"Quando moço, Dom Manoel, deu mostras de grande aplicação às boas letras; tanto que sendo filho mais velho, estudou como para letrado. Inclinouse com felicissimo progresso, às sciencias Mathemáticas, em que teve por Mestre ao Padre Delgado, discipulo de Clávio. Soube com perfeição a música, e professou a historia Romana, e Grega: de cujo idioma tinha algum conhecimento: e singular noticia, por longo estudo, das linhagens do Reyno; logrado com tal satisfação de si proprio, que muytas vezes lhe ouvi: "Desejára ter oficio de poder casar, elle sómente, aos homens de Portugal; porque só elle, lhes poderìa dar a cada hum, a molher que lhe competisse". Amava a Poesia, e della antes a poética, que a versificatoria: o que lhe procedia de sêr nos versos (que tal vez provou a fazer) infelicíssimo; quão prático nos preceitos da arte, assi no modo Lyrico, como no Cómico, Satyrico, e Épico. O seu Autor latino era Tácito, o Grego Tucídides; e dos Poetas vulgares, estimava pella variedade o Ariosto: confessando sobre os heroycos, a eminencia do nosso Camões".
"Começou a servir na guerra, quando a vinda dos Ingrezes a Lisboa, que o Prior do Crato, Dom Antonio (António I de Portugal), conduziu com grande Armada, em socorro de seus direitos; e como Dom Manoel fosse então mancebo, e fosse tal, não sendo comummente conhecido, com presença muito semelhante aos naturais do Norte, sucedeu, que por algumas companhias de gente miliciana, foi preso, com vós: De que era espião dos Ingleses, que entre os Portugueses se dissimulava. Por esta causa, reteve toda a vida, a alcunha de Flamengo: como em Portugal viciosamente são chamados, sem distinção, todos os Estrangeiros".
Quanto a Barbosa Machado diz ele na sua "Biblioteca Lusitana" que Manuel de Meneses "na armada inglesa veio embarcar em favôr do senhor Dom António, Prior do Crato, pretendente da Coroa portuguesa", armada inglesa que chegou em 3 de Outubro de 1581 à ilha Terceira diz-nos Frazão de Vasconcellos.
Também para o tempo da sua mocidade, podemos lembrar estas palavras de Manuel ele mesmo (falando de João Fajardo e dele): "corriam com amizade antiga, havendo sido Manuel soldado de seu pai algumas vezes". O pai de Juan Fajardo ( "Juan Fajardo Tenza, 1. vizconde de Monteagudo, 1. marqués de Espinardo, capitán general de la armada de la Guarda de Estrecho, almirante general de mar Océano, del Consejo de Guerra de Felipe IV, gobernador y capitán general de Galicia") era Luis Fajardo, que tinha sido "comendador del Moral, OCal, capitán general de la Armada del mar Océano, capitán general en la conquista de la Mármora".
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"Desde os primeiros annos cultivou com tanta aplicação as letras como que não havia de manejar as Armas. Aprendeu as disciplinas Mathematicas com o P. Delgado discipulo do infsgne P. Chriftovão Clavio em que fez admiráveis progressos a sua comprehensão."
O prólogo da sua carreira militar começou no apoio à pretensão do Prior do Crato D. António, contra Filipe II de Espanha
quando na Armada Ingleza veyo embarcado em favor do Senhor D. António Prior do Crato pertendente da Coroa Portugueza. Nesta jornada se habitou para quatro vezes exercitar o posto de Capitão mór das Naos da India sendo a primeira no anno de 1581 em que triunfou heroicamente dos Malabares; a segunda no anno de 1609 capitaneando cinco Galeoens; a terceira no anno de 1614 em que infelizmente arribou a Lisboa, e a quarta no anno de 1616 em que depois de pelejar intrepidamente com quatro Naos Inglezas, naufragou na Costa da Ilha de S. Lourenço donde surgio em Goa.
Enquanto embaixador de Filipe III esteve com o Duque de Pastrana nas negociações com os franceses. Regressado, recebeu depois os lugares de Cronista-mor e Cosmógrafo-mor:
Retirado a huma dilatada quinta que possuia em Campo-Mayor solar da sua Casa renovou os seus antigos estudos em premio dos quaes foy nomeado Chronista mór do Reyno no anno de 1628, e do lugar de Cosmografo mór, que vagara por Manoel de Figueiredo, discipulo do famoso Pedro Nunes.
Depois, enquanto General da Armada, celebrizou-se pela reconquista da Bahia aos Holandeses em 1625
(...) governando com o posto de General da Armada que constava de vinte seis navios guarnecidos de quatro mil homens, com a qual se restaurou no ano de 1625 a Bahia do violento domínio dos Holandeses, em cuja heróica empresa adquiriu novos timbres ao seu nome venerado por "vigilante Capitão", "valeroso Soldado", e "destro mareante".
Mas por outro lado, previu o insucesso de uma Armada que vinha da Índia em 1626
Sendo mandado no anno de 1626 conduzir as Naos, que vinhão da índia governadas pelo Capitão mór Vicente de Brito de Menezes, sahio acompanhado de muita Fidalguia na Capitania, e Almirante com os navios S. Jozé, San Tiago, S. Filippe, e S. Isabel, os quaes todos com os dous que vinhaõ da índia naufragarão lastimofamente na Costa de França em 15 de Janeiro de 1627. A fatalidade deste socesso vaticinou como experimentado General escrevendo a ElRey huma carta em 25 de Dezembro na qual lhe dizia. «Com tudo, Senhor, por seguir a estes cegos vou perderme com elles julgando ser assim maior serviço de V. Magestade, e honra minha que escapar para ouvir sua triste forte, e dar a V. Magestade (ainda que sem culpa) taõ ruim conta das armas, que me tem encarregado».
Frazão de Vasconcellos só reconhece três Armadas da Índia em que Manuel de Meneses foi como capitão-mor:[3]
Diz-nos "que a primeira capitania-mor de D.Manuel de Meneses que se encontra documentada é a da armada de 1609, de cinco naus, que saíu a barra de Lisboa em 22 de Março. Manuel ia na nau Piedade. As outras eram a Jesus, capitão Antonio Barroso; a Penha de França, capitão Ambrósio de Pina; a Guadalupe, capitão Luís de Bardi.
Da viagem da nau Piedade existe o diário de bordo, escrito pelo piloto Simão Castanho. Faz parte do códice pertencente ao Arquivo Histórico Militar, que a Agência-Geral do Ultramar devia publicar, com prefácio e notas do senhor comandante Humberto Leitão. Essa armada teve "grande proveito" como no diz o capitão-mor ele mesmo numa Petição ao Conselho da Fazenda em 29 de Fevereiro de 1616. Depois houve a "Armada de 1613, (que se) compunha de quatro naus e partiu de Lisboa em 5 de Abril. Manuel de Meneses, capitão-mor, ia na nau Nossa Senhora da Luz. Arribaram todas as naus a Lisboa no mês de Agosto e não tornaram a saír nesse ano".[4][5][6]
E por fim "a terceira e última capitania-mor da carreira da Índia de que teve mercê foi a da armada de 1616, composta das naus S. Julião, em aquale ia embarcando, e das Vencimento e Nossa Senhora do Cabo, capitaneadas, respectivamente, por Lançarote da França Pita e um primo deste, Lançarote da França de Mendonça.
Nos sucessos desta armada avulta o heróico combate que Dom Manuel sustentou com quatro naus inglesas. Seguia só, pois a nau Nossa Senhora do cabo, e a Vencimento (Vencimento do Monte do Carmo), também designada por Nossa Senhora do Carmo, havia-se separado da capitânia por alturas da Guiné".
"Porque um bom juizo em tudo quer discorrer, e não há algum que do seu não seja muito satisfeito"
Manuel de Meneses[7]
Tomada da Baía pelos Holandeses
A cidade do Salvador, "Capital da América portuguesa", principal cidade do Brasil, é nessa época um ponto estratégico essencial do comércio com o Novo Mundo.
