumento do volume plasmático é mais precoce e tende a ser mais acentuado do que o aumento do volume de hemácias, ocorre um efeito de diluição responsável pela chamada anemia fisiológica da gravidez. A alteração dos fatores de coagulação prepara o organismo da mulher para o momento do parto, permitindo controlar rapidamente eventuais hemorragias, embora durante a gestação e puerpério aumente o risco de trombose.[1][48]
No termo da gravidez, a quantidade de sangue de uma mulher grávida é aproximadamente 25% superior em relação ao estado de não gravidez, de modo a preencher os vasos do útero, a transportar uma maior quantidade de oxigénio e nutrientes para o feto e servir de reserva em caso de hemorragias. Este aumento é consequência do aumento do número de glóbulos vermelhos (20%) produzidos na medula óssea e pelo aumento do volume do plasma (30%), causado pela retenção de líquidos. Esta diferença de valores faz diminuir a viscosidade do sangue e causa uma anemia aparente.[1]
Durante a gravidez, o diâmetro da caixa torácica aumenta, fazendo com que também aumente o volume ocupado pelos pulmões. No primeiro trimestre, a quantidade de ar que é inspirada e expirada por minuto aumenta 40%. Isto deve-se à atuação da progesterona nos centros respiratórios do bulbo raquidiano, o que contribui para o aumento das trocas gasosas na placenta. Imediatamente antes do parto, o número de ciclos respiratórios por minuto é aproximadamente o dobro em relação ao período posterior ao parto.[1][48][50]
A intolerância a alimentos gordos, indigestão, desconforto e azia na parte superior do abdómen que se manifestam na maior parte das grávidas são causados por distúrbios na função gástrica. Durante a gravidez, o estômago produz quantidades cada vez menores de ácido clorídrico e pepsina, os quais são necessários para uma digestão adequada e para a regulação da acidez no estômago. Devido ao efeito relaxante da progesterona sobre as fibras musculares lisas presentes em todo o sistema gastrointestinal, os músculos da parede do estômago perdem tensão, o que diminui a sua capacidade de contração e faz com que demore mais tempo a esvaziar o seu conteúdo. A diminuição da tensão muscular também no intestino provoca a diminuição dos movimentos peristálticos. Isto faz com que aumente quantidade de tempo que a comida demora a percorrer o trato intestinal, o que causa obstipação e, consequentemente, hemorroidas, embora o aparecimento destas também se deva à pressão do útero no soalho pélvico. A alteração do paladar e do olfato é relativamente comum durante os primeiros meses de gestação, podendo a grávida passar a achar desagradáveis odores ou alimentos que anteriormente considerava agradáveis e vice-versa. Muitas grávidas queixam-se de inflamações nas gengivas e na boca; no entanto, as causas são geralmente anemia, insuficiência de vitaminas e higiene oral inadequada, e não a própria gravidez.[1][48]
As várias alterações na bexiga e na uretra são causadas pelo relaxamento dos músculos, por alterações na posição do órgão e pela pressão exercida pelo útero. Durante os primeiros meses, a pressão do útero provoca vontade de urinar frequente que diminui a partir do meio da gravidez, embora possa voltar a ocorrer perto do termo, quando o feto desce. Como consequência das alterações anatómicas, a parede da bexiga torna-se mais espessa com a dilatação dos vasos sanguíneos, retendo líquido, o que provoca inchaço ligeiro e inflamação mecânica da parede. No fim da gravidez, isto pode levar ao aparecimento de inflamações urinárias que se manifestam através de dor ao urinar e que, se não forem tratadas, podem dar origem a problemas urinários mais graves. Como consequência do relaxamento dos músculos que controlam a micção, é comum que a grávida perca alguma urina de forma involuntária ao tossir, espirrar ou rir. À medida que a gravidez avança, os uréteres e a pelve renal dilatam, perdendo capacidade de contração, o que faz com que a urina se acumule e escoe mais lentamente.[1]
A função dos rins é filtrar água, sódio, potássio, cloretos, proteínas e outras substâncias do sangue, mantendo o equilíbrio eletrolítico e químico do corpo, e recolher excedentes do sangue, expelindo-os através de urina. Durante a gravidez, o esforço que é solicitado aos rins aumenta consideravelmente devido à maior quantidade de água e sangue em circulação. Durante o início da gravidez, a secreção de grande quantidade de urina com pouca acidez, a par da pressão do útero na bexiga, provoca vontade de urinar constante. À medida que a gravidez avança, a acumulação de nitrogénio faz diminuir a excreção de ureia. A presença de proteínas na urina durante a gravidez é, geralmente, um sinal de alarme para a pré-eclampsia ou doenças renais. Durante a gravidez, a capacidade do rim de absorver glicose é menor e a sua presença na urina pode ser indicador de diabetes.[1]
Durante a gravidez, a maior parte das glândulas endócrinas aumentam de tamanho e algumas sofrem modificações funcionais. No início da gravidez, o lobo anterior da hipófise aumenta de tamanho, segregando as hormonas que vão estimular as restantes glândulas endócrinas e, no fim da gravidez, a hormona prolactina que vai estimular a produção de leite. Embora a tiroide aumente de tamanho, não há alterações significativas na sua função. Ao longo da gravidez, aumenta também a produção da hormona aldosterona, responsável pela retenção de sal e água pelo corpo. As ilhotas de Langerhans no pâncreas, responsáveis pela produção de insulina, aumentam de tamanho, de modo a dar resposta à maior necessidade do corpo de produtos resultantes do metabolismo dos hidratos de carbono.[1] A progesterona, em conjunto com a prolactina, induz a maturação das mamas durante a gravidez, o que vai permitir a produção de leite e amamentação após o parto, ao mesmo tempo que inibe a produção até ao momento do parto.[51]
O fígado é responsável por muitos dos processos metabólicos vitais, incluindo a eliminação das substâncias nocivas produzidas pelos processos metabólicos do feto. Durante a gravidez, aumenta de tamanho e peso e os seus vasos sanguíneos dilatam, ajustando-se à maior quantidade de hormonas e glóbulos vermelhos em circulação no sangue. A taxa metabólica basal começa a aumentar a partir do terceiro mês, de modo a responder às necessidades conjuntas da mãe e do feto. O corpo da grávida necessita de maior quantidade de nitrogénio, obtido a partir do metabolismo das proteínas ingeridas e fundamental para o crescimento do feto e dos tecidos. Ao longo da gravidez, a quantidade de lípidos no sangue aumenta de 600–700 mg/dL para 900–1 000 mg/dL. Embora os rins processem maior quantidade de sangue, são incapazes de reabsorver a maior quantidade de glicose, pelo que a grávida tolera uma menor quantidade de açúcar no sangue.[1]
A quantidade de água no corpo também aumenta, sendo acrescentados mais 3 500-4 000 mL de líquido ao já existente nos tecidos. Este acréscimo é retido principalmente pelo útero, pelo líquido amniótico, pelo feto e também pelos músculos, tecidos moles da pélvis e mamas. Entre um a dois meses antes da data de termo, acumula-se nas extremidades inferiores da grávida uma quantidade significativa de líquido, o que causa inchaço das pernas. Esta retenção de líquidos é acompanhada pela retenção de eletrólitos, sobretudo sódio. Quando a retenção de água e sódio é excessiva, verifica-se inchaço generalizado do corpo.[1]
O parto é o processo pelo qual nasce o bebé. Considera-se que a mulher está em trabalho de parto quando começa a sentir contrações uterinas em intervalos regulares e progressivas que gradualmente fazem descer o feto pelo colo do útero e pela vagina (canal de parto) até à sua expulsão para o exterior. Estas contrações são acompanhadas por alterações no colo do útero, o qual dilata e se torna cada vez mais fino até desaparecer. Embora a maior parte dos nascimentos ocorra por parto vaginal, podem surgir determinadas complicações que obriguem à realização de uma cesariana.[52]
A maioria dos partos tem início num intervalo de duas semanas antes ou depois da data prevista de parto.[52] Na situação mais desejável, o trabalho de parto ocorre de forma espontânea e quando a mulher se encontra na data de termo.[53] A gravidez é considerada a termo quando a gestação durou entre 37 e 42 semanas.[54] Os eventos ocorridos antes das 37 semanas completas são considerados pré-termo e os eventos ocorridos após as 42 semanas são considerados pós-termo.[54] Os bebés nascidos entre as 39 e as 41 semanas de gestação são os que apresentam o melhor prognóstico de saúde possível, em comparação com aqueles que nascem antes ou depois deste intervalo. A não ser que exista uma recomendação médica em contrário, o parto planeado não deve acontecer antes das 39 semanas completas, a apenas com indicação médica e no caso do colo do útero ser favorável.[53][54]
