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A coagulação sanguínea é uma sequência complexa de reações químicas que resultam na formação de um coágulo de fibrina. É uma parte importante da hemostasia (o cessamento da perda de sangue de um vaso danificado), na qual a parede de vaso sanguíneo danificado é coberta por um coágulo de fibrina para parar o sangramento e ajudar a reparar o tecido danificado. Desordens na coagulação podem levar a um aumento no risco de hemorragia, trombose ou embolismo.
A coagulação é semelhante nas várias espécies de mamíferos. Em todos eles o processo envolve um mecanismo combinado de fragmentos celulares (plaquetas) e proteínas (fatores de coagulação). Esse sistema nos humanos é o mais extensamente pesquisado e consequentemente o mais bem conhecido. Esse artigo é focado na coagulação sanguínea humana.
Em um indivíduo normal, a coagulação é iniciada dentro de 20 segundos após a lesão ocorrer ao vaso sanguíneo causando dano às células endoteliais. As plaquetas formam imediatamente um tampão plaquetário no local da lesão. Essa é a chamada hemostasia primária. A hemostasia secundária acontece quando os componentes do plasma chamados fatores de coagulação respondem (em uma completa cascata de reações) para formar fios de fibrina, que fortalecem o tampão plaquetário. Ao contrário da crença comum, a coagulação a partir de um corte na pele não é iniciada pelo ar ou através da secagem da área, na verdade ocorre através das plaquetas que se aderem e que são ativadas pelo colágeno do endotélio do vaso sanguíneo que fica exposto, quando cortado o vaso. As plaquetas ativadas então liberam o conteúdo de seus grânulos, que contém uma grande variedade de substâncias que estimulam uma ativação ainda maior de outras plaquetas e melhoram o processo hemostásico.
Possui duas vias: intrínseca (via da ativação de contato) e extrínseca (via do fator tissular). Ambas vias tem grande importância e acabam se juntando para formação do coágulo de fibrina. Os fatores de coagulação são numerados por algarismos romanos e a adição da letra a indica que eles estão em sua forma ativada. Os fatores de coagulação são geralmente enzimas (serino proteases) com exceção dos fatores V e VIII que são glicoproteínas e do fator XIII que é uma transglutaminase. As serino proteases agem clivando outras proteínas.
O ponto comum entre as duas vias é a ativação do fator X em fator Xa. Por sua vez, o Fator Xa converte a protrombina em trombina. A trombina tem várias funções:
Três substâncias mantêm a cascata da coagulação em equilíbrio. Defeitos quantitativos e qualitativos destas substâncias podem aumentar a tendência a trombose.
Exemplos de anticoagulantes farmacológicos:
Número ou Nome | Função |
---|---|
I (Fibrinogênio) | Formação do coágulo (fibrina) |
II (Protrombina) | Sua forma ativada (IIa) ativa os fatores I, V, VIII, XIII, proteína C e plaquetas |
III (Fator tissular ou tecidual ou tromboplastina ) | O fator tecidual acelera a ativação do fator X, pelo fator VIIa, fosfolípides e cálcio em aproximadamente 30.000 vezes.[1] Por um processo de auto-ativação o complexo FT-FVIIa é capaz de ativar o fator VII. |
Cálcio | Necessário aos fatores de coagulação para estes se ligarem aos fosfolipídios (antigamente conhecido como fator IV) |
V (pró-acelerina, fator lábil) | Cofator do X com o qual forma o complexo protrombinase |
VII (Fator Estável ou Pró-convertina) | Ativa os fatores IX e X |
VIII (Fator Anti-hemofílico) | Cofator do IX com o qual forma o complexo tenase |
IX (Fator de Christmas) | Ativa o fator X e forma complexo tenase com o VIII |
X (Fator de Stuart-Prower) | Ativa o II e forma complexo protrombinase com o V |
XI (Antecedente Tromboplastina Plasmática ) | Ativa o XII, IX e pré-calicreína |
XII (Fator de Hageman) | Ativa a pré-calicreína e p fator XI |
XIII (Fator estabilizante de Fibrina) | Fibrina com ligação cruzada |
Fator de von Willebrand | Liga-se ao fator VIII e ajuda na adesão plaquetária |
Pré-calicreína | Ativa o XII e a pré-calicreína. Cliva o clininogênio de alto peso molecular. |
Cininogênio de alto peso molecular (HMWK) | Ajuda na ativação do XII, XI, e pré-calicreína |
Fibronectina | Ajuda na adesão celular |
Antitrombina III | Inibe o fator IIa, Xa, e outras proteases; |
Cofator heparina II | Inibe o IIa, cofator para heparina |
Proteína C | Inativa o Va e VIIIa |
Proteína S | Cofator para ativação da proteína C |
Proteína Z | Ajuda na adesão da trombina aos fosfolipideos e estimula a degradação do fator X pelo ZPI |
Proteína Z-relacionada ao inibidor de protease (ZPI) | Degrada fatores X (na presença da proteína Z) e XI (independentemente) |
Plasminogênio | Converte-se em plasmina, lisa a fibrina e outras proteínas |
Alfa 2-antiplasmina | Inibe a plasmina |
Ativador do plasminogênio tissular (tPA) | Ativa o plasminogênio |
Uroquinase | Ativa o plasminogênio |
É uma resposta ao depósito de fibrina formado no organismo de um indivíduo. O plasminogênio liberado pelas células endoteliais é ativado em plasmina cuja função é degradar a fibrina formada.
