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Família de plantas dicotiledôneas Da Wikipédia, a enciclopédia livre
Gunneraceae é uma família monotípica de plantas dicotiledóneas da ordem Gunnerales que integra apenas o género Gunnera, com 62 espécies validamente descritas. São plantas herbáceas, perenes, maioritariamente com grandes folhas e com inflorescências que comportam numerosas pequenas flores. Apresentam uma distribuição natural do tipo relíquia disjunta, principalmente no Hemisfério Sul, com escassos representantes no Hemisfério Norte. Algumas das suas espécies ostentam o recorde do maior tamanho de folha registado numa dicotiledónea, chegando a ultrapassar os 4 m de largura, razão pela qual são apreciadas como planta ornamental. A classificação clássica coloca esta família na divisão Magnoliophyta, classe Magnoliopsida, subclasse Rosidae, ordem Haloragales.
Gunneraceae | |||||||||||||||||
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Classificação científica | |||||||||||||||||
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Género | |||||||||||||||||
Sinónimos | |||||||||||||||||
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As espécies que integram a família Gunneraceae partilham os seguintes caracteres descritivos:
As estruturas escamosas que crescem no caule das espécies dos subgéneros Misandra e Panke foram interpretadas de diversas maneiras: lígulas, estípulas intrapeciolares, escamas ou folhas não desenvolvidas, o que implicaria, neste último caso, a existência de heterofilia. A questão ainda não está esclarecida.
Por vezes encontram-se flores anómalas: na espécie Gunnera tinctoria ocorrem flores com um ovário bilocular e, por isso, com dois óvulos.
As flores são anemófilas, sendo as hermafroditas protândricas. As espécies com drupas coloridas apresentam dispersão ornitocórica. Crescem em habitats frescos ou frios, húmidos ou inundados (halófitas), como pântanos, margens de rios, ribeiros e locais próximo de poços, desde o nível médio do mar a altitudes superiores aos 3 000 m. Preferem altitudes elevadas e áreas abertas e luminosas, sendo espécies pioneiras em muitos casos. Apresentam uma ampla tolerância térmica e uma via fotossintética do tipo C3.
As plantas do género Gunnera formam uma simbiose de maneira natural com cianobactérias fixadoras de azoto atmosférico (N2), aparentemente sempre com diferentes estirpes de Nostoc punctiforme. Esta simbiose apresenta características particulares que a diferenciam de outras associações do mesmo tipo: é a única que implica uma Magnoliophyta (angiospérmica, a cianobactéria alberga-se em órgãos glandulares especializados situados no caule, por onde penetra nas células do hospedeiro (simbiose intracelular, um tipo de endossimbiose) e deixa de fotossintetizar, passando a cianobactéria a fornecer compostos azotados à planta em troca de compostos carbonados (essencialmente açúcares).
A cianobactéria, que provém do ambiente circundante, penetra na planta através de raízes adventícias, que abortam e se transformam em órgãos glandulares. As células afectadas são maiores e mais arredondadas que o normal, e no seu interior a cianobactéria desenvolve a maior concentração conhecida de heterocistos numa cianobactéria.
A simbiose, ainda que evolutivamente muito avançada por ser intracelular, é, contudo, facultativa, pois ambos simbiontes sobrevivem separados e podem reconstituir a sua associação quando volta a ser colocados em contacto. Por essa razão, este tipo de simbiose é menos interdependente que a existente entre outras angiospérmicas e os seus simbiontes, como é o caso de Rhizobium, e também menos coordenada: as glândulas formam-se mesmo quando a cianobactéria está ausente, o que implica que conter aquelas bactérias não será a sua principal missão, já que o conjunto de genes envolvidos na formação das glândulas inicia a sua actividade sem dependência do hóspede.
As glândulas são formadas por 6-9 papilas, das quais 5-8 são periféricas e um pouco arqueadas para fora, e uma papila central é maior, longa e erecta. As papilas formam-se no interior do caule desde o momento da germinação da plântula, por debaixo de cada inserção peciolar, crescem até à superfície externa e atravessam a epiderme, aparecendo externamente, enquanto no interior se formam canais entre as papilas.
As glândulas produzem mucilagem que flui pelos canais para o exterior. Esta mucilagem é rica em carboidratos, ácidos tânicos e outros polifenois de acção antimicrobiana, é de carácter ácido e parece conter também substâncias antifúngicas.
