Historiografia (de "historiógrafo", do grego Ιστοριογράφος, de Ιστορία, "História" e -γράφος, da raiz de γράφειν, "escrever": "o que escreve, ou descreve, a História"[1]) é uma palavra polissémica e designa não apenas o registro escrito da História, a memória estabelecida pela própria humanidade através da escrita do seu próprio passado, mas também a ciência da História.
A historiografia como meta-história
Se a História é uma ciência (cujo objecto é o homem no tempo), tem que submeter-se, como toda a ciência, ao método científico. Ainda que este não possa ser integralmente aplicado a todos os campos das ciências experimentais, pode-se fazê-lo a um nível equiparável ao das chamadas Ciências Sociais (ver: Método histórico, Metodologia e Metodologia nas ciências sociais).
Um terceiro conceito confluente no momento de definir-se a História como fonte de conhecimento é a chamada Teoria da História, também denominada como "historiologia" (termo cunhado por José Ortega y Gasset)[2]), cujo papel é o de estudar a estrutura, leis e condições da realidade histórica (DRAE); enquanto que o da "historiografia" é o de relato em si mesmo da história, da arte de escrevê-la (DRAE).
É impossível acabar com a polissemia e com a superposição destas três acepções, mas de maneira simplificada, pode-se admitir: a história é o estudo dos homens no tempo e seus feitos; a historiografia é a ciência da história e a historiologia a sua epistemologia.
A Filosofia da História é o ramo da filosofia que concerne ao significado da história humana, se é que o tem. Especula acerca de um possível fim teleológico de seu desenvolvimento, ou seja, pergunta-se se há um esboço, um propósito, princípio director ou finalidade no processo da história humana. Não deve confundir-se com os três conceitos anteriores, dos quais se separa claramente. Se o seu objecto é a verdade ou o dever ser, se a história é cíclica ou linear, ou se nela existe a ideia de progresso, são matérias das quais trata esta disciplina, alheias à história e à historiografia propriamente ditas.
Um enfoque intelectual, que tampouco contribui muito para entender a ciência histórica como tal, é a subordinação do ponto de vista filosófico à historicidade, considerando toda a realidade como produto de um devir histórico: esse seria o lugar do historicismo, corrente filosófica que pode estender-se a outras ciências, como a Geografia.
Uma vez despojada da questão meramente nominal, resta para a historiografia, portanto, a análise da história escrita, das descrições do passado; especificamente dos enfoques na narração, interpretações, visões de mundo, uso das evidências ou documentos e os métodos de sua apresentação pelos historiadores; e também o estudo destes, por sua vez sujeitos e objetos da ciência.[3]
A historiografia, de maneira restrita, é a maneira pela qual a história foi escrita. Em um sentido mais amplo, a historiografia refere-se à metodologia e às práticas da escrita da historia. Em um sentido mais específico, refere-se a escrever sobre a história em si.
Fontes historiográficas e seu tratamento
É importante distinguir a matéria-prima do trabalho dos historiadores (a fonte primária) do produto acabados ou semiacabado (fonte secundária e fonte terciária). Do mesmo modo, importa notar a diferença entre a fonte e o documento e o estudo das fontes documentais: a sua classificação, prioridade e tipologia (escritas, orais, arqueológicas); o seu tratamento (reunião, crítica, contraste), e manter o devido respeito a essas fontes, principalmente com a sua citação fiel. A subjetividade é uma singularidade da ciência histórica.
Historiografia como produção historiográfica
Historiografia é o equivalente a qualquer parte da produção historiográfica, ou seja: ao conjunto dos escritos dos historiadores acerca de um tema ou período histórico específico. Por exemplo, a frase: "é muito escassa a historiografia sobre a vida cotidiana no Japão na Era Meiji" quer dizer que existem poucos livros escritos sobre esta questão, uma vez que até ao momento ela não recebeu atenção por parte dos historiadores, e não porque esse objecto de estudo seja pouco relevante ou porque haja poucas fontes documentais que proporcionem documentação histórica para fazê-lo.[4]
No que diz respeito à difusão e divulgação da produção historiográfica, seria bom que cumprisse os mesmos requisitos a que se submetem as demais publicações científicas (ver publicação).
Também se utiliza o vocábulo "historiografia" para falar do conjunto de historiadores de uma nação, por exemplo, em frases como esta: "a historiografia espanhola abriu os seus braços e os seus arquivos a partir da década de 1930 para os hispanistas franceses e anglo-saxões, que renovaram a sua metodologia."
É necessário diferenciar os dois termos utilizados acima: "produção historiográfica" e "documentação histórica", ainda que em muitos casos coincida que os historiadores utilizem como documentação histórica precisamente a produção historiográfica anterior.
Por exemplo: sobre um conjunto de documentos de arquivo da Casa de Contratação em Sevilha que foi produzido apenas para fins de contabilidade;[5] ou qualquer material arqueológico que esteja em uma escavação no Peru, e se depositou sem a intenção de que alguém o encontrasse; um historiador americanista terá de usar a "Brevíssima Relação da Destruição das Índias", que foi escrita por Frei Bartolomé de Las Casas com um afã histórico indubitável, além de com fins da defesa de um interesse ou do seu próprio ponto de vista.[6]
Com este último vemos outra insuperável característica da História que a peculiariza como ciência: nenhum historiador, por mais objectivo que pretenda ser, não é alheio aos seus próprios interesses, ideologia ou mentalidades, nem pode subtrair-se ao seu ponto de vista particular. Quando muito, pode tentar a intersubjetividade, ou seja, ter em conta a existência de múltiplos pontos de vista. Para o caso do exemplo em tela, contrastar as fontes de Bartolomé de las Casas com as demais vozes que se ouviram na Junta de Valladolid, entre as quais se destacou a de seu rival, Juan Gines de Sepulveda, ou inclusive com a chamada "voz dos vencidos", que raramente é preservada, mas às vezes sim, como acontece com a "Nueva Crónica y Buen Gobierno" do inca Guaman Poma de Ayala.[7]
A reflexão sobre a possibilidade ou impossibilidade de um enfoque objectivo conduz à necessidade de superar a oposição entre a objectividade (a de uma inexistente ciência "pura", que não seja contaminada pelo cientista) e subjectividade (implicada nos interesses, ideologia e limitações do cientista), com o conceito de intersubjectividade, que obriga a considerar a tarefa do historiador, como o de qualquer cientista, como um produtor social, inseparável do restante da cultura humana, em diálogo com os demais historiadores e com toda sociedade como um todo.
Historiografia e perspectiva: o objecto da História
A história não tem outra opção senão seguir a tendência de especialização de qualquer disciplina científica. O conhecimento de toda a realidade é epistemologicamente impossível, ainda que o esforço de conhecimento transversal, humanístico, de todas as partes da história, seja exigível a quem verdadeiramente queira ter uma visão correcta do passado.
A História, portanto, deve segmentar-se, não apenas porque a perspectiva do historiador esteja contaminada com subjectividade e ideologia, mas porque ele deve optar, necessariamente, por um ponto de vista, do mesmo modo que um cientista: se quiser observar o seu objecto, deve optar por usar um telescópio ou um microscópio (ou, de forma menos grosseira, que tipo de lente irá aplicar). Com o ponto de vista determina-se a selecção da parte da realidade histórica que se toma como objecto, e que, sem dúvida, dará tanto a informação sobre o objeto estudado como sobre as motivações de um historiador que o estuda. Essa visão preferencial pode ser consciente ou inconsciente, assumida com maior ou menor cinismo pelo historiador, e é diferente para cada época, para cada nacionalidade, religião, classe social ou âmbito no qual o historiador pretenda situar-se.
A inevitável perda que supõe a segmentação, compensa-se pela confiança em que outros historiadores farão outras selecções, sempre parciais, que devem complementar-se. A pretensão de conseguir uma perspectiva holística, como o pretende a História total ou a História das Civilizações, não substitui a necessidade de todas e cada uma das perspectivas parciais como as que se tratam a seguir:
Recortes temporais
- Os recortes temporais vão desde as periodizações clássicas (Pré-história, História, Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna ou Idade Contemporânea), até às histórias por séculos, reinados, e outras. A periodização clássica (ver a sua justificação em Divisão do tempo histórico) é discutível, tanto pela necessidade de períodos de transição e de solapamentos, como por não representar períodos coincidentes para todos os países do mundo (razão pela qual foi acusada de eurocêntrica).
