Lisboa
capital e maior cidade de Portugal Da Wikipédia, a enciclopédia livre
capital e maior cidade de Portugal Da Wikipédia, a enciclopédia livre
Lisboa é a capital e maior cidade de Portugal, com uma população estimada de 548.703 habitantes em 2022 dentro dos seus limites administrativos numa área de cerca de 100 quilómetros quadrados.[1] Lisboa é a capital mais ocidental da Europa continental (a segunda no geral, depois de Reykjavik) e a única ao longo da costa atlântica, estando as outras (Reykjavik e Dublin) em ilhas. A cidade situa-se na porção ocidental da Península Ibérica, na margem norte do rio Tejo. A porção ocidental da sua área metropolitana, a Riviera Portuguesa, acolhe o ponto mais ocidental da Europa Continental, culminando no Cabo da Roca.
Lisboa | |
Panorama urbano de Lisboa a partir do Miradouro da Graça com a Ponte 25 de Abril e o Cristo Rei ao fundo | |
Mapa de Lisboa | |
Gentílico | lisboeta, lisbonense, olisiponense ou alfacinha |
Área | 100,05 km² |
População | 545 796 hab. (2021) |
Densidade populacional | 5 455,2 hab./km² |
Presidente da câmara municipal |
Carlos Moedas (PPD/PSD.CDS-PP.A.MPT.PPM, 2021-2025) |
Fundação do município (ou foral) |
Primeiras referências da cidade século XII a.C. Integração no Reino de Portugal (reconquista da cidade por D. Afonso Henriques) 1147 Primeiro foral 1179 Capital do Reino 1256 |
Região (NUTS II) | Área Metropolitana de Lisboa |
Província | Estremadura |
Orago | São Vicente e Santo António |
Feriado municipal | 13 de junho (Dia de Santo António) |
Código postal | 1000 – 1990 |
Sítio oficial | www |
Município de Portugal |
Lisboa é uma das cidades mais antigas do mundo[2] e a segunda capital europeia mais antiga (depois de Atenas), antecedendo em séculos outras capitais europeias modernas.[3] Estabelecida por tribos pré-celtas e posteriormente pelos fenícios, Júlio César fez da cidade um município chamado Felicitas Julia,[4] acrescentando o termo ao nome Olissipo. Após a queda do Império Romano, foi governada por uma série de tribos germânicas a partir do século V, mais notavelmente os visigodos. No século VIII, no entanto, foi capturada pelos mouros. Em 1147, Afonso Henriques conquistou a cidade e em 1255 o povoado tornou-se capital do Reino de Portugal, substituindo Coimbra.[5]
Desde então, tem sido o centro político, econômico e cultural do país, como sede do governo, da Assembleia Nacional, do Supremo Tribunal de Justiça, das Forças Armadas e da residência do chefe de Estado. É também o centro da diplomacia portuguesa, com embaixadores de 86 países residentes na cidade, bem como representações de Taiwan e da Palestina.[6] Cerca de 3 milhões de pessoas vivem em sua área metropolitana, tornando-a a terceira maior área metropolitana da Península Ibérica (depois de Madrid e Barcelona), além de figurar entre as 10 áreas urbanas mais populosas da União Europeia,[7][8] representando cerca de um terço da população do país.
