filósofo e logico brasileiro Da Wikipédia, a enciclopédia livre
Vicente Ferreira da Silva (São Paulo, 10 de janeiro de 1916 – São Paulo, 19 de julho de 1963) foi um importante filósofo brasileiro, pioneiro em trabalhos em língua portuguesa sobre filosofia contemporânea em suas duas principais vertentes, a lógica contemporânea e a fenomenologia.[6]
Vicente Ferreira da Silva | |
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Vicente Ferreira, tomando banho de sol. | |
Escola/Tradição | Fenomenologia; Filosofia analítica e Mitologia |
Data de nascimento | 10 de janeiro de 1916 |
Local | São Paulo |
Morte | 19 de julho de 1963 (47 anos) |
Local | São Paulo |
Principais interesses | Lógica, Fenomenologia, Mitologia |
Religião | Teogonia[1] |
Trabalhos notáveis | Lógica Simbólica, Transcendência do Mundo, Dialética das Consciências |
Era | Filosofia do século XX |
Influências | Martin Heidegger, Willard van Orman Quine, Schelling,[2] Jacob Böhme,[3] Novalis, Hölderlin, Nietzsche,[3] Louis Lavelle,[4] T. S. Eliot |
Influenciados | Miguel Reale, Delfim Santos, Vilém Flusser, Agostinho da Silva, Eudoro de Sousa, Heraldo Barbuy, Guimarães Rosa, Leonardo Van Acker, Oswald de Andrade,[5] Newton da Costa, Roberto Piva[1] |
Como lógico, Vicente foi assistente de Quine e elogiado por Newton da Costa, que demonstrou admiração por Vicente em artigos como A obra de Vicente Ferreira da Silva em lógica[7] e Vicente Ferreira da Silva e a lógica.[8] Em um momento posterior, Vicente passou a se dedicar aos estudos da fenomenologia, da arte, das religiões e, por fim, aos mitos.[9]
Baseando-se na filosofia de Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling e Martin Heidegger, Vicente inverteu a noção clássica de Mythos e Logos de modo a propor a filosofia como uma espécie de desdobramento em relação à mitologia. Em sua última fase, Vicente concebe uma filosofia que corresponde um novo tipo de humanismo, não teocêntrico, mas sim teogônico como projeção do divino.[9]
Vicente Ferreira da Silva graduou-se em direito na Faculdade do Largo de São Francisco, mas nunca exerceu a profissão, tendo-se dedicado inteiramente à filosofia. Em 1933, aproximou-se do matemático italiano Luigi Fantappiè e passou a estudar a fundo a obra Principia mathematica dos britânicos Whitehead e Bertrand Russell. Pouco depois, Vicente publicou a obra Elementos de Lógica Matemática tornando-se o primeiro a publicar um livro sobre lógica no Brasil.[10]
Casou-se com a poetisa Dora Ferreira da Silva com quem estabeleceu uma parceria de dedicação aos estudos durante vinte e três anos. Dora e Vicente promoviam em sua casa encontros de intelectuais, escritores e pensadores, que se tornariam conhecidos como membros do Grupo de São Paulo.[12][13][14][15]
Em 1949 acompanhou Miguel Reale na fundação do Instituto Brasileiro de Filosofia, centro de estudos que congregava pensadores de todas as tendências. Nessa época, Vicente começou a se interessar profundamente por autores como Martin Heidegger, Schelling e Ortega y Gasset, passando a lecionar em cursos livres que oferecia no Colégio Livre de Estudos Superiores, que ele próprio fundou em São Paulo no ano de 1945.[16] Ainda em 1949, Vicente organizou o Seminário de Filosofia do Museu de Arte Moderna de São Paulo e assumiu a Diretoria da Divisão de Difusão Cultural da Reitoria da USP.[17] Neste mesmo ano, ele representou o Brasil no Congresso de Filosofia de Mendoza, de que também participaram, entre outros, Eugen Fink, fenomenólogo assistente de Edmund Husserl.[18]
Em 1955, fundou com Dora e Milton Vargas a revista Diálogo, considerada, na época, uma das mais instigantes do Brasil.[19] A colaboração de Vicente foi relevante na organização do primeiro Congresso Internacional de Filosofia realizado no Brasil, em 1954, evento que reuniu nomes como Julián Marías.[20] Ainda em 54 foi escolhido para fazer parte do Conselho Cientifico da coleção Rowohlts Deutsche Enzyklopaedie, conselho que reuniu, entre outros, intelectuais como Mircea Eliade e Robert Oppenheimer.[20]
Morreu no dia 19 de julho de 1963 aos 47 anos, em um acidente de automóvel ocorrido em São Paulo, sua terra natal.[16]
De acordo com a poetisa Dora Ferreira da Silva, sua esposa, Vicente se interessou pela matemática durante sua graduação em direito.[19] Em um primeiro momento ele se concentrou nos estudos de lógica matemática a partir das obras de Whitehead e o Tractatus Logico-Philosophicus de Wittgenstein. Com a publicação de A Lógica Moderna (1939) e Elementos de Lógica Matemática (1940), Vicente se tornou o primeiro brasileiro a lançar livros sobre o tema,[21] ganhando admiradores como o matemático Newton da Costa.[21] Seus estudos autodidatas eram tão brilhantes e aprofundados que acabou se tornando assistente de Willard van Orman Quine, famoso lógico de Harvard, ajudando-o a escrever, em português, a obra O Sentido da Nova Lógica.[22]