A Escola dos Annales foi uma das origens da fixação da memória dos feitos históricos em muitas culturas (veja-se em seu verbete próprio e mais abaixo em Historiografia de Roma). As crónicas (que em seu nome já indicam a intenção do recorte temporal) são usadas como reflexo dos acontecimentos notáveis de um período, habitualmente um reinado (veja-se no verbete próprio e mais abaixo em Historiografia da Idade Média e Historiografia em Espanha). A arcontologia seria a limitação do registro histórico à lista de nomes que ocupavam determinados cargos de importância ordenados cronologicamente. De fato, a mesma cronologia, disciplina auxiliar da história, nasce em muitas civilizações, associada ao cômputo do tempo passado que se fixa na memória escrita pelos nomes dos magistrados, como ocorria em Roma, onde era mais comum citar um ano por ser o dos cônsules tais ou quais. No Egito, a localização do tempo se fazia pelos faraós e dinastias. É muito significativo que nas culturas não históricas, que não fixam mediante a escrita a memória do seu passado, é muito frequente que não se mantenha a duração concreta do tempo passado mais do que uns poucos anos, que podem ser inclusive menos do que os que dura uma vida humana.[8] Tudo o que ocorre fora dele é referido como faz muito tempo", ou como no tempo dos antepassados, que passa a ser um tempo mítico, anistórico.[9]
O tratamento cronológico é o mais utilizado pela maioria dos historiadores, pois é o que corresponde à narrativa convencional, e o que permite ligar as causas passadas com os efeitos no presente ou no futuro. No entanto, ele é usado de várias maneiras: por exemplo, o historiador deve sempre optar por um tratamento síncrono ou diacrónico do seu estudo dos factos, ainda que muitas vezes se façam os dois.
- o tratamento diacrónico estuda a evolução temporal de um fato, por exemplo, a formação da classe operária na Inglaterra ao longo dos séculos XVIII e XIX.
- o tratamento síncrono, concentra-se nas diferenças que o fato histórico estudado tem ao mesmo tempo, mas em diferentes níveis, por exemplo: compara a situação da classe trabalhadora na França e na Inglaterra, na conjuntura da revolução de 1848 (ambos os exemplos foram referidos a partir de Edward Palmer Thompson.[10]
Períodos ou momentos especialmente atraentes para os historiadores acabam convertendo-se, pela intensidade do debate e do volume de produção em verdadeiras especialidades, tais como a história da Guerra Civil Espanhola, a história da Revolução Francesa a da Guerra da Independência dos Estados Unidos, ou a da Revolução Soviética, por exemplo.
Também devem ser consideradas as diferentes concepções de tempo histórico, que, de acordo com Fernand Braudel vão da longa duração ao evento pontual, passando pela conjuntura.
Recortes metodológicos: as fontes não escritas
Pré-história | ||||||||
Idade da Pedra | Idade dos Metais | |||||||
Paleolítico | Mesolítico | Neolítico | Idade do Cobre | Idade do Bronze | Idade do Ferro | |||
P. Inferior | P. Médio | P. Superior | Epipaleolítico | Protoneolítico |
No caso do período pré-histórico, a diferença radical entre fontes e método (assim como a divisão burocrática das cátedras universitárias) fazem com que seja uma ciência muito distante daquela feita pelos historiadores, sobretudo quando tais fontes e métodos se prolongam, dando primazia à utilização das fontes arqueológicas e ao estudo da cultura material em períodos para os quais já existam fontes escritas, falando-se então não da Pré-história, mas sim propriamente da Arqueologia com as suas próprias periodizações (Arqueologia clássica, Arqueologia Medieval e mesmo Arqueologia Industrial). Uma diferença menor pode ser encontrada com o uso de fontes orais, no que é chamado de História Oral. Não obstante, há que recordar o que foi dito (ver acima recortes temporais) acerca da primazia das fontes escritas e o que estas determinam à ciência historiográfica e à própria consciência da história em seu protagonista, que é toda a humanidade.
Recortes espaciais
São exemplos de recortes espaciais a História continental, a História nacional e a História regional. O papel da história nacional na definição das próprias nações é inegável (para a Espanha, por exemplo, desde as crónicas medievais até à História do Padre Mariana; veja-se ainda nacionalismo). Também como exemplo, veja-se em A história da História) como os historiadores se agrupam distintamente por nacionalidade, por época ou por tendência.
A Geografia dispõe de conceitos não tão potentes porém não menos arbitrários, que têm permitido edificar o prestigioso ramo da Geografia regional. A História local é, sem dúvida, a de mais fácil justificação e de validade universal, sempre que supere o nível da simples erudição (que ao menos sempre servirá como fonte primária para obras de maior ambição explicativa).
Recortes temáticos
São os que dão lugar a uma história sectorial, presente na historiografia desde a antiguidade, como ocorre com a:
- História Política, reduzida à história dos eventos ou categorizada na História das instituições, História dos sistemas políticos, História do Direito e História Militar;
- História Económica, às vezes geminada com a História Social, no entanto, também pode ser entendida como História do movimento operário ou uma história mais universal, a dos movimentos sociais;
- História da Igreja, tão antiga como ela mesma, ou a história das religiões, nascida pela necessidade de tornar o seu estudo comparativo;
- História da Arte, nascida ainda na Antiguidade Clássica com a valorização da sua produção artística e de seu passado;
- mais recente do que estas, mas englobando-as de algum modo, a História das ideias, que pode incluir as crenças, as ideologias ou a História da ciência e da tecnologia e com elas subdividir-se até ao infinito: História das doutrinas económicas, História das doutrinas políticas, etc.;
Uma das formas de se perguntar qual é o objecto da História é através da escolha do que é que merece ser mantido na memória, quais são os factos memoráveis. São todos, ou são apenas aqueles que o historiador considera transcendentais? Na lista acima, temos algumas respostas que cada um pode dar.
Algumas destas denominações encerram não uma simples divisão, mas sim visões metodológicas opostas ou divergentes, que se têm multiplicado nos últimos cinquenta anos. A história é hoje mais plural do que nunca, dividida em uma multiplicidade de especialidades tão fragmentada que muitos dos seus ramos não se comunicam entre si, sem ter sujeito e objecto comuns:
- a Micro-história, que se interessa pela especificidade dos fenómenos sociais a partir de uma perspectiva que tem sido comparada a uma lupa de aumento;
- a História da vida quotidiana, a partir de uma mesma selecção do objecto, abre depois o campo de visão buscando a generalização;
- a História da mulher ou os chamados estudos de género, como muitas histórias transversais que, por vezes, podem ser colocadas como uma história das minorias, ou discriminar-se tematicamente como a história da sensibilidade, ou a história da sexualidade;
- alterações na história económica como a cliometria ou a história da empresa;
- a História cultural, que registra um novo impulso após várias décadas;
- a História do tempo presente, criada na década de 1980 e que está interessada nos grandes avanços do nosso tempo;
- a climatologia e a genética, que junto com outras disciplinas, estão se deixando notar mais no debate historiográfico, através da história ambiental ou eco-história, nos cada vez mais utilizados estudos de genética populacional.
Ciências auxiliares da História
A fragmentação do objecto histórico pode induzir, em algumas ocasiões, a uma limitação muito forçada da perspectiva historiográfica. Levada a um extremo, pode-se reduzir a história à ciência auxiliar daquela de que se serve para encontrar explicação para os factos do passado, como por exemplo a Economia, a Demografia, a Sociologia, a Antropologia ou a Ecologia.
Em outras ocasiões, a limitação do campo de estudo produz realmente um "género historiográfico":
Géneros historiográficos
Pode assinalar-se que há "géneros historiográficos" que participam da História mas que podem chegar a aproximar-se mais ou menos dela: num extremo encontram-se os terrenos da ficção ocupados pela novela histórica, cujo valor desigual não diminui a sua importância. Outro extremo é ocupado pela Biografia e um género anexo, sistemático e extraordinariamente útil para a história geral como é a Prosopografia. Vinculada à história desde o começo do registro escrito, uma de suas principais preocupações no momento de estabelecer os dados foi o que hoje chamamos Arcontologia (as listas de reis e dirigentes).
Correntes historiográficas: o sujeito da História
De modo mais explícito, as correntes historiográficas normalmente explicitam a sua metodologia de uma forma combativa, como o Providencialismo, de origem Cristã (convém recordar que, para além da tradição historiográfica grega Heródoto e Tucídides, a origem da nossa historiografia é a História sagrada) ou o Materialismo histórico de origem marxista (que triunfou nos ambientes intelectuais e universitários europeus e americanos em meados do século XX, permanecendo adormecido desde a queda do Muro de Berlim).[11]
Às vezes a rotulação das correntes é obra de seus detractores, com o que os historiadores ali identificados podem ou não concordar com o modo pelo qual foram definidos. Este tipo de coisa poderia ser dito do próprio providencialismo, mas seria mais apropriado para correntes mais modernas, como o positivismo burguês, a história dos eventos (dos acontecimentos) e outras.