Lisboa é reconhecida como uma cidade global de nível alfa devido à sua importância nas finanças, comércio, moda, mídia, entretenimento, artes, comércio internacional, educação e turismo.[9][10] Está entre as duas cidades portuguesas (sendo a outra o Porto) reconhecidas como cidade global, sendo também sede de três empresas do Global 2000 (Grupo EDP, Galp Energia e Jerónimo Martins).[11][12][13] É um dos grandes centros económicos da Europa, com um setor financeiro em crescimento, sendo que o índice PSI faz parte da Euronext, a maior bolsa de valores da Europa continental. A região de Lisboa tem um PIB por paridade do poder de compra per capita mais elevado do que qualquer outra região portuguesa.[14][15][16][17] A cidade ocupa o 40º lugar de maior rendimento bruto do mundo e, com quase 21 mil milionários residentes, é a 11ª cidade europeia em número de milionários e a 14ª em número de bilionários.[18][19] A maior parte das sedes das empresas multinacionais portuguesas estão localizadas na região de Lisboa.[20]
Para Samuel Bochart, um francês do século XVII que se dedicou ao estudo da Bíblia, o nome Olissipo é uma designação pré-romana de "Lisboa" que remontaria aos fenícios. Segundo ele, a palavra “Olissipo” deriva de "Allis Ubbo" ou "Porto Seguro" em fenício, porto esse situado no estuário do Tejo.[21] Não existe nenhum registo que possa comprovar tal teoria, a qual é descartada pelos académicos recentes. Segundo Francisco Villar,[22][23] “Olissipo” seria uma palavra de origem tartessa sendo o sufixo ipo usado em territórios de influência Turdetano-Tartessica.[24] O prefixo "Oli(s)" não seria único visto estar associado a outra cidade lusitana de localização desconhecida, que Pompônio Mela dizia chamar-se "Olitingi".[25]
Os autores da Antiguidade conheciam uma lenda que atribuía a fundação de Olissipo ao herói grego Ulisses,[26] provavelmente baseando-se em Estrabão:[27] Ulisses teria fundado em local incerto da Península Ibérica uma cidade chamada Olissipo (Ibi oppidum Olisipone Ulixi conditum: ibi Tagus flumen).[28][29] Posteriormente, o nome latino teria sido corrompido para "Olissipona". Ptolomeu deu a Lisboa o nome de "Oliosipon". Os visigodos chamaram-na Ulishbon[30] e os mouros, que conquistaram Lisboa no ano 714, deram-lhe em árabe o nome اليكسبونا (al-Lixbûnâ) ou ainda لشبونة (al-Ushbuna).[31]
Na gíria popular, os naturais ou habitantes de Lisboa são chamados "alfacinhas". A origem da palavra é desconhecida. Supõe-se que o termo se explica pelo facto de existirem hortas nas colinas da primitiva cidade de Lisboa, onde verdejavam "plantas hortenses utilizadas na culinária, na perfumaria e na medicina", vendidas na cidade. A palavra alface provém do árabe e poderá indicar que o cultivo da planta começou aquando da ocupação da Península Ibérica pelos Muçulmanos. Há também quem sustente que, num dos cercos de que a cidade foi alvo, os habitantes da capital portuguesa tinham como alimento quase exclusivo as alfaces das suas hortas. O certo é que a palavra ficou consagrada e que os grandes da literatura portuguesa convencionaram tomar por alfacinha um lisboeta.[32]
Em Lisboa encontram-se vestígios do neolítico, eneolítico e neoneolítico.[33] Durante o Neolítico, a região de Lisboa foi habitada por povos que também viveram neste período noutros espaços da Europa atlântica. Estes povos construíram vários monumentos megalíticos.[34] É ainda possível encontrar alguns dólmens[35] e menires[36] na atual área metropolitana. Situado no estuário do rio Tejo, o excelente porto de Lisboa tornou-a cidade ideal para abastecer de alimentos os navios que rumavam para as Ilhas do Estanho (actuais Ilhas Scilly) e para a Cornualha. O povo celta invadiu a Península no primeiro milénio a.C..[37] Graças a casamentos tribais com os povos ibéricos pré-romanos, aumentou significativamente na região o número de falantes da língua celta. O povoado pré-romano de Olissipo, com origem nos séculos VIII-VII a.C., assentava no morro e na encosta do castelo. A Olissipo pré-romana foi o maior povoado orientalizante de Portugal. Estima-se que a sua população rondasse entre 2 500 e 5 000 pessoas.[38] Olissipo seria um bom fundeadouro para o tráfego marítimo e para o comércio com os fenícios.[39][40]
Achados arqueológicos sugerem que já havia trocas comerciais com os fenícios na região de Lisboa em 1 200 a.C.,[41] levando alguns historiadores a admitir que teriam habitado o que é hoje o centro da cidade, na parte sul da colina do castelo. Na praça de D. Luís, em Lisboa, foram localizados vestígios de um fundeadouro com mais de 2000 anos, remontando ao século I a.C. e ao V d.C., onde os navios ancoravam para fazer descargas e reparações e também para o trânsito de passageiros e carga.[42] Além de viajarem daí para o Norte, os fenícios também aproveitaram o facto de estarem na desembocadura do maior rio da Península Ibérica para fazerem comércio de metais preciosos com as tribos locais.[43] Outros importantes produtos aí comercializados eram o sal, o peixe salgado e os cavalos puros-sangue lusitanos, bem conhecidos na Antiguidade.[44]
