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sétimo livro da Bíblia, composto de 21 capítulos Da Wikipédia, a enciclopédia livre
O Livro dos Juízes (em hebraico: ספר שופטים, Sefer Shoftim) é o sétimo livro da Bíblia hebraica e do Antigo Testamento da Bíblia cristã. Ele narra a história dos juízes bíblicos, os líderes inspirados cujo conhecimento direto de Javé permitiu-lhes agir como campeões dos israelitas contra a opressão de monarcas estrangeiros e como modelos do comportamento sábio e fiel requerido deles por Javé depois do êxodo do Egito e da conquista de Canaã[1]. As histórias seguem um padrão consistente por todo o livro: o povo se mostra infiel a Javé, que, por isso, os entrega na mãos de seus inimigos; o povo se arrepende e implora misericórdia a Javé, que lhes envia um líder ou campeão ("juiz"); o juiz liberta os israelitas da opressão e eles prosperam, mas logo caem novamente na falta de fé e o ciclo se repete[2]. Estudiosos consideram que muitas das histórias em Juízes são as mais antigas da história deuteronômica com uma grande redação no século VIII a.C.; alguns trechos, como o "Cântico de Débora", são muito mais antigos e podem ser de uma época próxima à que o livro relata[3][4].
Juízes pode ser dividido em três grandes seções: um prólogo duplo (1:1 a 3:6), um corpo principal (3:7 a 16:31) e um duplo epílogo (caps. 17 a 21)[5].
O livro começa com os israelitas na terra que Deus havia lhes prometido, mas adorando "deuses estrangeiros" ao invés de Javé, o Deus de Israel, e com os cananeus ainda presentes por toda parte, uma desobediência à ordem de herem ("banimento")[6]. Juízes 1:1 a Juízes 2:5 são uma confissão do fracasso e o trecho daí até Juízes 3:6, um grande sumário e uma reflexão dos deuteronomistas[7].
Desta forma, a abertura do livro já estabelece o padrão que as demais histórias no corpo do texto seguirão[5]:
Com a paz recuperada, Israel por um tempo vive fielmente e recebe as bênçãos de Javé, mas acaba recaindo novamente nos mesmos erros, repetindo o padrão citado acima.
Juízes está colocado depois do Livro de Josué e começa com uma referência à morte de Josué (Josué 24:29 e Juízes 1:1). A morte dele pode ser considerada como um marco dividindo o período de conquistas e o período de ocupação, sendo este último o foco do Livro dos Juízes.[8] Os israelitas se encontram, provavelmente no santuário em Gilgal[8] ou em Siquém (Josué 24:1–33), e perguntam a Deus quem deverá ser o primeiro (no tempo e não em status) a assegurar-lhes o território que irão ocupar.
Em seguida segue o texto principal (3:11 a 16:31) composto por seis relatos distintos, cada um destacando um "juiz maior" e sua luta contra reis opressivos de nações vizinhas, mais a história de Abimeleque, um israelita que oprime seu próprio povo. O padrão cíclico apresentado no prólogo é imediatamente aparente, mas, conforme as histórias avançam , ele começa a se desintegrar, espelhando a desintegração do mundo dos israelitas[5]. É recorrente a afirmação de que houve um período de paz depois de cada juiz. As histórias não são apresentadas em ordem cronológica[9][lower-alpha 1] e os juízes, na ordem em que aparecem, são:
Há também notas sobre seis "juízes menores": Sangar (Juízes 13:31), Tola e Jair (Juízes 10:1–5), Ibsã, Elom e Abdão (Juízes 12:8–15)[11]. Alguns estudiosos afirmam que os juízes menores eram juízes de direito de fato enquanto que os juízes maiores eram líderes que não participavam de julgamentos legais[12]. O único caso no qual um juiz maior de fato julgou uma matéria legal foi em Juízes 4:4 no caso de Débora[13].
No final do livro, os israelitas estão em condição pior do que a do começo, com os tesouros de Javé sendo utilizados para criar ídolos, os levitas corrompidos, a tribo de Dã conquistando uma vila remota ao invés de uma das cidades cananeias e as tribos de Israel em guerra contra a tribo de Benjamim, irmã delas[14]. O livro conclui com dois apêndices (caps. 17 a 21), histórias que não tratam de nenhum juiz especificamente[15]:
Apesar de sua aparição no final do livro, certos personagens, como Jônatas, o neto de Moisés), e idiomas presentes no epílogo revelam que os eventos mostrados ali "devem ter ocorrido...logo no início do período dos juízes"[16].
A fonte básica para Juízes foi uma coleção de história pouco relacionadas entre si sobre heróis tribais que salvaram o povo em combate[17]. Este "livro dos salvadores" original continha as histórias de Eúde, Jael e parte de Gideão, já havia sido ampliado e transformado em "guerras de Javé" antes de receber uma revisão final deuteronomista[18]. No século XX, a primeira parte do prólogo (1:1 até 2:5) e as duas partes do epílogo (caps. 17 a 21) eram geralmente vistas como coleções disparates de fragmentos anexadas ao texto principal e a segunda parte do prólogo (2:6 a 3:6), como uma introdução composta expressamente para o livro dos Juízes. Mais recentemente, este ponto de vista tem sido desafiado e há um crescente consenso em aceitar que Juízes foi obra de um único indivíduo que trabalhou cuidadosamente selecionando, re-escrevendo e posicionando suas fontes para introduzir e concluir seus temas de interesse de forma adequada[19].
