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Logos (cristianismo)
Verbo Da Wikipédia, a enciclopédia livre
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Logos (em grego: Λόγος - "palavra"/"verbo", "discurso" ou "razão"), conhecido em português como Verbo, é um importante conceito na cristologia cristã para estabelecer a doutrina da divindade de Jesus Cristo e sua posição como Deus, o Filho na Trindade, como declarado no Credo Calcedoniano.
O conceito deriva da famosa frase de João: «No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.» (João 1:1) na abertura de seu evangelho (Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος[1]). Em traduções, "Verbo" é geralmente utilizado para Logos (Λόγος), mas em discussões e obras teológicas, o termo não é geralmente traduzido.
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Cristo como sendo o Logos
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Teólogos cristãos geralmente consideram que João 1:1 como o principal texto para sustentar a crença de que Jesus é Deus, considerando a ideia de que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são a mesma essência. Embora seja unicamente neste versículo que Jesus é chamado de "Verbo de Deus", o tema aparece por todo o Evangelho de João em variadas formas.[2]
Embora o título "Logos" seja utilizado diretamente apenas no prólogo do Evangelho segundo João (João 1:1–18), todo este evangelho desenvolve teologicamente esta mesma ideia: Jesus Cristo é o Verbo eterno do Pai, aquele por meio do qual todas as coisas foram criadas (João 1:3), que se fez carne (João 1:14) e habitou entre os homens, revelando a glória de Deus. Neste sentido, Ele é simultaneamente Deus autorrevelado — a Luz que ilumina todo homem (João 1:9) — e a Vida, que comunica a salvação (João 1:4). O texto afirma que o Verbo "estava com Deus" (indicando distinção) e que "era Deus" (indicando identidade). Tal formulação aponta para o mistério da unidade e distinção na Trindade: o Verbo é consubstancial ao Pai — da mesma essência divina —, mas não é o mesmo que o Pai. Essa dinâmica é refletida em declarações de Jesus como:
- «Eu e meu Pai somos um.» (João 10:30)
- «...o Pai é maior do que eu.» (João 14:28)
Assim, o Logos é o próprio Deus que se manifesta na história, agindo na criação, revelando-Se aos homens e oferecendo redenção. Cristo não apenas traz a Palavra de Deus: Ele é a Palavra — eterna, viva e eficaz. A confissão do apóstolo São Tomé — "Meu Senhor e meu Deus!" (João 20,28) — é considerada, na tradição católica, uma das mais diretas afirmações da divindade de Cristo. Esse reconhecimento culmina na proclamação dogmática do Concílio de Niceia (325) e do Concílio de Constantinopla (381), expressa no Credo Niceno-Constantinopolitano, que define o Filho como:
- «Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai...»[3]
O teólogo Stephen L. Harris alega que João teria adaptado o conceito de Fílon de Alexandria sobre o Logos, identificando Jesus como uma encarnação do Logos divino que formou o universo.[4][5]
Salmo 33,6
Entre os diversos versículos da Septuaginta e que adiantam o uso que será feito pelo Novo Testamento está «Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, E pelo sopro da sua boca todo o exército deles.» (Salmos 33:6), que faz referência direta à história da criação em Gênesis.[6] Teófilo de Antioquia faz referência a esta ligação em To Autolycus 1:7.[7] Agostinho de Hipona considerava que, neste versículo, tanto logos ("palavra") quanto pneuma ("sopro") estavam "próximos de serem personificados".[8]
Lucas 1,2
Alguns teólogos enxergam em «como no-los transmitiram os que foram deles testemunhas oculares desde o princípio, e ministros da palavra» (Lucas 1:2) uma primeira referência ao Logos e ao arché ("começo").[9][10]
João 1,1
O Evangelho de João começa com um "Hino ao Verbo" que identifica Jesus como sendo o Logos e este, como sendo Deus. As quatro últimas palavras do versículo (θεὸς ἦν ὁ λόγος - literalmente "Deus era o Logos" ou "o Verbo era Deus") tem, particularmente, sido o tópico de diversos debates no cristianismo. Na frase em grego, tanto o sujeito (Logos) quanto o objeto (Deus) aparecem no caso nominativo e, assim, o complemento é geralmente diferenciado eliminando-se o artigo e colocando-o antes do verbo[11][12]. Gramaticalmente, portanto, a frase poderia ser lida tanto como "o Verbo era Deus" quanto "o Verbo era um deus". Os primeiros manuscritos do Novo Testamento não faziam distinção entre caixa alta e caixa baixa[11], de forma que as crenças já existentes quando foram criados influenciaram a tradução, embora muitos acadêmicos vejam o movimento de "Deus" para o início da sentença como um indicador de uma ênfase mais consistente com "o Verbo era Deus".[13][14][15][16]
I João 1
O tema de João 1:1 - "O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos olhos, o que contemplamos e o que as nossas mãos apalparam, a respeito do Verbo da vida" - seria o tema desenvolvido no primeiro capítulo de I João. Alguns autores notaram que eles compartilham as importantes palavras arché e logos[17]. Outros afirmam que há relação entre a identificação de Jesus com logos em I João 1:1 e João 1:14[18]. Por fim, Smalley afirma que "o primeiro verso em I João 1:1 faz referência ao Logos preexistente e que os três seguintes, ao 'Logos encarnado'"[19].