Em 1623 segundo Meneses, "João Andréa Noeboseq" (Jan Andries Moerbeeck), da Companhia das Índias Ocidentais, novamente criada (1621), propõe a conquista dessa praça ao conde Mauricio de Nassau, chefe das Provincias Unidas, de Holanda, pretendendo "provar que não podia empreender aquella Companhia empresa mais fácil, de proveito mais certo, ou de maior gloria que a conquista do Brazil".
Em 21 de dezembro1623 uma armada holandesa de doze navios do Estado, em que ia por general "Jacques Guilhelme" (Jacob Willekens), por almirante "Pedro Peres" (Piet Hein), e com título de coronel "João Doart" (Jan van Dorth, Senhor de Horst (Horst aan de Maas)), nomeado pelo Conde Mauricio, por governador do Brasil, saía de Holanda para o Salvador. Com ela vinham aínda navios de particulares.
Chegou a armada de 25 navios a Salvador, estando por governador Diogo de Mendonça Furtado, em 8 de Maio de 1624. Desembarcaram no dia seguinte 1500 homens, e pouco depois a praça foi tomada sem grande dificuldade, os seus doze mil habitantes fugindo, entre os quais os jesuítas, que se dispersaram pelas aldeias dos índios sob a direção dos padres. Marcos Teixeira, bispo do Salvador, que tinha juntado uma pequena força, constituída por clérigos e milicianos bisonhos, aínda tentou defender a cidade, mas sem sucesso. O governador e seu filho, praticamente os únicos, com este último, a tentar resistência foram presos e enviados para Holanda.[8][9][10]
Chegada da armada Luso-castelhana à Bahia
Chegados em 27 de Março, Pasqua de 1625, Manuel descreve o sítio e o momento:
"Amanheceu o ditoso dia do glorioso triunfo e ressurreição de Jesus Cristo Senhor Nosso. A vista do mar era belíssima, esmaltada das armadas católicas, competindo as capitánas e almirantas na galhardia de flamulas, estendartes, harmonia de doçainas e charamelas. Mostrava-se a terra infeliz, mas aprazível à vista por extremo, a formosa enseada que vai apartando montes de frescos e verdes arvoredos. A triste cidade do Salvador sobre huma serra mui íngrime revestida toda de bosques e ervas aprazivelmente verdes (…). Sobre o mais halto da sua igreja catedral campeavam e tremulavam as bandeiras de Mauricio. Pela marinha, junto da terra, vinte e dois navios redondos de verga d'alto (…). Todos os principaes aformoseados de bandeiras, flamulas, e estendartes.
"Mal se podera determinar qual chegaria a mayor excesso, se alegria dos espanhoes com a presença dos inimigos que já fingiam vencidos e castigados, se a tristeza destes vendo não de longe a sua irreparável ruina em lugar do socorro septentrional que esperavam."
Na cidade "Havia começado a indisciplina e a desordem entre os Holandeses, em consequencia, principalemente, da morte de Van Dorth e da incompetência de seu sucessor, Guilhermo Schouten. Os colonos da Bahía, refugiados no campo, tinham-se alevantado e atacavam a cidade por toda a parte, sob a hábil direção do capitão-mór Francisco de Moura. Mas a praça estava em condições de defesa muito superiores às do ano anterior; os invasores tinham feito nela defensas formidaveis; contavam, dentre do seu recinto, 2 000 soldados europeus (franceses, flamengos e ingleses), 500 pretos armados, e tinham fundeados no porto 18 navios de guerra. Esperava-se por cima, a iminente chegada de duas poderosas esquadras, armadas em Amsterdão pela Companhia para defender e assegurar a conquista. A sua tardança, ocasionada pelos temporais, permitiu a Fadrique efetuar a desembarcação, saltando em terra 2 000 portugueses e castelhanos, e 1 500 italianos do terço de Nápoles com algumas peças de artilharia."[11][12][13][14]
Destituição de Willem Schouten
- Manuel: "Grande aperto era este em que se viam os sitiados, e o pior, que crescia desconfiancia entre as nações, desesperados todos de remédio, carregando os holandeses mais a obrigação de morrer furiosamente, oferecendo seus corpos em lugar de parapeitos e trincheiras. (…) O coronel Alberto Scott [ Willem Schouten ] que sucedera a João Doart [ Jan Van Dorth ], contam que não lhe parecendo sêr já tempo de temporisar quis claramente saber, que espirito animava a cada huma das cabeças, confessando em huma brevissima pratica o estado em que se viam," [ respondiam-lhe ], "replicava o coronel. Numa e outra vez lho impediam até que a cólera lhe venceu o sofrimento, e rompeu em ameassas com palavras descortezes, a que logo se seguio temúlto, quasy motin, que obrigou a meter mão á espada, parecendo-lhe, mais com engano, que tinha muitos do seu bando, e carregando sobre elle o feriram no rostro, e nas mãos. Esta é a forma que logo se entendeo. Mas por informação de alguns Olandezes de que me quis informar, alcancei, não sei com que verdade, que nada disto precedera, senão que era aquelle coronel vissiosícimo em vinho, e mulheres, a que igualmente se entregava quando os sitiados mais necessitavam da assistência de sua pessoa; e que vendo-o asy, os do conselho, o quiseram privar algumas vezes, e que à pouca emenda e aos disparates com que respondia, foram a causa d'aquellas cutiladas."[15]
Rendição dos holandeses
"Pretendiam saír da praça com as honras da guerra, mas o general dictou, como vencedor, as condições, que foram certamente generosas. Os vencidos entregaram a cidade com toda a artilharia, bandeiras, dinheiro, navios, mercadorías, prisioneiros e escravos; e juraram não fazer armas contra Espanha até voltarem a Holanda. Fadrique consentiu que peguem a roupa que usavam, víveres para três mezes e meio, e as armas necessárias para a sua defesa depois da saída do porto. Em 1º de Maio evacuaram a cidade os defensores, reduzidos a 1912 homens, a maior aventireiros de muito provado valor, pertencentes a várias nações europeias. O despojo foi riquíssimo: 18 bandeiras, 200 peças de artilharia, 500 quintais de pólvora, 600 escravos pretos, 7 200 marcos de prata e mercadorias estimadas em 300 000 ducados, e por alguns em muito mais. Dos navios ficaram em nosso poder seis, por a nossa artilharia ter destruido os outros."[11][16]
Armada Holandesa de socorro
Manuel: "não era de menor cuidado que todos estes juntos, o de avisar aos portos de Indias, estivessem prevenidos porque do socorro de Olanda estava a nova já artificiada (…). Para este effeito, [Fadrique] que comunicou com Manuel, lhe pedio huma caravella de sua armada, e pessoa que bem fosse pera fazer aquella diligencia pera que lhe nomeou o capitão Cosmo do Couto que sobre a experiencia da guerra tinha estado por aquellas partes. Partiu na caravela N. S. Rosario, a vinte e quatro (24 de Maio de 1625) com cartas pera todos os portos de consideração. Na Margarita que era o primeiro, havia de dar três maços, pera o governador, pera Porto Rico, pera o presidente de S. Domingos, o qual havia de encaminhar os avisos inclusos, pera S. João de Ulloa, Avana (Havana), e outros portos desviados. Na Margarita havia de tomar piloto, pera correr a costa tomando os portos de Cracas (Caracas), Rio de la hacha, Santa Marta e Cartagena. Daly passara a Porto Bello, o que não poude fazer por achar já prestes a frota pera Espanha, em cuja companhia havia de vir; mas logo o governador Diogo de Escovar despachou huma fragata com o aviso.[17]
Vendo isto, os inimigos deram vela, favorecidos da noite, perdendo, ao saír, a sua almirante, e correndo a costa para o Norte.[18]"
Volta
Diz Severim de Faria: "Depois destas vitórias, quis Deus que padecessem as nossas armadas de algumas adversidades na volta, para que não atribuíssemos a nós a glória de tantos vencimentos. Estava já a Baía nesse tempo bem fortificada e guarnecida de presídio de mil homens Portugueses, debaixo da obediência de Dom Francisco de Moura, pelo que se partiram as armadas a oito de Agosto de 1625, levando a rota de Pernambuco. Nesta viagem lhe deu uma grande tempestade com que todos se dividiram, ficando a nossa Real com quinze velas, entre portuguesas, e castelhanas, e não podendo o General [ Dom Manuel ] tomar Pernambuco, se fez na via do Reino, com tantos ventos, que a catorze de Outubro chegou a Lisboa só.[19][20]
"Assisti com Dom Manoel quasi toda a noite de aquella tribulação, porque lhe devia amor & doutrina; & querendo elle mudar vestidos, como todos a seu exemplo fizemos, ordenandose cada qual do melhor que tinha; porque morrendo, como esperava, fosse a vistosa mortalha, recomendação para a honrada sepultura. Em meyo desta obra, & consideração a que ella excitava tirou Dom Manoel os papeis que consigo trazia entre os quaes abrio hum, & voltado para mim (que já dava mostras de ser afeiçoado ao estudo poético) me disse socegadamente: "Este hé hum soneto de Lope de Vega que elle me deu, quando agora vim da Corte; louva nelle ao CardealBarbarino, legado a latere do Sumo Pontifice Urbano VIII". A estas palavras seguio a lição delle, & logo seu juizo; como se fora examinado em huma serena Academia; tanto que por razão de certo verso, que parecia ocioso naquelle breve poéma, discorreo, ensinandome o que era: Pleonasmo, & Acirologia, & no que diferião; com tal socego, & magisterio, que sempre me ficou notavel: sendo tudo explicado com tão boa sombra, que influio em mim grande descuido do risco: donde vim a entender, que este fim, devia de mover comigo tão estranha pratica para o tempo."D. Francisco Manuel de Melo, "EpanaphoraTrágica"[21]
"Despois do tempo muito entrado, recebeo em Madrid ordens Dom Manoel de Menezes: Para que viesse servir seu posto, agora em a propriedade confirmado"[22] Em fins de 1626, D. Manuel já se encontrava de novo no mar, General da Armada da Costa de Portugal. Diz ele na sua "Relacion de la perdida de la Armada de Portugal del año 1626", que o 17 de Outubro (de 1627) encontrava-se "a oeste do Cabo Espichel, não longe da terra, quando uma nave de Cascais me veio entregar uma carta do Governo de Portugal".