É sempre necessário interpretar a historiografia como parte da atmosfera intelectual da época em que se coloca. Qualquer produção cultural é dependente do modelo cultural existente, chamando-se a isso moda, estilo ou paradigma dominante na arte ou na filosofia, e é evidente que o registro da história é uma produção cultural. A desconstrução, o pensamento débil ou a pós-modernidade, conceitos do final do século XX, foram a incubadora da actual desconstrução da história, que para alguns é apenas uma narrativa.[12]
Uma boa maneira de distinguir a interpretação da história que tem uma determinada corrente historiográfica actual é perguntar-lhe a quem considera "sujeito histórico" ou verdadeiro protagonista da história.
Agrupamentos de historiadores
Grupos de historiadores que partilham metodologias (e se autopromovem conjuntamente com o poderoso mecanismo publicação-citação) surgem por vezes em torno de revistas, como a escola francesa dos Annales, a inglesa Past and Present ou a italiana Quaderni Storici; grupos de investigação ou as próprias cátedras universitárias, que são a cúspide da reprodução das elites historiográficas, através do clientelismo e do reconhecimento entre pares ("peer review").
A história da História
O surgimento da História é equivalente ao da escrita, mas a consciência de estudar o passado ou de deixar para o futuro um registro da memória é uma elaboração mais complexa do que as anotações dos templos da Suméria.[13] As estelas e relevos comemorativas de batalhas na Mesopotâmia e no Egito já são algo mais aproximado.
As demais civilizações asiáticas alcançaram a escrita e a história em seu próprio ritmo, pela compilação das suas fontes teológicas sob a forma de livros sagrados - por vezes com trechos históricos (como a Bíblia hebraica) ou sofisticações cronológicas (como os Vedas hindu) -, registram os seus próprios anais e finalmente a sua própria historiografia, em especial na China,[14] que tem o seu Heródoto em Sima Qian ("Memórias históricas", 109 a.C. – 91 a.C.) e alcançou uma definição clássica de história tipificada, oficial, com o Livro dos Han de Ban Gu (século I), que estabeleceu um padrão repetido sucessivamente pelos historiadores dos períodos seguintes, de vinte e cinco "histórias tipificadas" até 1928, data em que apareceu a última dessa monumental série.[15]
No continente americano, salvo a civilização Maia, não há textos, de forma alguma, comparáveis. No entanto, o desenvolvimento e a variedade que a historiografia alcançou na Civilização Ocidental é de um nível diferente a todas elas.[16]
Grécia
Os primeiros Gregos, que se interessaram sobretudo sobre os mitos de criação (os logógrafos), já praticavam a recitação dos eventos. A sua narração podia apoiar-se em escritos, como foi o caso de Hecateu de Mileto, na segunda metade do século VI a.C.. No século V a.C. Heródoto de Halicarnasso diferenciou-se deles pela sua vontade de distinguir o verdadeiro do falso; por isso, realizou a sua "investigação" (etimologicamente "História"). Uma geração mais tarde, com Tucídides, esta preocupação tornou-se crítica, com base na confrontação de diferentes fontes orais e escritas. A sua "História da Guerra do Peloponeso" pode ser vista como a primeira obra verdadeiramente historiográfica.
Os seguidores do novo género literário inaugurado por Heródoto e Tucídides foram muito numerosas na Grécia Antiga e, entre eles contam-se Xenofonte (autor do "Anábase"), Posidónio Ctésias, Apolodoro de Artémis, Apolodoro de Atenas e Aristóbulo de Cassandreia, entre outros (Ver literatura grega e historiografia helenística)
No século II a.C. Políbio, em sua obra "Pragmateia" (traduzido também como "História"), talvez tentando escrever uma obra de Geografia, abordou a questão da sucessão dos regimes políticos para explicar como é que o seu mundo entrou na órbita romana. Ele foi o primeiro a procurar causas intrínsecas para o desenvolvimento da história, mais do que invocar princípios externos. Nesta fase do período helenístico, a biblioteca e o Museu de Alexandria representavam o ápice do afã grego em preservar a memória do passado, o que significa a sua valorização como uma ferramenta útil para o presente e o futuro.
Roma
A civilização romana dispõe, à semelhança dos gregos Homero e Hesíodo, de mitos de origem recolhidos por Virgílio que os poetizou na Eneida como um elemento do programa ideológico desenhado por Augusto. Também, pelo menos desde a república, teve um cuidado especial pela recopilação de feitos em anais, a legislação escrita e os arquivos vinculados ao sagrado dos templos. Até às guerras púnicas a recopilação dos principais sucessos ocorridos estava a cargo dos pontífices, sob a forma de crónicas anuais.
A primeira obra histórica latina completa é "As Origens" de Catão, o Velho, do século III a.C..
O contacto de Roma com o mundo Mediterrâneo, primeiro com Cartago, mas sobretudo com a Grécia, o Egito e o Oriente, foi fundamental para ampliar a visão e utilidade do seu género histórico. Os historiadores (quer romanos quer gregos) acompanharam os exércitos nas campanhas militares, com o objectivo declarado de preservar a sua memória para a posteridade, de recolher informações úteis e de justificar as suas acções. A língua culta, o idioma grego, foi utilizado para este género, a par da mais sóbria, o Latim.
Salústio, o Tucídides romano, escreveu De Coniuratione Catilinae (A conjuração de Catilina, da qual foi contemporâneo, no ano de 63 a.C.). Faz um extenso relato das causas remotas da conjuração, assim como das ambições de Catilina, retratado como um nobre degenerado e sem escrúpulos. Em Bellum Ingurthinum ("A Guerra de Jugurta" rei dos númidas, 111–105 a.C.), denuncia um escândalo colonial. Historiae foi a sua obra mais ambiciosa e madura, parcialmente conservada que abrange, em cinco livros, os doze anos transcorridos após a morte de Sila em 78 a.C. até 67 a.C.. Não é a precisão histórica que lhe interessa e sim a narração de alguns factos com as suas causas e consequências, assim como a oportunidade de esclarecer o processo de degeneração em que a República se viu imersa. Além dos indivíduos, o objecto da sua observação centra-se nas classes sociais e nas facções políticas: idealiza um passado virtuoso, e detecta um processo de decadência que atribui aos vícios morais, à discórdia social e ao abuso do poder pelas diferentes facções políticas.
Cícero (106-43 a.C.) defendeu a incorporação de elementos retóricos às narrativas históricas, sem os quais o registro dos acontecimentos passados não teria utilidade pública[17].
Júlio César com o seu "Commentarii Rerum Gestarum", acerca de duas das maiores operações militares que conduziu, as Guerras da Gália (58–52 a.C.) (De Bello Gallico) e a guerra civil (49–48 a.C.) (De Bello Civili).
Tito Lívio (59 a.C.–17), com os cento e quarenta e dois livros de "Ab Urbe Condita", divididos em grupos de dez livros, conhecidos como "Décadas", actualmente perdidos em sua maior parte, escreveu uma grande História nacional, cujo único tema é Roma ("fortuna populi romani"), e cujos únicos actores são o Senado e as pessoas de Roma ("senatus populusque romanus", SPQR). O seu objectivo geral é ético e didáctico; os seus métodos foram os do grego Isócrates do século IV a.C.: é dever da História dizer a verdade e ser imparcial, mas a verdade deve apresentar-se de uma maneira elaborada e literária. Ele utilizou como fonte os primeiros analistas e Políbio, mas o seu patriotismo levou-o a distorcer a realidade em detrimento do exterior e a um espírito crítico pobre. É um historiador de gabinete, não viaja nem conhece pessoalmente os cenários dos eventos que descreve.
Tácito (55–120), o grande historiador do Império sob os Flávios, é, acima de tudo, um investigador das causas.
A lista de historiadores da época romana é vasta, tanto em língua latina (Plínio, o Velho, Suetónio e outros[18] ou grega (Estrabão, Plutarco).
Na decadência de Roma, o Cristianismo virá a dar uma mudança metodológica radical, introduzindo o providencialismo de Agostinho de Hipona. É exemplo Orósio, presbítero hispânico de Braga ("Historiae adversum paganus").
Idade Média
Dentre os primeiros historiadores desse período, merecem destaque:
- Cassiodoro, que por meio da obra "Chronica"(519), tentou unificar toda a história do mundo conhecido numa única sequência de governantes, juntando a história romana e goda numa sequência que parece destinada a agradar aos últimos; e
- Gregório de Tours, que escreveu a "História dos Francos" (591).
