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O Livro de Esdras (em hebraico: עֶזְרָא, Ezra) é um dos livros da terceira divisão da Bíblia hebraica (Ketuvim). No caso da Bíblia cristã, é o décimo-quinto livro do Antigo Testamento e é tratado como um dos livros históricos, posicionado entre II Crônicas e o Livro de Neemias. Originalmente combinado com Neemias num único livro (Esdras-Neemias), os dois foram separados nos primeiros séculos da era cristã.[1] O tema é o retorno a Sião depois do cativeiro na Babilônia e o livro está dividido em duas partes, a primeira contando a história do primeiro retorno dos exilados, do primeiro ano de Ciro, o Grande (538 a.C.) até a finalização e de dedicação do novo Templo de Jerusalém no sexto ano de Dario I (515 a.C.); a segunda contando a missão subsequente de Esdras a Jerusalém e sua luta para purificar os judeus do que o livro chama de "pecado do casamento com não-judeus". Juntamente com o Livro de Neemias, representa o capítulo final na narrativa histórica da Bíblia hebraica.[2]
Esdras foi escrito para se encaixar no padrão esquemático no qual o Deus de Israel inspira um rei da Pérsia a nomear um líder da comunidade judaica para realizar uma missão; três líderes sucessivos realizam três destas missões: a primeira é reconstruir o Templo, a segunda, purificar a comunidade judaica e a terceira, selar a cidade sagrada de Jerusalém reconstruindo a sua muralha (esta última missão, liderada por Neemias, não está no livro de Esdras). O programa teológico do livro explica os muitos problemas em sua cronologia.[3] A primeira versão do livro provavelmente apareceu por volta de 399 a.C. e o livro continuou a ser revisado e editado por muitos séculos até ser aceito como parte do cânone bíblico no início da era cristã.[4]
O Livro de Esdras está dividido em dez capítulos. Os seis primeiros, cobrindo o período que vai de Ciro, o Grande, até a dedicação do Segundo Templo, estão escritos em terceira pessoa. Os quatro capítulos seguintes, que tratam da missão de purificação de Esdras, estão escritos principalmente na primeira pessoa. O livro contém diversos documentos apresentados como inclusões históricas, escritos em aramaico, num texto em hebraico (1:2-4, 4:8-16, 4:17-22, 5:7-17, 6:3-5, 6:6-12, 7:12-26).[5]
A. Capítulos 1 a 6 (documentos em itálico)
B. Capítulos 7 a 10
Os mais antigos textos da Bíblia tratam o conjunto Esdras e Neemias como um único livro, Esdras-Neemias. Ele foi dividido em duas obras por volta do século III pelo estudioso cristão Orígenes e a separação foi adotada pelas Bíblias cristãs na tradição da Europa ocidental quando Jerônimo a adotou para sua tradução da Bíblia para o latim, a Vulgata.[1] Foi somente durante a Idade Média que os dois livros foram separados também na Bíblia hebraica.[6]
I Esdras, conhecido também como "Esdras α", é uma versão alternativa em grego koiné do livro de Esdras. Este texto têm uma seção adicional (e mudanças relacionadas) no meio do capítulo 4. Esta adição organiza o texto numa estrutura quiástica e mitiga o problema textual sobre a identidade do rei Assuero em Esdras 4:6. Embora o contexto seja substancialmente o mesmo, os versículos são numerados de forma diferente em I Esdras.
O conteúdo de Esdras-Neemias está estruturado numa ordem teológica e não cronológica: "O Templo precisa vir primeiro, depois a purificação da comunidade, a construção da muralha externa da cidade e só então se poderia chegar ao grande clímax na leitura pública da lei".[7]
A "trama" segue um padrão repetitivo no qual o Deus de Israel inspira um rei da Pérsia a encomendar a um líder judaico (Zorobabel, Esdras, Neemias) a realizar uma missão; o líder completa sua missão apesar das dificuldades; e o sucesso é marcado por uma grande reunião dos israelitas.[8] As tarefas dos três líderes são progressivas e alinhadas à narrativa teológica: o Templo é restaurado por Zorobabel, a comunidade é purificada por Esdras e finalmente a muralha é construída por Neemias.[9] O padrão se completa num trecho final no qual Neemias restaura a crença em Javé.[10]
Esta preocupação teológica sem o cuidado, no sentido moderno, com o relato factual dos eventos na ordem em que aconteceram explica os problemas em se utilizar Esdras e Neemias como fontes históricas.[11]
Visões sobre a composição de Esdras do século XX giravam à volta da questão de se o autor era o próprio Esdras (que pode também ser autor dos Livros de Crônicas) ou outro autor (ou autores).[12] Em tempos mais recentes, tem se reconhecido cada vez mais que Esdras, Neemias e Crônicas contam histórias extremamente complexas que passaram por muitas edições.[13] Por isso, a maioria dos estudiosos reluta em assumir uma composição única ligada a uma única teologia e a um único ponto de vista.[14] Como um indicativo das muitas camadas de edição em Esdras, um estudo recente descobriu que Esdras 1-6 e Esdras 9-10 eram originalmente documentos distintos que só foram anexados num estágio final de composição pelos autores de Esdras 7-8 e a composição final ainda passou por grandes edições posteriores.[15]