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Logos como "verbo", "sabedoria" e a linguagem do Antigo Testamento
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Perspectiva
O Novo Testamento faz uso de diversas partes do relato sobre a "Sabedoria" no Antigo Testamento e as aplica a Jesus:
- Assim como a sabedoria, Jesus existia previamente a todas as coisas e estava com Deus[20];
- A linguagem lírica sobre "a sabedoria ser o sopro do poder de Deus, refletindo a glória divina na forma de luz e sendo uma imagem de Deus", parece ser ecoada por I Coríntios 1:17–18 e I Coríntios 1:24–25 (versículos que asssociam a sabedoria divina com o poder), por Hebreus 1:3 ("sendo o resplendor da sua glória"), João 1:9 ("a verdadeira luz que, vinda ao mundo, alumia a todo o homem") e em Colossenses 1:15 ("a imagem do Deus invisível").
- O Novo Testamento aplica a Cristo a linguagem sobre a importância cósmica da sabedoria como agente de Deus na criação do mundo: «Tudo foi feito por ele; e nada do que tem sido feito, foi feito sem ele» (João 1:3)[21]
- Quarto, em face a crucificação de Jesus, Paulo transforma vivamente a noção da inacessibilidade da sabedoria divina em I Coríntios. "A sabedoria de Deus" (I Coríntios 1:21) não é apenas "misteriosa e oculta" (I Coríntios 2:7), mas também, definida pela cruz e sua proclamação, dos "estultos para o sábios do mundo" (I Coríntios 1:18–25)[22].
- Através de suas parábolas e por outros meios, Jesus ensina a sabedoria[23]. Ele é "maior" que Salomão, o sábio do Antigo Testamento e professor por excelência[24].
- O Novo testamento, contudo, não parece ter aplicado a Cristo os temas sobre a "Senhora Sabedoria"[25] e sua beleza radiante. Leão, o Grande (m. 461), porém, lembra de Provérbios 9:1, que retrata o ainda não nascido Jesus no útero de Maria como "A sabedoria edificou a sua casa"[26].
Há, de qualquer maneira, uma clara preferência no Novo Testamento pelo Logos como sendo a palavra dita ou uma afirmação racional, a despeito da disponibilidade desta rica linguagem e conceituação da sabedoria. João prefere falar sobre o "Verbo", um termo que oferece também uma rica complexidade de significados.
O Antigo Testamento deu uma contribuição essencial à mensagem cristológica essencial do Novo Testamento de Cristo como sendo o Logos. O Verbo está com Deus desde o princípio[27], é poderosamente criativo[28] e é a personificação da expressão de Deus[29]. Assim como a sabedoria, a palavra expressa o poder ativo de Deus na criação. A oração de Salomão assume "verbo" e "sabedoria" como agentes idênticos da criação divina: "Deus dos pais e Senhor de misericórdia, tudo criaste com a 'tua palavra'! Com a 'tua sabedoria' formaste o homem para dominar as criaturas que fizeste"[30]. Mesmo assim, o prólogo de João não se inicia afirmando que "No princípio era a 'Sabedoria' e a 'Sabedoria' estava com Deus e a 'Sabedoria' era Deus"[31].
Apesar de, na literatura judaica pré-cristianismo, "sabedoria", "verbo/palavra" e, em todo caso, "espírito" serem "quase formas alternativas de descrever o poder ativo e imanente de Deus"[32], há diversas considerações a serem feitas para entender por que João escolheu Logos ("verbo"/"palavra") e não "sabedoria". Primeiro por que, dado que sophia (grego antigo para "sabedoria") já era personificada como "Senhora Sabedoria"[25], poderia ficar estranho falar desta figura feminina como "encarnando" quando Jesus era um homem. Segundo, no judaísmo helenístico, a lei de Moisés já havia sido igualada com a "sabedoria"[33] e creditada com muitas de suas características[34]. Anunciar, portanto, que a "Sabedoria era Deus e encarnou" poderia parecer sugerir que "a Torá era Deus e encarnou". No espaço de uns poucos anos, os cristãos passariam a identificar o Filho de Deus e Logos com "lei" ou "a Lei"[35]. Mas nem João e nem nenhum outro autor do Novo Testamento o fez. O mais perto disto pode ser encontrado em Gálatas 6:2 ("lei de Cristo") e em Romanos 10:4 (que, em algumas traduções, aparece como "o fim da lei é Cristo"[36]). Para os autores do Novo Testamento, Jesus substitui a Torá e suas qualidades, principalmente a "luz"[37] e a "vida"[38], que agora são atribuídas a Jesus, principalmente em João. Por fim, Paulo, Lucas (especialmente nos Atos dos Apóstolos) e outras testemunhas do Novo Testamento prepararam o caminho para o prólogo de João ao se utilizarem de Logos como significando a revelação de Deus através de Cristo[39].