Teorias sobre a coagulação do sangue já existiam desde a antiguidade, mas foi no século XIX que as primeiras substâncias químicas foram descobertas. O fisiologista alemão Johannes Müller (1801-1858) descreveu a fibrina, a substância que compõem o trombo. Seu precursor solúvel, o fibrinogênio, foi assim batizado por Rudolf Virchow (1821-1902), e isolado quimicamente por Prosper Sylvain Denis (1799-1863). Alexander Schmidt sugeriu que a conversão de fibrinogênio em fibrina é o resultado de uma processo enzimático, e rotulou a enzima hipotética de "trombina" e seu precursor "protrombina".[2][3] Nicolas Maurice Arthus descobriu em 1890 que o cálcio é essencial na coagulação.[4][5] As plaquetas foram identificadas em 1865, e sua função foi elucidada por Giulio Bizzozero em 1882.[6]
A teoria do que a trombina é gerada pela presença de fator tecidual foi consolidada por Paul Morawitz em 1905.[7] Nesta época, sabia-se que o fator III é liberado pelos tecidos lesados, reagindo com a protrombina (II), que, juntamente com cálcio (IV), forma a trombina, que por sua vez converte o fibrinogênio em fibrina (I).[8]
O restante dos fatores bioquímicos no processo de coagulação foram amplamente descobertos no século XX.
Um primeiro indício quanto à própria complexidade do sistema de coagulação foi a descoberta de proacelerina (mais tarde chamada de Fator V) por Paul Owren (1905-1990) em 1947. Ele também postula que esta substância era precursora da acelerina (Fator VI), que mais tarde tornou-se a forma ativada de fator V (ou Va), daí, o VI não está em uso ativo.[8]
O fator VII (também conhecido como acelerador da conversão sérica de protrombina ou proconvertina, precipitada por sulfato de bário) foi descoberto em um paciente jovem do sexo feminino em 1949 e 1951 por diferentes grupos.
Factor VIII acabou por ser deficiente no clinicamente reconhecido mas etiologicamente indescritível hemofilia A, foi identificado em 1950 e é também conhecida como globulina anti-hemofílica, devido à sua capacidade de corrigir hemofilia A.[8]
O Fator IX foi descoberto em 1952, em um paciente jovem com hemofilia B chamado Stephen Christmas (1947-1993). Sua deficiência foi descrito pelo Dr. Rosemary Biggs e pelo professor R.G. MacFarlane em Oxford, no Reino Unido. O fator é, portanto, chamado Fator de Christmas. Christmas vive no Canadá, e fez campanha para a segurança das transfusões de sangue, até sucumbir à transfusão relacionadas com AIDS aos 46 anos. Um nome alternativo para o fator de plasma é componente tromboplastina, dado por um grupo independente, na Califórnia.[8]
O Fator Hageman, agora conhecido como fator XII, foi identificado em 1955 em um paciente assintomático com um tempo de sangramento prolongado chamado John Hageman. O fator X, ou fator Stuart-Prower, foi descoberto no ano seguinte, em 1956. Esta proteína foi identificada na Sra. Audrey Prower de Londres, que tinha tendência ao sangramento ao longo de toda a sua vida. Em 1957, um grupo americano identificou o mesmo fator no Sr. Rufus Stuart. Já os fatores XI e XIII foram identificados em 1953 e 1961, respectivamente.[8]
A visão de que o processo de coagulação é uma "cascata" ou "cachoeira" foi enunciada quase simultaneamente por MacFarlane[9] no Reino Unido e por Davie e Ratnoff[10] nos Estados Unidos.
O uso de algarismo romanos ao invés de epônimos ou designações sistemáticas foi acordado durante as conferências anuais (a partir de 1955) de especialistas em hemostasia. Em 1962, o consenso foi alcançado sobre a numeração dos fatores I a XII.[11] Esta comissão evoluiu para o atual Comitê Internacional de Trombose e Hemostasia (ICTH). A atribuição de números cessou em 1963 após a nomeação do Fator XIII. Os nomes Fator Fletcher e Fator Fitzgerald foram dados a outras proteínas relacionadas com a coagulação, a pré-calicreína e o cininogênio de alto peso molecular, respectivamente.[8]
Os fatores III e VI restam não atribuídos, uma vez que a tromboplastina nunca foi identificada, e de fato revelou-se constituída de dez outros fatores, e accelerin foi achado ser o fator V ativado.
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