Naquela época, o predomínio das concepções religiosas fazia com que os livros de história fossem classificados como "profecias". A biblioteca da Universidade de Sorbonne somente começou a contar com a seção "História" em 1338, mas naquela seção encontravam-se obras sobre a história bíblica e na seção das crônicas estavam incluídas as hagiografias.[17]
A historiografia medieval é feita principalmente por hagiógrafos, cronistas, membros do clero episcopal próximos ao poder, ou pelos monges. Escrevem-se genealogias, áridos anais, listas cronológicas de acontecimentos ocorridos nos reinados dos seus soberanos (anais reais) ou da sucessão de abades (anais monásticos); "vidas" (biografias) de carácter edificante, como as dos santos Merovíngios, ou, mais tarde, dos reis da França), e "histórias" que contam o nascimento de uma nação cristã, exaltam uma dinastia ou, inversamente, fustigam os ignóbeis de uma perspectiva religiosa. Esta história, de que são exemplos Beda, o venerável ("História Ecclesiástica Gentis Anglorum", século VIII) ou Isidoro de Sevilha ("Etimologias" e "Historia Gothorum"), é providencialista, de inspiração agostiniana, e circunscreve as acções dos homens nos desígnios de Deus. É preciso esperar até ao século XIV para que os cronistas se interessem pelo povo, o grande ausente da produção deste período, como por exemplo, a do francês Jean Froissart ou do florentino Matteo Villani.
Idade Moderna
Estudiosos como Peter Burke e Georges Lefebvre apontam Petrarca como o primeiro historiador renascentista. Também merecem destaque, pelo pioneirismo: Maquiavel, que escreveu: "A História de Florença" e Francesco Guicciardini, que escreveu: "História da Itália". Jean Bodin, na obra "Método para uma fácil compreensão da história", afirmou que graças a história é possível compreender melhor o presente e prever o futuro. Henri de La Polinière, em "História das histórias, com a ideia da História perfeita", afirmou que o papel do historiador era explicar os fatos e não somente descrevê-los e que deveria recusar as lendas e os milagres das crônicas medievais e seguir o método rigoroso e imparcial dos filólogos e juristas,[17]
Durante o Renascimento, o Humanismo trouxe um gosto renovado pelo estudo dos textos antigos, gregos ou latinos, mas também pelo estudo de novos suportes: as inscrições (epigrafia); as moedas (numismática) ou as cartas, diplomas e outros documentos (diplomática). Estas novas ciências auxiliares da era moderna contribuíram para enriquecer os métodos dos historiadores: em 1681 Dom Mabillon indicou os critérios para determinar a autenticidade de um registro, pela comparação de diferentes fontes em "De Re Diplomática". Em Nápoles, mais de duzentos anos antes, Lorenzo Valla, a serviço de Afonso V de Aragão tinha conseguido demonstrar a falsidade da Doação de Constantino. Giorgio Vasari com a obra "As vidas" ofereceu, por sua vez, uma fonte e um método historiográfico para a História da Arte.
Neste período a história não é diferente da geografia e nem mesmo das ciências naturais. É dividida em duas partes: a história geral (actualmente denominada simplesmente como "história") e a história natural (actualmente as ciências naturais e a geografia). Este sentido amplo de história pode ser explicado pela etimologia da palavra (ver História).
A questão da unidade do reino que se colocou pelas guerras de religião na França no século XVI, deu origem a trabalhos de historiadores que pertencem à corrente chamada de "história perfeita", que mostra que a unidade política e religiosa da França moderna é necessária, ao derivar-se de origens Gaulesas (Etienne Pasquier, "Recherches de la France"). O providencialismo de autores como Jacques-Bénigne Bossuet ("Discurso sobre a história universal", 1681), tende a desvalorizar o significado de qualquer mudança histórica.
Ao mesmo tempo, a história se mostra como um instrumento de poder: põe-se ao serviço dos príncipes, desde Nicolau Maquiavel até aos panegiristas de Luís XIV de França, entre os quais se incluiu Jean Racine.
A própria hagiografia procurou adotar critérios mais científicos a partir das contribuições do jesuíta Jean Bolland e seus seguidores, conhecidos como bolandistas, tais como o jesuíta Daniel van Papenbroeck e o beneditino Jean Mabillon.[17]
O Iluminismo
René Descartes foi um crítico da produção dos historiadores de sua época que tinham pouco rigor científico. Alguns historiadores foram resistentes às críticas de Descartes, como Jacob Perizonius, que defendia os textos humanistas com elementos retóricos dos escritores latinos e gregos. Por outro lado, Jean Le Clearc destacou-se entre aqueles que defenderam a produção de obras históricas com os padrões de cientificidade defendidos por Descartes.
Existiam duas visões contrárias para o alcance do conhecimento da História:
- a primeira alicerçada pela verdade dos fatos, pela acumulação descritiva, desenvolvida pelos antiquários; e
- a outra buscava a verdade por meio de uma operação intelectual.
A erudição dos antiquários se destacou entre os beneditinos da Congregação de São Mauro (Saint Maur), que escreveram obras sobre a História das Províncias Francesas como:
- Urbain Plancher, que escreveu "História geral e particular de Bourgone"; e
- Joseph Vaissète e Claude Devic, que escreveram "História geral de Languedoc".
Essas eram obras que apenas acumulavam conhecimentos sobre fatos, mas desprovidas de reflexão.
Esse tipo de obra foi criticado por Jean le Rond d’Alembert que sustentou que "quando a ciência da história não é auxiliada pela filosofia, é o último dos conhecimentos humanos[17].".
No século XVIII, ocorreu uma mudança fundamental: as abordagens intelectuais do Iluminismo por um lado, e a descoberta de um "outro" em culturas fora da Europa (o exotismo, o mito do "bom selvagem") por outro, suscitam um novo espírito crítico (embora, na realidade, fossem circunstâncias semelhantes às que se podiam observar em Heródoto). São postos em questão os prejuízos culturais e o universalismo clássico.
A descoberta de Pompeia renovou o interesse pela Antiguidade clássica (neoclassicismo) e fornece os materiais que inauguram uma ciência emergente da arqueologia. As nações europeias distantes do mar Mediterrâneo buscam as suas origens históricas nos mitos e lendas que, por vezes, foram inventadas (como em "Ossian" de James Macpherson, que simulou ter encontrado o Homero celta).
Também se interessam pelos costumes nacionais os franceses François Fénelon, Voltaire ("História do império russo sob Pedro, o Grande" e "O século de Luís XIV", 1751) e Montesquieu, que teorizou sobre ele em "O Espírito das Leis". Na Inglaterra, Edward Gibbon escreveu a sua monumental obra "História do declínio e queda do Império Romano" (1776-1788), onde fez da precisão um aspecto essencial do trabalho do historiador.
Os limites da historiografia no século XVIII são a submissão à moral e a inclusão de juízos de valores, de modo que o seu objectivo continua limitado.
Na Espanha destaca-se a publicação de "España Sagrada", do padre agostiniano Enrique Flórez, recompilação de documentos de história eclesiástica, expostos com critério ultraconservador (1747 e continuada após a sua morte, até ao século XX) e a "Historia crítica de España" do jesuíta desterrado Juan Francisco Masdeu; a partir de uma perspectiva mais ilustrada temos o regalista Melchor Rafael de Macanaz, o crítico Gregorio Mayans y Siscar (um dos seus discípulos, Francisco Cerdá y Rico, tentou imitar Lorenzo Valla ao discutir a veracidade do voto de Santiago medieval), e mais tarde, nesse mesmo século, ao próprio Gaspar Melchor de Jovellanos, Juan Sempere y Guarinos, Eugene Larruga y Boneta ("Memorias políticas y económicas"), e ao excelente documento recompilatório que é "Viaje de España" de Antonio Ponz. A meio caminho entre as duas tendências encontra-se o exemplo de Juan Pablo Forner, casticista na sua famosa "Oración apologética por España y su mérito literiario" (1786) e reformista em outras obras, publicadas após a sua morte.
No século XVIII, surgiu a tendência de se utilizar o racionalismo, que buscava fundamentar os direitos universais dos homens, como fio condutor da narrativa histórica, em substituição às concepções religiosas, adotadas na Idade Média, e à legitimação do absolutismo monárquico, adotado no início da Idade Moderna. Desse modo a profecia (fim da história no período medieval) foi substituída pela utopia.[17]
Classificação proposta por Collingwood
Segundo Robin George Collingwood, na época do iluminismo, a busca pelo conhecimento da história tinha duas vertentes:
- uma retrospectiva, mais estritamente histórica, que buscava apresentar o passado como um jogo de forças irracionais; e
- outra prospectiva, que via a história como um progresso em direção ao "domínio da razão".
Nessa perspectiva, dentre os representantes da primeira vertente estariam:
- Montesquieu, que via as ações humanas e a sociedade como reflexos da geografia e do clima;
- Edward Gibbon, que defendia que a sociedade teria saído de uma idade do ouro e sido dominada pelo barbarismo e pela religião.
Dentre os representantes da segunda vertente estaria Voltaire, que tentou conciliar erudição e reflexão filosófica, buscou construir um conhecimento histórico explicativo/estrutural, não se limitando à narração dos fatos políticos, pois procurou integrar o conhecimento sobre economia ao conhecimento histórico.
