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segundo livro da Bíblia, composto de 40 capítulos Da Wikipédia, a enciclopédia livre
Livro do Êxodo ou simplesmente Êxodo (do em grego clássico: ἔξοδος, éxodos, "saída" ou "partida"; em hebraico: שְׁמוֹת, Shəmōṯ, "nomes", a segunda palavra do começo do texto: "Ora estes são os nomes dos filhos de Israel, que entraram no Egito") é o segundo livro da Torá (vem logo depois de Gênesis) e o segundo da Bíblia hebraica (o Antigo Testamento dos cristãos).[1]
Ele conta a história do Êxodo, ou seja, de como os israelitas deixaram para trás a escravidão no Egito por sua fé em Yah, que escolheu Israel como seu povo. Liderados por seu profeta, Moisés, eles viajaram pelo deserto até o monte Sinai, onde Javé lhes promete a terra de Canaã (a "Terra Prometida") como recompensa por sua fidelidade. Os israelitas passam a fazer parte da aliança com Javé, que lhes fornece suas leis e instruções para a construção do Tabernáculo. Segundo o relato, Yah então desceu do céu e habitou com eles, liderando o povo na guerra santa para conquistar a terra e conseguir a paz.
Tradicionalmente atribuído ao próprio Moisés, os estudiosos modernos entendem que o livro foi, inicialmente, produzido no cativeiro da Babilônia (século VI a.C.) tendo como base tradições escritas e orais mais antigas com revisões finais no período pós-exílio (século V a.C.).[2][3] Alguns estudiosos defendem que este é o mais importante livro do Antigo Testamento, pois ele define as principais características da identidade de Israel: a memória de um passado marcado por dificuldades e pela fuga, uma aliança com Deus, que escolheu Israel, e o estabelecimento de uma vida comunitária e as leis necessárias para mantê-la.[4]
Não há consenso unânime entre os estudiosos sobre a estrutura do Êxodo. Uma forte possibilidade é que a obra seja um díptico (ou seja, uma obra em duas partes), com a divisão entre as partes 1 e 2 na travessia do Mar Vermelho ou no começo da teofania ("aparição de Deus") no capítulo 19.[5] Segundo esta tese, a primeira parte conta como Javé resgatou seu povo do Egito e o levou pelo deserto até o monte Sinai (capítulos 1 a 19) e a segunda, a aliança entre Javé e o povo (capítulos 20–40).[6]
Os filhos de Jacó e suas famílias se juntam ao irmão deles, José, no Egito. Uma vez lá, os israelitas começam a se multiplicar. Muitas gerações depois, o faraó, temendo uma traição por parte dos israelitas, ordena que todos os recém-nascidos fossem atirados no Nilo. Uma levita (identificada em outra parte como sendo Joquebede) salva seu bebê lançando-o num cesto de vime pelo Nilo. A filha do faraó (chamada Bitias em I Crônicas 4:18) encontra a criança, a chama de Moisés e a cria como se fosse dela. Mas Moisés sabe de sua origem e, um dia, já adulto, assassina um capataz egípcio que está surrando um escravo hebreu e foge para Midiã. Lá ele se casa com Zípora, a filha do sacerdote midianita Jetro, e se encontra com Deus numa sarça ardente. Moisés pergunta o nome de Deus, que responde: "Eu Sou o Que Sou". Deus pede a Moisés que retorne ao Egito e leve os hebreus até Canaã, a terra prometida a Abraão.
Moisés retorna ao Egito e não consegue convencer o faraó a libertar os israelitas. Deus então inflige aos egípcios dez terríveis pragas (as "Pragas do Egito"), incluindo um rio de sangue, uma infestação de rãs e a morte dos primogênitos. Moisés lidera os israelitas depois de uma perseguição do faraó, que renega seu consentimento obtido à força, através do Mar Vermelho. O deserto se mostra difícil e os israelitas reclamam, lembrando da vida no Egito, mas Deus lhes fornece, milagrosamente, água e o maná. Os israelitas chegam então na montanha de Deus, onde Moisés recebe a visita de Jetro, seu sogro, por sugestão do qual ele nomeia juízes para governar Israel. Deus então pergunta se os israelitas concordam em ser seu povo e, depois de aceitar, o povo se reúne no sopé da montanha. Com trovoadas e relâmpagos, fogo e nuvens de fumaça, ao som de trombetas e rugidos na montanha, Deus aparece no pico e o povo ouve a "voz de Deus", que ordena que Moisés suba ao topo. Deus então lhe dita os Dez Mandamentos com todo o povo ouvindo. Moisés escala a montanha e aparece diante de Deus, que lhe dita o "Código da Aliança" (um detalhado código de direito civil e ritual) e lhe promete Canaã se ele for obedecido. Moisés desce a montanha e escreve as palavras de Deus e o povo concorda em obedecê-las. Deus chama Moisés de volta para a montanha e ele lá permanece por 40 dias e 40 noites. No final deste período, Moisés desce com as "Tábuas da Lei", o decálogo gravado em dois tabletes de pedra escrito pelo "dedo de Deus" (Êxodo 31:18; Deuteronômio 9:10–9).