O primeiro, e criador do cargo em 1547 (depois de Cosmógrafo-Real, 1529) foi o celebre Pedro Nunes, seguido de Tomás de Orta, e diante da doença deste, de João Baptista Lavanha em 13 de Fevereiro de 1591 (cargo para o qual foi oficialmente designado em 1596); António de Maris Carneiro, moço fidalgo da casa real é nomeado para o exercício do cargo em 6 de Junho de 1631, o qual retoma, no reinado de D. João IV, mais precisamente, em 4 de Marco de 1641, através de uma carta régia que não fazendo qualquer referência à sua anterior nomeação, copia, em pormenor, a carta de Filipe III:
«Hej por bem de lhe fazer merce do ditto officio de Cosmografo mor em portugal como o teuerão João bautista Labanha e Dom Manuel de Meneses Com obrigação de ler em sua casa hûa lição…».
Amélia Polónia, em Mestres e pilotos das Navegações Ultramarinas diz nos o seguinte:
"Esta menção a D. Manuel de Meneses como Cosmógrafo Mor causa-nos (…) algum embaraço, tanto por este não surgir mencionado em qualquer dos registos compulsados, quanto por não nos têr sido possível identificar nenhum alvará ou carta regia que o nomeie para o cargo. Com efeito, D. Manuel de Meneses substituiu, de facto,João Baptista Lavanha! mas no cargo, alias vitalício de Cronista-Mor do reino, como se verifica na carta datada de 11 de Outubro de 1625, passada após a morte deste."[23]
"A importância do cargo (de cosmógrafo Mor) é tal, que sendo este atribuído de forma vitalícia, sempre que os seus detentores estivessem incapacitados de o exercer ou se encontrassem ausentes de Lisboa, era nomeado um substituto. Só se adquiria a posse do cargo por morte do seu original detentor. É exactamente isto que ocorre com as frequentes ausências de João Baptista Lavanha na corte espanhola.[24]
O primeiro substituto de Lavanha, Manuel de Figueiredo, é nomeado para o cargo de cosmógrafo-mor em 1608 e o segundo, Valentim de Sá é nomeado em 1623. Nos alvarás de ambos é claro que a atribuição do cargo era apenas enquanto durasse a «ausência do proprietário do ditto oficio».
Ambos os cosmógrafos-mores, apenas exerceram o cargo interinamente, nos períodos em que Lavanha não o podia fazer por se encontrar ausente de Lisboa. Manuel de Meneses foi, deste modo, o verdadeiro sucessor de Lavanha no cargo de cosmógrafo-mor em 1625.[25]
"Parecer que deu a Felippe III de Portugal sobre a causa da perdição das Naos da India, e o meyo que deve aplicarse para se aviar gente do mar para a navegação". Diz Barbosa Machado que o livro começa da seguinta forma: "O Marquez de Castello Rodrigo, Vice-Rey de Portugal, me escreveo do governo, etc." e acaba: "Isto hé o que entendi, V. Magestade ordenará, e mandará o mais acertado, e que mais convier a seu Real Serviço. Em Lisboa a 10 de Junho de 1611. Manoel de Meneses." Continua Diogo Barbosa Machado: "O Original escrito em vinte e sinco laudas de folha se conserva na Livraria do Illustrissimo e Excellentissimo Marquez de Valença onde o vimos"…
"Relacion de la armada de Portugal del año 1626, que hizo y firmó de su nombre D. Manuel de Menezes, general della". Lisboa, por Pedro Craesbeeck, 1627. 4.° Traduzida em Francês por Georges Boisvert, sob o título de "Récit du naufrage de la flotte de Portugal armée en 1626, fait & signé par Dom Manuel De Meneses son capitaine-général", in Le Naufrage des Portugais, etc. Paris, Chandeigne, mars 2000
"Familias de Tellos, e Menezes". 2 tomos. Fol. "Esta obra escrita da sua própria mão ficou em poder da sua segunda mulher Maria de Castro que a deu a seu Primo, e cunhado Antonio Mascarenhas Commendador de Castello-Novo, e dos Maninhos em a Ordem de Christo, hum dos primeiros Aclamadores da liberdade Portugueza em o ano 1640, que casou com Isabel de Castro irmã de Maria de Castro" (Barbosa Machado)
"Relação do Successo, e batalhas que teve com a Nao S. Julião com a qual sendo Capitão mór daquella viagem se perdeo na Ilha do Comoro além de Madagáscar, ou S. Lourenço no anno de 1616". Obra segundo Francisco Manuel de Melo, escrita em Latim e Português, e imprimida. Nunca foi encontrado nenhum exemplar.
"Chronica delRey D. Sebastião" diz Barbosa Machado:
"Esta obra que determinava publicar seu Autor a deixou imperfeita obrigado do preceito Real. (…) O original se conserva no Real Convento de Alcobaça donde transcreveu muitas noticias o P. Fr. Manoel dos santos Monge Cisterciense Chronista do reyno na sua "Historia Sebastica", principalemente a pag. 58, 74, 90, 108, e 205.(…) No ano de 1730 sahio huma "Chronica delRey D. Sebastião", impressa na officina Ferreiriana com o nome de D. Manoel de Meneses, não sendo certamento sua, mas do P. Jozé Pereira Bayão" formando este volume de diverfas memorias que juntou, até que no anno de 1737 fahio com a Hifloria del Rey D. Sebastiaõ, que intitulou Portugal Cuidadoso, e lastimado ... como em seu lugar se fez menção, e nella collocou os successos, e outras mais noticias que tinhão sido impressos na Chronica de D. Sebastiaõ falsamente atribuída a D. Manoel de Menezes."
"Relação da Restauração da Bahia em o anno de 1625" ou "Recuperação da Cidade do Salvador" O primeiro título é dado por Barbosa Machado, que acrescenta "escrita no mar, e no porto, por ordem de S. Magestade". O segundo por Varnhagen "a quem a fortuna deparára o original inedito em Madrid; e que depois de copiada e por elle conferida, foi enviada ao Instituto historico do Brasil, e por este mandada publicar" (Inocêncio Francisco da silva): saíu então na Revista Trimensal, vol. XXII, pag.357 a 412, e continuada da pag. 526 a 533. Em 1859.[26]
"Foy duas vezes casado a primeira com Luiza de Moura, filha herdeira de Francisco de Moura, e Maria de Castro de quem teve a João de Meneses que não deixou sucessão, e a segunda com Maria de Castro filha de {{António de Mendoça]], comendador de Moura, senhor de Marateca, e de Anna de Castro".