Voltaire acreditava que por meio do conhecimento histórico, a humanidade poderia eliminar a ignorância e a superstição. Portanto, tal conhecimento não deveria se restringir à narrativa descritiva de fatos históricos, pois trata-se de conhecimento que deveria ser condutor de uma mudança social e, por isso, deveria abranger deveria haver uma investigação mais rigorosa dos contextos sociais e culturais nos quais estavam inseridos os fatos históricos.[17]
O século XIX: a História, ciência erudita
O século XIX foi um período rico em mudanças, tanto na maneira de conceber a história como na de escrevê-la.
Na Alemanha, esta evolução havia se produzido antes, e já estava presente nas universidades da Idade Moderna. Agora, a institucionalização da disciplina deu lugar a vastos corpos que reuniam e transcreviam as fontes, sistematicamente. Entre estes, o mais conhecido é o "Monumenta Germaniae Historica", a partir de 1819. A História ganha uma dimensão de erudição, mas também de actualidade. Pretende rivalizar com as demais ciências, sobretudo com o grande desenvolvimento que estas atravessam, à época. Theodor Mommsen contribui para dar à erudição as suas bases críticas, em seu "Römische Geschischte" ("História de Roma", 1845-1846), além de ter colaborado no citado "Monumenta Germaniae Historica" e no "Corpus Inscriptionum Latinarum".
Na França, foi considerada como uma disciplina intelectual distinta de outros géneros literários desde o começo do século, quando os historiadores profissionalizaram-se e fundaram os arquivos nacionais franceses (1808). Em 1821 fundou-se a "Ècole nationale des Chartes", primeira grande instituição para o ensino da História no país.
A partir da década de 1860, o historiador Fustel de Coulanges escreveu "a história não é uma arte, é uma ciência pura, como a física ou a geologia". Sem dúvida, a história implica o debate da sua época e é influenciada pelas grandes ideologias, como o liberalismo de Alexis de Tocqueville e François Guizot. Sobretudo deixou-se influenciar pelo nacionalismo e mesmo pelo racismo. Coulanges e Mommsen transladaram para o debate historiográfico o enfrentamento da Guerra franco-prussiana de 1870. Cada historiador tende a encontrar as qualidades de seu povo (o "génio"). É o momento de fundação das grandes histórias nacionais.
Os historiadores românticos, como Augustin Thierry e Jules Michelet, mantendo a qualidade da reflexão e a exploração crítica das fontes, sem receando espraiar-se no estilo, mantiveram-na como uma arte. Os progressos metodológicos não impediram contribuir para as ideias políticas de seu tempo. Michelet, em sua "História da Revolução Francesa" (1847-1853), contribuiu igualmente para a definição da nação francesa contra a ditadura dos Bonaparte, assim como para o revanchismo antiprussiano (faleceu pouco depois da batalha de Sedan). Com a Terceira República Francesa, o ensino da História conformou-se a um instrumento de propaganda a serviço da formação dos cidadãos, e continuou a sê-lo durante todo o século XX.
Outro dos fundadores da historiografia no século XIX foi Leopold Von Ranke, que se destacou pela sua elevada crítica com as fontes usadas na História. Adepto das análises e das racionalizações, o seu lema era "escrever a História tal como foi". Desejava relatos de testemunhas visuais, enfatizando sobre o seu ponto de vista.
Hegel e Karl Marx introduziram o viés social na História. Os historiadores anteriores haviam-se concentrado nos ciclos ciclos de apogeu e crise dos governos e das nações. Uma nova disciplina emergente trouxe a análise e a comparação em grande escala: a Sociologia. A partir da História da Arte, estudos como o de Jacob Burckhardt sobre o Renascimento converteram-se na referência para entender os fenómenos culturais. A Arqueologia pôs em contacto o mito com a realidade histórica, tanto no Egito como na Mesopotâmia e Grécia (Heinrich Schliemann em Troia, Micenas e Tirinto, e mais tarde Arthur Evans em Creta); tudo isso em um ambiente romântico e aventureiro que lentamente foi-se depurando para tornar-se científico, ainda que não desapareça, como demonstra a tardia aparição de de Howard Carter (Tutancâmon) e a imagem popular dos arqueólogos que se perpetua no cinema (Indiana Jones). A Antropologia aplicada à explicação dos mitos produziu o monumental trabalho de James George Frazer ("The Golden Bough; a Study in Magic and Religion" ("O ramo de ouro", 1890), a partir do qual os historiadores puderam repensar o seu ponto de vista sobre a relação das sociedades humanas de todas as épocas com a magia, a religião e inclusive a ciência.
Durante o século XIX, a Espanha conseguiu preservar o seu património documental com a criação da Biblioteca Nacional de Espanha e do Arquivo Histórico Nacional da Espanha, mas não se distinguiu por uma grande renovação da sua historiografia que, salvo o arabismo de Pascual de Gayangos, ou da historia económica de Manuel Colmeiro, aparece dividida entre uma corrente liberal (Modesto Lafuente y Zamalloa, Juan Valera), e outra reaccionária, cujo expoente, o erudito e polígrafo Marcelino Menéndez y Pelayo (Historia de los heterodoxos españoles), é uma digna continuação da tradição que nasceu com Santo Isidoro e passou pela Historia do Padre Mariana e pela España Sagrada do Padre Flórez.
O século XX
A história vai se afirmando como uma ciência social, uma disciplina científica envolvida com a sociedade. Nos princípios do século XX, a história já havia adquirido uma dimensão científica incontestável.
A história, entre o positivismo e o ensaísmo
Instalado no mundo académico, erudito, a disciplina foi influenciada por uma versão empobrecida do positivismo de Auguste Comte. Pretendendo objectividade, a história limitou o seu objecto: o fato ou evento isolado, o centro do trabalho de um historiador, é considerado como a única referência para responder correctamente ao imperativo da objectividade. Tampouco se ocupa por estabelecer relações de causalidade, substituindo por retórica o discurso que se pretendia científico.
Simultaneamente, e em contraste, desenvolvem-se disciplinas similares, que tendem à generalização como a história cultural e a história das ideias, com Johan Huizinga ("O Outono da Idade Média") ou Paul Hazard ("A crise da consciência europeia") entre os seus iniciadores. Ensaístas como Oswald Spengler ("O Declínio do Ocidente"), e Arnold J. Toynbee ("Um Estudo da História") em controvérsia famosa, publicam profundas reflexões sobre o próprio conceito de civilização, que juntamente com a "Revolta das Massas" ou "España invertebrada", de José Ortega y Gasset obtiveram extraordinária divulgação, como um reflexo do pessimismo intelectual do entre-guerras. Mais próximo ao método do historiador, e não menos profundo, é o trabalho de seus contemporâneos, o Belga Henri Pirenne ("Mohammed e Charlemagne", em português, "Maomé e Carlos Magno"), ou o australiano Vere Gordon Childe (pai do conceito "Revolução Neolítica").
Contudo, a grande transformação na história dos eventos vem de contribuições externas: Por um lado, o materialismo histórico de inspiração marxista, que introduz a economia nas preocupações do historiador. Por outro lado, a perturbação provocadas pela historiografia pelos desenvolvimentos políticos, técnicos, económicos ou sociais vividos pelo mundo, sem esquecer os conflitos mundiais. Novas ciências auxiliares surgem ou desenvolvem-se consideravelmente: a Arqueologia, a Demografia, a Sociologia e a Antropologia, sob a influência do estruturalismo.
A Escola dos Annales
Uma escola de pensamento conhecida como Escola dos Annales formou-se em torno da revista "Annales d'histoire économique et sociale", fundada por Lucien Febvre e Marc Bloch em 15 de janeiro de 1929 editado pela Librairie Armand Colin em Paris. Essa revista trimestral aparece com uma proposta mais abrangente tanto temporariamente quanto aos novos objetos de estudo e novas abordagens, e portanto uma nova metodologia que se enveredasse nas interdisciplinaridades para passar de discursos teóricos para a prática, como uma maneira de redescobrir o homem. Alargou o âmbito da disciplina, solicitando a confluência das outras ciências, em particular a da Sociologia, e, de maneira mais geral transforma a história ampliando o seu objeto para além do evento e inscrevendo-o na longa duração ("longue durée"). Cabe ainda lembrar da influência da psicologia, uma ciência que chamava a atenção dentre historiadores do início do século e a luta contra o que Febvre chamava de a história "Historicisante", ou seja, a história política, diplomática e militar feita até então. No ano em que a revista foi lançada, a situação europeia não era das melhores pois havia uma grave crise econômica e política, como reflexo do fim da Primeira Guerra Mundial 1929. Após o hiato da Segunda Guerra Mundial, Fernand Braudel continuou a editar a revista e recorreu, pela primeira vez, à geografia, à economia e à sociologia para desenvolver a sua tese de "economia-mundo" (o exemplo clássico é "O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Filipe II").