Tanto na época do Novo Testamento como depois, o "Verbo" joanino apresentou diversas possibilidades cristológicas. Primeiro, a possibilidade de identificação e distinção. Por um lado, palavras procedem de alguém que fala, uma espécia de extensão dele e são, num certo sentido, iguais a ele ("o Verbo era Deus"). Por outro, uma palavra é distinta de quem a profere ("o Verbo estava com Deus"). Portanto, Cristo é identificado com YHWH, mas é diferente dele. Em segundo lugar, Deus proferiu o Verbo Divino já desde o princípio ("desde o princípio") e o Verbo "era" (e não "se tornou") Deus. Neste contexto, "Verbo" inicia a discussão sobre a pré-existência, pessoal e eterna, de Cristo como Logos[40].
Em terceiro lugar, palavras revelam quem as profere. Feliz ou infelizmente, palavras expressam o que está na mente. No Antigo Testamento, "a palavra de Deus" repetidamente denota a revelação de Deus e de sua vontade. O Evangelho de João consegue, assim, passar tranquilamente do linguajar sobre "o Verbo" para se concentrar em «o Deus unigênito que está no seio do Pai, esse o revelou.» (João 1:18) Como Filho de Deus enviado pelo Pai ou o Filho do homem que desceu dos céus de uma forma única e exclusiva, Jesus revela uma sabedoria celeste[40][41].
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Ver também
Referências
- «João 1:1» (em grego). Byblos. Consultado em 1 de junho de 2013
- Como, por ex., em João 6:60, João 7:36, João 8:37–43, João 12:48 e João 19:8
- Frank Stagg, New Testament Theology.
- Harris, Stephen L., Understanding the Bible. Palo Alto: Mayfield. 1985. "John" p. 302-310
- Gênesis 32:6 - τῷ λόγῳ τοῦ κυρίου οἱ οὐρανοὶ ἐστερεώθησαν καὶ τῷ πνεύματι τοῦ στόματος αὐτοῦ πᾶσα ἡ δύναμις αὐτῶν
- Oskar Skarsaune In the shadow of the temple: Jewish influences on early Christianity p342
- Agostinho de Hipona, The Trinity Edmund Hill, John E. Rotelle 1991 p35
- Leon Morris The Gospel according to John 1995 Page 110 - "...quando Lucas fala dos que foram 'testemunhas oculares desde o princípio, e ministros da palavra', é difícil não ficar com a impressão de que "a palavra" seria, para ele, mais do que a doutrina."
- J.W. Wenham, The Elements of New Testament Greek, Cambridge University Press, 1965, p. 35.
- Leon Morris, The Gospel According to John, Eerdmans, 1995, p. 68, ISBN 0-8028-2504-4.
- William Hendriksen, The Gospel of John, The Banner of Truth Trust, 1959, p. 71.
- William D. Mounce, Basics of Biblical Greek, 2nd ed, Zondervan, 2003, pp. 27–28.
- F. F. Bruce, Frederick Fyvie Bruce, The Gospel of John, Eerdmans , 1994, p. 31, ISBN 0-8028-0883-2.
- D. A. Carson, The Gospel According to John, Eerdmans , 1991, p. 117, ISBN 0-8028-3683-6.
- John Painter, Daniel J. Harrington 1, 2, and 3 John 2002 p131
- Dwight Moody Smith First, Second, and Third John 1991 p48
- Stephen S. Smalley 1, 2, 3 John 2008 p25
- Veja também Colossenses 1:16 e Hebreus 1:2
- Veja também Mateus 11:25–27
- Por exemplo em Provérbios 1:20–33, Provérbios 8:1–9 e Sab 8:2.
- Epistolae 31, 2-3
- É importante diferencia entre o significado e a tradução de Logos como elas aparecem nas várias tradições e textos, o que será enfatizado nesta seção com base em G. O'Collins, Christology: A Biblical, Historical, and Systematic Study of Jesus, OUP (1995), pp. 24-41; J.D.G. Dunn, Christology in the Making, SCM Press (1989), pp. 196-207, 230-9.
- J.D.G. Dunn, Christology in the Making, SCM Press (1989), p. 196.
- Pelo menos em um lugar (Isaías 2:3), "verbo"/"palavra" aparece associado com a Torá.
- Como de fato ocorreu em Pastor de Hermas, Similitudines, 8. 3. 2; Justino Mártir, Diálogo com Trypho, 43. 1 e 11. 2.
- Rom 10:4 na Nova Versão Internacional, por exemplo
- Como J.D.G. Dunn, Christology in the Making, SCM Press (1989) pp. 230-9, corretamente argumenta, o contexto para a escolha de João por "verbo" também pode ser encontrado nos livros mais antigos do Novo Testamento e não somente no Antigo ou em outras fontes (como Filon de Alexandria); cf. também A. T. Lincoln, The Gospel According to St John, Continuum (2005), pp.94-8.
- Cf. G. O'Collins, Christology: A Biblical, Historical, and Systematic Study of Jesus, cit., pp. 24-41
- Cf. Dunn, op. cit., pp. xxvi-xxviii.
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