O termo utopia costuma ser utilizado para descrever uma sociedade imaginária que possuiria qualidades altamente desejáveis ou quase perfeitas para os seus cidadãos.
O termo foi, inicialmente, cunhado por Sir Thomas More no livro Utopia, de 1516, que descreveu uma sociedade insular fictícia no sul do Oceano Atlântico, na costa da América do Sul.
O oposto de utopia é distopia, gênero que, a partir da década de 1950, passou a dominar a literatura ficcional, principalmente por causa do impacto da obra: "1984" de George Orwell, publicada em 1949.
O termo utopia também pode denotar experimentos reais que tentaram construir sociedades utópicas.
As utopias literárias costumam priorizar, entre outras coisas, a igualdade, em categorias como economia, governo e justiça, com o método e a estrutura de implementação proposta variando de acordo com a ideologia do autor[1].
A palavra foi criada a partir da justaposição dos termos gregos antigos "οὐ" (prefixo de negação) e "τόπος" (lugar), significando o "não lugar" ou "lugar que não existe". É um termo inicialmente utilizado por Thomas More, que serviu de título para sua principal obra, escrita em latim por volta de 1516.[2] Atualmente, o termo é utilizado estritamente para descrever sociedades inexistentes consideravelmente melhores do que a sociedade contemporânea, não se aplicando a quaisquer sociedades fictícias e, muito menos, a distopias[3][4].
O livro é uma forma de propagandear um projeto humanista de transformação social e representa aspectos capitais do humanismo renascentista. Segundo a versão de vários historiadores, More se fascinou pelas narrações extraordinárias do navegador português Rafael Hitlodeu, que navegara com Américo Vespúcio nas suas últimas viagens e ficara no litoral da América enquanto Vespúcio regressava à Europa. Aí, conhecera múltiplas regiões e visitara uma ilha cuja situação geográfica Rafael não mencionou. O encontro com Thomas More é mediado por Pedro Gilles e dá-se em Antuérpia, onde More se encontra de passagem.
O longo diálogo com Rafael divide-se em duas partes: na primeira parte, More tece duras críticas à sociedade real em que vive, aspirando por uma sociedade perfeita; a segunda parte consta da narração de Rafael da ilha idealizada que conhecera com todos os pormenores. A organização política, social, como se organizavam as famílias, a divisão dos trabalhos, as cidades, a alimentação, a saúde, etc.
Nesta ilha, todos vivem felizes, não desejam mais do que têm, pois cada um tem o que necessita, não mais; praticam as virtudes da temperança e da moderação. Essa ilha imaginária apresenta uma das sociedades 'possíveis', constituída com base na razão humana; trata-se de um verdadeiro exercício mental para resolver um problema que More enuncia do seguinte modo: dado um país no qual se ignorasse por completo tudo o que diz a revelação cristã, mas onde a razão humana pudesse resolver com isenção as questões do bem comum, que soluções se dariam para a organização política e social? A resposta — ou uma resposta — de Tomas More: a Utopia.
Mas há que ter em conta que o pensamento utópico pretende apurar uma racionalidade política, por um lado, e por outro, alimenta-se da imaginação, da fantasia, da fuga para um mundo irreal. A utopia é uma espécie de jogo entre um real que se rejeita e um ideal que se espera e deseja.
Não há nada como um sonho para criar o futuro. Utopia hoje, carne e sangue amanhã." - Victor Hugo;
Um mapa-múndi que não inclui a Utopia nem vale a pena olhar, pois deixa de fora o único país em que a Humanidade está sempre pousando. E quando a Humanidade ali pousa, olha para fora e, vendo um país melhor, se põe vela. O progresso é a realização de utopias. - Oscar Wilde;
Nenhum dos conceitos abstratos chega mais perto de uma utopia realizada do que a da paz eterna. - Theodor W. Adorno;
Acho que sempre há uma parte da utopia em qualquer relacionamento amoroso. - Pedro Almodóvar;
Só em nós mesmos a luz absoluta continua brilhando, um "sigillum falsi et sui, mortis et vitae aeternae" [falso sinal e sinal da vida eterna e da própria morte], e o movimento fantástico para ele começa: para a interpretação externa do devaneio, o manipulação cósmica de um conceito que é utópico em princípio. - Ernst Bloch;
Quando eu morrer, quero morrer em uma utopia que ajudei a construir. - Henry Kuttner;
"A maioria dos dicionários associa a utopia com comunidades ideais, que eles caracterizam como uma realização empírica de uma vida ideal em uma sociedade ideal. Utopias, especialmente utopias sociais, estão associadas à ideia de justiça social - Lukáš Perný[5];
Utopias e outros modelos de governo, baseados no bem público, podem ser inconcebíveis por causa das paixões humanas desordenadas que, sob os governos errados, procuram evidenciar os interesses mal concebidos ou egoístas da comunidade. Mas embora achemos isso impossível, eles são ridículos para os pecadores cujo senso de autodestruição os impede de acreditar - Étienne Cabet no livro: "Viagem à Icária" (1839);
toda organização social depende de algo que não é realizado ou viável, mas tem um ideal que está em algum lugar além do horizonte, um farol do qual ela pode procurar se aproximar se considerar esse ideal socialmente válido e geralmente aceito - Richard Stahel[6].