O papel do testemunho histórico muda: permanece no centro das preocupações do historiador, mas já não é o objecto, senão o que se considera como um útil para construir a história, útil que pode ser obtido em qualquer domínio do conhecimento. Uma constelação de autores mais ou menos próximos à "Annales" participa dessa renovação metodológica que preenche as décadas centrais do século XX (Georges Lefebvre, Ernest Labrousse).
A visão da Idade Média mudou completamente após uma releitura crítica das fontes, que têm a sua melhor parte justamente no que não mencionam (Georges Duby).
Privilegiando a longa duração ao tempo curto da história dos eventos, muitos historiadores propõem repensar o campo da história a partir dos "Annales", entre eles Emmanuel Le Roy Ladurie ou Pierre Goubert.
"Nova História" é a denominação, popularizada por Pierre Nora e Jacques Le Goff ("Fazer a História", 1973), que designa a corrente historiográfica que anima a terceira geração dos "Annales". A nova história trata de estabelecer uma história serial das mentalidades, ou seja, das representações colectivas e das estruturas mentais das sociedades.
Outros historiadores franceses, alheios aos "Annales" como Philippe Ariès, Jean Delumeau e Michel Foucault, este último nas fronteiras da filosofia, descrevem a história dos temas da vida quotidiana, como a morte, o medo e a sexualidade. Querem que a história escreva sobre todos os temas, e que todas as perguntas sejam respondidas.
De uma orientação completamente oposta (a da direita católica), Roland Mousnier realizou uma contribuição decisiva para a História Social do Antigo Regime, negando a existência de luta de classes e inclusive dessas mesmas classes, em benefício do que descreve como uma sociedade de ordens e relações clientelistas.[19]
A historiografia francesa repensa a sua Revolução
Foi dito que cada geração tem o direito de reescrever a história.[20] Na esfera académica, a revisão das maneiras de compreender o passado é parte da tarefa do historiador profissional. Até que ponto é que essa revisão surge cientificamente, como uma distorção das certezas anteriormente estabelecidas (Karl Popper) e não pseudo-cientificamente, como faria o que se denomina pejorativamente de revisionismo historiográfico, é algo difícil de avaliar. Uma prova de toque seria detectar se o revisionista é um estranho ao mundo académico, que se dedicada ao uso político da história, o que aliás é um vício comum: a história sempre foi usada como uma arma para a transformação social e os meios académicos nunca foram uma excepção. Na historiografia, ciência social, é difícil perceber se nos encontramos diante de uma mudança de paradigma como os que estudou Thomas Kuhn para as ciências experimentais ("História das Revoluções Científicas"), principalmente porque nunca há um consenso tão universalmente partilhado como para entender que o desvio dele seja uma revolução.[21]
Uma das grandes polémicas revisionistas (no bom sentido) veio com as comemorações do segundo centenário da Revolução Francesa (1989). Assim como o próprio movimento revolucionário, também são díspares e controversas as avaliações que são feitas sobre a Revolução, que recebeu diversas alcunhas: “esplêndida aurora” (Georg Wilhelm Friedrich Hegel), “equivalente aos mitos e epopeias da Grécia antiga” (Thomas Carlyle), “a maior catástrofe que caiu sobre a raça humana” (Goldwin Smith), “mãe de todos nós” (Albert Soboul) ou “centro estratégico da história moderna” (Alfred Cobban).[22]
Autores de tendência estruturalista, próximos à "Annales" (François Furet ou Denis Richet), sintetizaram os estudos das décadas de 1970 e 1980, em que se pretendia ser um novo paradigma interpretativo alternativo ao marxismo que havia dominado a história social do período: Albert Soboul, Jacques Godechot, e, mais recentemente Claude Mazauric, Michel Vovelle ou Crane Brinton ("Anatomia de uma Revolução"). Distante de ambas as tendências, Simon Schama e os novos narrativistas fazem uma história cultural do político e muito narrativa, antiestruturalista e de tintas tendencialmente conservadoras (iniciada por Richard Cobb já na década de 1970). Além disso, mantém à frente a "Nouvelle Histoire Politique" de René Rémond. Arno Mayer lamenta que a revisão haja dado lugar um uso político da história, no qual se condenam, "a priori", as revoluções como intrinsecamente perversas.[23]
Um subgénero: as comemorações
Por outro lado, a utilização da história para celebrar acontecimentos que atendam a anos "redondos" (centenários, decenários, etc.) constitui-se numa oportunidade de destaque profissional para os historiadores, de aproximação da disciplina do grande público e de álibi para diferentes tipos de justificações. O bicentenário dos Estados Unidos (1976) havia sido um precedente difícil de superar, em termos de cobertura mediática e custos económicos. A mais recente, no caso da Espanha foi a da Guerra Civil Espanhola (1976, com a inovadora exposição do Palácio de Cristal do Retiro da qual foi curador Javier Tusell; 1986, o cinquentenário que se aproveitou para recordar, particularmente, a Machado e a Garcia Lorca com a esquerda no poder; 1996; 2006, com discussões sobre a memória histórica), Carlos III de Espanha (1988, na emulação da paralela preparação do bicentenário francês), o "Quinto Centenario del Encuentro entre dos Mundos" (1992), Cánovas (1998), o "Año Quijote" (2005). Existe mesmo a Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales, que mantém um movimentado calendário.[24]
Sem a necessidade de celebrar algo mais concreto do que a sua próprio intemporalidade, mas com o mesmo zelo justificativo (no que leva milénios de vantagem), a Igreja Católica espanhola tem feito o mais notável conjunto de exposições: "Las Edades del Hombre",[25] uma revisão temática dos assuntos religiosos ilustrada sucessivamente com diferentes suportes histórico-artísticos elegantemente seleccionados e expostos (livros, músicas, esculturas, etc.) de maneira itinerante pelas catedrais de Castilla y León, as quais em si mesmas já justificam as visitas. O mesmo formato e curador teria "Imaculada", para assinalar os 150 anos de aniversário do dogma (Catedral da Almudena, Madrid, 2006) e que serviu para compensar a recente inauguração do edifício, de gosto e decoração discutíveis. Inspirada nelas foi realizado pelo Governo de Navarra a exposição "Las Edades de un Reino" (Pamplona 2006, coincidindo com o centenário de São Francisco Xavier em Javier).
A historiografia anglo-saxónica
Os Estados Unidos são muito pródigos na experimentação de novas abordagens metodológicas, entre as quais:
- o quantitativismo da cliometria ou "new economic history" ("nova história económica") estadunidense de Robert Fogel e Douglass North, laureados com o Prémio Nobel de Economia de 1993 (dos poucos historiadores que receberam o Nobel, com os de literatura Theodor Mommsen e Winston Churchill).
- os estudos de caso (a partir da década de 1970). Um estudo de caso é um método particular de investigação qualitativa. Em vez de utilizar grandes bases de dados e rígidos protocolos para examinar um número limitado de variáveis, este método envolve um corte longitudinal de um caso: um único facto. A história se aproxima do método experimental.[26]
- a chamada "World History" (desde a década de 1980), que compara as diferenças e semelhanças entre regiões do mundo e chega a novos conceitos para descrevê-las (considera-se Arnold J. Toynbee como um precursor).
Também é digno de nota o papel dos Estados Unidos como anfitrião dos intelectuais europeus antes e depois da Segunda Guerra Mundial, como foi o caso de Mircea Eliade, o maior renovador da história das religiões ou história das crenças ("O sagrado e o profano", "O mito do eterno retorno").
Mas a grande contribuição dos historiadores ingleses, que têm publicações comparáveis à da "Revue des Annales" ("Past and Present"), está no cerne da principal corrente de produção historiográfica, no caso desta revista, de tendência marxista, entre cujos destaques se incluem autores da estatura de E. P. Thompson, Eric Hobsbawm, Perry Anderson, Maurice Dobb, Christopher Hill, Rodney Hilton, Paul Sweezy, John Merrington e outros, que, de modo algum devemos entender como uma tendência unitária, uma vez que, nos anos da Segunda Guerra Mundial e nos do pós-guerra (em que muitos deles funcionaram como o Grupo de Historiadores do Partido Comunista da Grã-Bretanha) foram se afastando entre si e das posições marxistas ortodoxas, dando origem ao que tem sido chamado de tendência "marxiana". As polémicas entre eles e com autores não-marxista como H. R. Trevor-Roper, tornaram-se, merecidamente, famosas.
Cada autor deve ser visto através de sua posição pessoal, como a do estadunidense Immanuel Wallerstein (também no domínio da história económica e social, que tem desenvolvido um conceito de "sistema mundial" na linha de Fernand Braudel), o britânico Steven Runciman (medievalista imprescindível para o estudo das Cruzadas), ou dos já mencionados Arno Mayer, Richard Cobb, Crane Brinton ou Simon Schama.