Deus deu instruções a Moisés sobre como deveria ser construído o "tabernáculo", uma tenda na qual Deus habitaria permanentemente entre seu povo escolhido, além de instruções sobre as vestes sacerdotais, o altar e os vasos sagrados, o procedimento para a ordenação dos sacerdotes e os sacrifícios diários que deveriam ser oferecidos. Aarão é nomeado sumo-sacerdote hereditário.
Enquanto Moisés está com Deus, Aarão fabrica um bezerro de ouro, que o povo passa a venerar. Deus informa Moisés da apostasia do povo e ameaça matá-los todos, mas cede aos apelos de misericórdia de Moisés, que desce a montanha, despedaça os tabletes e ordena que os levitas massacrem os infiéis. Deus ordena que Moisés suba a montanha novamente e refaça dois novos tabletes. Em seguida ele desce, desta vez com a face "transformada", o que o obriga a cobrir o rosto com véu daí em diante. Ele reúne o povo e repete os mandamentos recebidos de Deus, incluindo a guarda do sabá e a construção do tabernáculo. A partir daí, Deus passa a habitar entre o povo no tabernáculo e viaja o tempo inteiro com eles.
As subdivisões são as seguintes:
A tradição judaica e cristã defende Moisés como autor do Êxodo (e de todo o Pentateuco), mas, já no final do século XIX, a crescente percepção acadêmica de discrepâncias, inconsistências, repetições e outras características do Pentauco levou os estudiosos a abandonarem essa ideia.[7] Em datas aproximadas, o processo que resultou no Êxodo e no Pentateuco provavelmente começou por volta de 600 a.C., quando tradições escritas e orais mais antigas foram colecionadas em livros similares aos conhecidos atualmente e a forma final foi estabelecida por volta de 400 a.C. É claro que a estrutura principal da narrativa já era conhecida muito antes do século VII, nas alusões ao Êxodo e à viagem pelo deserto contida nas profecias de Amós e Oseias um século antes[3] [8].
A história do Êxodo é o mito fundador de Israel, recontando como os israelitas foram libertados da escravidão por Yah e entraram numa aliança com Ele através da aliança de Moisés.[9] O livro não deve ser tratado como uma narrativa histórica no sentido moderno,[10] pois isto exigiria uma avaliação crítica das fontes e não aceitaria que Deus fosse a causa dos eventos;[11] no Êxodo, tudo é obra de Deus, que frequentemente aparece pessoalmente, e o cenário histórico é vagamente mencionado.[12] O objetivo do livro não é o relato do que realmente aconteceu e sim o reflexo da experiência histórica da comunidade exilada na Babilônia e, depois, em Jerusalém, que enfrentava o cativeiro no estrangeiro e precisava chegar a um bom termo em sua compreensão de Deus.[13]
Embora os elementos míticos não sejam tão proeminentes no Êxodo como são no Gênesis, lendas antigas influenciaram o conteúdo do livro. Como exemplo, a história da salvação do bebê Moisés no Nilo é baseada numa lenda mais antiga sobre Sargão da Acádia. A história da travessia do mar Vermelho é reminiscente do mito fundador mesopotâmico. De forma similar, o Código da Aliança (o código legal em Êxodo 20:22 até Êxodo 23:33) tem similaridades, tanto no conteúdo e estrutura, com o Código de Hamurabi. Estas influências servem para reforçar a conclusão de que o Livro do Êxodo se originou na comunidade judaica babilônica no século VI a.C., mas nem todas as fontes são mesopotâmicas: a história da fuga de Moisés para Midiã depois do assassinato do capataz pode ter sido baseada na "História de Sinué" egípcia.[14]
A maioria dos estudiosos bíblicos modernos acredita que a Torá (os cinco primeiros livros do Antigo Testamento) chegou à sua forma presente no período pós-exílio (depois de 520 a.C.), quando tradições mais antigas, orais e escritas, "detalhes geográficos e demográficos contemporâneos, mas, ainda mais importante, as realidades políticas da época" foram levados em consideração.[15][16] Os cinco livros são geralmente descritos na hipótese documental como se baseando em quatro "fontes" (entendidas como escolas literárias e não indivíduos): a javista e a eloista (frequentemente entendidas como uma única fonte), a fonte sacerdotal e a deuteronomista.[17] Ainda há discussões sobre a origem das fontes não sacerdotais, porém a tese majoritária é a de que são posteriores ao exílio;[18][19]