Na década de 1990[45] vestígios fenícios do século VIII a.C. foram encontrados sob a Sé de Lisboa. Não obstante, alguns historiadores modernos consideram que a ideia da fundação fenícia é irreal, convictos que Lisboa era uma antiga civilização autóctone (chamada pelos romanos de ópido) que se limitava a estabelecer relações comerciais com os fenícios, o que explicaria a presença de cerâmicas e de outros artefactos com tal origem.[46]
As influências civilizacionais desta região saloia da Estremadura é fenícia, púnica e, sobretudo, em termos estruturais, berbere-moura e latino-romana.[47] Esta última, exógena, mais requintada, dominará enquanto cultura de poder, nas estruturas administrativas e do ensino, quando os legados do Império Romano são apropriados pela Igreja Católica.[48][49]
Após a conquista de Cartago, os romanos iniciam as conquista da Península Ibérica. Cerca de 139/138 a.C., conquistaram Olissipo, durante a campanha de Décimo Júnio Bruto Galaico, que reforçou as muralhas da cidade para se defender das tribos hostis. Felicitas Julia beneficia assim do estatuto de município, juntamente com os territórios em seu redor, num raio de 50 km, não pagando impostos a Roma, ao contrário do que se passava com quase todos os outros castros e povoados autóctones conquistados. A cidade foi por fim integrada, com larga autonomia, na província da Lusitânia, cuja capital era Emeritas Augusta, a actual Mérida, situada na Estremadura espanhola. A Olissipo romana dispunha-se em anfiteatro desde a colina do Castelo de São Jorge até ao Terreiro do Trigo, o Campo das Cebolas, a antiga Ribeira Velha e a Rua Augusta.[50] Um dos mais antigos e importantes vestígios da presença romana em Lisboa são as ruínas de um magnífico teatro (século I) então construído no local que hoje corresponde ao n.º 3A da Rua de São Mamede, em Alfama, muito frequentado pelas elites da época.[51][52][53][54]
No tempo dos romanos, a cidade era famosa pelo fabrico de garum, alimento de luxo feito de pasta de peixe, conservado em ânforas e exportado para Roma e todo o império. Outros produtos comercializados eram o vinho e o sal. Ptolomeu designava essa primordial Lisboa como sendo a cidade de Ulisses. No seu tempo, para além exploração das minas de ouro e prata, a maior receita provinha de tributos, impostos, resgates e saques, que incluíam ouro e prata dos tesouros públicos dos povos da Lusitânia e de outras feitorias peninsulares.[55][56][57][58] No finais do império romano, Olissipo seria um dos primeiros agregados que espontaneamente acolheram o cristianismo. O primeiro bispo da cidade foi São Gens. Em consequência da queda do império, Lisboa foi vítima de invasões bárbaras, dos alanos, dos vândalos e dos suevos, tendo sido parte do seu reino. Foi tomada pelos visigodos de Toledo, que lhe chamavam “Ulishbona”.[59]
Após três séculos de saques, pilhagens e perda de dinâmica comercial, “Ulishbuna” pouco mais seria que uma vila como muitas outras do início do século VII. Em 711, aproveitando uma guerra civil dos visigodos, tropas mouras lideradas por Tárique invadem a Península Ibérica. O que sobra do ocidente peninsular romano é conquistado por Abdalazize ibne Muça, um dos filhos de Tárique.[60][61][62] A cidade pertenceu à primeira Taifa de Badajoz no ano de 1013, criada por Sabur al-Amiri (1013–1022), um saqaliba, antigo súbdito de Aláqueme II.[63][64]
Em 754 houve uma incursão de viquingues na costa de Lisboa. Esta frota nórdica era constituída por 6 navios e cerca de 520 homens e mulheres que se pensa serem originários do que é hoje o sul da Noruega. Esta frota desembarcou e destruiu vilas costeiras. Ficaram 12 dias até o atual governo de Lisboa finalmente agir e organizar uma força de 300 homens do Norte de África que recentemente tinham chegado de Marrocos. Finalmente saíram e navegaram rumo ao Mediterrâneo. Os cristãos de Lisboa foram considerados responsáveis pelos muçulmanos e muitos foram expulsos da região.[65]
Almunime al-Himiar descreve Lisboa:
É uma cidade à beira-mar, com ondas que se quebram de encontro às muralhas, admiráveis e de boa construção. A parte ocidental da cidade é encimada por arcos sobrepostos assentes em colunas de mármore apoiadas em envasamentos de mármore. Por natureza, a cidade é belíssima".