28 de Julho segundo o diccionário geográfico ou notícia histórica de todas as cidades, etc. do P. Luiz Cardoso, Lisboa, Officina Sylviana, MDCCXLVII (1747); que o diz "sepultado na Igreja da Madre de Deos de Lisboa." Artigo Campo Mayor p. 395-396
Da Epanáphora: "Passada esta ocasião, continuou o serviço da guerra nas Armadas, em as quais foi brevemente capitão dos melhores navios; e quatro vezes depois Capitão-mor das naus da Índia, donde só duas viagens fez a salvamento, e das restantes, uma se perdeo, e arribou outra, de que lhe resultaram mais calunias, que mercês pelas duas que acertou; ambas de maior crédito, que interesse: o qual ele desestimava, e a penas conhecia, por ser de coração alto, e exquisitamente desapegado de pompas, que reprehendia com sobejo desprezo".
A 16 de Agosto de 1616, ao levantar do sol (…) avistou-se o sinal duma nau desconhecida, muito baixo no horizonte. (…) Apenas se via o alto dos mastros, como se uma serra nos separava. Progressivamente apareceram as velas e o casco dum imenso navio… era uma nau portuguesa de 1500 toneladas que se dirigia à Índia.(…) Ao meio dia o nosso navio, o "Globo", estava à altura da enorme nau. Às nossa perguntas: "Quem sois?", "Donde vindes?" responderam da Nau: Do mar. (Edward Terry, tripulante do "Globo")
Assim aparece na história a figura de Dom Manuel de Meneses. Eram quatro os navios ingleses . A carraca (a que os portugueses simplesmente chamavam nau) "S. Julião", estava por 13°26', no canal de Moçambique, perto da Grande Comore. Os navios ingleses eram naus de guerra, da esquadra de Benjamin Joseph, que saíram com seis naus, entre elas, a "Charles", de 900 toneladas, capitânia; "Unicorn", de 700 toneladas; "James", de 600, e "Globe", de 500. A nau "S. Julião", que tanto surpreendeu os ingleses pelas suas dimensões era de 1500 toneladas.
Seja como fôr, as forças eram desiguais: o contramestre português depois de voltar duma entrevista com o almirante inglês, "declarou em público que só a nau capitânia, que ele vira, bastava para pelejar com a nossa". Antes disso, às perguntas da esquadra inglesa responderam da nau "com palavras ultrajosas e fizeram cinco tiros contra o costado, ferindo alguns, depois do que, da "Globe" fizeram dezoito tiros e a nau continuou também o fogo."
O almirante inglês na "James" aproximou-se então e pediu entrevista com o chefe. Ao cabo de muita insistência e depois de os ingleses emprestarem uma embarcação, apenas "foi o contramestre com mais dois homens". Quando voltou e declarou o que vem de sêr dito, "Dom Manuel o repreendeu asperamente, dizendo que "posto que assim o entendesse, ou por seu pouco ânimo, ou por qualquer outra causa, o não dissesse mais em público, por não fazer descoroçoar a gente".
"O que seguiu foi tão violento e tão fora do ordinário que as relações britânicas contam como, na manhã do terceiro dia, os próprios marinheiros ingleses, não obstante serem endurecidos, mostraram um fervor inabitual no prece do amanhecer, antes da confrontação finale.
O homem vestido de preto
Uma das testemunhas inglesas fala da silhueta grave dum homem vestido de preto sobre a nau. Estava ao pé do oficial que lhes falava em italiano quando aproximavam-se.
Os marinheiros ingleses aprenderam rapidamente que esse homem era o capitão-mór dos portugueses e chamava-se Manuel de Meneses."
À exigência dos ingleses de apresentar desculpas, Manuel, na varanda da popa, respondeu que "quando Sua Majestade tinha assentado pazes com o seu rei, para que buscavam ocasião de brigas? Que se afastassem da nau e lhe não passassem pela proa, senão que os havia de fazer afastar com artilharia".
Parece que de propósito passaram os ingleses com uma nau pequena pela proa do "S. Julião".
O capitão-Mor fez tirar com algumas peças. O general Benjamin Joseph, recebe uma bala que o parte pelo meio. Foi o general inglês substituído no comando por Henry Pepwel que mais tarde também será atingido pela artilharia da nau.
Só contra quatro navios atrás dele, o S. Julião pôs a proa na ilha Mohilia (Mohéli ou Mwali), das Comoros. Aí, depois da noite passada bem à vista dos navios ingleses, sempre o farol aceso, - não se dirá que fugiu - , o escrivão da nau, da parte dos passageiros, pede a Manuel, que se não fizesse a nau à vela daquela paragem, porque entendiam que se perderiam. Manuel, furioso, trata-o logo "muito mal de palavras", e manda levar a nau, pelas 3 horas da tarde, logo seguida pelo inimigo. De noite voltou a nau a acender farol.
Na manhã seguinte, 18 de Agosto, estavam-lhe pela popa as naus inglesas.
Dentro dessas naus, na oração dantes do levantar do sol, Edward Perry nota nos marinheiros britanicos uma devoção maior que "em algum outro momento, antes ou depois". O homem de preto, em frente, não é um adversário ordinário.
Grande Comore
Seus mastros cortados, incapaz de manobrar, Manuel de Meneses vai receber um por um as cargas inteiras de cada navio, ao que também não deixa de lhes responder. Pepwel, ferido, é retirado da luta. A batalha dura até às 3 horas da tarde.
O S. Julião dirige-se para a Grande Comore, e apenas com um pedaço de vela no traquete, deriva para as costas da ilha Amgagiza (Ngazidja ou Grande Comore).
Ao pedido dos ingleses de se entregar, Manuel responde que a nau de Sua Majestade não se entregava, que não viessem mais a bordo, porque os havia de mandar matar.
Retrato do Inferno
Deu a nau em terra, com a proa para o mar, e ficou entalhada entre dois rochedos, com a popa sobre a terra, por onde desembarcaram os tripulantes e passageiros, não sem que alguns se afogassem. Entretanto, as naus inglesas cruzam ao largo e à uma hora da madrugada do 19 de Agosto viram a nau portuguesa a arder, na noite.
No dia seguinte os 500 ou 600 naufragados da S. Julião foram despidos pelos habitantes desta parte da ilha. É nesta ocasião que Manuel "vendo-se nesta situação, teve um mal que o deixou como morto".
De novo de pé, o capitão sem nau, mete-se a andar com o outros e depois de peripécias diversas embarca com os sobreviventes em dois bateis indigenas, que a falta de lugar e as queimaduras do sol transformam em "retrato do inferno". Chegam assim a Mombaça (ou a Moçambique segundo Vasconcellos), e daí à Goa.
Voltou depois ao Reino "em hum patacho que veio com aviso em 21 de Junho de 617"
Encontramos Manuel de Meneses alguns anos mais tarde, eleito "capitão mór da armada de Portugal" para uma expedição de recuperação da cidade brasileira de Salvador de Bahía.
Dessa expedição existem numerosos documentos, particularmente um escrito por ele mesmo, em português, "Recuperação da cidade do Salvador ", que ficou manuscrito, encontrando-se numa bibliotéca de Madrid, até que Francisco Adolpho de Varnhagen o mande publicar em 1859, na "Revista Trimensal do Instituto histórico, geographico e ethnográphico do Brasil".
Infelizmente encontram-se inúmeros erros de transcrição, a ponto de muitas vezes não se compreender o que quer dizer o autor.
É nesse escrito de Manuel, que encontramos a citação que vem atrás e que parece leitura de Descartes, na primeira parte do seu "Discours de la Méthode": "Le bon sens est la chose du monde la mieux partagée; car chacun pense en être si bien pourvu que ceux même qui sont les plus difficiles à Contenter en toute autre chose n'ont point coutume d'en désirer plus qu'ils en ont". Mas Descartes escrevia aproximadamente em 1636 (primeira edição em 1634) e Manuel em 1625 ("escrita no mar e no porto").
