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Sargão da Acádia, também conhecido como Sargão, o Grande (em acádio: 𒊬𒊒𒄀; romaniz.: Šarru-kinu; ŠAR.RU.KI.IN; LUGAL.GIN; lit. "o verdadeiro rei" ou "o rei é legítimo"), foi um rei acádio célebre por sua conquista das cidades-estado sumérias nos séculos XXIV a.C. e XXIII a.C.[1] Fundador da dinastia acadiana Sargão reinou por 56 anos, de 2 270 a.C. a 2 215 a.C. (cronologia curta).[2] Tornou-se um membro proeminente da corte real de Quis, acabando por derrubar o rei local antes de partir para a conquista da Mesopotâmia.
Sargão | |
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Rei da Suméria e Acádia | |
Cabeça de bronze de um governante acadiano, descoberto em Nínive em 1931, presumivelmente representando Sargão ou o seu neto, Narã-Sim. | |
Rei do Império Acádio | |
Reinado | 2 270 a.C. — 2 215 a.C. |
Sucessor(a) | Rimus |
Nascimento | c. 2 300 a.C. |
Azupiranu, Mesopotâmia (?) | |
Morte | c. 2 215 a.C. (85 anos) |
Acádia, Mesopotâmia (?) | |
Nome completo | |
Nome de nascimento desconhecido; nome régio Šarru-kin ("o verdadeiro rei" ou "o legítimo rei") | |
Taslultum | |
Herdeiro(a) | Enheduana, Rimus, Manistusu, Ibarum, Abaixe-Tacal e Suenlil |
Dinastia | Acadiana |
Pai | La'ibum (natural); Aqui (adotivo) |
Mãe | desconhecida |
Título(s) | Rei de Quis, Lagaxe, Uma, Uruque, soberano da Suméria, Elão, Mari e Iarmuti |
O vasto império de Sargão teria se estendido de Elão ao mar Mediterrâneo, incluindo toda a Mesopotâmia, partes dos atuais Irã e Síria, e possivelmente partes da Anatólia e da península Arábica. Governou a partir de uma nova capital, Acádia, que a lista de reis sumérios alega ter sido construída por ele (ou possivelmente reformada), situada na margem esquerda do Eufrates.[3] Sargão é o primeiro indivíduo registrado na história a ter criado um império multiétnico governado a partir de um centro, e a sua dinastia governou a Mesopotâmia por cerca de um século e meio.[4]
A história do nascimento e da infância de Sargão é listado na "lenda de Sargão", um texto sumério que alega ser a biografia do monarca. As versões mais antigas estão incompletas, porém os fragmentos restantes dão o nome de seu pai como La'ibum. Depois de uma lacuna, o texto pula para Ur-Zababa, rei de Quis, que acorda depois de um sonho, cujo conteúdo não é revelado na parte restante das tabuletas que contêm o texto. Por motivos desconhecidos, Ur-Zababa indica Sargão como seu serviçal. Pouco tempo depois, Ur-Zababa convida Sargão aos seus aposentos, para discutir um sonho que este havia tido, que envolvia o favor da deusa Inana e o afogamento de Ur-Zababa pela deusa. Profundamente assustado, Ur-Zababa ordena que Sargão seja assassinado pelas mãos de Beliš-tikal, o ferreiro-mor, porém Inana consegue impedir, exigindo que Sargão pare diante de seus portões por estar "poluído com sangue". Quando Sargão retorna a Ur-Zababa, o rei se assusta novamente, e decide enviar Sargão ao rei Lugalzagesi, de Uruque, com uma mensagem numa tabuleta de argila, pedindo-lhe que matasse Sargão.[5] O relato da lenda é interrompido neste ponto; presumivelmente as seções que faltam indicariam como Sargão se tornou rei.[6]