O geógrafo Iacute de Hama revela outras coisas ainda:
É uma velha cidade perto do mar, a oeste de Córdova. Nos montes à sua volta há lindos falcões e nela se produz o melhor mel de todo o al-Andalus, conhecido como al-ladharnî. Parece açúcar e conserva-se embrulhado em pano para não se estragar. A cidade é junto do rio Tejo e perto do mar. Tem no solo jazidas de ouro puro e nas encostas excelente âmbar".
A primeira tentativa de reconquista de Lisboa ocorre em 1137. Fracassa frente às muralhas da cidade. Em 1140, acorrem aos sediantes cruzados em trânsito por Portugal. Juntos, empreendem novo ataque, que também falha. Só sete anos depois, os cristãos reconquistariam a povoação dando graças ao primeiro rei de Portugal, Afonso Henriques. O rei concede-lhe foral em 1179. Em 1255, graças à sua localização estratégica, Lisboa torna-se a capital do reino. Terminada a reconquista, consolidada a religião cristã e instituída a língua portuguesa, é criada a diocese de Lisboa que, no século XIV, será elevada a metrópole (arquidiocese).[68]
Nos últimos séculos da Idade Média a cidade expandiu-se e tornou-se um importante porto, com comércio estabelecido com o norte da Europa e com as cidades costeiras do Mar Mediterrâneo. Em 1290 o rei Dom Dinis criou a primeira universidade portuguesa em Lisboa que, por causa de um incêndio, foi transferida para Coimbra em 1308, quando a cidade já dispunha de grandes edifícios religiosos e conventuais.[69]
Dom Fernando I, o Formoso, construiu a famosa Muralha Fernandina, já que a cidade crescia rapidamente para fora do perímetro inicial. Começando pelo lado dos bairros mais pobres e acabando nos bairros da burguesia, a maior parte do dinheiro utilizado na execução do projeto veio desta última. Esta estratégia mostrou-se conveniente, já que de outra forma a burguesia deixaria de financiar a obra.[70]
O novo capítulo da história de Lisboa é iniciado com a revolução motivada pela crise de 1383–85. Após a morte de Fernando de Portugal, o Reino deveria passar a ter como soberano nominal o rei de Castela, D. João I, e ser regido por Leonor Teles. Porém o rei castelhano quis ser soberano efectivo ou, como se costuma dizer, "rei e senhor", persuadindo a sogra e rainha regente a renunciar ao governo e a ceder-lho. Isto, sem o consentimento das Cortes, constituía uma usurpação de poder, o que deu guerra. Depois de cerca de ano e meio de luta, a burguesia da cidade, com as suas ligações inglesas e capitais avultados, seria um dos vencedores: o Mestre de Avis é aclamado reirei, depois de levar a bom termo o cerco de Lisboa de 1384 e antes de ganhar, em 1385, a Batalha de Aljubarrota, sob a liderança de Nun'Álvares Pereira, contra as forças castelhanas reforçadas com militares franceses e apoiadas pelos fidalgos portugueses que prestavam vassalagem ao rei de Castela.[71] Em 1385, Lisboa substitui Coimbra como capital do reino.[72]
Os descobrimentos marítimos portugueses eram, nos finais do século XV, uma das prioridades estratégicas de D. João II, que ascendeu ao trono em 1481 e que mudou a sua residência do Castelo de São Jorge para o Terreiro do Paço (Paço da Ribeira) que, por esse motivo, assim ficou conhecido: o grande “terreiro” onde e em redor do qual se concentravam os grandes estaleiros de construção naval de Lisboa e onde ficou instalado o paço real, no lado ocidental da “praça do comércio”. Seria esse o melhor local para o jovem soberano vigiar o Tejo, lá do alto de uma fina torre, ali mesmo a dois passos das ruelas de fama duvidosa por ele preferidas em escapadelas nocturnas. Portugal fica na vanguarda dos países seus contemporâneos ao ser o primeiro a transformar a pesquisa tecnológica e científica em política de Estado e ao abrir as portas a especialistas aragoneses, catalães, italianos e alemães com o objectivo de aumentar e enriquecer os conhecimentos náuticos de oficiais e simples marinheiros. Esta política seria incrementada com o saber de pilotos orientais.[73][74][75][76]