Com isso, parece-nos dizer Manuel porque escreveu sua relação: dizer a verdade, o "seco" dessa história contra todos os que interpretam as ações da armada sem a compreender. Diz ele mais abaixo, falando do ignorante:
-"E o seu juizo transcendente comprehende os ventos a que não sabe os nomes, guia as proas que não sabera encaminhar numa alagoa, está penetrando o intimo do coração dos generaes do mar"…
António Vieira que era então Noviço da Companhia de Jesus, e vivia na Bahia desde a idade de 6 anos, assistiu à chegada dos holandeses. Tinha 16 anos, e foi encomendado ( pela primeira vez ) de escrever a Charta Annua, espécie de relatório, em latim, que anualmente a província mandava ao Geral da Companhia. Descreve assim o assalto dos holandeses: "Com a luz do dia seguinte, apareceu a armada inimiga, que, repartida em esquadras, vinha entrando. Tocavam-se em todas as naus trombetas bastardas ao som de guerra, que com o vermelho dos paveses vinham ao longe publicando sangue. Divisavam-se as bandeiras holandesas, flâmulas e estandartes, que, ondeando das antenas e mastaréus mais altos, desciam, até varrer o mar com tanta majestade e graça que, a quem se não temera, podiam fazer alegre e formosa vista. Nesta ordem se vieram chegando muito a salvo, sem lho impedirem os fortes, porque, como o porto é tão largo, tinham lugar para se livrar dos tiros.
"Tanto que emparelhou com a cidade, a Almiranta a salvou sem bala e despediu um batel com bandeira de paz. Mas à salva e à embaixada, antes de a ouvirem, responderam os nossos com pelouros, o que vendo os inimigos, se puseram todos a ponto de guerra. Vieram logos as naus enfiadas sobre a terra, e por onde iam passando descarregavam os costados na cidade, forte e navios que estavam abrigados na praia; o que continuaram segunda e terceira vez, até que, depois de meio-dia, puseram todos a proa em terra, e as três dianteiras, em determinação de abalroarem a fortaleza, mas impedidas dos baixos, lançaram ferro, e em árvores secas, como se foram todas de fogo e ferro, começaram a desfazer tanto nela, que parecia pelejava nelas o Inferno. E foi tal o estrondo e confusão, que a muitos, principalmente aos poucos experimentados, causou perturbação e espanto, porque por os muitos relâmpagos, fuzilando, feriam os olhos, e com a nuvem espessa de fumo não havia quem se visse; por outra, o contínuo trovão da artilharia tolhia o uso das línguas e orelhas, e tudo junto, de mistura com as trombetas e mais instrumentos bélicos, era terror de muitos e confusão de todos." etc.
"Jornada dos Vassalos"
Preparação da Armada Luso - castelhana
- Manuel: "Chegou [ a notícia da perda da Baía ] a Lisboa a 26 de Julho, e no último do mesmo à meia noite a Madrid". Filipe III de Portugal (e seu primeiro ministro Olivares) tomou a resolução de recuperar a cidade, e "a Manuel de Meneses fez mercê por carta de 9 de Agosto de o eleger para levar a seu cargo a (armada) de Portugal". Logo a fidalguia de Portugal, uns em ajudando com sua fortuna, outros com seus serviços, manifestaram seu entusiasmo numa tal empresa:
"Os senhores e fidalgos de Portugal poderam fazer gloriosa a impresa entrando nella quando de si o não fôra tanto e posto que cada um delles foi emulo da verdade e não das pessoas, estando com tal animo que se não podera facilmente dizer qual foy o segundo.
Não se pode negar que foi o primeiro Afonso de Noronha (…) governador do Algarve, eleito viso rei (Vice-rei) da Índia aonde navegava (…) entrou na casa do consulado, e recebendo pequeno soldo se alistou por soldado para a empresa, exemplo não necessario para a disposição de ánimo com que estavam os mais senhores e fidalgos, mas eficás para os abrasar quando frios e esquecidos estivessem."
Partida
A esquadra de Portugal, com 22 naus, sahiu do porto de Lisboa em 22 de Novembro de 1624 em direção a Cabo Verde onde chegaram em 21 de Dezembro. Em 18 de Dezembro a nau Conceição, de António Moniz Barreto neto do governador da Índia do mesmo nome ( António Moniz Barreto ), afundou-se nos baixos da ilha de Maio ("é desastre que a muitos pode acontecer e a mim a quem o tempo tem ensinado muito a minha arte."). Exercitando a armada e recuperando a artilharia da Conceição, Manuel esperou aí por a armada castelhana. Em 6 de Fevereiro de 1625 se uniu enfim com ela, procedente de Cádiz, formada pela reunião das esquadras chamadas do Oceano, de Viscaia, das Quatro Villas, do Estreito, e de Nápoles, em total 30 navios e outras embarcações mais pequenas, levando a bordo 7.500 homens de desembarco; os portugueses eram 4.000. Mandavam estes diversos contingentes marinheiros tão expertos como Juan fajardo, Martín de Valdecilla, francisco de Acevedo y Bracamonte e Francisco de Ribera. Por capitão Geral de mar e terra de todas as forças combinadas de ambos os reinos ia o insigne castelhano Fadrique de Toledo Osório ou Fadrique Álvarez de Toledo y Mendoza, mais tarde marquês de Villanueva de Valdueza
Escaramuças: Francisco padilha e a morte de Van Dorth
Entretanto no Brasil, já havia começado a revolta dos portugueses/brasileiros: "Sayo a 15 de Junho [ de 1624, apenas um mez depois da tomada da cidade ] o coronel João Doart (Jan Van Dorth), a cavallo acompanhado de alguns soldados, tocando trombetinha diante; acudio este capitão [ Francisco Padilha ] com a gente de sua bandeira, e do primeiro arcabusaço matou o cavallo do coronel, e arremetendo sem escutar razões, ou promessas, lhe cortou a cabeça, e invistindo a companhia os poz em fugida, e lhes foy no alcance hum gran pedaço. Alguns dos inimigos se acharam mortos, nem o número dos feridos se soube. Em logar do morto coronel foy eleyto Alberto Scott (Guilhermo Schouten)."
- Manuel: "A onze de Fevereiro, terça-feira, ás oito da manhã, desfraldou a real do mar occeano, o que no mesmo ponto imitou a real de Portugal, e foram seguindo as outras. Constava esta armada de Portugal de vinte e três vellas redondas, e de quatro caravelas. A capitánia, S. Antonio e S. Vicente [S. António. S. Diogo. S. Vicente] que se algum do mundo podia merecer tanto nome de taes santos, era ella verdadeiramente por grandeza, em que excedia com grande vantagem as outras reaes do mar occeano." Falando deste galião, Francisco Manuel de Melo, na sua Epanáfora Trágica, diz que "foy a melhor náo, que em seus tempos navegou no Mundo" (p.192, da edição de 1676) e "a mayor que então havia em Europa" (p.209).
- Manuel: "Aquella noite depois de desembarcados os fidalgos, sayo Manuel em sua falua reconhecer a marinha, chegando ao pé da armada olandesa, avisando ainda à volta, a toda a armada tivesse boa vigia, estivesse sobre huma ancora aboyada que largasse por mão, pera seguir a inimiga fazendo-se à vela. Para assistir a estas e outras ocupações se discreptou de toda as outras."