A República de Platão foi a primeira obra com autoria conhecida que descreve uma utopia. No caso, a obra descreve a implementação de um sistema político defendido por Platão, onde os cidadãos eram separados em diferentes classes socioeconômicas. Essa sociedade seria dirigida pelos cidadãos de ouro, que seriam treinados em um programa educacional rigoroso para serem oligarcas benignos, os "reis-filósofos". A sabedoria desses governantes eliminaria a pobreza e a privação por meio de recursos distribuídos de maneira justa.
O Livro de Apocalipse (século I a.C.) descreve uma nova Terra com Deus no poder, não mais a morte, e uma nova Jerusalém;
A Primavera da Floresta de Pêssego (421), fábula de Tao Yuanming;
A Cidade Virtuosa, de Al-Farabi (874–950). A história de Medina como uma cidade ideal governada por Maomé;[11][12]
O Livro da Cidade de Senhoras (1404), de Cristina de Pisano. O primeiro livro europeu sobre a história das mulheres escrito por uma mulher.[13] Descreve uma cidade utópica constituída por histórias de mulheres;
Utopia (1516), por Thomas More. Descreve uma sociedade utópica onde todos os cidadãos vivem em cooperação. "E, embora ninguém possua coisa alguma, todos são ricos";
Wolfaria (1521), de Johann Eberlin von Günzburg. Uma utopia luterana que pregou castigos severos aos pecadores;[14]
A comunidade de Oceana (1656), de James Harrington. Uma república utópica constitucionalista em que uma distribuição equilibrada das terras permite um governo equilibrado;[20][16]
As aventuras do senhor Gaudêncio de Luca (1737), de Simon Berington;[17]
A vida e aventuras de Peter Wilkins (1751), de Robert Paltock;[17]
Uma ideia geral do colégio de Mirania (1753), de William Smith (pastor episcopal). Descreve um sistema educacional eutópico. É a primeira utopia conhecida publicada nos Estados Unidos;
Uma reivindicação da sociedade natural (1756), de Edmund Burke;[20]
Suplemento à viagem de Bougainville (1772), de Denis Diderot. Inspirado na "Viagem ao redor do mundo", de Louis Antoine de Bougainville. Apresenta a descrição do Taiti como uma utopia que contrasta com a Europa;[25]
Ao ar livre, uma visão social do futuro (1890), de Theodor Hertzka;
Gloriana, ou a revolução de 1900 (1890), de Lady Florence Dixie. A protagonista é uma mulher que se faz passar por um homem, Hector L'estrange, eleito para a Câmara dos Comuns do Reino Unido e conquista, para as mulheres, o sufrágio feminino. O livro termina em 1999 com a descrição de um Reino Unido pacífico e próspero governado por mulheres;[29]
O futuro estado: produção e consumo no estado socialista (1898), de Kārlis Balodis. Ele adotou o pseudônimo Ballod-Atlanticus do livro Nova Atlantis (1627), de Bacon;
NEQUA ou O Problema das Eras (1900), de Jack Adams. Uma ficção científica feminista utópica;
Herland (1915), de Charlotte Perkins Gilman. Uma isolada sociedade de mulheres que se reproduzem assexuadamente estabeleceu um estado ideal que reverencia a educação e é livre de guerra e dominação;
A nova lua: um romance de reconstrução (1918), de Oliver Onions;[31]
As ilhas da sabedoria (1922), de Alexander Moszkowski. Há várias ilhas, e cada uma segue uma escola da filosofia europeia. Uma "ilha do futuro" antecipa telefones celulares, energia nuclear, uma linguagem resumida que elimina longas discussões, e uma mecanização generalizada da vida;
Homens como deuses (1923), de H. G. Wells. Homens e mulheres num universo alternativo sem governo mundial, num perfeito estado de anarquia. "Nossa educação é nosso governo"[32]. Religiões sectárias, assim como política, não existem mais, e floresce a pesquisa científica avançada;
Os Despossuídos (1974), de Ursula K. Le Guin. A história de dois planetas: um muito parecido com o capitalista, materialista e profano Estados Unidos, e o outro uma sociedade não proprietarista e anarquista onde a propriedade privada é desconhecida e as pessoas só consomem os recursos naturais ou produtos manufaturados de que necessitam. Os dois mundos são isolados entre si (como eram os mundos capitalista e comunista na época em que o livro foi escrito). Um médico chamado Shevek visita os dois mundos e os compara a uma estrutura muito similar ao livro Guerra e Paz, de Liev Tolstói;[34]