À medida que a planta cresce, formam-se glândulas debaixo das folhas novas. Infectadas ou não, as glândulas cessam em determinado momento de produzir mucilagem e de crescer, e é formada uma camada meristemática externa que forma por fora camadas acinzentadas que dão à glândula um aspecto de cortiça. A partir desta fase, a entrada de cianobactérias deixa de ser possível, os canais e as cavidades desaparecem e o tecido glandular congestiona-se e começa a desintegrar-se.
A cianobactéria alcança a mucilagem através de acinetos ou por hormogónios, atraídos quimiotacticamente pelos compostos fenólicos presentes e iniciam um processo de divisão repetida, produzindo hormogónios, que se introduzem na glândula e penetram no interior das células do meristema glandular com paredes finas. As paredes celulares são dissolvidas e as células incham em contacto com o simbionte. O processo de acesso ao interior da célula do hospedeiro não está claro, mas os hormogónios ficam incluídos numa cavidade de membrana plasmática dentro da célula, onde os filamentos hormogoniais revertem a sua diferenciação para dar lugar a filamentos com células vegetativas e heterocistos, sendo estes os que fixam o N2 de maneira anaeróbia, mediante uma nitrogenase.
Os filamentos da cianobactéria repartem-se entre as células filhas resultantes da mitose de uma célula simbiótica. O tecido glandular contém também células sem filamentos, menores e mais alongadas, formando estruturas ramificadas entre as células com filamentos. Estas células apresentam numerosos amiloplastos, o que indica que podem ter um papel no intercâmbio de metabolitos com a cianobactéria, fundamentalmente de glúcidos.
O tamanho superficial das glândulas varia, dependendo da espécie de Gunnera, entre 2 e 20 mm de diâmetro, sendo típico de cada espécie. A eficiência da fixação de N2 é muito alta, chegando a alcançar em algumas espécies (Gunnera arenaria) os 72 kg ha−1 ano−1, sendo menor nas espécies maiores, que contam com menor número de glândulas por unidade de área. A fixação é maior nas partes jovens da planta, por debaixo do meristema apical, e decresce em direcção à base da planta. O azoto é transferido para o hospedeiro na forma de um aminoácido. Este aporte extraordinário de azoto permite o rápido crescimento das plantas de Gunnera, que mostram uma baixa capacidade de captação dos nitratos do solo.
Na mucilagem produzida pelas glândulas espalhadas pela planta foram encontradas bactérias, fungos (Fusarium, Penicillium e Alternaria), algas e animais microscópicos, mas apenas uma Chlorophyta (alga verde foi encontrada vivendo intracelularmente naquelas estruturas.
A análise das sequências de genes cloroplastidiais e nucleares permitiram resolver com nitidez a filogenia interna do género Gunnera. A espécie basal, e táxon irmão de todas as demais espécies perenes, é a espécie anual sul-americana Gunnera herteri. O ramo seguinte é formado pela espécie africana G. perpensa, que é a irmã de dois clados bem definidos: (1) um formado pela espécie asiática G. macrophylla como irmã das espécies que formam o subgénero Milligania; e (2) outro clado, irmão do anterior, com dois grupos irmãos, os subgéneros Misandra e Panke. Entre este último, as duas espécies hawaianas formam um grupo monofilético irmão das espécies americanas. O seguinte dendrograma ilustra as relações filogenéticas entre as espécies de Gunnera:
Gunnerales |
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O género Gunnera apresenta uma distribuição austral disjunta do tipo relíquia, similar à de outros géneros de plantas, como Nothofagus, e de alguns animais. Esta distribuição é interpretada como tendo resultado da divisão do antigo continente Gondwana, iniciada durante o Jurássico inferior, há cerca de 180 milhões de anos. A existência do género está registada por pólen fóssil (Tricolpites reticulatus) que lhe é atribuído, do Turoniense (Cretácico superior, datado de cerca de 90 milhões de anos atrás) da América do Sul. A divergência estimada de Gunnera e Myrothamnus foi establecida há 115-118 milhões de anos, o que coincide bem com o início da separação da África e América do Sul há cerca de 127-137 milhões de anos.