Uma afirmação repetida por todo o livro, "Naqueles dias não havia rei em Israel" (Juízes 17:6, Juízes 18:1, Juízes 19:1 e Juízes 21:25) implica numa data já no período monárquico para a edição final de Juízes[20]. Em duas ocasiões esta frase está acompanhada de "cada qual fazia o que bem lhe parecia", o que permite supor que o redator era favorável à monarquia (17:6 e 21:25). Finalmente, o epílogo, no qual a Tribo de Judá recebe um papel de liderança, implica que esta redação ocorreu em Judá[21].
Desde a segunda metade do século XX, a maior parte dos estudiosos concorda com a tese de Martin Noth de que os livros Deuteronômio, Josué, Juízes, Samuel e Reis são parte de uma única obra, conhecida como história deuteronômica[22]. Noth afirmou que a história foi escrita no começo do período do exílio (século VI a.C.) para demonstrar como a história de Israel transcorreu de acordo com a teologia expressa no Deuteronômio (daí o nome)[23]. Ele acreditava que ela era obra de um único autor, também do século VI a.C., que selecionou, editou e compôs a partir de fontes mais antigas para produzir uma obra coerente[24]. Frank Moore Cross posteriormente propôs que uma versão mais antiga da história foi composta na época de Josias (final do século VII a.C.), conhecida como "Dtr1", que foi depois revisada e ampliada para criar uma segunda edição, a que foi identificada por Noth e batizada por Cross de "Dtr2"[25].
Atualmente, os estudiosos concordam que a "mão" do deuteronomista é visível em Juízes através de sua composição cíclica. Eles também sugerem que os deuteronomistas também incluíram os comentários humorísticos (e, por vezes, disparatados) encontrados na obra, como é o caso da história da Tribo de Efraim, que não conseguia pronunciar a palavra "xibolete" (shibboleth) corretamente em Juízes 12:5–6[26].
A essência da teologia deuteronômica é que Israel entrou numa aliança (um tratado) com Javé, o Deus de Israel, sob a qual os israelitas concordaram em aceitá-lo como seu deus e Javé lhes promete uma terra na qual poderão viver em paz e prosperidade. O Deuteronômio contém as leis sob quais Israel está obrigado a viver na Terra Prometida, o livro de Josué relata a conquista de Canaã, a terra prometida, e sua distribuição por sorteio entre as tribos, Juízes descreve o povoamento da terra, Samuel relata a consolidação do território sob o rei David e Reis relata a destruição da monarquia e perda do território[27]. A tragédia final descrita em Reis é o resultado do fracasso de Israel em manter sua parte na aliança: fé em Javé leva ao sucesso, político, econômico e militar, mas a apostasia leva à derrota e à opressão[28]. Este é o tema principal de Juízes.
Outros temas também estão presentes: a "liberdade soberana de Javé" (Deus nem sempre faz o que se espera d'Ele), a sátira dos reis estrangeiros (que consistentemente subestimam Israel e Javé), o conceito de "agente falho" (os juízes que não são adequados para a tarefa diante deles) e a desunião entre os próprios israelitas (que aumenta conforme a história avança)[29].
Mas Juízes é também intrigante pelos temas que não estão presentes: a Arca da Aliança, que recebe tanta importância nas histórias de Moisés e Josué, está praticamente ausente (ela é citada de passagem em Juízes 20:27), a cooperação entre as várias tribos é limitada e não há menção alguma a um santuário centralizado de adoração; sobre o sumo-sacerdote, há apenas uma menção a Fineias, filho de Eleazar e neto de Aarão, também de passagem, em Juízes 20:28[30].
Embora Juízes provavelmente tenha sofrido uma edição monarquista, o livro contém passagens e cita temas que representam visões antimonarquistas. Um dos principais temas é a soberania de Javé e a importância de ser fiel a Ele e às suas leis acima de todos os demais deuses e soberanos. De fato, a autoridade dos juízes não se realiza através de dinastias famosas e nem através de eleições ou nomeações, mas sim pelo espírito de Deus[31]. A teologia antimonarquista é mais aparente no final do cilo de Gideão, no qual os israelitas imploram para que ele crie uma monarquia dinástica, mas Gideão recusa[32]. Pelo resto da vida de Gideão, Israel vive em paz, mas, depois de sua morte, seu filho Abimeleque assumiu o governo de Siquém como um tirano, responsável por muito derramamento de sangue (caps. 8 e 9). Porém, os capítulos finais de Juízes (especificamente as histórias de Sansão, do Ídolo de Miqueias e da Batalha de Gibeá) reforçam a violência e anarquia de um governo descentralizado[33].
Juízes é notável pela quantidade de personagens femininas que "realizam papéis importantes, ativos e passivos, nas narrativas"[13]. Nas palavras do rabino Joseph Telushkin:
“ | A maioria das grandes mulheres da Bíblia ou são casadas com um grande homem ou são parentes de um. [...] Uma rara exceção a esta tradição é a profetiza e juíza Débora, provavelmente a maior figura feminina da Bíblia. Débora se destaca unicamente por conta de seus méritos. A única coisa que sabemos sobre sua vida pessoal é o nome de seu marido, Lapidote[34] | ” |
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