O parto pré-termo, ou prematuro, está associado a uma série de riscos e problemas, pelo que é evitado sempre que possível até a gravidez se encontrar a termo.[55][56] No entanto, existem situações em que o parto prematuro é inevitável, como no caso de contrações uterinas ou rotura prematura das membranas antes das 39 semanas.[54] Quando uma gravidez excede as 42 semanas, o risco de complicações para a mulher e para o feto aumenta significativamente.[57][58] Neste casos, e quando não existam outras complicações, os obstetras geralmente optam por induzir o parto entre as 41 e 42 semanas.[59]
Os primeiros sinais que indicam o início de trabalho de parto são a expulsão do rolhão mucoso, a rotura da bolsa de águas e contrações uterinas em intervalos regulares. A expulsão do rolhão mucoso consiste na expulsão pela vagina de um muco gelatinoso, o qual pode ser rosado ou acastanhado. Esta expulsão pode ocorrer horas ou até mesmo dias antes do parto, significando que o nascimento poderá ocorrer em breve. A rotura da bolsa de águas é a saída do líquido amniótico pela vagina, causada pela rotura das membranas que envolvem o bebé. O líquido amniótico é normalmente claro e transparente e a sua saída pode ocorrer de forma lenta e gradual ou bruscamente e em grande quantidade. No início do trabalho de parto as contrações são irregulares e pouco frequentes e, gradualmente, vão-se tornando mais regulares, intensas e próximas. As contrações do trabalho de parto, regulares e dolorosas, não devem ser confundidas com as contrações de Braxton Hicks, que são contrações irregulares e indolores comuns nas últimas semanas de gestação.[52][60]
Na grande maioria das gravidezes (80-90%), o trabalho de parto começa nas 24 horas a seguir à rotura da bolsa de águas. Geralmente recomenda-se a deslocação para a instituição de saúde onde irá ocorrer o parto quando rompem as águas ou quando as contrações são regulares, dolorosas e com intervalos de dez minutos entre cada uma delas. Na primeira gravidez, o trabalho de parto geralmente não demora mais do que 12-14 horas. Em gravidezes posteriores é mais curto, demorando em média 6-8 horas. Pensa-se que o parto seja provocado pela ação da ocitocina, uma hormona que causa a contração do útero. O trabalho de parto vaginal divide-se em 3 etapas: dilatação, expulsão e dequitadura. Geralmente, as 4 horas posteriores à expulsão da placenta são também denominadas quarta etapa do trabalho de parto.[52][60]
O período de dilatação é o intervalo de tempo desde o início do trabalho de parto até à dilatação completa do colo do útero (cerca de 10 cm). Esta etapa é a mais longa do trabalho de parto, podendo ultrapassar as 12 horas no primeiro filho. A etapa de dilatação pode ser dividida em duas fases: a fase latente e a fase ativa. Na fase latente, que dura em média 8,5 horas na primeira gravidez, as contrações do útero tornam-se gradualmente mais intensas e ritmadas, o colo do útero contrai-se e dilata até cerca de 4 cm e a sensação de desconforto ainda é mínima. Na fase ativa, o colo do útero dilata entre 4 e 10 cm e a parte com que o bebé se apresenta (geralmente a cabeça) começa a descer pelo canal de parto, pelo que a mãe começa a sentir a necessidade de fazer força. A fase ativa dura em média 5 horas na primeira gravidez e 2 nas gravidezes seguintes.[52][60]
Se, ao fim de 24 horas após a rotura das membranas, o trabalho de parto ainda não tiver começado, geralmente é necessária a indução do parto para reduzir o risco de infeção causado pela entrada das bactérias da vagina no útero. O parto é geralmente induzido com a administração de ocitocina. Ao dar entrada no hospital, geralmente com contrações fortes de 5 em 5 minutos e uma dilatação superior a 4 cm, são feitos vários exames e análises de sangue e urina, controla-se o ritmo cardíaco da mãe e do feto e é avaliada a apresentação do feto. Se, durante a rotura das membranas, o líquido amniótico se apresentar com uma coloração esverdeada, significa que o feto defecou mecónio para o líquido e pode ser um indicador de sofrimento fetal.[52]
A fase expulsiva é o intervalo de tempo desde a dilatação completa do colo uterino até à expulsão completa do bebé pela vagina. Esta etapa pode durar até 60 minutos na primeira gravidez e cerca de 15-30 minutos nas gravidezes seguintes. A posição e apresentação do feto determinam como vai passar pela vagina. Nas semanas anteriores ao parto, normalmente o bebé dá a volta para que a cabeça se apresente de frente para a vagina (apresentação cefálica). Esta é a apresentação mais segura e frequente. A apresentação de nádegas (podálica) e de ombros (transversal) fazem com que o parto seja mais complicado, ao tornarem mais difícil a passagem do feto no canal vaginal. É durante esta etapa que é pedido à mãe que faça força em cada contração, de modo a deslocar o feto pela vagina, descontraindo entre as contrações. Em algumas situações é necessário realizar um pequeno corte cirúrgico do períneo (episiotomia) para evitar rompimentos dos tecidos.[52][60]
A dequitadura é o intervalo de tempo entre a expulsão do bebé e a expulsão da placenta e normalmente dura poucos minutos.[52] A expulsão da placenta tem início com o desprendimento fisiológico da placenta da parede do útero.[61] Mais de metade das mortes maternas acontece nas 24 horas posteriores ao parto e são causadas principalmente por hemorragias pós-parto. A Organização Mundial de Saúde recomenda que seja feita a gestão ativa da terceira etapa do parto, de modo a diminuir o risco de hemorragias pós-parto. A gestão ativa consiste na administração de uterotónicos durante ou após a expulsão do feto, na remoção controlada do cordão umbilical e da placenta e em massagem uterina.[62][63]
Uma cesariana é um procedimento cirúrgico em que é feita uma ou mais incisões no abdómen e útero da grávida para fazer nascer o bebé. Este procedimento é geralmente realizado quando um parto vaginal coloca em risco a saúde da mãe ou do bebé. Antes da incisão são administrados antibióticos. É feita uma incisão no útero, a qual é alargada ao longo do eixo céfalo-caudal, sendo depois extraído o bebé e, por fim, a placenta.[64] É usada anestesia local em 95% das cesarianas, sendo as mais comuns a anestesia espinhal e a combinação de anestesia espinhal com anestesia epidural. Em ambas a grávida permanece acordada.[65]
Entre as razões médicas mais comuns que justificam a realização de uma cesariana estão a placenta prévia, infeção por VIH, pélvis contraída, apresentação do feto difícil ou uma cesariana anterior. Entre os potenciais benefícios são citados a maior segurança para o bebé, menor trauma no soalho pélvico para a mulher, conveniência e ausência das dores do trabalho de parto. No entanto, as cesarianas também estão associadas ao aumento do risco de morbilidade ou mortalidade para a mãe, sequelas psicológicas adversas, infeções pós parto e problemas nas gravidezes futuras, incluindo rotura do útero e um risco acrescido de morbilidade neonatal. Pensa-se também que as diferenças fisiológicas da cesariana para o parto vaginal possam ter implicações no bebé, uma vez que a cesariana pode aumentar o risco de problemas de saúde a curto e a longo prazo.[66][67]
No entanto, e apesar dos riscos, algumas cesarianas são realizadas a pedido da mãe e sem uma razão médica que a justifique.[68] A Organização Mundial de Saúde e as recomendações internacionais alertam para que não sejam realizadas cesarianas antes das 39 semanas e que não sejam realizadas cesarianas sem que exista uma justificação médica. Em muitos países, recorre-se a cesarianas com maior frequência daquilo que é necessário (idealmente entre 10 e 15%), pelo que muitos governos e instituições promovem programas para diminuir a prevalência de cesarianas em relação ao parto vaginal.[69]
O puerpério, ou período pós-natal, tem início imediatamente a seguir ao nascimento e prolonga-se por seis semanas. Durante este período, o corpo da mãe regressa ao estado anterior à gravidez, incluindo a alteração na quantidade de hormonas e no tamanho do útero. No período imediatamente a seguir ao nascimento, a libertação de hormonas faz com que a mãe e o bebé criem uma ligação única. A mãe liberta ocitocina, a qual também é libertada durante a amamentação. O contacto entre a pele da mãe e do recém-nascido imediatamente a seguir ao parto apresenta benefícios para ambos: diminui o choro, melhora a interação mãe-filho e ajuda a mãe a conseguir amamentar. A Organização Mundial de Saúde recomenda que se promova o contacto entre a pele da mãe e do recém-nascido nas duas horas imediatamente a seguir ao parto, uma vez que é neste intervalo de tempo que estão mais alertas, em comparação com as horas seguintes.[70][71]
Ao longo da gravidez, são realizados de forma periódica vários exames e consultas. Os exames de rastreio destinam-se a avaliar o grau de risco da gravidez e incluem análises ao sangue, análises à urina e ecografias Alguns são exames de rotina realizados em todas as grávidas, enquanto que outros são realizados apenas em determinado grupo de risco. Quando um exame de rastreio indica risco acrescido para determinada doença, geralmente é seguido por um exame de diagnóstico que confirma a presença dessa doença.[72]
Nas consultas de acompanhamento é possível ouvir o batimento cardíaco do feto com recurso a um monitor fetal Doppler portátil.