A historiografía italiana
A partir do fim do século XX, na Itália, um grupo de historiadores desenvolveu, em torno da revista "Quaderni Storici", uma extensão inovadora da história social, a que se denominou Micro-história (Giovanni Levi, Carlo Ginzburg). Com alguma aproximação a este método, Carlo M. Cipolla faz, sobretudo, uma história económica de grande envergadura, assim como reflexões metodológicas interessantes (a paródia "Allegro ma non troppo").
Os hispanistas
A disponibilidade de matéria-prima documental nos arquivos espanhóis atrai profissionais formados nas universidades europeias e estadunidenses, em uma espécie de "fuga de cérebros" ao contrário, que renovou a metodologia e as perspectivas dos historiadores espanhóis.
Maurice Legendre foi um dos iniciadores do hispanismo francês através da "Casa de Velazquez", seguido por uma lista impressionante: Marcel Bataillon (com o seu imprescindível "Erasmo na Espanha"), Pierre Vilar ("Cataluña en la España Moderna" e a sua breve mas influente "Historia de Espanha"), Bartolomé Bennassar (um modelo de como a história local pode ser integrada na corrente central da historiografia de vanguarda com o seu "Valladolid en el siglo de oro"),[27] Georges Demerson, Joseph Pérez (autoridades para as Comunidades, a Inquisição, os judeus…), Jean Sarrailh (exemplo de síntese de uma época com "La España ilustrada de la segunda mitad del siglo XVIII").
O hispanismo anglo-saxão tem como um dos seus decanos Gerald Brenan (observador do "El laberinto español" desde a sua posição estratégica nas Alpujarras), secundado por uma lista não menos impressionantes que a dos franceses: Hugh Thomas (durante muito tempo o autor mais citado em sua especialidade com "Spanish Civil War"), John Elliott (com "El Conde-Duque de Olivares" deu mostras de como uma biografia pode reflectir uma época), John Lynch, Henry Kamen, Ian Gibson (Irlandês nacionalizado espanhol, autor de biografias imprescindíveis dos principais gigantes culturais do século XX), Paul Preston, Gabriel Jackson, Stanley G. Payne, Raymond Carr, Geoffrey Parker, Edward Malefakis e outros.
Historiografia espanhola contemporânea
Entretanto, as universidades espanholas viram-se esvaziadas pela Guerra Civil Espanhola e pelo exílio interno e externo. Na metade do século XX, espalhados pelo mundo, figuram: Ramón Menéndez Pidal, Américo Castro, Claudio Sánchez Albornoz, Julio Caro Baroja José Antonio Maravall, Jaume Vicens Vives (a quem se deve, entre outras contribuições, a criação do "Índice Histórico Español" em 1952), Antonio Domínguez Ortiz, Luis García de Valdeavellano, Ramon Carande y Thovar…
No pós-guerra foi fundado o CSIC, em cujo organograma se incluem departamentos da história. A requisição dos documentos por parte do lado vencedor, com a finalidade de repressão política e a sua concentração permitiram o funcionamento de uma secção do "Archivo Histórico Nacional" em Salamanca, especializado na Guerra Civil Espanhola (desde 1999 denominado de "Archivo General de la Guerra Civil Española"). Foi o centro de uma polémica que ultrapassou o âmbito do historiográfico para entrar plenamente no do político, muito intensa entre 2004 e 2006, para a devolução à Generalitat de Catalunha dos originais dessa instituição e de outras Catalãs (os chamados "papéis de Salamanca"), que se pode considerar como parte da controvérsia simultânea em torno da recuperação da chamada memória histórica.[28]
Na segunda metade do século XX produziu-se uma forte renovação metodológica em todos os ramos da ciência história, e multiplicaram-se os departamentos universitários. Alguns historiadores retornaram do exílio, onde haviam mantido como referenciais para uma forma de fazer história não submetida à censura. É o caso de Manuel Tuñón de Lara, preocupado com a reflexão metodológica (materialismo histórico) uma vez que mantém uma postura militante na política. É de se destacar o trabalho realizado, também em França, pela Editorial Ruedo Ibérico, cujos livros foram distribuídos de forma semiclandestina, assim como de algumas no México (Fondo de Cultura Económica).
Há uma clara divisão entre uma minoria de historiadores conservadores (Luis Suárez Fernández, Ricardo de la Cierva) e uma maioria receptiva às novas tendências, que não forma uma corrente historiográfica unida. A esse respeito, veja-se Gonzalo Anes, Julio Aróstegui, Miguel Artola, Ángel Bahamonde, Bartolomé Clavero, Manuel Espadas Burgos, Manuel Fernández Álvarez Emiliano Fernández de Pinedo, Josep Fontana, Jordi Nadal, Gabriel Tortella, Javier Tusell, Julio Valdeón e outros.
Também são dignas de nota as figuras destacadas em campos de estudo concretos: a de Francisco Tomás y Valiente e Alfonso García-Gallo na História do Direito, a de Emilio García Gómez no Arabismo, e a de Guillermo Céspedes del Castillo no Americanismo, a de Antonio García y Bellido e a de Antonio Blanco Freijeiro na Arqueologia, as de Pedro Bosch Gimpera, Luis Pericot, Juan Maluquer ou Emiliano Aguirre na Pré-história (a deste último vinculada ao início do excepcional depósito de Atapuerca, cujo estudo é continuado por Juan Luis Arsuaga, Eudald Carbonell e José María Bermúdez de Castro que puseram a pré-história espanhola no centro das atenções mundiais).
História excêntrica. A mistificação. Falsear a história
Não pode deixar de referir-se o que poderia ser chamado de "história excêntrica", ou fora do "consenso" ou campo central do trabalho dos historiadores "oficiais". Sempre existiu literatura semelhante e poderia ser recordado um exemplo notável, como Ignacio Olagüe e o seu livro "A Revolução Islâmica no Ocidente", que pretendeu provar a inexistência da invasão árabe no século VIII, e que obteve alguma repercussão nas décadas de 1960 e 1970.[29]
Actualmente, o debate sobre a Segunda República Espanhola, a Revolução de Outubro de 1934 e a Guerra Civil Espanhola, que afecta inclusive questões como que data assumir como o início da mesma,[30] está enchendo as prateleiras dos supermercados com uma literatura que alguns chamam de revisionismo histórico, em paralelo com o negacionismo do Holocausto.
Não é a espanhola a única historiografia que se defronta com a excentricidade: o caso mais chamativo dos últimos anos foi, seguramente, a da atribuição da descoberta da América ao almirante chinês Zheng He.[31]
Ultrapassar a fronteira da história excêntrica é ingressar em cheio na fraude histórica, terreno em que há egrégios precedentes: a partir da "Doação de Constantino" (que pretendia justificar o poder temporal dos papas) ao "Os Protocolos dos Sábios de Sião" (que alimentaram o antissemitismo e estão na origem da Conspiração Judaico-Maçónica). O caso estapafúrdio mais recente (sem lograr alcançar o sucesso dos anteriores, na medida do possível, em comparação com as tentativas fracassadas de falsificação da história, como os Livros plúmbeos do Sacromonte), e o dos casos famosos (e falsos) dos Diários de Hitler, publicados pela revista alemã Stern em 1983, com os que um historiador tão sério como Trevor Roper foi enganado ou deixou-se enganar.
A utilização da historiografia para falsear a história é tão antiga como a própria disciplina (que teria que remontar pelo menos a Ramessés II e à Batalha de Cadexe), mas no século XX a capacidade que o Estado e os meios de comunicação de massa (chamados de quarto poder) alcançaram, permitiram aos regimes totalitários jogar com a capacidade de mudar a história, não só em direcção ao futuro, mas para o passado. A novela 1984 de George Orwell (1948) é um testemunho de que isso era credível. As fotografias retocadas foram uma especialidade, não apenas de Stálin contra Trotsky, mas de Franco com Hitler.[32] O próprio Winston Churchill tinha claro, mesmo dentro da democracia, que "a História será amável comigo porque tenho a intenção de escrevê-la".[33] Reflectir sobre se a história é escrita pelos vencedores é uma tarefa mais própria da filosofia da história.
A verdade é que, na história, tudo muda, nada é permanente, e muito menos a sua ocultação, como evidenciado pelo debate sobre a escalada da malignidade, entre a esquerda e a direita, que ainda dará tantos livros como o de Stéphane Courtois (O Livro Negro do Comunismo, 1997).