Estudiosos bíblicos descrevem a história do Êxodo como uma "história de salvação", ou seja, uma história das ações salvíficas de Deus que dão identidade a Israel — a promessa de uma linhagem e de terras aos ancestrais (Abraão), a fuga do Egito, as andanças pelo deserto, a revelação de Deus no monte Sinai e a esperança de um futuro na Terra Prometida.[11]
Teofania é uma manifestação (aparição) de um deus. No caso da Bíblia, a aparição de Yah, o Deus de Israel, acompanhado por tempestades, tremores de terra, fumaça, trovões e relâmpagos.[24] Na narrativa do Êxodo, a teofania começa no "terceiro dia" a partir da chegada do povo ao monte Sinai, no capítulo 19.[25]
Na segunda metade do Êxodo, a teofania se torna permanente através do Tabernáculo e Deus passa a habitar entre seu povo. A importância disto é tanta que a maior parte dos capítulos do livro (25 a 31 e 35 a 40) é gasta descrevendo os planos para o Tabernáculo e revela a importância que ele teve na percepção do judaísmo do Segundo Templo: o Tabernáculo é o local onde Deus está fisicamente presente e onde, através dos sacerdotes, os israelitas podem literalmente estar junto d'Ele.[26]
O coração do Êxodo é a Aliança de Moisés.[27] Uma aliança é um documento legal que obriga ambas as partes a certos deveres recíprocos[28] e há vários exemplos na Bíblia. Em cada caso há pelo menos alguns elementos encontrados nos tratados reais comuns no Oriente Médio na época: um preâmbulo, um prólogo histórico, estipulações (cláusulas), deposição e leitura, lista de testemunhas, bençãos e ameaças e a ratificação final através do sacrifício de um animal.[29] As alianças bíblicas, diferentemente das alianças orientais em geral, são entre o Deus criador, Yah, e um povo, Israel, e não entre um monarca poderoso e um vassalo mais fraco.[30]
Israel é escolhido para a salvação pois os "filhos de Israel" são os "primogênitos" do Deus de Israel, descendentes através de Sem e Abraão até a linhagem escolhida de Jacó, cujo nome foi alterado para Israel. O objetivo do plano divino, revelado no Êxodo, é um retorno ao estado da humanidade no Jardim do Éden para que Deus possa habitar com os israelitas — como Ele havia habitado com Adão e Eva — através da Arca e do Tabernáculo, que juntos são um modelo do universo. Nas religiões abraâmicas posteriores, a escolha veio a ser interpretada como Israel sendo guardião do plano de Deus para os homens de trazer "a benção da criação de Deus para os homens" iniciado com Adão.[31]
Enquanto alguns arqueólogos deixam aberta a possibilidade de ter havido uma tribo semítica oriunda da escravidão no Egito e de que uma figura como a de Moisés tenha realmente existido no século XIII a.C., rejeita-se a possibilidade de que o Êxodo tenha acontecido conforme descrito na Bíblia.[32] Mais de um século de pesquisa arqueológica não descobriu nada que pudesse comprovar os elementos narrativos do livro do Êxodo — os quatro séculos de estada no Egito, a fuga de bem mais de um milhão de israelitas do Delta ou os três meses de jornada através do deserto até o Sinai.[33] Os registros egípcios não fazem qualquer menção aos fatos relatados no Êxodo, a região sul da península do Sinal não mostra traços de uma migração em massa como descrita no Êxodo e virtualmente todos os nomes mencionados, incluindo Goshen (a região do Egito onde os israelitas supostamente viveram), as cidades-armazém de Pitom e Ramessés, o local onde teria acontecido a passagem pelo Mar Vermelho (ou Mar dos Juncos) e o próprio monte Sinai não puderam ser claramente identificados.[34] Acadêmicos que defendem a historicidade do Êxodo concedem que o máximo que as evidências podem sugerir é que o relato é plausível.[35] Tem se tornado cada vez mais claro que a idade do ferro israelense — os reinos de Judá e Israel — tem suas origens em Canaã e não no Egito.[36] A cultura dos assentamentos israelitas mais antigos é Canaanita, seus objetos de culto são os mesmos do deus canaanita El, o trabalho da cerâmica reflete as tradições canaanitas locais e o alfabeto usado é o canaanita antigo. Praticamente a única distinção entre as cidades israelitas das áreas canaanitas é a ausência de ossos de porco, embora permaneça assunto de disputa se este aspecto pode ser usado como um marcador étnico ou é devido a outros fatores.[37]
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