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A primeira consulta médica durante a gravidez é geralmente realizada entre as seis e oito semanas de gestação, ou entre duas e quatro semanas de atraso do período menstrual. Nesta primeira consulta exaustiva são calculadas a idade gestacional e a data prevista de parto e realizados diversos exames e análises para determinar o estado de saúde da grávida e potenciais riscos à gravidez. Determina-se o peso, altura e a pressão arterial e são examinados o pescoço, tiroide, mamas, abdómen, membros, coração, pulmões e os olhos. São também pedidas análises sanguíneas para a contagem de células, determinação do grupo sanguíneo, antiRH e deteção de doenças sexualmente transmissíveis como a sífilis, hepatite, gonorreia, VIH, rubéola e clamídia. É também realizado um exame ginecológico que determina o tamanho e posição do útero e eventuais anomalias. Pode ser realizado um teste de Papanicolau para a presença de cancro do colo do útero e exames genéticos em mulheres em grupos de risco para o desenvolvimento de fetos com malformações genéticas. Em mulheres negras e de origem mediterrânica podem ser feitos testes à drepanocitose.[73]
As consultas de acompanhamento são geralmente agendadas de quatro em quatro semanas até às 32 semanas de gestação, sendo a partir daí de 2 em 2 semanas até às 36 semanas, e uma vez por semana até ao parto. Nestas consultas são anotados o peso, tensão arterial e tamanho e forma do útero. Em cada consulta é recolhida e analisada uma amostra de urina para detectar a presença de açúcar, que pode ser um sinal de diabetes, e de proteínas, que podem ser um sinal de pré-eclampsia.[73]
Na primeira consulta são geralmente realizadas análises ao sangue de rotina a todas as grávidas. Se a grávida fizer parte de um grupo de risco, podem ser adicionalmente realizadas análises a biomarcadores específicos. Nas situações em que a grávida apresenta um risco acrescido de síndroma de Down, por volta das dez semanas são realizadas análises para determinar o nível das hormonas fetais, da proteína plasmática associada à gravidez (PAPP-A) e da gonadotrofina coriónica humana (HCG). Por volta das dezasseis semanas, algumas instituições de saúde realizam análises adicionais. Dependendo da instituição e do risco da gravidez, podem ser requisitadas análises para medição da alfafetoproteína (AFP), uma análise tripla (AFP, HCG e estriol) ou uma análise quádrupla (que também analisa a inibina-A).[72] Quando o fator Rh do sangue da mãe é negativo e existe a possibilidade de doença de Rhesus, geralmente confirma-se a presença de anticorpos antiRh no sangue.[73]
Um valor elevado de alfafetoproteína no sangue da grávida indica uma maior probabilidade de doenças do tubo neural como espinha bífida, anencefalia e outras anomalias no feto. Por outro lado, um valor baixo de alfafetoproteína no sangue em conjunto com um valor elevado de gonadotrofina coriónica humana e um valor baixo de estriol indicam uma maior probabilidade de síndrome de Down. No entanto, existem outras causas que explicam valores elevados: erro no cálculo da idade gestacional, a existência de mais do que um feto, ameaça de aborto ou morte do feto. Em caso de valores elevados, geralmente é recomendada a realização de uma ecografia. No entanto, em 2% dos casos a ecografia não revela a causa do aumento dos valores, situação em que se recomenda a realização de uma amniocentese para medir os valores de alfaproteína no líquido amniótico.[74]
A ecografia é um exame seguro que não implica nenhum risco para a grávida ou para o feto e que permite detectar algumas doenças congénitas durante a fase inicial da gravidez, estimar com maior precisão a idade gestacional e a data prevista de parto e detetar uma gravidez múltipla.[74] A partir das cinco semanas e meia de gestação já é possível observar o embrião. Quando este atinge 5mm é possível observar o batimento cardíaco por ecografia pélvica, embora em alguns casos só seja visível quando atinge os 7mm, o que acontece por volta da 7ª semana.[75] As recomendações internacionais de saúde pública recomendam que seja realizada pelo menos uma ecografia de rotina a todas as grávidas entre as 18 e as 22 semanas de gestação (ecografia do segundo trimestre) e, em países com recursos, que seja também realizada uma ecografia de rotina entre as 11 semanas e as 13 semanas e seis dias de idade gestacional (ecografia do primeiro trimestre). Em alguns países realiza-se ainda uma ecografia de rotina entre as 30 e as 32 semanas (ecografia do terceiro trimestre). Em todas as ecografias de rotina de uma gravidez de baixo risco são avaliados o número de fetos e placentas, a atividade cardíaca, os movimentos fetais, a localização da placenta, a quantidade de líquido amniótico e os valores biométricos. Para além destes parâmetros gerais, em cada trimestre são também avaliados parâmetros específicos.[76][77][78][79]
Na ecografia do primeiro trimestre são geralmente avaliados o comprimento crânio-caudal, a frequência cardíaca do feto, a medida da translucência da nuca, se gémeos partilham ou não a placenta (corionicidade) e a anatomia do feto (pólo cefálico, coluna vertebral, estômago, parede abdominal e membros).[79] O comprimento crânio-caudal permite determinar a idade gestacional com uma precisão ligeiramente superior aos cálculos com base no último período menstrual. Uma vez determinada a idade gestacional por ecografia, não será alterada até ao fim da gravidez.[80] Durante a ecografia do primeiro trimestre é também calculado o risco de trissomia 21. Este risco é calculado através da ponderação conjunta do valor de translucência da nuca medido por ecografia, da idade da mãe e, sempre que possível, do rastreio por análises clínicas da fração livre da gonadotrofina coriónica humana e da proteína plasmática associada à gravidez. Este rastreio combinado identifica 90% dos casos de trissomia 21 e outras principais doenças congénitas.[81]
A ecografia do segundo semestre, ou ecografia morfológica, para além de confirmar alguns dados do primeiro trimestre, destina-se principalmente a identificar malformações do feto. São avaliados o contorno craniano e cérebro, face e pescoço, coração, pulmões, abdómen, coluna vertebral, membros, cordão umbilical e genitais externos. É possível distinguir o sexo do feto por ecografia a partir das 11 semanas de gestação. No entanto, só a partir das 13 semanas é que é possível fazê-lo com uma precisão entre 99% e 100%.[82] Na ecografia do terceiro trimestre são avaliados a apresentação fetal, o perímetro cefálico, perímetro abdominal, comprimento do fémur e vários parâmetros biofísicos.[79]
Os exames de diagnóstico são geralmente propostos a grávidas que apresentem um risco acrescido de doenças cromossómicas. Os fatores de risco mais comuns são a idade superior a 35 anos, antecedentes familiares de doenças cromossómicas, como a síndrome de Down, ou de doenças genéticas, como a fibrose cística, um problema detectado na ecografia ou um risco elevado detectado nos exames de rastreio ou em função de um valor de translucência nucal elevado.[72]
A amniocentese é um exame de diagnóstico utilizado para confirmar a presença de defeitos na espinal medula, de diversas anomalias cromossómicas, como a síndrome de Down, e de doenças autossómicas recessivas como a fibrose cística e a doença de Tay-Sachs. Este exame também permite determinar com 100% de certeza o sexo do bebé. No entanto, nem todas as malformações podem ser detectadas através de amniocentese.[1] O exame consiste na inserção de uma agulha no abdómen para recolha de uma amostra de líquido amniótico. Como este exame apresenta um risco de aborto espontâneo, embora muito baixo (0,06% ou 1:1600), não é um procedimento de rotina e é apenas apresentado como opção a mulheres com idade superior a 35 anos, a mulheres com resultados fora do normal nas análises triplas do primeiro trimestre e a mulheres com historial familiar de determinadas doenças ou malformações. A amniocentese é geralmente realizada a partir das 16 semanas de gestação e os resultados demoram, no mínimo, duas semanas a ser obtidos.[83][84]
A biópsia das vilosidades coriónicas é um exame de diagnóstico que consiste na recolha de uma amostra das vilosidades coriónicas do útero, as membranas embriónicas exteriores. Embora semelhante à amniocentese, este exame pode ser realizado bastante mais cedo, geralmente entre as oito e doze semanas de gestação, o que em caso de resultados desfavoráveis permite optar pela interrupção da gravidez numa fase precoce. Por ser realizado mais cedo, apresenta um risco de aborto espontâneo significativamente superior ao da amniocentese (1-2%).[1][72]
Existem diversas medidas que a grávida pode tomar para promover a saúde e o bem-estar dela e do bebé em crescimento. Por outro lado, é também importante que conheça os comportamentos de risco que colocam em risco a saúde do feto.[85] Entre os cuidados de saúde essenciais estão a suplementação com ácido fólico, a abstenção do consumo de tabaco, álcool e drogas, a prática de exercício físico adequado à gravidez, a comparência às consultas de acompanhamento e exames médicos e ecografias recomendados.[9]
Durante a gravidez, é de especial importância seguir uma dieta equilibrada, aumentando a qualidade nutricional dos alimentos de modo a responder às exigências do bebé em crescimento. As necessidades diárias de uma grávida incluem 2-3 doses de proteínas, 2-3 doses de lacticínios e 5 doses de fruta e legumes. Do total de calorias ingeridas por dia, pelo menos um terço devem ser hidratos de carbono complexos; no máximo um terço devem ser lípidos (gorduras); enquanto que o consumo de hidratos de carbono simples (açúcares) deve ser mínimo. No último trimestre, a grávida necessita de aumentar a ingestão diária de calorias de 2 000 para 2 200.[85]