As cidades invisíveis (1972), de Italo Calvino. Novelapós-moderna em que numerosas histórias de cidades, algumas utópicas e outras não, são contadas a um ficcional Kublai Khan por um ficcional Marco Polo;
Ecotopia: os cadernos e relatórios de William Weston (1975), de Ernest Callenbach. Utopia ecológica em que o noroeste dos Estados Unidos se separa e cria uma nova sociedade;[35]
A abordagem de probabilidade (1980), de L. Neil Smith. Uma utopia anárquica libertária;[37]
Viagem do passado (1982), de James P. Hogan. Uma economia pós-escassez na qual dinheiro e bens materiais não fazem sentido;[38]
Sempre vindo para casa (1985), de Ursula K. Le Guin;
Série A Cultura (1987-2012), de Iain M. Banks. Uma série de novelas que descreve A Cultura, uma multiplanetária e utópica sociedade anarquista;
Borda pacífica (1990), de Kim Stanley Robinson. A história se passa no bairro de El Modena, na cidade de Orange (Califórnia), em 2065, e descreve as transformações entre o final do século XX e o surgimento de uma nova sociedade ecologicamente correta;[39]
Uniorder: Build Yourself Paradise (2014), de Joe Oliver. Manual de instruções para construir a Utopia de Thomas More através do uso de computadores;[41]
Ecotopia 2121: uma visão da nossa futura utopia verde (2016), de Alan Marshall. Um compêndio da transformação utópica de cem cidades reais ao longo do próximo século.
Utopias inter-religiosas descrevem, p. ex., sociedades ideais onde várias culturas vivem em harmonia baseadas em valores comuns.
Historicamente, existem vários exemplos de utopias intrarreligiosas, como as comunidades baseada na fé surgidas na Europa e nos Estados Unidos durante o Segundo Grande Despertar (Shakers; Sociedade da mulher na região selvagem; Ephrata; Sociedade da Harmonia; Comunidade Oneida; Colônias Amana).
Em muitas culturas, existe a lembrança de uma mítica época do passado, em que a vida era mais simples e feliz. Segundo uma teoria da antropologia, tais mitos são uma lembrança do estágio caçador-coletor da humanidade. Exemplos dessas míticas eras são:
Sargent, Lyman Tower (2005). Rüsen, Jörn; Fehr, Michael; Reiger, Thomas W. (eds.). The Necessity of Utopian Thinking: A cross-national perspective. Thinking Utopia: Steps into Other Worlds (Report). New York: Berghahn Books. p. 11.
Pinheiro, Marilia P. Futre. (2006). Utopia and Utopias: a Study on a Literary Genre in Antiquity. In Authors, Authority and Interpreters in the Ancient Novel. Groningen: Barkhuis. (pp. 147–171).
Mahmoudi, Sana; Azizmouhamdi, Fatemeh (November 2013). "A Study of the Concept of Utopia in Hakim Sanai's The Walled Garden of Truth and Thomas More's Utopia". International Journal of Applied Linguistics & English Literature. 2 (6).
Appelbaum, Robert (2013). "Utopia and Utopianism". In Hadfield, Andrew. The Oxford Handbook of English Prose 1500-1640. Oxford: Oxford University Press.
Weinberger, J. (1976). "Science and Rule in Bacon's Utopia: An Introduction to the Reading of the New Atlantis". The American Political Science Review. 70 (3): 865–885.
Boesky, Amy (1995). "Nation, miscegenation: membering utopia in Henry Neville's The Isle of Pines". Texas Studies in Literature and Language. 37: 165–84.
Aviles, Miguel A. Ramiro (2012). "Sinapia, A Political Journal to the Antipodes of Spain". In Aviles, Miguel and Davis, J. C. Utopian Moments: Reading Utopian Texts. London: Bloomsbury Academic.
McDonald, Christie V. (1976). The Reading and Writing of Utopia in Denis Diderot's "Supplement au voyage de Bougainville". Fiction Studies, 3(3): 248-254.
BOOM A Journal of California, "The Boom interview: Kim Stanley Robinson", "Boom" Winter 2013, Vol. 3, No. 4, Interview conducted by Jon Christensen, Jan Goggans, and Ursula K. Heise.