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O quíchua[1][2] (qhichwa simi ou runa simi), também chamado de quechua ou quéchua,[1] é uma importante família de línguas indígenas da América do Sul, ainda hoje falada por cerca de dez milhões de pessoas de diversos grupos étnicos da Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru ao longo dos Andes. Possui vários dialetos inteligíveis entre si. É uma das línguas oficiais de Bolívia, Peru e Equador.
Quechua Qhichwa simi / Runa simi | ||
---|---|---|
Pronúncia: | [ˈqʰeʃ.wa ˈsi.mi] / [ˈɾu.nɑ ˈsi.mi] | |
Falado(a) em: | Peru, Bolívia, Equador, Chile, Colômbia, Argentina | |
Região: | Andes, Amazônia | |
Total de falantes: | 7,3milhões | |
Posição: | 65 | |
Família: | Americana Quechua | |
Escrita: | Alfabeto latino (variante Quíchua) | |
Estatuto oficial | ||
Língua oficial de: | Bolívia, Peru | |
Códigos de língua | ||
ISO 639-1: | qu | |
ISO 639-2: | que | |
ISO 639-3: | que — [[]]
| |
O quíchua era falado na região central dos Andes antes da formação do Império Inca, o qual adotou-a como oficial da administração. Ainda é falado hoje, na forma de vários dialetos, sendo o idioma nativo mais falado na América do Sul. Sua influência distribui-se no Peru, centro e sudoeste da Bolívia, sul da Colômbia e do Equador, norte da Argentina e norte do Chile.
Desde bem antes da ascensão do Império Inca, no século XV, os diversos dialetos quíchuas eram largamente disseminados na região. Os incas adotaram oficialmente o dialeto dito "clássico" ou do sul. Com a expansão do império por conquistas, esse dialeto se tornou a língua franca do Peru pré-Colombiano, mantendo essa condição mesmo depois da conquista pela Espanha no século XVI.
Antes da chegada dos espanhóis e da introdução do alfabeto latino, a língua Quéchua não tinha forma escrita. As informações numéricas eram registradas pelos incas por meio de quipos (cordões coloridos de lã com diversos nós). Os registros escritos mais antigos do quíchua são do frei Domingo de Santo Tomás, chegado ao Peru em 1538, que aprendeu o idioma desde 1540, publicando sua Grammatica o arte de la lengua general de los indios de los reynos del Perú em 1560.
Muitos consideram o quíchua como uma língua do grupo quechumaran, junto com a língua aimará, principalmente pelo fato de ambas línguas terem muitas palavras em comum. Essa proposta apresenta controvérsias, pois, se os cognatos são bem próximos (mais próximos até que cognatos "intraquéchuas"), o sistema de afixos é bem diferente. As similaridades podem se dever mais ao contato entre os falantes das duas línguas do que a origem comum. O quíchua foi espalhado para mais além das fronteiras do Império Inca pela Igreja Católica, que a escolheu para sua pregação entre os índios. Onde os povos quíchua e aimará convivem, os falantes do espanhol dão preferência aos termos quíchuas. Na Bolívia, no sul rural, há inclusive palavras quíchuas que são usadas mesmo pelos que falam só aimará, como wawa ("criança"), michi ("gato"), wasca ("barbante", ou "puxar com força").
Hoje, o quíchua é língua oficial no Peru e na Bolívia, junto com o espanhol e o aimará. A maior dificuldade para o uso mais corrente e ensino do quíchua é a falta de material escrito na língua, tais como jornais, livros, revistas, softwares etc. As modernas tecnologias de informática vêm dificultando mais ainda o uso do idioma. Tanto o quíchua como o aimará e as demais línguas indígenas da América sobrevivem apenas na linguagem oral.
Vários vocábulos originais da língua entraram nas línguas modernas através do espanhol, tais como coca, condor, guano, gaúcho, inca, lhama, pampa, batata (esta de papa para papata e patata), puma, vicunha, Chaco, mate, guampa, chácara[3] etc.
O idioma quíchua se distribui conforme os dialetos a seguir:
Essa classificação tradicional é uma guia útil, embora mais recentemente haja que a conteste devido ao aparecimento de outras formas de falar quíchua que parecem ser intermediárias às acima listadas.