As proteínas podem ser obtidas de alimentos como o peixe, carne, lacticínios, feijão, leguminosas, lentilhas, nozes e derivados de soja, e o seu consumo durante a gravidez deve aumentar 13%. É importante separar o excesso de gordura da carne e a pele das aves. Devem ser incluídos na dieta uma variedade de lacticínios, especialmente durante o fim da gravidez. Os hidratos de carbono complexos, como o pão, os cereais ou as batatas, que são a base de qualquer dieta, assumem particular importância durante a gravidez, já que devem constituir a principal fonte de energia, em vez das gorduras. Há maiores benefícios no pão escuro ou integral, arroz e massas integrais, batatas, cuscuz e cereais como a aveia, cevada e centeio. As frutas e legumes fornecem vitaminas, sais minerais e fibras. Os citrinos, pêssegos, mangas e quivis fornecem vitamina C que ajuda à absorção de ferro. Entre os alimentos ricos em ácido fólico estão os espinafres (frescos, congelados ou enlatados), legumes verdes (alface, bróculos, espargos), citrinos, melão, grão-de-bico, e ovos.[85][86]
O ómega-3 DHA é um ácido gordo essencial para o desenvolvimento do cérebro, nervos e retina, estando naturalmente presente no leite materno. É importante que a mulher consuma uma quantidade adequada de ómega-3 durante a gravidez e amamentação, uma vez que os bebés ainda em desenvolvimento não o conseguem produzir de forma eficaz e necessitam de receber este nutriente vital através da mãe.[87] Pode ser obtido a partir dos peixes gordos, como a cavala, arenque, sardinha, salmão, truta, atum fresco, avelãs e nos óleos de colza e de linhaça.[85] Deve-se evitar as gorduras da comida processada e substituir as gorduras saturadas (como a manteiga, natas ou banha de porco) por gorduras monoinsaturadas (como o azeite) e poliinsaturadas (como o óleo de girassol). Devem-se evitar os açúcares.[85]
A ingestão adequada de suplementos de ácido fólico (também denominado Vitamina B9) no período periconcecional diminui o risco de malformações fetais graves, principalmente defeitos do tubo neural como a espinha bífida, uma doença congénita grave. O tubo neural desenvolve-se durante os primeiros 28 dias da gravidez, pelo que é importante que a toma de ácido fólico seja iniciada ainda antes da concepção.[88][89] Alguns micronutrientes são importantes para a saúde do feto em desenvolvimento, principalmente em regiões onde a subnutrição é prevalente.[90] Em países desenvolvidos, como na Europa ocidental e na América do Norte, pode ser necessária a suplementação com determinados nutrientes como a vitamina D e o cálcio, necessários para o desenvolvimento ósseo.[91][92][93]
Durante a gravidez, o sistema imunitário da mulher encontra-se diminuído para que o corpo não rejeite o ADN do bebé em crescimento. No entanto, isto faz com que o corpo esteja também mais susceptível a intoxicações alimentares, pelo que a grávida deve ter cuidados acrescidos com a higiene dos alimentos e evitar o consumo de determinados alimentos. Os alimentos podem ser contaminados por algumas bactérias ou parasitas perigosos para a gravidez, como a Listeria e a Toxoplasma gondii. A lavagem criteriosa da fruta e dos vegetais crus pode remover alguns destes patógenos. A carne crua, a carne processada e todas as sobras de comida devem ser sempre cozinhadas e sempre bem passadas. As mulheres grávidas estão também mais suscetíveis a infeções por salmonelas a partir de ovos ou carne de aves, os quais devem também ser plenamente cozinhados e nunca ingeridos crus.[85][94]
É seguro comer queijos curados e alguns moles, desde que pasteurizados. No entanto, devido ao risco de listeriose e salmonelose devem ser evitados todos os queijos moles que são amadurecidos na forma, como o brie e o camembert, e todos os queijos que não forem pasteurizados. Só deve ser consumido leite ultrapasteurizado. Devem ser evitados gelados e sorvetes caseiros ou de quiosques. Não se deve consumir qualquer alimento que contenha ovos crus ou mal passados, como a maionese caseira, mousses, ovos cozidos moles, omeletas, ovos mexidos ou escalfados e pratos com ovos pouco cozinhados como o tiramisu, leite-creme e merengues. Devido ao risco de toxoplasmose e listeriose, devem ser evitados todos os legumes e fruta não lavados. Podem ser consumidos desde que sejam cozinhados ou crus, desde que bem lavados em água corrente ou descascados.[85][94]
Devido ao risco de toxoplasmose e E. coli, não deve ser comida carne crua, mal passada ou pré-cozinhada; carnes fumadas e curadas não cozinhadas, como toucinho, fiambre, presunto e enchidos como o chouriço, salame ou mortadela. Também não deve ser consumido fígado e produtos derivados, devido à elevada quantidade de retinol, nocivo para o bebé em gestação. No entanto, é seguro consumir carne bem cozinhada e carnes curadas, desde que cozinhadas. Pode ser consumido frango cozinhado pré-embalado, desde que aquecido por completo. Devido ao risco de toxoplasmose, não deve ser comido peixe cru, mal passado ou fumado não cozinhado, como sushi ou sashimi. O peixe deve ser bem cozinhado, sendo também seguro consumir peixe enlatado. O tubarão, peixe-espada e o espadarte contêm níveis excessivos de mercúrio. Devido ao risco de salmonelose e campilobactéria deve ser evitado o consumo de marisco cru, como as ostras, e qualquer marisco à venda sem data de validade, embora possa ser consumido marisco bem cozinhado quente. Devem também ser evitados alimentos pré-cozinhados frios, como quiches, devendo ser aquecidos na totalidade para poderem ser consumidos.[85][94]
A quantidade de peso adquirida durante a gravidez varia de mulher para mulher.[95] Em pessoas com peso normal (IMC de 18,5–24,9), o valor de referência para o ganho total de peso numa gravidez com um único feto é entre 11,3 e e 15,9 kg.[96] Em mulheres com baixo peso (IMC < 18,5), o aumento de peso deve ser entre 12,7 e 18 kg; as mulheres com pré-obesidade (IMC 25–29,9) são aconselhadas a ganhar entre 6,8 e 11,3 kg; e mulheres obesas (IMC ≥30) devem aumentar apenas entre 5 e 9 kg.[97] Um aumento excessivo de peso durante a gravidez potencia o risco de complicações para a mãe e para o bebé, incluindo a necessidade de uma cesariana, hipertensão gestacional, pré-eclampsia, macrossomia fetal e distócia de ombro, enquanto que o aumento insuficiente de peso coloca em risco o fornecimento adequado de nutrientes.[95][98] A dieta é a forma mais eficaz de diminuir o aumento excessivo de peso durante a gravidez e os riscos associados.[98] No entanto, ainda não é clara qual é a melhor intervenção para ganhar peso em mulheres que não adquirem peso suficiente.[99]
A maior parte do peso é adquirida numa fase avançada da gravidez, e só uma parte desse peso é que se deve ao bebé.[99] Numa gravidez média, o feto, a placenta e os líquidos no útero pesam cerca de 4,5 kg; o aumento de tamanho do útero e das mamas corresponde a cerca de 2,25 kg; e o aumento de líquidos e gordura no corpo a 2,25 kg. Durante o parto, a mulher perde 7 kg e os restantes 2,25 kg de líquidos são eliminados à medida que o útero encolhe. No entanto, caso a mulher não limite a ingestão de calorias após o parto, pode não perder o restante peso.[1]
Muitos medicamentos de venda livre para tratar doenças comuns, como tosse, constipações ou gripe, são nocivos durante a gravidez. O uso recreativo de drogas e o consumo de tabaco e álcool durante a gravidez podem causar diversas complicações graves na saúde do feto.[100]
O uso de determinados fármacos durante a gravidez pode causar efeitos temporários ou permanentes no feto. Muitos médicos optam por não prescrever medicamentos a mulheres grávidas, devido sobretudo ao risco de teratogenicidade desses fármacos. Do ponto de vista da segurança de uso na gravidez, as categorias farmacológicas na gravidez classificam os medicamentos nas categorias A, B, C, D e X. Isto baseia-se no sistema de classificação da Food and Drug Administration norte-americana, o qual tem por base os potenciais benefícios e riscos para o feto. Os medicamentos, incluindo suplementos vitamínicos, que não tenham demonstrado riscos para o feto em estudos controlados em seres humanos são classificados na categoria A. Por outro lado, medicamentos como a talidomida, com riscos que superam todos os benefícios, são classificados na categoria X.[101]
Entre os medicamentos mais comuns, a aspirina deve ser evitada, já que pode afetar a circulação sanguínea. A codeína está associada a algumas deficiências congénitas. O ibuprofeno está associado a problemas no crescimento do coração e do feto. O paracetamol é seguro em pequenas doses, embora a sobredosagem possa causar problemas nos rins e no fígado do bebé. A maior parte dos medicamentos para a tosse, constipação e gripe contêm codeína, aspirina, ibuprofeno ou paracetamol. Os medicamentos para enxaquecas geralmente têm codeína. Os medicamentos para a diarreia não são seguros porque atrasam o funcionamento do estômago e do intestino, já de si lento devido à gravidez. Os laxantes que contêm sene, cáscara ou bisacodil não são seguros, uma vez que estes fármacos podem atravessar a placenta e impedir os intestino de funcionar corretamente, impedindo o bebé de receber nutrientes. Alguns antibióticos são seguros. Os cremes vaporizantes também são seguros.[100] A isotretinoína, usada em alguns medicamentos para o tratamento de acne, é teratogénica, havendo o risco elevado de causar malformações no feto se tomada durante a gravidez.[102]