As gunneráceas são um grupo de Angiospermae que se inclui no clado Eudicotyledoneae, tendo tradicionalmente sido considerado, embora de forma tentativa, próximo da família das Haloragaceae. Com base em dados moleculares e morfológicos, o sistema APWeb (Angiosperm Phylogeny Website)[2] considera que o grupo faz parte da ordem Gunnerales, sendo o grupo irmão das Myrothamnaceae no nível basal das eudicotiledóneas.[3]
Tradicionalmente o género Gunnera era considerado como integrante da família das Haloragaceae, à falta de outro melhor posicionamento, sendo esta integração baseada na presença de flores simples, epíginas e dímeras e na apetência da maioria das suas espécies por habitats húmidos, ainda que fossem muito diferentes em outros aspectos. Em sistemas posteriores, o género foi colocado na sua própria família, as Gunneraceae, em conjuntocom as Haloragaceae, sempre dentro da ordem Myrtales. O sistema Dahlgren, de 1975,[4] moveu a família para as proximidades das Saxifragaceae, enquanto que o sistema de Takhtajan, de 1980,[5] colocou as Gunneraceae numa ordem Gunnerales dentro das Saxifraganae. Por sua vez, o sistema de Cronquist, de 1981,[6] colocou o grupo, em conjunto com as Haloragaceae, numa ordem Haloragales dentro das Rosidae. Apenas o advento dos métodos de análise filogenética molecular permitiu esclarecer a questão do posicionamento deste grupo, fixando-a como uma linhagem basal isolada do clado das rosídeas-cariofilídeas-aasterídeas e irmão das Myrothamnaceae.
O único género que integra a família, o género Gunnera L., 1767, tem como espécie tipo Gunnera perpensa L., 1767. O nome genérico é uma homenagem ao botânico norueguês Johan Ernst Gunnerus. Dada a sua complexidade morfológica, o género está subdividido em seis subgéneros, confirmados mediante sequenciação de ADN, a saber:
As espécies de Gunnera mostram uma moderada tendência para o cruzamento interespecífico. Conhecem-se os seguintes híbridos:
Para além do pólen fóssil Tricolpites reticulatus atrás mencionado, conhece-se pólen fóssil de Gunnera de estratos campanienses (Cretáceo Superior) da Austrália, Nova Zelândia, África e Antárctida, provavelmente derivados dos ancestrais dos subgéneros actuais.
Foi aventada a hipótese de serem atribuído ao grupo um conjunto de pólens fósseis e macro-fósseis de folhas encontrados em estratos do Cretáceo Superior da América do Norte, o que poderia implicar que os ancestrais do subgénero Panke colonizaram a América do Sul e as ilhas do Hawaii a partir daquele continente, para desaparecer depois, o que concorda com a posição basal das espécies hawaianas no subgénero. Nas ilhas do Hawaii o pólen de Gunnera apenas se conhece desde o Pleistoceno, o que indica uma colonização mais recente por dispersão a longa distância.
A partir dos dados paleopolínicos é evidente que o género desapareceu de áreas do Hemisfério Norte onde esteve presente durante o Cretáceo Superior e os inícios do Cenozoico. Mesmo assim, a distribuição de Gunnera macrophylla deve atribuir-se a uma dispersão em direcção ao norte de um componente do biota gondwânico relacionado com as formas neozelandesas.
Todos os factos atrás apontam para que as Gunneraceae devam ser consideradas como uma das famílias mais primitivas das dicotiledóneas nucleares, as eudicotiledóneas (também designadas por tricolpadas).
Os rizomas de Gunnera tinctoria contêm cerca de 9,3% de taninos e as folhas de Gunnera manicata contêm uma alta concentração de elagitaninos. Gunnera perpensa contém o alcaloide celastrina. Nas espécies não cianogenéticas não se encontraram iridoides ou proantocianidinas, mas sim kaempferol, quercetina, falvonóis e ácido elágico.
Os pecíolos de Gunnera tinctoria (nalcas) são usados como alimento humano no sul do Chile e da Argentina, em fresco, como parte de saladas, e também em marmeladas e em licores. Na medicina tradicional, considera-se que os caules (depes) têm propriedades medicinais. As folhas desta espécie (pangues) são usadas para cobrir o curanto e a mella[desambiguação necessária] (pratos tradicionais de Chiloé). Os caules e rizomas são usados localmente para curtir e tingir (de negro) tecidos.
A decoção do rizoma de Gunnera perpensa é usada em medicina tradicional no sul de África para facilitar o parto ou como abortivo pela sua marcada acção sobre a musculatura uterina.
A espécie Gunnera manicata é apreciada como planta ornamental, mas devido à sua capacidade para escapar de cultura e aclimatar-se, competindo vantajosamente com espécies locais, é considerada em muitos países como planta invasora (Austrália e Nova Zelândia). O mesmo ocorre com Gunnera tinctoria na Grã-Bretanha, Irlanda e nos Açores.
A visita às espécies gigantes do subgénero Panke nas ilhas Hawaii é uma atracção turística. As folhas de Gunnera insignis são usadas nas Costa Rica como guarda-sol improvisado.
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