- "Hya-se aquartelando o exército pela parte do Carmo [ com Fadrique, no convento do Carmo ] , e S. Bento, com grande cuidado e deligencia; mostrava-se natural fervor nos senhores e fidalgos portuguezes no cortar e levar às costas a faxina, e mayor nos que foram criados com mais regalo. Estenderam-se ramos de trincheiras visinhas ao inimigo, ordenaram-se plataformas. Luzia muito o trabalho nas mãos do terço de Nápoles em que se não havia mais de mil quatrocentos e cincoenta (ficavam os mais na armada) todos mancebos nos annos, eram soldados velhos, reliquia do terço do valente mestre de campo Carlos Spineli, cujo sobrinho emitador era o Marquês de Torrecusso que os governava. Deram-se tal preça que a cinco de Abril à tarde, comessaram bater a cidade da primeira plataforma que fizeram na faxalda do monte de S. Bento descoberta ao mar. Pela parte de terra se apertava o sitio, e no mar era grande a competencia [ concurrencia ] a quem mais se chegaria à armada inimiga"
Navios de Fogo
Havia -"quatro navios, presas que o inimigo tinha cheios de artificio de fogo para que com vento em popa se chegar as capitanas, e abrasalas para o que sempre estavam promptos de verga d'alto."
- Manuel: "Logo a primeira noite (…) tirando bombas, e coetes e asendendo-se imediatamente, fizeram notavel aparencia de fumarada negra, espessa, e lavaredas grandes por entre ella. Com tal vento e boas velas se chegaram tão depressa que estando tudo prevenido, ancoras aboyadas para largar, correram risco a de Portugal, e a do Estreito, e mayor suas almirantas. Jorge Mexia se vio quasy abordado, e muito mais Roque Senteno, almirantes, fizeram-se todos a vela o a todos pareceu tarde posto que estavam a ponto que não havia mais que desfraldar traquete, e cassar escotas. Manuel se vio em grande aperto pela doença de Gouvea mestre da cappitana, posto que asy acudio, com grande resolução animando a muitos.(…) Dos ignorantes havia muitos que acresentavam à confusão. (…) Manuel acudia sem poder a tudo. Pessoas houve que se deitavam ao mar nas chalupas e canoas que tinham a bordo, outras acodiam às portinholas baixas pera se deitarem; foy o aperto como se pode imaginar. O navio se fez na volta de noroeste e logo ao norte sempre com a senda na mão. Acudiram os capitães Diogo de Varajão, e Cosmo do Couto. A este encarregou Manuel fosse ao navio de fogo que parecia vinha seguindo, e lhe cortasse a falua que costumam trazer para se salvar quem governava emquanto o fogo não esperta. (…) Como vio que o incendio tinha declinado na maior força, mandou voltar sobre elle, e vendo tudo abrasado acudiu a tomar o passo aos navios olandezos, se acaso fosse aquelle ardido pera se fazer a vela; e achando tudo quieto ocupou seu posto, e pela manhã estava sobre a ancora que deixava, aboyada."
Cenda na montanha
- Manuel: "Vío com oculo huma cenda apagada, que apenas aparecia huma parte della, por entre a rama que veste a montanha sobre que está o mosteiro de S. Bento. Pareceu-lhe seria caminho antigo. (…) Reconheceram o sitio a 5 de Abril. (…) A senda não passava do meo do caminho (em que havia pedreira velha) começando do alto. Contudo se resolveram ao trabalho porque em voltas parece se podia subir com bastimentos que hiam por S. Antonio, huma légua de mar, outra de terra por maus caminhos. Puzeram-se as mãos da gente biscaynha a desmontar, rossar e esplanar, foy-se mostrando o caminho airoso coberto de huma e outra parte de frondoso arvoredo. Foi necessario em algum logar cortar eminencias, e n' outro encher os baixos, atravessar outro com vigotas, e faxina com que tudo ficou de maneira que se esperou: mais do que de antes se pretendia. Pareceu que por elle subiria a artilheria para o quartel de S. Bento, vieram engenheiros acharam defeculdade (trabalho perdido lhe chamavam) na subida, na desembarcação impossibilidades. Afastaram-se penedos com facilidade, cortou-se outro pedaço de caminho, desmontando-se bosque por onde podesse voltar a artilheria em cavalgada (…). Mostrou o effeito o acerto da traça porque em menos de hora e mea se punham em cima peças de vinte e sinquo libras. Com pressa notável subiam as munições e bastimento. A facilidade de tudo dobrava o gosto de servir."
-"Pareceu conveniente que o forte de S. Antonio se artilha-se e presedia-se. Para isto tirou Manuel da sua armada sete peças de artilheria e com o governador Francisco de Valhesilha subiram em o dia cinco, e deixaram em cavalgadas e com ellas o Condestabre que tinha ydo no navio S. João, e cinco artilheiros que lhe assistiam, e as outras duas pera se porem ao outro dia em seus reparos."
Plataformas
- Manuel: "Tendo Manuel de Meneses dado para o forte de S. Antonio a artilheria que podia escusar de sua armada pela de Castela, pretendendo fazer junto da praya huma plataforma donde prometia fazer grande dano a armada inimiga. Sendo aprovado o seu intento se lhe levaram a terra duas peças de desoito libras; fez para estas huma plataforma em meia ladeira do monte, afundando-a tanto que pela parte alta ficava huma pica, pela fronteira espalda natural imensa, pera o ponente um parapeito para o mar, grossíssimo de tudo que se afundava, e de toda a terra que se tinha tirado, não só segura de canhão, mas fora de todo o receo. E reconhecendo outro posto mais a prepósito por mais vizinho ao mar, e ao inimigo, fez outra semilhante em que pôs huma das peças; e destas duas plataformas se tirava com grande dano da armada inimiga. Vendo que seu trabalho dava bom fruto, louvado de todos, se adiantou mais de cem paços e comessou a esplanar, e pôr em ordem outra plataforma, que sendo cubiçada por João Fajardo lha largou, reconhecendo na mesma hora outro posto adiante, melhorado, aonde fez outra."
-"Ao general Martim de Valhesilha, se devia maior parte do facto deste trabalho, porque em tudo se achou sempre com Manuel, ordenando, mandando e obrando por suas mãos, apontando com elle as peças com arte e valor, amanhecendo e anoitecendo com elle muitas vezes nas plataformas, aonde todos os dias acudia, sofrendo as calmas do Brazil, enterrado nos baixos da plataforma."
-"No posto de S. Bento que ocupava Francisco de Almeida, havia menos gente de trabalho, contudo se abriam trincheiras, com grande perigo, e se fez huma plataforma para quatro canhões."
"Índios de arco e frecha"
- Manuel: "Com a vinda de Salvador de Saá, que chegara pouco antes, de socorro do Rio de Janeiro, com cento e oitenta pessoas, diziam que oitenta brancos, os mais indios de arco e frecha (e todos passavam ao posto de S. Bento), houve novo género de alvoroço, encarecendo muito a gente do Brasil, a industria e destreza daquelles frecheiros, e a facilidade com que conseguiam qualquer bom effeito com as canoas em que vinham."
- Manuel: "Como quer que fosse elegeram outro [ Hans Kyff ], e com elle se resolveram a pedir tréguas para tratar de consertos. E segunda-feira 28 de Abril comessando anticipadamente a disparar algumas peças de artilheria mui espassadas, da plataforma dos dois sacres, logo em apontando o sol cayram sobre hum luguar que parecia corpo de guarda (…). Os italianos que com grande destresa se tinham adiantado muito com suas trincheiras sayram dellas ao descoberto. Daquella parte de S. Bento que ficava à vista destes movimentos acudiram ao foço, desordenados, os alferes Ignacio de Mendonça, e João do Loureiro, entre os quais e italianos havia grandes competencias, e ciumes de quem primeiro na ocasião subiria as trincheiras inimigas; arremeteu com o seu sargento, e noventa e dois soldados que tinha de guarda das plataformas, e chegando a hum pequeno baluarte quasy no fim da palissada, o veio a encontrar hum soldado mandado pelo capitão, que de cima lhe pedia se chegasse. Adiantou-se o alferes com o sargento, João do Loureiro, e Condestabre João Ribeiro, e com elles hum trombeta de Fadrique, que aquelle dia o tinha ido a visitar.
-"O capitão lhe disse que mandasse retirar sua gente pera dizer cousas de importancia, e de segredo. Subio primeiro João do Loureiro e dando a mão ao alferes, e sargento entraram todos três somente às oito horas que parecera da manhã. (…) Nem podia ser outra cousa que trazer ordem pera tratar de paz, e asy queriam saber qual era o general a quem se havia de acudir."
-"A estas palavras mal entendidas se respondeu que a Fadrique de Toledo, que alojava no quartel do Carmo."