O consumo de etanol pode provocar síndrome alcoólica fetal. Vários estudos demonstraram que, embora o consumo ocasional de bebidas alcoólicas possa não apresentar riscos imediatos para o feto, não é possível garantir a total segurança do consumo de álcool, mesmo que seja ingerido em quantidades pequenas.[103] Beber sete ou mais bebidas por semana pode ser prejudicial e pode causar restrições de crescimento no feto. O consumo excessivo pode causar dificuldades de aprendizagem, problemas de comportamento e deficiências físicas na criança. As políticas de saúde pública geralmente reconhecem que é pouco provável que o consumo ocasional possa causar problemas, mas que só a abstinência total é que elimina todos os possíveis riscos.[104]
O consumo de tabaco durante a gravidez pode provocar uma série de dificuldades neurológicas, físicas e comportamentais.[105] Fumar durante a gravidez duplica o risco de ruptura prematura de membranas, descolamento prematuro da placenta e placenta prévia.[106] Aumenta também em 30% o risco do bebé nascer de forma prematura.[107] Recomenda-se que durante a gravidez e amamentação seja interrompido o consumo de cannabis, uma vez que esta substância pode estar associada a restrições no crescimento do feto, aborto espontâneo e défices cognitivos na linguagem e atenção, e comportamentos delinquentes mais tarde na vida.[108][109] O consumo de metanfetaminas pode provocar partos prematuros, doenças congénitas,[110] e, a curto prazo após o parto, pequenos défices na função neurocomportamental e restrição do crescimento da criança, em comparação com a generalidade da população.[111] Acredita-se ainda que o uso pré-natal de metanfetaminas possa ter efeitos a longo prazo no desenvolvimento cerebral.[110]
A exposição intrauterina a toxinas ambientais tem o potencial de causar efeitos adversos no desenvolvimento pré-natal do embrião ou do feto e ainda de causar complicações da gravidez. Entre os potenciais efeitos das substâncias tóxicas e da poluição estão as malformações congénitas e incapacidade mental da criança mais tarde na vida. Entre as condições especialmente gravosas durante a gravidez estão a intoxicação por mercúrio e a intoxicação por chumbo. Algumas recomendações incluem verificar se a habitação foi pintada com tinta de chumbo, sobretudo em casas antigas, lavar todos os alimentos, tentar consumir alimentos biológicos e evitar o contacto com produtos com o rótulo "tóxico" ou qualquer produto com um rótulo de aviso.[112] As fezes dos gatos apresentam um risco particularmente elevado de transmitir a toxoplasmose.[94]
A prática regular de exercício aeróbico durante a gravidez aparenta melhorar ou manter a aptidão física da grávida e inclusive diminuir o risco de cesariana.[113] No entanto, a qualidade das evidências é pouca e os dados são insuficientes para determinar riscos ou benefícios relevantes para a mãe e para o bebé.[114] No passado, pensava-se que eventuais benefícios à mãe não compensavam os potenciais riscos para o feto. No entanto, as informações mais recentes sugerem que em gravidezes sem complicações é muito improvável que surjam lesões no feto, desde que o exercício seja adequado à gravidez. No entanto, há várias circunstâncias em que a grávida deve consultar um médico antes de continuar um programa de exercício: hemorragias vaginais, dispneia antes do esforço, tonturas, dores de cabeça, dores no peito, fraqueza muscular, risco de parto pré-termo, diminuição dos movimentos fetais, fuga de líquido amniótico e dores ou inflamação dos gémeos.[115]
Embora não se tenha ainda determinado um limite seguro de intensidade, as mulheres que praticavam exercício físico regular antes da gravidez, e que não apresentam complicações na gravidez, estão aptas a praticar programas de exercício de alguma intensidade, como jogging ou aeróbica, desde que por períodos não superiores a 45 minutos, desde que estejam conscientes que pode ser necessário aumentar o consumo de energia e desde que tenham o cuidado de nunca sobreaquecer o corpo. Na ausência de outras complicações médicas ou obstétricas, recomenda-se que o tempo de exercício diário não exceda os 30 minutos. A participação em diversas atividades recreativas e desportos aparenta ser segura, desde que se evite aquelas nas quais existe um risco de queda, como esqui ou hipismo, ou atividades onde existe risco de trauma abdominal, como futebol ou hóquei.[115]
Especialmente durante as primeiras semanas, o cansaço pode ser avassalador, pelo que é importante que a grávida descanse o suficiente e esteja relaxada. As técnicas de relaxamento ajudam a diminuir a pressão arterial e a aumentar o fornecimento de oxigénio ao bebé.[116]
Durante as primeiras semanas de gravidez, o ritmo metabólico aumenta 20% e a pressão no útero provoca vontade de urinar frequente, o que diminui o tempo e qualidade do sono. No último trimestre, o volume da barriga torna difícil encontrar uma posição para dormir. Geralmente, recomenda-se que a grávida se deite sobre o lado esquerdo com uma almofada a apoiar a barriga e entre as pernas, que evite bebidas estimulantes como o chá ou café, que permaneça fresca e que realize exercícios ligeiros durante o dia.[116] Tem sido sugerido que, pelo menos durante o último trimestre, se deve evitar o trabalho por turnos e a exposição a luz intensa durante noite, de modo a diminuir o risco de problemas psicológicos e comportamentais no recém-nascido.[117] Tem sido proposto como mecanismo explicativo que o ritmo circadiano da mãe programa o ritmo em desenvolvimento do feto.[117]
A maior parte das grávidas pode manter uma vida sexual ativa ao longo da gravidez. O sexo durante a gravidez é uma atividade de baixo risco, saudável e perfeitamente segura, que relaxa a mulher e ajuda a exercitar o soalho pélvico e os músculos do útero. O bebé está protegido dentro da placenta e o rolhão mucoso impede que o esperma passe para além da vagina. No entanto, há casos em que o profissional de saúde pode recomendar a abstinência sexual por motivos médicos, geralmente quando a grávida tem antecedentes de aborto espontâneo, parto prematuro, hemorragias durante a gravidez ou placenta prévia. É importante que o companheiro sexual nunca exerça pressão sobre o abdómen da grávida, pelo que se recomenda experimentar posições diferentes e descobrir aquelas que sejam mais confortáveis.[118][119] A maior parte da investigação sugere que durante a gravidez se verifica uma diminuição do desejo sexual e da fequência das relações sexuais.[120][121] No contexto desta diminuição geral do desejo sexual, alguns estudos indicam porém um aumento do desejo no segundo trimestre e novamente uma diminuição no terceiro trimestre.[122][123]
Durante uma gravidez normal e sem complicações, são comuns vários incómodos ou desconfortos. Trata-se de manifestações e condições normais que resultam da gravidez, mas que não interferem com as atividades quotidianas nem são uma preocupação para a saúde da mãe e do bebé, ao contrário das complicações da gravidez. No entanto, a separação entre ambas nem sempre é clara e um incómodo com maior gravidade pode ser considerado uma complicação.[124]
Praticamente todas as grávidas manifestam prurido na barriga, provocado pela pele esticada e consequente desidratação, que pode ser aliviado com um creme hidratante. No entanto, comichão frequente nas mãos e nos pés pode indicar colestase. É normal que as sardas e os sinais se tornem mais escuros devido à pigmentação da pele; no entanto, quaisquer alterações no tamanho, forma e cor dos sinais deve ser comunicada ao médico. Em 70% das grávidas aparece uma pigmentação no rosto denominada cloasma e, na parte inferior do abdómen, a linea nigra. São também comuns as erupções cutâneas devido ao calor e o aumento da sudação e do odor corporal. A pele seca é comum e resulta do aumento da quantidade de estrogénio, podendo ser minimizada com a ingestão de bastante água, evitando locais com ar condicionado e radiadores de calor e com a aplicação de creme hidratante. O acne durante a gravidez é perfeitamente normal. No entanto, existem alguns medicamentos para o tratamento de acne que podem provocar malformações graves no feto. Cerca de metade das mulheres desenvolvem estrias que, embora não tenham tratamento, podem ser minimizadas com um creme hidratante gordo.[124]
As dores nas costas são comuns durante a gravidez, podendo ser bastante debilitantes. Manifestam-se entre 35 e 61% das grávidas e metade dos casos ocorre a partir do quinto mês. São causadas pela alteração na postura e podem-se agravar à noite. Entre as várias medidas de alívio comprovadas estão os exercícios na água, massagens e apoio de almofadas ao dormir.[125][126] As cintas de maternidade não demonstram diminuir as dores nas costas na gravidez, e podem ter alguns efeitos adversos, incluindo dores e irritação na pele da mãe e potenciais efeitos no feto.[127] As cãibras nas pernas ocorrem em metade das gravidezes e podem ser bastante dolorosas.[128] Geralmente manifestam-se durante a noite e podem durar de segundos a minutos. Embora por vezes sejam usados alguns métodos de alívio, como meias de compressão e cálcio ou magnésio, não há evidências de que sejam eficazes a reduzir as cãibras ou que sejam seguros para o feto.[129]
