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revista literária portuguesa Da Wikipédia, a enciclopédia livre
Orpheu - Revista Trimestral de Literatura foi um veículo de comunicação publicado em Lisboa em apenas dois números, correspondentes aos primeiros dois trimestres de 1915, sendo o terceiro número cancelado devido a dificuldades de financiamento. Apesar disso, a revista exerceu uma notável e duradoura influência: o seu vanguardismo inspirou movimentos literários subsequentes de renovação da literatura portuguesa.
Malgrado o impacto negativo que Orpheu causou na crítica do seu tempo, a relevância desta revista literária advém de ter, efectivamente, introduzido em Portugal o movimento modernista, associando nesse projecto importantes nomes das letras e das artes, como Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada-Negreiros ou Santa-Rita Pintor, que ficaram conhecidos como geração d'Orpheu.
Em finais de Março de 1915 surgiu o primeiro número da revista Orpheu, propriedade da firma "Orpheu, Lda.", destinada a Portugal e Brasil, com 83 páginas impressas em excelente papel e tipo agradável, tendo como directores Luís de Montalvor (para Portugal) e Ronald de Carvalho (para o Brasil), e como editor o jovem António Ferro. Entre outros, contava com a colaboração de Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e José de Almada Negreiros. Na "Introdução", Luiz de Montalvôr apresentava a orientação estética da revista como "um exilio de temperamentos de arte" baseado num "principio aristocratico" de "harmonia estética", com "desejos de bom gosto e refinados propositos em arte".
A recepção desta revista trimestral de literatura não foi pacífica, bem pelo contrário, desencadeando uma controvérsia que se propagou pela imprensa portuguesa da época, com notícias e críticas de primeira página. Os comentários jocosos ridicularizavam os jovens escritores, apontados como doidos varridos, sobretudo devido aos poemas "16", de Mário de Sá-Carneiro, e "Ode Triunfal", de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa. Em 4 de Abril de 1915, o próprio Pessoa escreveu a Armando Côrtes-Rodrigues,[1] descrevendo o sucesso da revista e o enorme escândalo que provocou:
Duas semanas depois, noutra carta para Armando Côrtes-Rodrigues, Pessoa confirma o êxito da revista:
Aproveitando o escândalo que se gerara com o lançamento da revista[3], Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, que figuram como directores do segundo número, acentuam o seu carácter provocador e contrafactual, revelando nomes como Santa-Rita Pintor, artista plástico "futurista" e Ângelo de Lima, poeta marginal internado no manicómio de Rilhafoles desde 1900.
Fernando Pessoa escreveu ao poeta Camilo Pessanha, então funcionário em Macau, pedindo autorização para publicar poemas dele. Nesta carta, Pessoa assumia já a direcção de Orpheu, descrevendo a revista como se segue:
Em Julho de 1915, Alfredo Guisado e António Ferro anunciaram publicamente o seu afastamento da revista por divergências políticas com Fernando Pessoa, aliás, Álvaro de Campos, e Mário de Sá-Carneiro partiu precipitadamente para Paris. Em 13 de Setembro desse ano, Sá-Carneiro escreveu a Fernando Pessoa, informando que o seu pai não podia continuar o mecenato involuntário da revista, esfumando-se assim o projectado terceiro número de Orpheu.
No ano seguinte ocorreria o trágico suicídio de Mário de Sá-Carneiro, em Paris, e Santa-Rita Pintor, que colaborou com quatro hors-texte no segundo número da revista, morreria também, assim como o pintor Amadeu de Souza-Cardoso, de quem Fernando Pessoa chegou a pensar inserir trabalhos no terceiro número de Orpheu.
A "publicação eventual" Portugal Futurista, dirigida por Carlos Filipe Porfírio, continuou a tradição vanguardista e provocadora de Orpheu, com trabalhos dos seus colaboradores, designadamente Raul Leal, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, Almada Negreiros e Santa-Rita Pintor, bem como de Amadeu de Souza-Cardoso. Para alguns críticos, o único número de Portugal Futurista, publicado em Novembro de 1917 e apreendido de seguida, foi o herdeiro de Orpheu e o seu real terceiro número.
Orpheu marcou a história da literatura portuguesa do século XX, sendo considerada o marco inicial do Modernismo em Portugal, e os seus protagonistas ficaram conhecidos como "Geração d'Orpheu". Apenas doze anos depois, a importância desta publicação começaria a ser reconhecida pela "segunda geração modernista" nas páginas da revista Presença, publicada em Coimbra de 1927 a 1940, a qual contou também com grandes nomes da literatura portuguesa, como José Régio, Miguel Torga e Vitorino Nemésio.
Contribuíram para o primeiro número de Orpheu Luís de Montalvor, Ronald de Carvalho, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Alfredo Pedro Guisado, Almada Negreiros, Armando Côrtes-Rodrigues e José Pacheko, que desenhou a capa e foi responsável pela direcção gráfica. O nome do jovem António Ferro consta também neste primeiro número da revista como editor.
No final da introdução a esta primeira edição, assinada pelo seu director Luís de Montalvor, o grupo manifesta o propósito de ir ao encontro de alguns "desejos de bom gosto e refinados propósitos em arte que isoladamente vivem para aí", convictos de que a revista, pelo seu carácter inovador, revela um sinal de vida no ambiente literário português, manifestando esperança na adesão do "público leitor de selecção" a este projecto literário.
Se, nesses leitores de "selecção", o primeiro número da revista encontrou "contentamento e carinho", no público em geral causou escândalo e polémica. A revista abalou decididamente o meio literário português pela ousadia e vanguardismo de alguns dos seus textos. Foi, sem dúvida, um sinal de vida que rompeu com as tradições literárias e significou o advento do Modernismo em Portugal.