A Lista de Reis Sumérios relata: "Em Ágade [Acádia], Sargão, cujo pai era um jardineiro,[7] o copeiro de Ur-Zababa, se tornou rei, o rei de Ágade, que construiu Ágade; ele governou por 56 anos."[8] A alegação de que Sargão teria sido o fundador original de Acade foi questionada recentemente, com a descoberta de uma inscrição que menciona o local, datada do primeiro ano de Ensacusana, que quase seguramente o precedeu.[9] Esta alegação da Lista de Reis foi a base para a especulação anterior, feita por diversos acadêmicos, de que Sargão teria sido a inspiração para a figura bíblica de Ninrode.[10] A Crônica de Weidner afirma que Sargão teria construído Babilônia "diante de Acade".[11][12] A Crônica dos Reis Antigos afirma igualmente que, no fim de seu reinado, Sargão "escavou o solo do poço de Babilônia, e fez uma equivalente de Babilônia próxima a Ágade."[12][13] Recentemente, alguns estudiosos afirmaram que estas fontes poderiam estar se referindo a Sargão II, do Império Neoassírio, e não a Sargão da Acádia.[14]
Um texto neoassírio do século VII a.C., que alega ser a autobiografia de Sargão, afirma que o grande rei seria o filho ilegítimo de uma sacerdotisa. No relato neoassírio o nascimento e a infância de Sargão são descritos:
Minha mãe foi uma alta sacerdotisa, meu pai eu não conheci. Os irmãos de meus pais amavam as montanhas. Minha cidade é Azupiranu, que se situa às margens do Eufrates. Minha mãe, alta sacerdotisa, me concebeu, em segredo me pariu. Colocou-me numa cesta de juncos, e selou-o com betume. Colocou-me no rio, que se elevou sobre mim, e me carregou a Aqui, o carregador de água. Aqui, o carregador de água, me aceitou como seu filho e me criou. Aqui, o carregador de água, me nomeou como seu jardineiro. Enquanto eu era um jardineiro, Istar me concedeu seu amor, e por quatro e [...] anos eu exerci o reinado.[15]
A imagem de Sargão como um indesejado sendo colocado para flutuar num rio lembra a narrativa mais conhecida do nascimento de Moisés. Estudiosos como Joseph Campbell e Otto Rank compararam o relato de Sargão, do século VII, com os nascimentos obscuros de outras figuras heroicas da história e da mitologia, como Buda, Édipo, Páris, Télefo, Semíramis, Perseu, Rômulo, Gilgamexe, Ciro, Jesus, e outros.[16]
Após assumir o poder em Quis, Sargão logo atacou Uruque, que era governada por Lugalzagesi, de Uma.[17] Conquistou Uruque e demoliu suas célebres muralhas. Os defensores parecem ter fugido da cidade, juntando-se a um exército liderado por cinquenta ensis das províncias. Esta força suméria disputou uma batalha campal contra os acádios, que terminou com a debandada das forças restantes de Lugalzagesi.[18] O próprio Lugalzagesi foi capturado e trazido a Nipur; Sargão inscreveu no pedestal de uma estátua (texto que foi preservado num tablete posterior) que trouxera Lugalzagesi "numa coleira de cão até os portões de Enlil."[19] Sargão perseguiu seus inimigos até Ur, antes de se deslocar para leste, até Lagach, no golfo Pérsico, e daí até Uma. Fez um gesto simbólico de lavar suas armas no "Mar Inferior" (Golfo Pérsico), para mostrar que havia conquistado o território da Suméria em sua totalidade.[20]
Outra vitória celebrada por Sargão foi sobre Castubila, rei de Cazala. De acordo com uma fonte antiga, Sargão destruiu a cidade com tamanha intensidade que "os pássaros não conseguiam encontrar um lugar mais alto que o solo para repousar."[21]