A síndrome do túnel cárpico é uma neuropatia compressiva muito comum durante a gravidez. Manifesta-se em até 62% das grávidas e geralmente ocorre no terceiro trimestre, embora também possa ocorrer no primeiro. Os sintomas são dormência e formigueiro nos dedos polegar, indicador, médio e parte do anelar. Também pode ocorrer dor no pulso e diminuição da força e destreza. Os sintomas são mais pronunciados à noite e podem ser agravados com a atividade física. O tratamento consiste em reduzir a atividade do pulso e a utilização de uma tala que o imobiliza numa posição neutra.[130]
As náuseas e vómitos ocorrem principalmente de manhã, mas geralmente melhoram após o primeiro trimestre.[131] O refluxo gástrico e a azia na gravidez são causados pelo relaxamento do esfíncter esofágico inferior e podem ser aliviadas fazendo múltiplas refeições ligeiras ao longo do dia, evitando comer nas três horas anteriores a dormir e mantendo uma postura direita durante a ingestão. Quando a dieta e as alterações ao estilo de vida não são suficientes, podem ser necessários antiácidos, alginatos ou ainda inibidores da bomba de protões.[132]
A obstipação é um desconforto bastante comum, ocorrendo em 39% das gravidezes às 14 semanas de gestação. Pensa-se que seja causada pela diminuição da motilidade intestinal. Esta diminuição é normal durante a gravidez e deve-se ao aumento da quantidade de progesterona, que relaxa o intestino para que a mãe possa receber mais nutrientes e absorver mais água. Como efeito adverso, as fezes podem-se tornar extremamente desidratadas e de motilidade difícil. A obstipação pode também ser agravada pela suplementação de ferro.[126] As hemorroidas resultam do esforço associado à obstipação ou da pressão intra-abdominal do fim da gravidez. Podem causar hemorragias, prurido, sujidade ou dor e os sintomas podem desaparecer espontaneamente depois da gravidez.[133] O tratamento conservador inclui modificações na dieta, tratamentos locais e estimulantes ou depressores da motilidade intestinal.[134]
Ao contrário dos incómodos e desconfortos, que são normais e não apresentam um risco para a saúde da mãe e do bebé, as complicações da gravidez são problemas de saúde causados pela gravidez. No entanto, a maioria destas complicações pode ser tratada e, mesmo após um aborto, uma mulher pode voltar a ter uma gravidez perfeitamente normal.[135] Os fatores de risco mais comuns numa gravidez são uma idade superior a 35 anos, o consumo frequente de álcool, tabaco e drogas; historial familiar de malformações, síndroma de Down, atraso mental ou doenças congénitas; hipertensão arterial, diabetes, epilepsia, artrite reumatoide, problemas do coração, dos rins ou da tiroide; infecções como a rubéola ou a toxoplasmose, incluindo infeções de transmissão sexual como sífilis ou sida; e desnutrição ou excesso de peso.[136] A grávida apresenta um risco acrescido de contrair determinadas infeções como, por exemplo, gripe, hepatite E, herpes e malária. Isto deve-se ao aumento da tolerância imunológica na gravidez, que impede a reação imunitária contra o feto, e a algumas das alterações fisiológicas maternas, entre as quais a diminuição do volume respiratório e a retenção urinária.[137] A mastite, ou inflamação das mamas, ocorre em 20% das lactantes.[138]
Anemias são doenças em que a quantidade de glóbulos vermelhos ou de hemoglobina é inferior aos valores normais. Durante a gravidez, o tipo de anemia mais comum é a anemia por deficiência de ferro, causada pela insuficiência de ferro ou ácido fólico na dieta. A maioria das gestantes são aconselhadas a tomar suplementos de ferro e ácido fólico para tratar ou prevenir eventuais anemias.[139] Cerca de metade das gravidezes à escala mundial são acompanhadas de anemia. A prevalência varia entre 18% nos países desenvolvidos e 75% no sul da Ásia.[140]
A hiperémese gravídica é a presença de vómitos severos e persistentes, ao ponto de causarem desidratação e perda de peso, o que pode provocar alterações perigosas nos valores de eletrólitos no sangue, lesões no fígado e hemorragias na retina. São mais graves do que os comuns enjoos matinais e estima-se que afetem entre 0,5 e 2% das grávidas. A causa é desconhecida, mas podem-se agravar ou desencadear por fatores psicológicos. O tratamento requer hospitalização.[141][142][143]
Cerca de 10% das gravidezes são complicadas por doenças hipertensivas, nas quais se inclui pré-eclampsia, eclampsia, hipertensão gestacional e hipertensão crónica.[144] A pré-eclampsia é uma doença caracterizada por tensão arterial elevada (>140/90 mmHg ou subida considerável da tensão) acompanhada por valores anormalmente elevados de proteínas na urina (>300 mg) e retenção de líquidos na cara e nas mãos. Afeta entre 5 e 8% das gravidezes e geralmente ocorre entre a 20.ª semana de gestação e uma semana após o parto. O risco mais significativo é o desprendimento prematuro da placenta. Geralmente recomenda-se a ingestão de líquidos e o repouso na cama virada sobre o lado esquerdo mas, se a condição não melhorar com rapidez, exige hospitalização. A eclampsia é uma forma mais grave da doença que surge em 0,5% das mulheres com pré-eclampsia, podendo provocar convulsões, coma e morte se não for tratada com rapidez. Um quarto dos casos de eclampsia ocorre após o parto. Ao contrário da hipertensão normal, ambas as doenças não respondem aos diuréticos nem à dieta sem sal. Uma das complicações da pré-eclampsia e eclampsia graves (>160/110 mmHg) é a síndrome HELLP, que é a combinação anemia hemolítica (destruição de glóbulos vermelhos), aumento das enzimas hepáticas (que indica lesões no fígado) e diminuição na contagem de plaquetas (que indica deficiência na coagulação do sangue). Este síndrome ocorre entre 0,5 e 0,9% de todas as gravidezes.[145][146][147]
A doença de Rhesus ocorre quando existe incompatibilidade do grupo Rh entre o sangue da mãe e do feto; ou seja, quando o sangue da mãe é Rh-negativo e o sangue do feto é Rh-positivo, herdado de um pai Rh-positivo. Se o sangue do feto entrar em contacto com o sangue da mãe através da placenta, o que acontece sobretudo durante o parto, o organismo da mãe pode considerar os glóbulos vermelhos do feto elementos estranhos e produzir anticorpos que os vão destruir (anticorpos antiRh). Se estes anticorpos atravessarem a placenta, podem destruir parte dos glóbulos vermelhos do feto (eritroblastose fetal) ou do recém-nascido (eriotroblastose neonatal). A destruição dos glóbulos vermelhos pode provocar anemia e aumentar a quantidade de bilirrubina no sangue. Se a bilirrubina for demasiado elevada, pode afetar o cérebro do feto. Nos países ocidentais, ocorre em 13% dos casais em que o homem é Rh-positivo e a mulher Rh-negativa. Um em cada 27 recém-nascidos destes casais desenvolve doença de Rhesus. Na primeira consulta fazem-se análises ao sangue da mãe; se for Rh-negativo confirma-se o sangue do pai e, se este for positivo, mede-se a quantidade de anticorpos antiRh na mãe. Ao longo da gravidez são monitorizados os valores de anticorpos. Se subirem demasiado, faz-se uma amniocentese para medir os valores de bilirrubina. Se ambos os valores forem altos, geralmente são feitas transfusões de sangue intra-uterinas, sendo o parto provocado entre a 32ª e 34ª semana de gravidez.[148]
As dermatoses da gravidez são condições cutâneas que ocorrem apenas durante a gravidez. Entre as mais comuns estão as pápulas e placas urticariformes e pruriginosas da gravidez (PPUPG ou PUPPP) e o prurigo da gravidez. As PPUPG ocorrem numa em cada 160 gravidezes e geralmente manifestam-se no terceiro trimestre ou, mais raramente, após o parto. São caracterizadas por manchas de pápulas e placas eritematosas intensamente pruriginosas, que geralmente aparecem no abdómen superior e se estendem em poucos dias para os braços, coxas e mamas. São tratadas com corticosteroides tópicos e anti-histamínicos orais. O prurigo da gravidez afeta uma em cada 300 grávidas e ocorre com maior frequência entre as 20 e as 34 semanas de gestação. É uma erupção cutânea intensamente pruriginosa com pápulas por vezes foliculares ou lesões nodulares, com ou sem crosta, e que medem entre 0,5 e 1 cm. Geralmente aparece nas pernas e nos membros superiores.[139][149][150]
Uma gravidez ectópica é uma gravidez em que o feto se desenvolve fora do útero. Geralmente, desenvolve-se numa das trompas de Falópio, embora em casos raros se possa desenvolver no canal cervical, na cavidade pélvica ou na cavidade abdominal. Durante o desenvolvimento fetal, ao deslocar-se em direção ao útero o óvulo fecundado pode ficar preso na trompa de Falópio e aí se implantar e desenvolver. Esta complicação afeta entre 0,5 e 1% de todas as gravidezes, tendo como fatores de risco uma gravidez ectópica anterior, uma laqueação de trompas mal sucedida ou exposição fetal ao dietilestilbestrol. O risco é elevado no caso da mulher ficar grávida com um dispositivo intra-uterino colocado. Uma gravidez ectópica coloca em risco a vida da mulher e deve ser removida cirurgicamente o mais cedo possível. Os sintomas de uma gravidez ectópica são pequenas perdas de sangue pela vagina e cãibras abdominais, juntamente com o atraso da menstruação. Quando o feto morre numa fase inicial, o organismo tenta expulsá-lo da mesma forma que o produto da menstruação e não se verificam lesões. Mas no caso de continuar a crescer é possível romper as paredes da trompa, causando uma hemorragia interna que provoca dores e sensação de pressão na parte inferior do abdómen. Entre as 6 e as 8 semanas é possível que ocorra uma dor aguda e intensa no baixo abdómen seguida por desmaio.[151]