A maior parte dos estudiosos datam a obra no século IV a.C.[16] Os eventos descritos em Esdras-Neemias são principalmente relacionados ao século V a.C. e a menção ao reinado de Dario II (423-405) em Neemias 12:22 reforça a tese de uma data no início do século IV a.C. para a compilação e finalização da obra.[16] Outros detalhes do final do século IV não são citados.[16]
É geralmente aceito também que a o livro continuou sendo editado até o período helenístico.[4] A questão de quando o coração do livro se originou depende, em primeiro lugar, das datas atribuídas ao próprio Esdras (assumindo tratar-se de uma pessoa histórica real). A única pista disto está em Esdras 7:7–8, que informa que Esdras chegou em Jerusalém "no sétimo ano de Artaxerxes". Infelizmente há três reis com este nome e o texto não especifica qual deles. A data tradicional — ainda hoje a candidata mais popular — é 458 a.C., com base assunção de que o rei é Artaxerxes I. Uma data de 398 a.C., baseada na possibilidade de que o rei tenha sido Artaxerxes II, já foi popular, mas foi praticamente refutada por estudos modernos. Uma data de 428 a.C., baseada numa tese de que o "sétimo" ano de Artaxerxes seja um erro para "trigésimo-sétimo" ano vem perdendo espaço por ser baseada inteiramente numa conjectura.[17]
No início do século VI a.C., o Reino de Judá se revoltou contra o Império Neobabilônico e foi destruído. Como resultado, a corte real, os sacerdotes, os profetas e os escribas foram exilados na cidade de Babilônia. Durante o cativeiro, uma profunda revolução intelectual ocorreu e os exilados passaram a culpar seu destino na desobediência a Javé, o Deus de Israel, e a desejar um futuro no qual um povo purificado receberia permissão para voltar para Jerusalém para reconstruir um Templo. Neste mesmo período, o Império Persa experimentou uma rápida expansão, passando de um reino pouco importante baseado na região sul do moderno Irã, para uma potência relevante até que finalmente, em 538 a.C., Ciro, o Grande, conquistou a Babilônia.[18]
É difícil descrever o contexto político dos judeus nesta época por causa da ausência de fontes históricas, mas é possível que tenham existido três grupos importantes: os judeus que retornaram do exílio e queriam reconstruir o templo com a ajuda de Ciro, os "adversários de Judá e Benjamim" e um terceiro grupo, o "povo da terra", que aparentemente eram os que ficaram em Jerusalém durante o período no exílio e eram contra a reconstrução do Templo.
A tabela seguinte resume os principais eventos na região durante o período de tempo coberto pelo Livro de Esdras:
Rei da Pérsia[19] | Reinado (a.C.) | Eventos principais[20] | Correlação com Esdras-Neemias[21] |
---|---|---|---|
Ciro, o Grande | 550[?]–530 | 539 a.C. Queda da Babilônia | Judeus recebem permissão para reconstruírem o Templo e retorno do primeiro grupo de exilados a Jerusalém (possivelmente 538, pois Babilônia caiu em outubro de 539) |
Cambises | 530–522 | 525 Conquista do Egito | |
Dario I | 522–486 | Conquista o trono em 520-519 depois de derrotar vários rivais; invasão punitiva da Grécia termina em fracasso | 515 Templo reconstruído |
Xerxes | 486–465 | Tentativa fracassada de conquistar a Grécia; começo do conflito com os gregos pelo controle do Mediterrâneo oriental | |
Artaxerxes I | 465–424 | 460–456 Supressão de uma revolta apoiada pelos gregos no Egito 449 Revolta de Megabizo, sátrapa do território que incluía a Judeia |
Atualmente, o período mais aceito para a chegada de Esdras "no sétimo ano de Artaxerxes" Segundo retorno dos exilados a Jerusalém (em 458, se o rei é Artaxerxes I, ou 428, se o ano é lido como sendo trigésimo-sétimo ao invés de sétimo) 445–433 Missão de Neemias (retorna antes da morte de Artaxerxes) |
Dario II | 423–404 | ||
Artaxerxes II | 404–358 | 401 Egito reconquista sua independência | Período alternativo para a chegada de Esdras e o segundo retorno dos exilados a Jerusalém (em 398 se o rei é Artaxerxes II) |
Artaxerxes III | 358–338 | Egito reconquistado | |
Dario III | 336–330 | Império Persa conquistado por Alexandre, o Grande |
Sete supostos decretos ou cartas de reis persas, de e para altos oficiais, são citados em Esdras. Sua autenticidade tem sido motivo de disputas; enquanto alguns estudiosos os aceitam na forma atual, a maioria aceita apenas partes deles como sendo genuínas; alguns os rejeitam inteiramente. L.L. Grabbe aplicou seis testes nos documentos (comparação com textos persas conhecidos, detalhes linguísticos, conteúdo, presença de teologia judaica, atitude persa em relação às religiões locais e fórmulas utilizadas nas cartas persas) e concluiu que todos os documentos são obras posteriores ao período persa e possíveis falsificações, mas há algumas características que sugerem que correspondências persas genuínas podem ter estado por trás de algumas delas.[22]
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