Depois duma primeira troca de cartas:-"Aquelle dia como às dêz horas da manhã veo a carta a Fadrique, e capítulos seguintes:
À Su excelencia — Illustrissimo señor aviendo recebido la carta de 28 de este y entendido la nobleza de V. S.a de cuia persona nos confiamos, emos juntado nuestro consejo e resolvemos de entregar la ciudad sobre las capitulaciones comprehendidas em los capítulos que com esta van sobre los quales aguardamos respuesta de V. Ex.a cuia persona Dios guarde, fecha en San Salvador a 29 de Abril de 625. El coronel etc.
Bandeira pintada
- Manuel: "Quinta feira primeiro de Maio, às dez da manhã, tirada a bandeira de Maurício, se plantou em seu lugar sobre a sée, a das armas reaes de S. M. com castellos e leões. Matéria de notáveis descontentamentos entre os Portuguezes, chamando aquillo, se foi inadvertencia, ódio nos Castelhanos à nação portugueza, que em tudo se mostrava, e nunca em tão pública aparencia.
"Era aquela empresa de Portugal, dos cinco mil e oitocentos homens que assistiram em campanha, os três mil e trezentos portuguezes, muitos fidalgos, muita mais gente nobre, quasi todos aventureiros, e não da plebe de que as levas se fazem ordinariamente. A nobreza que mais continuava nas trincheiras, no desmontar mátas, carregar faxinas, calejar as mãos com a páa, e enxada, sendo aqui a de Castella sem officio, ou cargo (…)
"Querendo, Fadrique ([sendo] portuguez) pudera meter com as de Portugal, as armas de Castella, com que as quinas reaes dadas por Deos ao Reino, ficando muitas tintas, resplandecessem: Sendo Castelhano ganhara grande classe, arvorando sómente as de Portugal; que injusta cousa era, sendo os capitães de infanteria, e fidalgos portuguezes dos primeiros pera ocupar os postos de perigo, e pera todas as fações, queresse agora estivessem privados de entrar na cidade que recuperaram, emquanto houvessem que rapinar; que os castelhanos estavam senhores da presa de mar e terra, e se assertava hum soldado portuguez tomar hum ferro velho, ou outra coisa vil, logo lhe era arrebatada, e às vezes com soberba; que os italianos se lhes não permitia que chegassem, nem ainda fizessem guarda a Fadrique, sendo elles os que tanto luziram no trabalho das trincheiras, e plataformas (…)
"Que não somente se furtavam as fazendas e alfayas das casas que os olandeses conservavam, (…) mas as portas se queimaram, havendo tantos bosques tam visinhos, os ferrolhos das que ficavam se arrancavam, até as machas femeas, e aldrabinhas de nenhum valor. De maneira que se aquella cidade fora olandesa, causara grande lastima aos proprios que a roubavam e assolavam com tão excessiva crueldade; que em nenhuma outra cousa se cuidava, e se permittia estar a igreja mayor metropolitana d'aquella provincia, polluta de sacrilégios de hereges, apostatas da fé, sem se purificar, e sem se celebrar nella os officios divinos segundo os ritos catholicos appostolicos romanos.
"À queixa das armas acudio em parte Fadrique, mandando pintar huma bandeira ordinária às armas de Portugal no lugar acostumado" (cf "Guerra de tintas", na "obra escrita").
Depois de algumas contendas a propósito duma caravela que queria enviar D. Manuel para anunciar a vitória, enquanto D. Fadrique enviava um pataxo "mui ligeiro" no "13 de maio à noite em direitura a Cadiz" ( e por a caravela sêr considerada mais rápida: "Dizem que hum portuguez dera informação a Fadrique que a caravela era embarcação mui ligeira, que furava os mares e havia de anticiparse, com a nova, à Espanha muitos dias"), ocuparam-se a prevenir a armada holandesa de socorro.
Foy esta diligencia de Fadrique, executada por Cosme do Couto, de grandissima importáncia".
Conta Severim de Faria: "A 26 de Maio, chegou à Baía o socorro da Armada Holandesa, que os cercados esperavam. Era de 33 velas, que, não sabendo o que passava, lançaram ferro defronte do Forte S. António, saíndo logo os nossos Generais a encontrá-la, indo na Vanguarda os Navios Portugueses. Porém, impedidos do vento Norte, e da noite que sobrevinha, amainaram, tendo já tocado um Galeão castelhano, que procurou dar volta muito junto a terra.
Manuel Severim de Faria: Relação Universal do Que Sucedeu em Portugal e Mais Províncias do Ocidente e Oriente, Desde o mês de Março de 625 Até Todo Setembro de 626. Lisboa. Impressa por Geraldo da Vinha, 1626
Os mais Navios dos nossos tiveram diversas sortes, porque a almirante e o navio de Constantino de Melo foram presos de nove Galeões Holandeses, a que não puderam resistir, e o mesmo aconteceu ao de António Soares. O Galeão Santa Ana, Almirante Castelhano, em que vinha o Mestre do Campo João de Orelhana, abalroando com um Holandês, tomou fogo, um e outro, e ficaram à vista da nossa Real, que estava combatendo com outras duas velas holandesas, e salvou alguns que deste miserável espectáculo
escaparam.
Dom Fadrique de Toledo Osório, com a outra esquadra, teve a mesma adversidade, afundando-se-lhe alguns navios, perdendo outros, e padeceu tanto por falta de água e mantimento, que esteve em grande perigo. Ultimamente, com a força dos ventos, entrou pelo estreito de Gibraltar, e foi surgir a Málaga com parte da Armada, tomando os restantes diversos portos. Em Málaga desembarcaram, dos nossos, o Conde de Tarouca, Dom Lopo da Cunha, Senhor de Santar, João da Silva Tello, Dom Francisco de Faro, filho do Conde de Faro, e outros fidalgos, que vindo para o Reino souberam, junto a Sevilha, como Cádis estava cercada pela Armada Inglesa, e logo lá se foram, sendo os que levaram a Vanguarda do socorro que nela entrou, onde assistiram até a retirada do inimigo. O mesmo fizeram Dom Afonso de Noronha, António Moniz Barreto (Amiral), Enrique Enriquez e Dom Afonso de Lencastre, posto que, por os tomar a nova mais tarde, chegaram quando o inimigo se embarcava.""
D. Manuel -: "Chegou emfim a hora da partença segunda-feira quatro de Agosto em que se fizeram a vella quando rompia o sol. Alguns dos navios com a aguada mal segura pelo mal adresso das vasilhas, pouco vinho, escassos e maus os mantimentos e tanto como o que mais necessitado os que se embarcaram os olandezes.
(…) ( "o mar todo sujo de navios (…) holandeses, [ estes ] tiravam-me de longe donde ladravam, algum se me chegou de noite tão perto que me levou cargas de mosquetaria. Quarta-feira oito de outubro (8 de Outubro de 1625) tivemos vista de terra e por parecer Cabo de Espichel, e não se ter tomado o sol de tres dias, discorremos aquella noite, mas era a Boca, e nos achamos pela manhã perto da Berlenga donde não vieramos a este porto em muitos dias senão fora huma trovoada de Oesnoroeste com que nos chegamos, e entramos a barra de Lisboa terça-feira quatorze deste mez 14 de Outubro de 1625) . O tempo hé bonança de todo (…) . Julgo que a frota de Brazil vira toda junta com a maior parte da armada que não pode estar longe esperando em Deus que há de trazer tudo a salvamento pera que o real serviço de V. M. se faça com a prosperidade que lhe desejão, e procuram estes seus vassalhos."
Severim de Faria: Quando os nossos chegaram ao Reino, acharam que Sua Majestade [ Filipe III de Portugal ] , por uma sua escrita ao nosso Conselho, havia por bem, por estar informado do valor com que os Portugueses o serviram nesta ocasião, e que para morrer por seu socorro lhes não faltara vontade e sobejara o ânimo, mandava que a cada um se desse o que tivesse da Coroa para filhos ou herdeiros e lhes fizessem todas as mais mercês, que ele, por outro decreto seu, tinha concedido aos que morressem nesta Empresa, sem a nenhum ser necessário fazer sobre isto mais diligências, porque queria que soubessem os Portugueses que para lhes fazer mercês não queria dessem mais passos que os dados em seu socorro. Magnificência tão grandiosa que igualmente recompensou o ânimo desinteressado com que a nobreza deste Reino se embarcou, para esta jornada, sem nenhum pedir satisfação alguma, e que obriga a todos se empregarem fervorosamente no socorro de Príncipe que tanto se lembra de quem o serve."