Para ajudar a limitar a chance de revolta na Suméria, Sargão nomeou uma corte de 5400 homens para "partilhar de sua mesa" (ou seja, administrar seu império).[22] Estes 5400 homens devem ter formado o exército de Sargão.[23] Os governadores, escolhidos por Sargão para administrar as principais cidades-estado da Suméria, eram acadianos, e não sumérios.[24] O acadiano, uma língua semita, se tornou a língua oficial nas inscrições feitas em toda a Mesopotâmia, bem como a língua franca da região, com influência nos territórios vizinhos. O império de Sargão manteve contatos comerciais e diplomáticos com os reinos em torno do mar da Arábia e por todo o Oriente Médio. As inscrições de Sargão relatam que navios de Magan, Meluhha e Dilmum, entre outros locais, ancoravam na sua capital, Ágade.[25]
As antigas instituições religiosas da Suméria, já bem conhecidas e emuladas pelos semitas, foram respeitadas. O sumério continuou a ser majoritariamente a língua da religião, e Sargão e seus sucessores foram patronos dos cultos sumérios. Enheduana, autora de diversos hinos acadianos, e identificada como filha de Sargão, tornou-se sacerdotisa de Nana, a deusa da lua de Ur. O próprio Sargão se intitulou "sacerdote ungido de Anu" e "grande ensi de Enlil".[26]
Pouco tempo após dominar a Suméria, Sargão embarcou numa série de campanhas militares que visavam subjugar todo o Crescente Fértil. De acordo com a Crônicas dos Reis Antigos, um texto historiográfico babilônico tardio:
[Sargão] não tinha nem rival nem igual. Seu esplendor, sobre as terras ele espalhava. Cruzou o mar no oriente. No décimo-primeiro ano conquistou a terra ocidental, em seu ponto mais distante. Colocou-a sob uma autoridade única. Ergueu suas estátuas ali e transportou o butim do ocidente em barcas. Estacionou seus oficiais de corte a cada intervalo de cinco horas-duplas, e governou em união com as tribos das diferentes terras. Marchou a Kazallu e transformou Kazallu num monte de ruínas, de tal maneira que não havia nada que servisse de poleiro para um pássaro.[12]
Sargão capturou Mari, Iarmuti e Ebla, chegando até a "montanha de prata" (Tauro). O Império Acadiano dominou assim as rotas comerciais, para que o fornecimento de madeira e metais preciosos pudesse fluir com segurança pelo Eufrates, chegando até a Acádia.[27]
No Oriente, Sargão derrotou uma invasão feita pelos quatro líderes de Elão, liderados por Luquissã de Avã. Suas cidades foram saqueadas; os governadores, vice-reis e reis de Susa, Baraxe e dos distritos vizinhos se tornaram vassalos da Acádia, e o acadiano se tornou o idioma oficial do discurso internacional.[28] Durante o reinado de Sargão, o acadiano foi padronizado e adaptado para o uso com a escrita cuneiforme utilizada anteriormente com o idioma sumério. Um estilo de caligrafia desenvolveu-se no qual o texto em tabletes de argila e cilindros de cera era distribuído entre cenas mitológicas e rituais.[29]
O texto conhecido como Epopeia do Rei da Batalha mostra Sargão avançando com suas tropas rumo ao coração da Anatólia, para proteger mercadores acádios e mesopotâmicos das extorsões que sofriam do rei de Buruxanda.[30] O mesmo texto menciona que Sargão teria cruzado o Mar do Oeste (Mar Mediterrâneo) indo até Cupara.[31]
Fome e guerras ameaçaram o império de Sargão durante os últimos anos de seu reinado. A Crônica dos Reis Antigos relata que diversas revoltas eclodiram por toda a região neste período.