O desprendimento prematuro da placenta ocorre quando o revestimento da placenta se separa do útero entre as 20 semanas de gestação e o parto. Verifica-se entre 0,5 e 1 em cada 200 nascimentos, sendo uma urgência hospitalar e uma das complicações que mais contribui para a mortalidade materna no mundo.[152] A placenta prévia é a inserção parcial ou total da placenta no colo do útero. É uma das principais causas de hemorragias pré-natais e afeta 1 em cada 200 partos. O sintoma inicial é uma hemorragia vaginal súbita e indolor no fim da gravidez, com sangue de cor vermelho vivo e necessita de cuidados hospitalares.[153]
Aborto espontâneo é a perda de um feto por causas naturais e involuntárias antes das vinte semanas de gestação; a partir das vinte semanas passa a ser denominado feto morto. Aproximadamente 85% dos abortos espontâneos ocorrem durante as doze primeiras semanas de gestação e os restantes entre a 13.ª e 20.ª semanas. Durante as primeiras vinte semanas, 20 a 30% das grávidas manifestam hemorragias ou contrações, das quais metade resulta em abortos espontâneos. Geralmente, os abortos espontâneos devem-se a anomalias no feto. O primeiro sintoma é a perda de sangue pouco abundante o uma hemorragia juntamente com a secreção vaginal. Se o processo de aborto continuar, aumentam as dores, a hemorragia e a secreção, podendo no fim ser expulsa a totalidade ou parte do conteúdo do útero. Quando é expulso na totalidade, geralmente não há necessidade de tratamento; em caso de expulsão parcial geralmente realiza-se uma dilatação e sucção para remover o restante do conteúdo. No entanto, quando apenas se verifica uma ameaça de aborto, geralmente aconselha-se repouso absoluto, uma vez que os sintomas costumam melhorar. A ameaça de aborto pode ser causada pela dilatação prematura do colo do útero devido à debilidade do tecido fibroso.[154]
Denomina-se parto distócico o parto que decorre de forma difícil, demorada ou dolorosa. Esta situação acontece quando, apesar do útero estar a contrair normalmente, o bebé não consegue sair da pélvis devido a um bloqueio físico.[155] Entre as complicações para o bebé estão o risco de asfixia, o que pode provocar a morte. Aumenta também o risco da mãe contrair uma infeção, de ter uma ruptura do útero ou de hemorragias pós-parto.[156] Entre as complicações a longo prazo para a mãe estão a fístula obstétrica. Diz-se que o parto é prolongado quando esta fase dura mais do que doze horas.[157]
Entre as principais causas de um parto distócico estão um bebé de grande dimensão, posicionamento do bebé fora do normal, uma pélvis pequena ou problemas com o canal de parto. O posicionamento fora do normal inclui a distócia de ombro, em que o ombro anterior não consegue passar com facilidade pelo osso púbico.[157] Entre os fatores de risco de uma pélvis pequena estão a desnutrição, a falta de exposição à luz do sol, que provoca deficiência de vitamina D,[155] e uma gravidez na adolescência, já que o osso pélvico pode ainda não estar completamente desenvolvido.[156] Entre os problemas com o canal de parto estão uma vagina e períneo estreitos, os quais se podem dever a mutilação genital feminina ou a tumores.[157] Os partos distócicos podem ser resolvidos com uma cesariana ou extração por ventosa.[158]
A laceração perineal é a laceração não intencional da pele ou dos tecidos moles que se separam a vagina do ânus que geralmente ocorre durante o parto. São classificadas em primeiro grau (afetam a pele e mucosa), segundo grau (músculos perineais) ou terceiro grau (afetam o músculo esfíncter). Se for uma intervenção cirúrgica provocada por necessidade médica denomina-se episiotomia.[159] Num período de seis meses após qualquer tipo de parto, ocorre incontinência urinária em 3-7% das mulheres e incontinência fecal em 1-3%.[160]
A depressão pós-parto é um episódio depressivo que pode ter início em qualquer momento da gravidez até quatro semanas após o parto. Ocorre em 4-20% das gravidezes, dependendo da definição.[160] Em 28% dos casos de depressão pós-parto, a mulher ainda se encontra deprimida passado três anos.[161] Em 0,2 % das gravidezes, a depressão pós parto leva a psicose pós-parto.[162] Nos mesmo período de seis meses, 13,6 % das mulheres sofre de stresse pós-traumático.[163]
As doenças intercorrentes na gravidez são doenças ou condições que não são causadas diretamente pela gravidez, mas que durante a gravidez se podem agravar ou constituir um potencial risco para a gravidez. As infeções do trato urinário são mais frequentes durante a gravidez. As infeções agudas da bexiga e dos rins aumentam o risco de parto prematuro. As mulheres que já tiveram pielonefrite numa gravidez anterior têm maior risco de desenvolver infeções agudas noutra gravidez e de desenvolver infeções renais graves, como glomerulonefrite, que aumentam o risco de aborto espontâneo e parto prematuro. Se a mulher tiver tuberculose assintomática nos rins, a gravidez reativa a doença. As doenças gastrointestinais têm pouco ou nenhum efeito sobre a gravidez. No entanto, a gravidez tende a agravar estas doenças. As mulheres com colite ulcerosa são geralmente aconselhadas a evitar engravidar até à doença estar estável por dois anos.[1] Durante a gravidez, o risco de trombose venosa profunda é cinco vezes superior[164] devido a um maior estado de hipercoagulação so sangue, o que é provavelmente uma adaptação do organismo materno contra as hemorragias pós-parto.[165] As mulheres com fatores de risco genéticos também apresentam um risco três a trinta vezes superior.[166]
A gravidez geralmente agrava a diabetes e a doença pode-se tornar evidente durante a gravidez. Se não for tratada, a diabetes na gravidez está associada a uma maior incidência de malformações no feto, aborto espontâneo, natimortos, trabalho de parto prematuro e obesidade fetal. Mesmo com tratamento, mais de metade dos bebés de mães diabéticas têm sobrepeso ao nascer, o que também aumenta o risco de partos complicados. O risco de aborto espontâneo é maior caso a mãe seja diabética desde a infância, tenha diabetes há vários anos ou se tem doenças vasculares ou renais. As grávidas diabéticas apresentam maior risco de pré-eclampsia, eclampsia, infeções e poli-hidrâmnio. Uma tiroide demasiado ativa ou inativa, caso não seja tratada, pode estar associada a um maior risco de aborto espontâneo.[1]
As doenças pulmonares podem constituir um risco para a gravidez no caso de diminuírem a quantidade de oxigénio fornecida ao feto, de causarem uma infeção sanguínea que é transmitida para a placenta e no caso de debilitarem a mãe de forma grave. As doenças do trato respiratório superior geralmente não interferem com a gravidez, a não ser que ocorram muito perto da data de parto, caso em que há a possibilidade de as transmitir para o bebé através dos órgãos genitais ou de contraírem uma infeção no sangue na sala hospitalar. A gripe durante a gravidez aumenta o risco de pneumonia, a qual apresenta um risco elevado de morte materna e fetal se a infeção for resistente a antibióticos. A gravidez tanto pode agravar como diminuir a gravidade da asma, enquanto algumas bronquites podem diminuir a quantidade de oxigénio inalada e fornecida ao feto.[1]
As doenças neurológicas geralmente não têm efeitos sobre a gravidez e vice-versa. No entanto, algumas doenças neurológicas que se desenvolvam durante a gravidez podem ter efeito negativo. A gravidez pode agravar a epilepsia e as mulheres grávidas estão mais suscetíveis a poliomielite, embora não afete o curso da gravidez. A neuropatia periférica, resultante da insuficiência de vitamina B, pode complicar a gravidez, embora não afete a gestação. Perto do termo é comum a ocorrência de neuralgia que afeta principalmente o nervo ciático. Alguns distúrbios psiquiátricos em pessoas instáveis podem ser agravados pela gravidez. No entanto, raramente se manifestam problemas psiquiátricos sérios pela primeira vez durante a gravidez e as doenças psiquiátricas raramente têm influência na gestação.[1]
Em 2012, ocorreram cerca de 213 milhões de gravidezes em todo o mundo, das quais 190 milhões em países em vias de desenvolvimento e 23 milhões nos países desenvolvidos. Isto corresponde a cerca de 133 gravidezes por cada 1 000 mulheres entre os 15 e 44 anos de idade.[10] Entre 10 e 15% do total de gravidezes terminam em aborto (espontâneo ou voluntário).[2] Cerca de 40% das gravidezes não foram planeadas. Cerca de metade das gravidezes não planeadas terminam em aborto.[10] Em cada ano, estima-se que morram em todo o mundo cerca de 270 000 pessoas devido a complicações da gravidez.[167]
A taxa de gravidez, assim como a idade a que ocorre, varia de país para país e de região para região e é influenciada por diversos fatores culturais, sociais e religiosos, pelo acesso à contraceção e pelo acesso à educação. Do total de gravidezes em 2012, 120 milhões ocorreram na Ásia, 54 milhões em África, 19 milhões na Europa, 18 milhões na América do Sul e Central, 7 milhões na América do Norte e 1 milhão na Oceania.[10] No conjunto dos países em vias de desenvolvimento a taxa de gravidez é de 140 por cada 1000 mulheres em idade fértil, enquanto nos países desenvolvidos é de 94 por cada 1000.[10] Em 2013, estimava-se que a maior taxa de fecundidade total pertencia ao Níger (7,03 crianças/mulher) e a menor a Singapura (0,79 crianças/mulher).[168]
Em cada ano, cerca de 20 milhões de mulheres em todo o mundo são afetadas por complicações de uma gravidez.[169] Em 2013, este tipo de complicações provocou a morte a 293 000 pessoas, uma diminuição em relação às 377 000 mortes em 1990. As causas de morte mais comuns são hemorragias obstétricas (44 mil), complicações de abortos (44 mil), pressão arterial elevada (29 mil), sépsis neonatal (24 mil) e distócia (19 mil).[11]