Várias expedições se fazem com tripulações portuguesas integrando expatriados de outros reinos que levarão à descoberta dos arquipélagos dos Açores, Madeira e Canárias. Com sérios argumentos, afirmam alguns historiadores que caravelas portuguesas terão entretanto alcançado o Brasil. Relacionam-se tais argumentos com projectos secretos de João II que, antes do Tratado de Tordesilhas contratou navegantes e cartógrafos. De Lisboa partem inúmeras expedições nessa época dos descobrimentos (séculos XV a XVII), como a de Vasco da Gama, em 1497–1498, fazendo melhorar o porto de Lisboa, centro mercantil da Europa, ávida por ouro e especiarias.[77]
Na alta da expansão colonial portuguesa, as casas ribeirinhas de Lisboa tinham entre três a cinco andares: uma loja e, acima dela, instalações comerciais. Duas gravuras da Rua Nova dos Mercadores no século XVI descobertas em Londres ilustram essa realidade e o importante papel da presença negra na cidade.[78] Lisboa passou a ocupar o lugar de Génova no comércio de escravos[79] provenientes de África, da Península Ibérica[80] e resto da Europa[81] Tornou-se um porto em que circulavam cativos que depois eram vendidos para diversos pontos da Europa.[82][83]
A maior riqueza de Lisboa desde o fim do século XVI era o ouro e o monopólio dos produtos do Brasil. Findos os conflitos e guerras entre conservadores e liberais, foi perdido o monopólio e do ouro só uma pequena parte chegava aos cofres reais devido ao contrabando e à pirataria.[84][85]
Encontrava-se o país numa situação económica difícil quando as nações da Europa, iniciando a industrialização, enriqueciam com o comércio das Américas (a Inglaterra viria a dominar o comércio brasileiro) e da Ásia. Os problemas do comércio aumentam quando, em 1636, os catalães se revoltam, povo mercador como o de Lisboa também oprimido pelas taxas castelhanas. É a Portugal que Madrid vem reclamar homens e fundos para submeter a Catalunha. É então que os mercadores da cidade se aliam à pequena e média nobreza. Tentam convencer o Duque de Bragança, Dom João, a aceitar o trono, mas este, como o resto alta nobreza, é favorecido por Madrid e só a intenção de o tornar rei o convence. Os conspiradores assaltam o Palácio do Governador e aclamam o novo rei (D. João IV), primeiramente com o apoio do Cardeal Richelieu, francês, e depois recorrendo à velha aliança com a Inglaterra, processo este designado como Restauração da Independência (1640).[86]
Lisboa seria então o grande palco de autos-de-fé movidos pela Igreja contra apóstatas, heréticos, cristãos-novos, judeus em particular, acusados de desvios do cristianismo.[87] Além destes, qualquer cidadão podia ser sacrificado por “pecados” irrisórios denunciados por vinganças mesquinhas. A delação era elevada a virtude. Na maior parte dos casos por falsas razões ou por motivos fúteis, as vítimas eram queimadas vivas em aparatosas fogueiras acendidas em locais como o Rossio e a Praça do Comércio, perante multidões excitadas que à vezes apaziguavam a vergonha com churrascadas e vinho.[88][89] Tais espectáculos, animados por hábeis carrascos da Coroa, em que participavam representantes das autoridades eclesiástica e secular, duraram até 1821. Eram regularmente honrados com a presença do rei D. João V, que se empenhava em não ficar aquém da vizinha Espanha e de outros países europeus em obras grandiosas, notáveis feitos e grandes medidas como as do Santo Ofício. Tais práticas repressivas, cultivando o medo, suscitando um estigma na alma de um povo, serviriam de modelo a governantes vindouros, que delas souberam tirar bom partido.[90][91] Foi ele quem ordenou em 1731 a construção do Aqueduto das Águas Livres.[92]