"As conferências eram faladas no meu português incorreto, porém Vicente Ferreira da Silva me ajudou a corrigi-las antes de publicar. Quando deixei o Brasil, O Sentido da Nova Lógica estava nas mãos do editor." - Willard Van Orman Quine[23]
A despeito de seu sucesso nos estudos sobre a lógica, o encontro com Quine mostrou-se decepcionante para Vicente, provocando uma mudança profunda nos seus estudos filosóficos. A partir desse fato ele se afastou das ciências exatas e adentrou a fenomenologia e os temas da filosofia da existência.[24]
Vicente também foi um dos pioneiros no estudos de Martin Heidegger no Brasil, sendo o pensador alemão a principal influência de sua carreira. Em A concepção do homem segundo Heidegger, ele destacou algumas das principais apreciações ontológicas do filósofo alemão. Durante essa fase, Vicente priorizou uma abordagem antropológica, sendo o problema do homem, para ele, considerado de uma perspectiva marcada por um longo, fecundo e refletido diálogo com o pensamento existencial e caracterizado por uma atitude predominantemente humanista com um fundo de sentido e valor do mito e do sagrado.[25]
Vicente se opôs ao integralismo do amigo Miguel Reale, considerando-o como "demasiado selvagem".[26] Ele ainda fez duras críticas ao chamado progressismo e ao pensamento existencialista e marxista de Jean Paul Sartre. De acordo com a sua visão, o que chamam de progresso não é senão uma progressão geométrica, rumo ao abismo da realização total, portanto ao tédio absoluto.[27][10]
Em sua última fase, Vicente passou a se dedicar ao Aórgico,[3] priorizando os estudos em autores como Schelling, Jakob von Uexküll, Hölderlin e, sobretudo, Martin Heidegger mais uma vez. Nesta fase, Vicente estudou as noções do ser e do sagrado, da finitude e da dimensão transcendente, enfatizando o mito, a arte e a poesia. Para ele a dependência que nos atrela à vida social tem um alcance muito maior do que a satisfação de necessidades econômicas. Segundo o autor, o homem não se basta a si mesmo não só em sentido físico, como também em sentido fundamental, pois a autocompreensão de seus empreendimentos postula uma ordem de vigências sociais que condiciona todas as tarefas particulares.[28]
"A arte não é um simples ornamento que acompanharia a realidade humana, nem um mero entusiasmo passageiro, como também não é uma simples exaltação ou um passatempo. A poesia é o fundamento que suporta a história."[16]
À época, seu pensamento exerceu influência em diversos círculos intelectuais brasileiros.[29] Entre os influenciados por Vicente estão Oswald de Andrade,[30] João Guimarães Rosa,[31] Eudoro de Sousa,[32] José Arthur Giannotti e e praticamente todos os membros do chamado Grupo de São Paulo.[33]
Foi considerado por Miguel Reale "a maior vocação metafísica do Brasil",[34] e "o primeiro filósofo brasileiro", por Vilém Flusser, seu principal interlocutor e amigo pessoal.[35] O filósofo alemão Hans-Georg Gadamer tinha como uma das suas fontes para a Hermenêutica a obra de Vicente, conforme testemunho do colombiano Carlos Bernardo Gutiérrez, um dos seus assistentes na Universidade de Heidelberg.[36]
Contudo, a despeito de ter sido ajudante de Quine em sua vinda ao Brasil,[37] Vicente não passou no concurso para professor de filosofia pela USP, onde tentou lecionar apresentando como habilitação sua obra Dialética das Consciências (1950).[38] O aprovado no concurso, João Cruz Costa, possuía graduação e doutorado em filosofia, além de experiência como docente na área. Já Vicente, a despeito de sua carreira como professor e pesquisador, possuía somente a titulação de bacharel em Direito.[38] Vicente foi isolado de alguns círculos e instituições formais, embora se mantivesse relativamente envolvido com o Instituto Brasileiro de Filosofia.[10]
Após sua morte, Vicente seguiu sendo bastante citado em artigos acadêmicos, embora, nas décadas seguintes a seu falecimento, sua própria filosofia já não fosse objeto de muitas pesquisas.[39] A partir dos anos 1990 houve uma redescoberta do pensamento e obra tanto de Vicente quanto de sua esposa Dora,[40] surgindo algumas teses internacionais a respeito do filósofo paulistano.[41]
No começo da década de 2000 sua obra foi republicada pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda de Portugal.[42] Em 2011, a Editora É Realizações lançou um box com as obras completas do Vicente Ferreira, organizada por Rodrigo Petrônio.[43] Em épocas mais recentes, vimos o politólogo e ideólogo russo, Alexandr Dugin se interessar pelas obras de Vicente.[44]
Vicente Ferreira da Silva, que Oswald de Andrade considerava o único filósofo autóctone, morreu em 63. Eu convivi com ele, eu e meus amigos, o Willer, de 61 a 63, de 60 a 63. Ele costumava dizer que o ritmo era pagão e se definia como um filósofo neo-pagão.
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