Apesar de a reprodução ser um fenómeno essencialmente biológico, existem muitos fatores socioculturais influenciam o sucesso reprodutivo e o prognóstico da gravidez. Entre os fatores mais importantes estão a estrutura familiar e a situação conjugal. No entanto, esta estrutura familiar varia imenso consoante a época e a região. Em muitos países industrializados, a estrutura familiar tem-se alterado significativamente nas últimas décadas. Existe uma tendência para maior informalidade e instabilidade nas relações e para o aumento da idade do primeiro filho. O número de gravidezes de mães não casadas tem aumentado significativamente e é cada vez maior o número de crianças nascidas fora do casamento.[170] Muitas religiões e cultos tradicionais associam à gravidez um significado espiritual profundo enquanto realização do mais elementar propósito do matrimónio. Neste processo de santificação, a gravidez é muitas vezes descrita como uma "bênção de Deus", "milagrosa" ou "divina". A maior parte dos casais religiosos considera o casamento e a gravidez imbuídos de características sagradas.[171]
Durante a gravidez começam-se a desenvolver os laços afetivos entre a mãe e o filho, principalmente após a observação da primeira ecografia e a sensação dos primeiros movimentos do bebé entre as 18 e as 25 semanas. Acredita-se que o feto em desenvolvimento é capaz de ouvir a voz e batimento cardíaco da mãe, podendo responder com pontapés ou movimentos voluntários. Ao sétimo mês de gravidez, dois terços das mães indicam possuir já uma forte ligação com o bebé.[172] Nem todas as novas mães sentem um amor intenso e imediato pelo filho. Nestes casos, os laços afetivos vão-se fortalecendo ao longo do tempo. Os laços afetivos maternos são uma experiência que se vai desenvolvendo gradualmente e que pode demorar dias, semanas ou meses para se desenvolver.[173]
O apoio do pai e a relação estreita com a mãe desempenham um papel significativo no bem-estar da gravidez, na saúde do feto, na paternidade, no ajustamento do casal e no desenvolvimento da criança. Apesar disso, o pai é frequentemente marginalizado da saúde reprodutiva e só muito recentemente é que o seu papel tem sido valorizado durante a gravidez e parto. O envolvimento paterno pode ter uma influência positiva durante a gravidez, podendo ser uma fonte de apoio. Em termos biológicos, os pais atravessam diversas alterações relacionadas com a gravidez ao nível da prolactina, cortisol e testosterona, que contribuem para o sentimento de fazer parte da gravidez. A presença, envolvimento e responsabilidade do pai tem impacto no desenvolvimento da cognição e linguagem da criança. Hoje em dia, em alguns países, os futuros pais são encorajados a acompanhar a mãe nas consultas pré-natais e a estarem presentes no parto e são propostas medidas que eliminem barreiras ao envolvimento paterno durante a gravidez e nascimento.[174]
Na mulher, infertilidade é a incapacidade de engravidar ou de prosseguir uma gravidez até ao termo. No homem, é a incapacidade de fecundar o óvulo. Existem várias causas para infertilidade, incluindo algumas que podem ser tratadas através de reprodução medicamente assistida.[175] Embora o intervalo de tempo para que se possa diagnosticar infertilidade possa variar entre países, a Organização Mundial de Saúde define infertilidade como a incapacidade de conceber uma gravidez clínica após doze ou mais meses de relações sexuais desprotegidas, sem que haja outros problemas de saúde.[176] A infertilidade pode ter várias causas: infecções sexualmente transmissíveis que afetam o aparelho reprodutor como a clamídia, gonorreia, sífilis ou Mycoplasma genitalium;[177][178] causas genéticas;[179] e ambientais, como os danos ao ADN provocados pelo stress oxidativo ou pelo tabagismo.[180]
Estima-se que um em cada sete casais tenha problemas de fertilidade.[181] A infertilidade pode ter consequências psicológicas e sociais, como o aumento da ansiedade e dificuldades matrimoniais entre o casal, depressão, estigma social e disfunções sexuais. No entanto, os progressos na reprodução medicamente assistida oferecem uma esperança para muitos casais, embora existam barreiras em termos económicos e de disponibilidade em muitos países.[182] O tratamento depende da causa de infertilidade, mas pode incluir aconselhamento profissional, medicação de fertilidade, cirurgia ou tratamentos de fertilidade, como a fertilização in vitro e inseminação artificial, ou métodos naturais, como o Método de Ovulação Billings. Os casais são geralmente aconselhados a procurar ajuda profissional ao fim de dois anos a tentar engravidar ou ao fim de um ano caso a mulher tenha mais de 30 anos de idade.[181]
Embora as adolescentes grávidas enfrentem os mesmos desafios do que as demais mulheres, existem riscos médicos acrescidos para as grávidas com idade inferior a 15 anos[183] e riscos associados a fatores socioeconómicos para as mães entre os 15 e 19 anos de idade.[184] Em países desenvolvidos, a gravidez na adolescência está muitas vezes associada a problemas sociais, incluindo menor nível de educação e maior pobreza, e ocorre geralmente fora do casamento, o que pode constituir um estigma social em muitas comunidades e culturas.[185] A gravidez na adolescência é prevenida com educação sexual abrangente e acesso a métodos contracetivos. A educação sexual baseada apenas na abstinência sexual não aparenta ser eficaz.[186][187]
Aborto é a interrupção da gravidez resultante da expulsão do feto ou do embrião do útero antes do momento de viabilidade fetal, ou do momento em que é capaz de sobreviver fora do útero. O aborto pode ocorrer de forma involuntária e espontânea, sendo denominado aborto espontâneo (ou interrupção involuntária da gravidez), ou pode ser induzido, sendo nesse caso denominado aborto induzido (ou interrupção voluntária da gravidez). O uso do termo "aborto" geralmente refere-se a este último caso.[188] Os métodos modernos recorrem a medicamentos abortivos ou cirurgia para induzir o aborto. Durante o primeiro trimestre, é comum a utilização de mifepristona e prostaglandina.[189] Embora durante o segundo semestre os medicamentos sejam igualmente eficazes,[190] a cirurgia apresenta menor risco de efeitos adversos.[191] Uma vez realizado um aborto, os métodos contracetivos podem ser retomados de imediato.[191] Quando permitido pela legislação, o aborto em países desenvolvidos é uma das intervenções médicas mais seguras que existem.[192][193] Um aborto sem complicações não causa qualquer problema mental ou físico a longo prazo.[194]
A Organização Mundial de Saúde recomenda que todas as mulheres tenham acesso a abortos legais e seguros.[195] Todos os anos, os abortos feitos de forma insegura causam a morte a mais de 47 000 grávidas e são responsáveis por 5 milhões de entradas no hospital.[194][196] No entanto, as perspetivas legais, culturais ou religiosas sobre o aborto são diferentes em todo o mundo. Enquanto em alguns países o aborto é legal, em outros é legal apenas em casos especiais como violação, malformações do feto, pobreza, risco para a saúde da mãe ou incesto.[197] Existe um debate contínuo sobre os problemas morais, éticos e legais do aborto. As pessoas que se opõem ao aborto alegam que um embrião ou um feto é um ser humano com direito à vida.[198] Por outro lado, os apoiantes mencionam os direitos humanos e o direito à mulher tomar as decisões sobre o seu próprio corpo.[195][199]
A gravidez indesejada pode ter várias causas, incluindo a não utilização, utilização incorreta ou falha nos métodos contracetivos.[200] Por sua vez, a não utilização ou utilização incorreta de contracetivos podem ser motivadas por falta de conhecimento sobre saúde reprodutiva, incluindo crenças erradas, a falta de disponibilidade, a crença equivocada de que a mulher é infértil. A gravidez indesejada pode também ser o resultado de coerção e violência contra a mulher, incluindo violação e gravidez forçada, que muitas vezes ocorre no contexto de violência doméstica.[201]
A discriminação laboral na gravidez e na maternidade é uma situação frequente em vários locais no mundo. Entre algumas formas de discriminação estão a decisão de não contratar uma grávida apesar de ser a pessoa mais qualificada para determinado posto de trabalho, a decisão de não renovar um contrato por razões relacionadas com a gravidez ou perder o direito a bónus do emprego devido a complicações da gravidez ou à licença de maternidade. Também é comum algumas seguradoras terem um período de carência relativamente grande em situações de gravidez. Nos últimos vinte anos tem vindo a ser aprovada, principalmente na União Europeia, legislação e iniciativas de combate à discriminação da gravidez.[202]
A licença parental é um direito no emprego existente em praticamente todos os países. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres determina que, após o parto, todas as mulheres têm direito a uma licença remunerada sem o risco de perder o posto de trabalho, a antiguidade no emprego ou prestações sociais.[203] A Convenção da Proteção da Maternidade, adotada em 2000 pela Organização Internacional do Trabalho, determina uma duração mínima de 14 semanas para a licença de maternidade.[204][205] A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia afirma que a licença parental remunerada e a proteção do posto de trabalho a seguir à maternidade são direitos humanos.[202]
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