Lisboa foi quase na totalidade destruída a 1 de Novembro de 1755 por um terrível sismo.[93] Foi reconstruída segundo os planos traçados pelo Marquês de Pombal, Ministro da Guerra e Negócios Estrangeiros. Oriundo da baixa nobreza, depressa reagiu perante as ruínas do sismo logo depois de ter dito ser necessário enterrar os mortos, cuidar dos vivos e reconstruir a cidade. A parte central reconstruída terá o nome de Baixa Pombalina. A quadrícula adoptada nos planos de reconstrução permitiria desenhar as praças do Rossio e Terreiro do Paço, esta com uma belíssima arcada aberta em frente do rio Tejo.[94] Ainda no século XVIII e a instâncias de D. João V, o papa concedeu ao arcebispo da cidade o título honorífico de patriarca e a nomeação automática como cardeal (daí o título de "Cardeal Patriarca de Lisboa").[95]
Nos primeiros anos do século XIX Portugal foi invadido pelas tropas de Napoleão Bonaparte, obrigando o rei D. João VI a deslocar-se temporariamente para o Brasil, Lisboa rendeu-se, portanto, sem enfrentar as tropas francesas. No entanto, em 29 de novembro de 1807, um grupo de cerca de 1.500 pessoas, a maioria lisboetas, juntamente com cerca de 200 soldados portugueses do 23º Regimento de Milícias, resistiu à primeira incursão de Junot em Lisboa. Essa força portuguesa foi dizimada pelas forças francesas que acompanhavam Junot. Os cerca de 1.500 franceses eram todos, na sua totalidade, tropas de elite de Napoleão Bonaparte. A escaramuça aconteceu junto a Sacavém e teve um final infeliz para os portugueses, que recuaram em debandada para Lisboa, sendo quase todos enforcados ou mortos no local pelos franceses. O chefe que organizara as forças portuguesas, o Capitão Fonseca da Trindade, foi enforcado em praça pública no Terreiro do Paço em 7 de dezembro de 1807, e seus restos mortais estão sepultados no Cemitério dos Prazeres.[96]
A cidade viveu intensamente as lutas liberais. Teve início uma época de florescimento dos cafés e teatros. Mais tarde, em 1879, foi aberta a Avenida da Liberdade que iniciou a expansão citadina para além da Baixa. O centro cultural e comercial da cidade passou para o Chiado durante o século XIX (cerca de 1880). Com as velhas ruas da Baixa já ocupadas, os donos de novas lojas e clubes estabeleceram-se na colina anexa, que rapidamente se transformou. Aqui são fundados clubes célebres, como o Grémio Literário, afamado pelas histórias de Eça de Queirós.[97]
Em 1907, que, alarmadas com o declínio monárquico, as elites impõem a ditadura com João Franco, mas é tarde de mais. Em 1908 a família real sofre um atentado (no Terreiro do Paço) em que morrem El-Rei Dom Carlos de Portugal e o herdeiro do trono, o Príncipe Real Dom Luís Filipe de Bragança, numa acção provavelmente executada pelos anarquistas (que neste período atacam figuras públicas em toda a Europa).[98]
Em 1910, em Lisboa, dá-se a revolta que implantaria a república em Portugal. Uma grande quantidade de habitantes da cidade, incitados pelo Partido Republicano Português, formam barricadas nas ruas e são distribuídas armas. Os exércitos ordenados a reprimir a revolução são desmembrados pelas deserções. O resto do país é obrigado a seguir a capital, apesar de continuar profundamente rural, católico e conservador. É proclamada a Primeira República.[99] Em 1912 os monárquicos do norte aproveitam o descontentamento com as leis liberais dos republicanos e tentam um golpe de estado, que falha.[100][101]