O número de falantes varia segundo a fonte. Os números mais confiáveis vêm dos censos do Peru (1993) e Bolívia (2001), embora provavelmente sejam subavaliados, por falta de mais dados. Por exemplo, o último censo do Equador (2001) registrou 500 mil falantes para o quíchua e o kichwa juntos, enquanto que há fontes que dão conta de 1,5 a 2,2 milhões de falantes.
Pode haver, além disso, algumas centenas ou mesmo milhares de falantes do quíchua fora da área tradicional, em comunidades imigrantes.
As descrições a seguir valem para o dialeto qusqu-qullaw, de Cusco, havendo grandes diferenças nos outros dialetos.
O quíchua possui apenas três vogais: /a/ /i/ /u/, tal como o aimará. Falantes monolíngues pronunciam-nas como [æ] [ɪ] e [ʊ], embora possam ser usadas as vogais /a/ /i/ e /u/ do espanhol. Quando junto a vogais uvulares como /q/, /qʼ/ e /qʰ/, as três vogais ficam mais como [ɑ], [ɛ] e [ɔ] respectivamente.
Nenhuma das plosivas ou fricativas é sonora, não sendo a sonoridade fonêmica no quíchua nativo da moderna variante de Cusco.
Cerca de 30% do vocabulário atual do quíchua veio do espanhol, e, assim, certos sons do espanhol como /f/, /b/, /d/ e /g/ devem ter ficado fonêmicos, mesmo para os que só falam o quíchua.
O quíchua usa o alfabeto latino desde a conquista espanhola, porém a lingual escrita é pouquíssimo usada pela falta de material gráfico nessa língua.
Até o século XX, o quíchua era escrito com ortografia baseada no espanhol como em Inca, Huayna Cápac, Collasuyo, Mama Ocllo, Viracocha, quipu, tambo, condor, uma ortografia bem familiar a quem usa a Língua espanhola, mantida em todas as palavras que foram do quíchua para outras línguas.
Em 1975, no governo de Juan Velasco, no Peru, foi adotada nova ortografia para o quíchua, sendo essa a ortografia preferida pela Academia Mayor de la Lengua Quíchua. As palavras citadas acima, por exemplo, são grafadas como: Inka, Wayna Qapaq, Qollasuyu, Mama Oqllo, Wiraqocha, khipu, tampu, kuntur.
Essa ortografia:
Em 1985, outra variante desse sistema foi adotada pelo governo do Peru, usando só as três vogais quíchua. As grafias ficariam: Inka, Wayna Qapaq, Qullasuyu, Mama Uqllu, Wiraqucha, khipu, tampu, kuntur.
As diferentes ortografias são controversas no Peru. Defensores das tradicionais alegam que as novas parecem muito "estrangeiras" e que, assim, ficam mais difíceis para quem aprendeu primeiro o espanhol escrito. Os defensores das novas ortografias acreditam que elas vão mais de encontro à real fonologia quíchua e apresentam estudos mostrando que ao se ensinar o sistema de cinco vogais isso causa dificuldades às crianças ao aprender o espanhol depois.
Escritores diferem ao tratar palavras vindas de outras línguas. Às vezes elas ficam na ortografia moderna, outras vezes numa ortografia mais adaptada ao espanhol. Exemplo: "Eu sou Roberto" pode ser escrito Robertom kani ou Ruwirtum kani. (-m não é parte do nome, é um sufixo evidencial).
Rodolfo Cerrón-Palomino, lingüista peruano, propôs uma norma ortográfica para todas as formas de quíchua. Essa norma, o quíchua estándar ou Hanan Runasimi, aceito por muitas instituições no Peru, foi feito pela combinação de características conservadoras dos dois dialetos mais comuns: o quíchua ayacucho e o quíchua qusqu-qullaw (falados em Cusco, Puno, e na Bolívia e Argentina).
Exemplo:
Ayacucho | Cusquenho | Quíchua do Sul | Tradução |
---|---|---|---|
upyay | uhyay | upyay | "beber" |
utqa | usqha | utqha | "rápido" |
llamkay | llank'ay | llamk'ay | "trabalhar" |
ñuqanchik | nuqanchis | ñuqanchik | "nós (inclusivo)" |
-chka- | -sha- | -chka- | (progressivo - sufixo) |
punchaw | p'unchay | p'unchaw | "dia" |
O quíchua é um idioma aglutinante regular, oposto ao tipo fusional. A conjugação é bi-pessoal, ao concordar não só com o sujeito, mas com o objeto. As frases são Sujeito-Objeto-Verbo (SOV).