Posteriormente, em sua [de Sargão] velhice, todas as terras se revoltaram contra ele, e o sitiaram na Acádia; e seu amplo exército ele destruiu. Em seguida ele atacou a terra de Subartu, com todo seu poder, e eles submeteram-se às suas armas, e Sargão pacificou aquela revolta, e os derrotou; conseguiu derrubá-los, e seu amplo exército ele derrotou, e trouxe suas posses para a Acádia. O solo das trincheiras da Babilônia ele removeu, e as fronteiras da Acádia fez à semelhança das da Babilônia. Porém, devido ao mal que ele havia cometido, o grande senhor Marduque, furioso, destruiu seu povo com a fome. Da aurora ao pôr-do-sol combateu-o, sem lhe dar trégua.[32]
A literatura posterior sugere que as rebeliões e outros distúrbios do final do reinado de Sargão teriam sido resultado de atos sacrílegos cometidos pelo rei. O consenso atual é de que a veracidade destas alegações é impossível de ser determinada, já que os desastres eram virtualmente sempre atribuídos a sacrilégios, inspirados na ira divina frequentemente mencionada na literatura mesopotâmica antiga.[33]
Sargão morreu, de acordo com sua curta cronologia, por volta de 2 215 a.C.. Seu império imediatamente se revoltou, ao ouvir as notícias da morte do rei; a maior parte destas revoltas foi debelada pelo seu filho e sucessor, Rimus, que reinou por nove anos e que foi sucedido por outro filho de Sargão, Manistusu, que reinou por 15 anos.[34] Sargão foi visto como um modelo para os reis da Mesopotâmia por cerca de dois milênios depois de sua morte; os reis assírios e babilônios se viam como herdeiros do seu império. Reis como Nabonido (reinou de 556 a 539 a.C.) mostrou grande interesse na história da dinastia sargônida, e até mesmo chegou a realizar escavações dos palácios de Sargão e de seus sucessores.[35] Alguns destes governantes podem até mesmo ter se inspirado nas conquistas do rei para iniciar suas próprias campanhas ao redor do Oriente Médio. O texto de Sargão em neoassírio desafia assim seus sucessores:
Os povos de cabeça negra [sumérios] eu comandei, eu governei; poderosas montanhas, com machados de bronze eu destruí. Escalei as montanhas superiores, e passei pelo meio das montanhas inferiores. O país do mar eu sitiei por três vezes; Dilmum eu capturei. Até o grande Dur-ilu eu fui, eu (...) eu alterei (...) Todo rei que for exaltado depois de mim, (...) Que ele comande, que ele governe os povos de cabeça negra; que poderosas montanhas, com machados de bronze, ele destrua; que ele escale as montanhas superiores, que ele passe pelo meio das montanhas inferiores; que ele sitie o país do mar por três vezes; que Dilmum ele capture; que ele vá ao grande Dur-ilu.Original (em inglês): The black-headed peoples [Sumerians] I ruled, I governed; mighty mountains with axes of bronze I destroyed. I ascended the upper mountains; I burst through the lower mountains. The country of the sea I besieged three times; Dilmun I captured. Unto the great Dur-ilu I went up, I ... I altered ... Whatsoever king shall be exalted after me, ... Let him rule, let him govern the black-headed peoples; mighty mountains with axes of bronze let him destroy; let him ascend the upper mountains, let him break through the lower mountains; the country of the sea let him besiege three times; Dilmun let him capture; To great Dur-ilu let him go up.— Barton 310, modernizando por J. S. Arkenberg(em inglês)
Outra fonte atribuiu a Sargão o desafio "qualquer rei que agora queira se dizer igual a mim, onde quer que eu tenha ido [conquistado], que ele vá."[36]
Histórias do poder de Sargão e de seu império podem ter influenciado o corpo de textos do folclore local que foi posteriormente incorporado à Bíblia. Diversos acadêmicos especularam que Sargão pode ter sido a inspiração para a figura bíblica de Ninrode, que aparece no Gênesis, bem como na literatura midráshica e talmúdica.[10] A Bíblia menciona Acádia como uma das primeiras cidades-estado do reino de Ninrode, porém não afirma de maneira explícita que ele a teria construído.[37]
O nome da principal esposa de Sargão, Taslultum, e de diversos de seus filhos, são conhecidos. Sua filha, Enheduana, que viveu durante o fim do século XXIV e início do XXIII a.C., foi uma sacerdotisa, autora de diversos hinos rituais.[38] Várias de suas obras, incluindo a sua Exaltação de Inana, foram utilizadas nos séculos seguintes.[39] Sargão foi sucedido por seu filho, Rimus; após a morte de Rimus outro de seus filhos, Manistusu, subiu ao trono. Os nomes de dois de seus outros filhos, Suenil (Ibarum) e Ilabais-Tacal (Abaixe-Tacal), também são conhecidos.[40]
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