Em 1916, Portugal entra, por via da Aliança, na Primeira Guerra Mundial. Em plena crise nacional, mobiliza homens e recursos consideráveis. São muitas as baixas. Perante o desastre do Corpo Expedicionário Português, Sidónio Pais é um dos que se opõem ao Governo do Partido Democrático acabando por liderar novo golpe em dezembro de 1917, protagonizado pela Junta Militar Revolucionária, de que era Presidente. No dia oito é demitido o Governo da União Sagrada chefiado por Afonso Costa e o poder transferido para a Junta. Destituído Bernardino Machado, Afonso Costa assume provisoriamente o cargo de Presidente da República. Emite uma série de decretos ditatoriais que mudam a Constituição e lhe dão poderes acumulados de Presidente e chefe do Governo, fundando uma República Nova que antecipará o Estado Novo. Sidónio será morto a tiro em dezembro de 1918.[102]
O fim da Primeira República tem lugar em 1926, quando a direita conservadora antidemocrática (largamente liderada pelos descendentes da antiga Nobreza do norte do país e pela Igreja Católica) toma por fim o poder, após duas outras tentativas em 1925. Alega pretender acabar com a anarquia, que ela própria tinha criado. Liderado pelo General Gomes da Costa, o novo governo adota uma ideologia fascista, sob a liderança do ditador Salazar. O novo regime governaria impunemente o país durante quatro décadas.[103]
O Estado Novo foi derrubado pela Revolução dos Cravos, a 25 de Abril de 1974. Ao golpe militar seguiu-se o período conturbado do PREC, marcado particularmente em Lisboa pela propaganda e acção da esquerda, da mais moderada à mais radical. O Comício da Fonte Luminosa seria evento decisivo para o futuro político do país[104][105][106]
A agitação é ao mesmo tempo agravada por grupos de extrema direita que chegam ao ponto de bloquear os acessos à cidade e de levar a cabo acções terroristas no norte do país com o intuito de travar os progressos da revolução. Durante dois anos, em 1974 e 1975, Lisboa foi invadida por jornalistas estrangeiros e esteve nas luzes da ribalta dos principais meios de comunicação internacionais. O repórter Horst Hano da televisão alemã ARD foi um dos mais importantes, dando cobertura particularmente completa aos principais eventos políticos em Portugal e em Espanha entre 1975 e 1979.[107]
Dez anos após a queda do regime fascista, já longe dos dramas do Processo Revolucionário em Curso, é assinado em Lisboa em 1985 o Tratado de Adesão à Comunidade Económica Europeia, no Mosteiro dos Jerónimos pelo então Presidente da República, Mário Soares. Desde então Lisboa e o país têm sido governados, em alternância partidária, por um regime democrático.[108]
Lisboa continua a desenvolver-se ao ritmo das mais importantes capitais europeias, melhorando as suas infraestruturas e construindo novas, remodelando o sistema de transportes urbanos, de segurança e saúde. Em 1998 inaugura a sua segunda ponte, na altura a mais longa de toda a Europa e a quarta maior do mundo, a Ponte Vasco da Gama. Nesse mesmo ano organiza a EXPO 98, no Parque das Nações.[109]
Localizada na margem direita do estuário do Tejo, a 38º42' N e a 9º00' W, com altitude máxima na serra de Monsanto (226 metros de altitude), Lisboa é a capital mais ocidental da Europa. Fica situada a oeste de Portugal, na costa do Oceano Atlântico.[110] Os limites da cidade, ao contrário do que ocorre em grandes cidades, encontram-se bem delimitados dentro dos limites do perímetro histórico. Isto levou à criação de várias cidades ao redor de Lisboa, como Loures, Odivelas, Amadora e Oeiras, que são de facto parte do perímetro metropolitano de Lisboa. Mais recentemente, a sul do Tejo, mas pertencentes já ao distrito de Setúbal, Almada, Seixal e Barreiro são também casa para a expansão urbanística de Lisboa em particular após 1974, beneficiando da proximidade ao centro nevrálgico de Lisboa, embora com uma identidade claramente distinta da existente a norte do Tejo.[111][112]