Historiografia em Portugal
Na historiografia em Portugal podem ser identificados três grandes géneros de produção literária que correspondem a períodos históricos sucessivos:
- o dos chamados "Livros de Linhagens", produzidos entre os séculos XII e XVI, que se constituem em registos genealógicos das famílias nobres do reino, e em que a literatura portuguesa tem a primazia. Neles se alternam fatos históricos com elementos da lenda, e chegaram até nós três. Deles, o primeiro, incluindo a "Lenda de Gaia", e o terceiro, de autoria de D. Pedro Afonso, conde de Barcelos, filho bastardo de D. Dinis, onde se inclui uma importante descrição da batalha do Salado, encontram-se publicados por Alexandre Herculano no seu "Portugaliæ Monumenta Historica";
- o da produção dos cronistas, desde a "Crónica Geral de Espanha" (D. Pedro Afonso, conde de Barcelos, 1344), as crónicas de D. Pedro I, D. Fernando e D. João I (Fernão Lopes, século XV), a Crónica da Guiné (Gomes Eanes de Zurara, 1453), a Crónica de D. João II (Rui de Pina, 1545), as Décadas da Ásia (João de Barros, a partir de 1552), a História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses (Fernão Lopes de Castanheda, a partir de 1551), a Crónica do Rei D. Manuel (Damião de Góis, a partir de 1566), e outros. É com os cronistas que ganha corpo a organização sistematizada, por escrito, de um discurso que assume a evolução do acontecer humano e a consciência da relevância de fatos e personalidades que possam determinar a especificidade da civilização e a necessidade do seu registo objetivo); e
- o da constituição escrita da história moderna, que se inicia no país durante a fase do Romantismo, com Alexandre Herculano, autor da História de Portugal até D. Afonso III, na qual o autor coloca em prática uma concepção da escrita da história sujeita a preocupações científicas de rigor e a uma perspectiva da evolução dos sucessos fundada na observação das transformações sociais e não na simples sucessão das personalidades e dos acontecimentos.
Uma geração mais tarde, Oliveira Martins (1845-1894) representa, na literatura portuguesa, a conjunção da inspiração literária com os objetivos históricos, em obras como Portugal Contemporâneo (1881), e Os Filhos de D. João I (1891).
Ver também
Referências
- ORTEGA Y GASSET, José (1928): La "Filosofia de la Historia" de Hegel y la Historiologia, in Obras Completas. Vol. IV, Madrid: Taurus, 2005. ISBN 84-306-0592-4.
- Azevedo, Danrlei de Freitas; Teixeira, Felipe Charbel (junho de 2008). «Escrita da história e representação: sobre o papel da imaginação do sujeito na operação historiográfica». Topoi (Rio de Janeiro) (16): 68–90. ISSN 2237-101X. doi:10.1590/2237-101x009016003. Consultado em 15 de abril de 2024
- De fato, há bibliografia sobre o tema: ver BOLITO, Harold. Japón Meiji. Madrid: Akal, 1991. ISBN 84-7600-718-3. Uma rápida visão pode ser obtida em: BONIFAZI, Mauro Japón: Revolución, occidentalización y milagro económico em
- o Arquivo das Índias pode ser acessado em:
- Claude Lévi-Strauss faz uma análise, do ponto de vista antropológico, do significado destas noções do tempo, também desde uma perspectiva diacrónica e sincrónica; ver artigo de MARTÍNEZ CASAS, Regina (2003) De la orilla de la eternidad informacional a la atemporalidad del ritual, acessível em: Arquivado em 7 de novembro de 2006, no Wayback Machine..
- Ver: El tiempo totémico y el tiempo del sueño o de los antepasados de los aborígenes australianos: 'A la manera de los primitivos, trascender lo real' , disponível na Universitat Pompeu Fabra em: .
- THOMPSON, E. P. (1963-1989). La formación de la clase obrera en Inglaterra. Barcelona: Crítica.
- Existe um grupo internacional de historiadores interessados na renovação do paradigma materialista, muito activo em torno de Carlos Barros, da Universidade de Santiago de Compostela (com a presença de Bartolomé Clavero e muitos outros), que organiza congressos e mantém o Website Historia a Debate, disponível para consulta em .
- A reflexão de Rafael Vidal sobre La Historia y la Posmodernidad encontra-se disponível em: .
- Que, no entanto, são muito sofisticadas desde tempos muito antigos, como se encarregou de divulgar o clássico de Samuel Noah Kramer (1965-1974) La Historia Empieza en Sumer Valencia, Círculo de Lectores. ISBN 84-226-0555-4, uma magnífica introdução à História da Suméria para todos os públicos, como também o é, para a História do Antigo Egito, a obra equivalente de C. Walter Ceram, Deuses, Túmulos e Sábios.
- No verbete Interpretações da História da China menciona-se a filosofia particular da história da historiografia tradicional chinesa, que inclui o conceito de "ciclo dinástico", e foi substituído pela interpretação do materialismo histórico na moderna República Popular da China. Outros intelectuais chineses não-marxistas, como Hu Shih e Ray Huang, desenvolveram teorias de integração da civilização chinesa e da Ocidental em uma única e moderno civilização mundial.
- Ver China primitiva em Historia Universal - El País - Salvat, tomo 3, Madrid: Salvat Editores. ISBN 84-345-6232-4.
- Na África, as fontes orais têm sido, tradicionalmente, uma prioridade, e são muito recentes as tentativas de se construir uma historiografia africana, entre as quais podem citar-se Joseph Ki-Zerbo e Cheikh Ant Diop. Há alguns casos excepcionais, tais como as bibliotecas de manuscritos de Timbuctu, associadas a viajantes e conquistadores magrebinos, alguns de origem Andaluzia como Leão, o Africano, conhecido autor de "Historia y descripción de África y de las extraordinarias cosas que contiene" (1526). NAVIA (maio de 2006): Timbuctú, la nostalgia de un sueño, National Geographic, p. 44-71.
- Crônica e História: a Companhia de Jesus e a Construção da História do Maranhão, acesso em 26 de novembro de 2016.
- É célebre a sua famosa polémica com o historiador soviético e marxista Boris Porchnev a propósito dessas teses. Roland Mousnier (1968) "Furores camponeses".
- A citação é atribuída a diferentes autores; aqui é atribuída a Pierre Nora: = 17252.
- JARAMILLO ECHEVERRI, Luis Guillermo; AGUIRRE GARCIA, Juan Carlos (2004): "La Controversia Kuhn – Popper en torno al Progreso Científico y sus posibles aportes a la Enseñanza de las Ciencias", disponível em: Arquivado em 4 de novembro de 2006, no Wayback Machine..
- «A Revolução Francesa dos historiadores: os trabalhos que formaram o nosso conhecimento sobre o tema». Café História. 7 de outubro de 2019. Consultado em 9 de novembro de 2019
- MAYER, Arno (2002). "The Furies: Violence and Terror in the French and Russian Revolutions". Princeton University Press. ISBN 0-691-09015-7. Há uma tradução em castelhano: Las Furias. O comentário localiza-se na introdução.
- O Website da Fundación Las Edades del Hombre, que actualmente (desde Novembro de 2006) exibe "Kirios" em Ciudad Rodrigo, encontra-se disponível em:
- BENNASSAR, Bartolomé (1967) Valladolid au siècle d'or. Une ville de Castille et sa campagne au XVe. siècle. Paris-La Haya, Mouton. Considerado um clássico de síntese de história regional no espírito dos "Annales", seguindo o método de integração de diferentes disciplinas iniciado por Fernand Braudel.
- E, mais recentemente, incluindo reflexões oriundas do campo da genética das populações: PULIDO PASTOR, Antonio. La Revolución Islámica en Occidente (1 de Outubro de 2006), disponível em: . Php? ID = 39 & tx_ttnews% 5Btt_news% 5D = 1134 & tx_ttnews% 5BbackPid% 5D = 14 & cHash = 1865a9f269. O texto completo do livro de Olagüe pode ser encontrado em uma Web islamista, em: Arquivado em 6 de dezembro de 2006, no Wayback Machine..
- MENZIES, Gavin (2005). 1421: el año en que China descubrió América Ed. Debolsillo (originalmente publicado em inglês em 2002). O autor, oficial da Marinha e "historiador" autodidacta mantém um Website oficial em: , e os seus críticos contestam-no do mesmo modo em: Arquivado em 17 de novembro de 2006, no Wayback Machine.. Há artigos na Wikipedia em espanhol sobre a hipótese de 1421, e na em Inglês este sobre o autor.
- Artigo de Juan Bolea no "El Periódico de Aragón", citando várias das célebres mistificações de imagens históricas. Disponível em: Arquivado em 26 de setembro de 2007, no Wayback Machine..
Bibliografia
Ligações externas
Wikiwand in your browser!
Seamless Wikipedia browsing. On steroids.
Every time you click a link to Wikipedia, Wiktionary or Wikiquote in your browser's search results, it will show the modern Wikiwand interface.
Wikiwand extension is a five stars, simple, with minimum permission required to keep your browsing private, safe and transparent.