O segundo número da revista, sob a direcção de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, inclui textos de Ângelo de Lima, Mário de Sá-Carneiro, Raul Leal, Violante de Cysneiros, Luís de Montalvor, Fernando Pessoa e Álvaro de Campos. Esta edição contou também com a colaboração plástica do "futurista Santa-Rita Pintor", de quem são reproduzidos 4 trabalhos:
O número 2 da revista trimestral de literatura anunciava que: "O 3º número de ORPHEU será publicado em Outubro, com atraso dum mês, portanto — para que a sua acção não seja prejudicada pela época morta".
A partida precipitada de Mário de Sá-Carneiro para Paris, em Julho de 1915, não interrompeu o projecto da revista. Ele e Fernando Pessoa continuaram a trabalhar para a publicação, chegando a ter planeado um sumário para o terceiro número, de acordo com uma carta de Sá-Carneiro para Pessoa, de 31 de Agosto de 1915.[4] Contudo, a recusa do pai de Sá-Carneiro em continuar o seu mecenato involuntário da revista, obrigou-o a desistir da publicação:
Claro que é devida a um momento de exaltação. No entretanto, cheia de razões pela conta exorbitante que eu obrigo o meu Pai a pagar — o meu Pai foi para África por não ter dinheiro e que lá não ganha sequer para as despesas normais, quase. Compreende que seria abusar demais, seria exceder a medida mais generosa depois duma conta tipográfica de 560 000 réis, depois da minha fugida para aqui — voltar daqui a três ou quatro meses a pedir-lhe para saldar uma conta de 30 ou 40 000 réis — na melhor das hipóteses — do n.º 3 do Orfeu — feito ainda sob a minha responsabilidade (mesmo que eu estivesse certo de tirar toda a despesa) seria na verdade mostrar demais a minha insubordinação."
Apesar do suicídio de Sá-Carneiro em Paris, a 26 de Abril de 1916, Fernando Pessoa não desistiu do terceiro número de Orpheu. A 4 de Setembro desse ano, escreveu a Côrtes-Rodrigues que a revista deveria sair ainda nesse mês:
Contudo, os poemas de Camilo Pessanha não foram publicados na revista Orpheu, mas sim na revista Centauro (incluindo os que Pessoa tinha em mente para Orpheu 3), para a qual, aliás, Fernando Pessoa também contribuiu com o poema "Passos da Cruz". Com efeito, o número único da revista Centauro, publicado em Outubro de 1916, constitui uma espécie de continuação do primeiro número da revista Orpheu, na linha Decadentista de Luís de Montalvôr, também editor desta revista.
Mais tarde, em 11 de Julho do ano seguinte, Fernando Pessoa escreveu a José Pacheco, arquitecto e responsável gráfico de Orpheu, pedindo ao amigo:
A publicação do sempre adiado Orpheu 3 seria anunciada, mais uma vez, numa nota do Ultimatum de Álvaro de Campos, edição em separata da revista Portugal Futurista, publicada em 1917: 'Saudação a Walt Whitman' (in Orpheu 3 a aparecer em Outubro 1917)".
A verdade, porém, é que a capa não foi impressa e apenas chegaram até nós as provas de página, embora muito diferentes do sumário inicialmente idealizada por Pessoa e Sá-Carneiro, em Agosto de 1915. Ficaram também excluídos os dois poemas ingleses, "muito indecentes, e, portanto, impublicáveis em Inglaterra", que Pessoa pretendia inserir no "Orpheu 3" em 1916. Estes poemas foram, aliás, publicados separadamente em Lisboa, pelo escritor, em 1918: Antinous[5] e 35 Sonnets.[6]
Mais tarde, em 31 de Janeiro de 1928, Fernando Pessoa revelava a José Régio, um dos editores da revista coimbrã Presença que pretendia publicar um poema inédito de Mário de Sá-Carneiro, pois pouco havia já de inédito do seu malogrado amigo:
Em 6 de Junho de 1931, numa carta para João Gaspar Simões, outro editor da revista Presença, Fernando Pessoa confirma a informação prestada três anos antes a José Régio, acerca das "Sete Canções do Declínio": "Desconta-se, claro está, a publicação no Orpheu 3 que nunca saiu, mas de que foram impressas algumas folhas".[7]
Em Novembro de 1935 foi publicado o terceiro número da revista Sudoeste, dirigida por Almada Negreiros, edição evocativa do vingésimo aniversário de Orpheu que incluía contribuições de quase todos os colaboradores dos dois números publicados da revista trimestral de literatura. A edição abre com o pequeno texto "Nós os de 'Orpheu'", de Fernando Pessoa, que termina com a frase "Orpheu Acabou. Orpheu continua". Este número da revista Sudoeste anuncia também "Brevemente 'ORPHEU 3'". Contudo, Fernando Pessoa faleceu em 30 de Novembro de 1935, pelo que o Orpheu 3 ficou, mais uma vez, adiado sine die.
O terceiro número da revista Orpheu (provas de página) apenas seria publicado em 1983.[8]
Dada a impossibilidade de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro publicarrm o terceiro número de Orpheu, Santa-Rita Pintor, pretendia dar continuidade à publicação, mas os directores da revista não o levaram a sério. Em carta para o Pintor, Pessoa escreveu em 21 de Setembro de 1915:
Em carta para Fernando Pessoa, a 25 de Setembro de 1915, Mário de Sá-Carneiro confirmava a ideia do amigo sobre a imortalidade da revista: "Você tem mil razões: O Orfeu não acabou. De qualquer maneira, em qualquer 'tempo' há-de continuar. O que é preciso é termos 'vontade'."[10]
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