O centro histórico da cidade é composto por sete colinas, sendo algumas das ruas demasiado estreitas para permitir a passagem de veículos. A cidade serve-se de três funiculares e um elevador (Elevador de Santa Justa). A parte ocidental da cidade é ocupada pelo Parque Florestal de Monsanto, um dos maiores parques urbanos da Europa, com uma área de quase 10 km². Lisboa tem ganho terreno ao rio com sucessivos aterros, sobretudo a partir do século XIX. Esses aterros permitiram a criação de avenidas, a implantação de linhas de caminho-de-ferro e a construção de instalações portuárias e mesmo de novas urbanizações como o Parque das Nações e equipamentos como o Centro Cultural de Belém.[113]
Lisboa é uma das capitais mais amenas da Europa, com um clima mediterrânico (Csa segundo a classificação climática de Köppen)[114][115] fortemente influenciado pela Corrente do Golfo. A Primavera é fresca a quente (de 8 °C a 26 °C) com sol e alguns aguaceiros. O Verão é, em geral, quente e seco e temperaturas entre 16 °C a 35 °C. O Outono é ameno e instável, com temperaturas entre 12 °C e 27 °C e o Inverno é tipicamente chuvoso e fresco, também com algum sol. A temperatura mais baixa registada foi de -1,7 °C em 11 de fevereiro de 1956[116] e a mais elevada foi de 44,0 °C, em 4 de agosto de 2018.[117]
Dados climatológicos para Lisboa (1981-2010) | |||||||||||||
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Mês | Jan | Fev | Mar | Abr | Mai | Jun | Jul | Ago | Set | Out | Nov | Dez | Ano |
Temperatura máxima recorde (°C) | 22,6 | 24,8 | 29,4 | 32,2 | 34,8 | 41,5 | 40,6 | 44,0 | 37,3 | 32,6 | 25,3 | 23,2 | 44,0 |
Temperatura máxima média (°C) | 14,8 | 16,2 | 18,8 | 19,8 | 22,1 | 25,7 | 27,9 | 28,3 | 26,5 | 22,5 | 18,2 | 15,3 | 21,5 |
Temperatura média (°C) | 11,6 | 12,7 | 14,9 | 15,9 | 18,0 | 21,2 | 23,1 | 23,5 | 22,1 | 18,8 | 15,0 | 12,4 | 17,5 |
Temperatura mínima média (°C) | 8,3 | 9,1 | 11,0 | 11,9 | 13,9 | 16,6 | 18,2 | 18,6 | 17,6 | 15,1 | 11,8 | 9,4 | 13,5 |
Temperatura mínima recorde (°C) | 1,0 | 1,2 | 0,2 | 5,5 | 6,8 | 10,4 | 14,1 | 14,7 | 12,1 | 9,2 | 4,3 | 2,1 | 0,2 |
Chuva (mm) | 99,9 | 84,9 | 53,2 | 68,1 | 53,6 | 15,9 | 4,2 | 6,2 | 32,9 | 100,8 | 127,6 | 126,7 | 774 |
Fonte: Instituto Português do Mar e da Atmosfera[118] |
Lisboa é uma cidade repleta de espaços verdes, de variadas dimensões. Foi nesta cidade que surgiu o primeiro jardim botânico português: Jardim Botânico da Ajuda. Alguns dos jardins da cidade estão em processo de recuperação, no intuito da criação de um corredor verde na cidade, enquanto outras áreas, anteriormente concentrando elevados níveis de tráfego e poluição, estão a ser requalificadas, sendo o caso mais recente o da CRIL — 2ª Circular.[119]
Em temos de qualidade do ar, apresenta níveis progressivamente descendentes de poluição atmosférica, embora ainda com partículas NO2 claramente superiores ao limite legal.[120] Estes valores de partículas decorrem da utilização acima da média europeia de tráfego automóvel, por contraponto à utilização de transportes públicos, o que distingue Lisboa de outras capitais europeias. Em anos recentes, têm sido feitas melhorias dentro e fora de Lisboa no planeamento da rede de transportes públicos ferroviária[121] e rodoviária,[122] permitindo uma utilização mais eficiente e eficaz e, por consequência, menos poluição emitida.
Existem em Lisboa mais de uma centena de parques, jardins, quintas e tapadas, entre eles o Parque Eduardo VII, o Parque Florestal de Monsanto, o Jardim Botânico da Ajuda, o Jardim Botânico de Lisboa, o Jardim da Estrela, a Tapada da Ajuda, entre muitos outros. O Parque Florestal de Monsanto é o maior e mais importante parque da cidade, chamado o seu "Pulmão Verde", ao ser a única grande floresta em Lisboa (as outras mais próximas são a Tapada de Mafra, a Tapada da Ajuda e a Serra de Sintra).[123]
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