D. Manuel -: "ficou a este librito conforme a preposiçam se não tem sido mais larga"
"Por esta carta, Sua-Magestade dava-me ordem de ir ao encontro das naus da Índia por 44° de latitude."
O que seguiu foi o maior desastre de Portugal depois da derrota de D. Sebastião na batalha de Alcácer Quibir: A armada de Portugal de Dom Manuel e a armada da Carreira da Índia envolvidas numa imensa tempestade, sofreram o maior naufráfio da historia da marinha portuguesa, perto das costas francesas de Saint-Jean-de-Luz e de Arcachon: 7 navios perdidos - duas enormes naus da Índia de 1800 toneladas, carregadas de pedras preciosas e especiarias, escoltadas por cinco galeões de guerra levando a melhor parte da nobreza de Portugal -, 2000 mortos e só 300 a rescaparem…
Amélia Polónia: Mestres e pilotos das Navegações Ultramarinas (1596-1648) - Subsídios para o seu estudo, in Revista da Faculdade de Letras - Históricas", II Série, Vol. XIII, Porto, 1995, pp. 135-217
E Francisco Contente Domingos acrescenta: Defunto (Lavanha) em 1624, sucedeu-lhe D. Manuel de Meneses em 1625, o "único cosmógrafo-mor com real conhecimento e experiência da navegação prática"
Aparece então que D. Manuel de Meneses nunca chegou a exercer seu cargo de "cosmógrafo-examinador", que não era aliás, como vimos, a única prerogativa do Cósmografo-Mór de Portugal. Para esse officio, D. Manuel tinha certas disposições como a sua prática da navegação, e seu interesse pelas matemáticas, e já uma das suas primeiras obras de que temos conhecimento, escrita em 1611, intitulava-se: "Parecer que deu a Felippe III de Portugal sobre a causa da perdição das Naos da India, e o meyo que deve aplicarse para se aviar gente do mar para a navegação".
Se não aparece como examinador é certamente porque, pouco tempo ficou em Lisboa a partir da sua nomeação que só pode ter ocorrido a partir de fins de Outubro de 1625, em que chegou a Lisboa vindo da Bahía. Logo no ano seguinte vêmo-lo embarcado perto das Costas portuguesas, à espera da armada da Índia
"Guerra de tintas"Como se confere, a relação de D. Manuel ficou manuscrita até 1859.
A não publicação da relação duma vitória que na época deu ocasião a tão grandes regozijos (lembremos o quadro de Juan Bautista Maíno: "La recuperación de Bahía", e a peça de teatro de Lope de Vega: "El Brasil restituido"), vitória contada por um dos seus mais importantes capitães, tem algo de estranho: a solução desse enigma encontra-se sem dúvida no que Carlos Ziller Camenietzki e Gianriccardo Grassia Pastore chamaram a "Guerra de tintas".
Diz D. Manuel no princípio da viagem: "Estou como com ancia desejando chegar a estas ilhas não para descansar do trabalho de escrever, hé a leitura breve posto que cansativa, meúda e seca conforme ao nome entalada entre os limites rigorosos da "verdade" que muitos verão e espreytarão". Insiste em dizer a verdade, como se a verdade fosse ocultada, assim o fizeram os numerosos cronistas do acontecimento, portugueses e espanhois, que não contaram a mesma coisa, daí a denominação de "guerra de tintas":
"A expedição conjunta de espanhões e portugueses, sobre comando espanhol, para recuperar uma praça portuguesa, deu lugar a uma rivalidade entre essas duas nações. "A guerra de tintas não expressava um sentimento nacional adormecido ou esmagado; ao contrário, expressou um mal-estar de fidalgos, e tão somente dos membros da nobreza lato sensu. O objeto desse desconforto, (…), era o lugar ocupado pelos vassalos portugueses no exercício de seu "natural" e antigo papel na sociedade portuguesa: governar, defender o reino e suas conquistas. (…) Pelo que foi exposto mais acima, pode-se imaginar que a "guerra de tintas" não apresentava aos olhos de seus leitores o caráter de uma disputa literária stricto sensu, estava diretamente em jogo a proeminência da fidalguia de Portugal. (…)
O governo da Monarquia Católica percebeu o problema. Diante do andamento da guerra de tintas, o Conselho de Estado de D. Felipe IV não se furtou a tomar medidas voltadas à contenção dos ânimos: "a multiplicação de relações, crônicas e histórias do feito de Salvador foi proibida."
Francisco Manuel de Melo, que conheceu Manuel, apenas nos diz do pai de Manuel, João, "que disserão de Campo Mayor, por ser herdado na visinhança de aquella villa."
Também, num artigo publicado no "Diário do Minho" em 28 de Abril de 2003, escrito por Vítor Serrão, aprende-se que, Joana Baptista, freira no convento das Maltesas de São João de Estremoz, que deixou obras de pintura em casas franciscanas, como o cobre de Santa Maria Madalena proveniente do Convento do Salvador, de Braga (agora no Museu Nacional de Arte Antiga, inv. n° 1058) e em lugares beneditinos, como o mosteiro de Tibães, "originária de Campo Maior, segundo a tradição, era irmã do general do exército real, Manuel de Meneses, cronista do rei."
Historia genealogica da casa real portugueza, desde a sua origem até o presente, etc. por António Caetano de Sousa, Lisboa, na Regia officina Sylviana, e da Academia Real. 1747. Tomo XII parte I, p. 354
Amélia Polónia: Mestres e pilotos das Navegações Ultramarinas (1596-1648) - Subsídios para o seu estudo, in Revista da Faculdade de Letras - Históricas", II Série, Vol. XIII, Porto, 1995, pp.135–217
Francisco Manuel de Melo: Epanaphoras De Vária história portuguesa. Lisboa, Antonio Craesbeeck de Mello, 1676: naufragio da Armada portugueza em França. Anno 1627. Epanaphora Trágica. Segunda de Dom Francisco Manoel, Escrita a hum amigo.
Francisco Manuel de Melo, Dom Manuel de Meneses, e outras testemunhas: Le naufrage des portugais sur les côtes de Saint-Jean-de-Luz & d'Arcachon (1627). Édition établie par Jean-Yves Blot & Patrick Lizé. Relations traduites par Georges Boisvert. Paris, Chandeigne, mars 2000 (tradução do texto de Manuel (Relacion de la armada de Portugal del año 1626, que hizo y firmó de su nombre D. Manuel de Menezes, general della) escrito em espanhol e publicado em 1627.
Manuel de Meneses: Relação da Restauração da Bahia em o anno de 1625 ou Recuperação da Cidade do Salvador escrita por Dom Manoel de Menezes chronista mor e cosmographo de sua magestade e capitão geral da Armada de Portugal naquella empresa, cópia cotejada com o manuscrito original de Madrid por Francisco Adolpho de Varnhagen. Revista Trimensal, vol. XXII. 1859
Inocêncio Francisco da Silva: Dicionário bibliográfico português. Lisboa, reedição da Imprensa nacional - Casa da moeda, Maio de 1987
Rita Cortez de Matos: O Cosmógrafo-Mor: O Ensino Náutico em Portugal nos séculos XVI e XVII, in Oceanos. - Lisboa. - Nº 38 (Abr.-Jun. 1999)
Carlos Ziller Camenietzki, Gianriccardo Grassia Pastore: 1625, o Fogo e a Tinta: a batalha de Salvador nos relatos de guerra. TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp.261–288.(ppghis.ifcs.ufrj.br - pdf)
(a seguir)
Manuel Severim de Faria: Relação Universal do Que Sucedeu em Portugal e Mais Províncias do Ocidente e Oriente, Desde o mês de Março de 625 Até Todo Setembro de 626. Lisboa. Impressa por Geraldo da Vinha, 1626.