Apresenta muitos sufixos, que indicam tanto o real significado das palavras, com também indicam sutis nuances de significados, o que é comum em línguas andinas. É uma língua muito expressiva, com notáveis características peculiares aos idiomas andinos, tais como a evidencialidade, que indica a fonte e a veracidade do fato, um particípio tópico, sufixos que indicam quem leva vantagem com uma ação, como isso é visto pelo falante, estado mental, veracidade, relação espaço-temporais e outros fatores culturais.
Número | |||
Singular | Plural | ||
Pessoa | Primeira | Ñuqa | Ñuqanchik (inclusivo)
Ñuqayku (exclusivo) |
Segunda | Qam | Qamkuna | |
Terceira | Pay | Paykuna |
São sete os pronomes pessoais em quíchua, com dois tipos de "nós": o inclusivo, inclui a pessoa com quem se fala, e o exclusivo, que não inclui a pessoa com quem se fala (nós e você, e nós sem você). O sufixo kuna indica o plural para segunda e terceira pessoas.
O adjetivo em quíchua vem sempre antes do substantivo, não varia com gênero ou número, nem com caso.
As raízes de um substantivo aderem sufixos para indicar a pessoa, o número e o caso. O sufixo que designa a pessoa geralmente antecede o de número. O oposto ocorre no dialeto da localidade de Santiago del Estero.
Função | Sufixo | Exemplo | (tradução) | |
---|---|---|---|---|
sufixo que indica número | plural | -kuna | wasikuna | casas |
sufixo possessivo | 1.pessoa singular | -y | wasiy | minha casa |
2.pessoa singular | -yki | wasiyki | tua casa | |
3.pessoa singular | -n | wasin | casa dele, dela | |
1.pessoa plural (incl) | -nchik | wasinchik | nossa casa (incl.) | |
1.pessoa plural (excl) | -y-ku | wasiyku | nossa casa (excl.) | |
2.pessoa plural | -yki-chik | wasiykichik | casa de vocês | |
3.pessoa plural | -n-ku | wasinku | casa deles | |
sufixos de Caso | Abessivo | -naq | wasinaq | sem a casa |
Ablativo | -manta, -piqta | wasimanta, wasipiqta | for a (saindo da casa) | |
Acusativo | -(k)ta | wasita | a casa (objeto) | |
Adessivo | -(ni)ntin | wasintin | a casa (obj.) | |
Benefativo | -paq | wasipaq | para a casa | |
Causativa | -rayku | wasirayku | por causa da casa | |
Comitativo (instrumental) | -wan | wasiwan | com a casa | |
Comparativo | -naw, -hina | wasinaw, wasihina | …do que a casa | |
Dativo | -paq | wasipaq | para a casa | |
Direcional | -man | wasiman | rumo à casa | |
Exclusivo | -lla(m) | wasilla(m) | só a casa | |
Genitivo | -p(a) | wasip(a) | da casa | |
Imediato | -raq | wasiraq | primeiro a casa | |
Inclusivo | -piwan, puwan | wasipiwan, wasipuwan | incluindo a casa | |
Interativo | -pura | wasipura | dentre as casas | |
Locativo | -pi, -traw | wasipi, wasitraw | dentro da casa | |
Similativo | -masi | wasimasi | vizinho | |
Transitivo | -(rin)ta | wasinta | através da casa | |
Terminativo | -kama, -yaq | wasikama, wasiyaq | até a casa |
Os advérbios são formados pela adição de -ta ou, em alguns casos, -lla a um adjetivo: allin - allinta ("bom - bem"), utqay - utqaylla ("rápido – rapidamente"). São formados também pela adição dos sufixos aos “demontrativos”: chay ("aquele") - chaypi ("lá"), kay ("este") - kayman ("até agora").
Há muitas origens para os advérbios. Assim como na língua aimará, há uma indicação reversa no sentido de certas expressões com advérbios. O advérbio qhipa significa tanto "atrás" como "futuro", enquanto ñawpa significa tanto "a frente", "em frente" como "passado". A associação de tempos e posições no quíchua e no aimará é oposta às dos demais povos. Para os falantes do quíchua, nos movemos para trás para ie ao futuro e para frente para voltar ao passado.
As formas infinitivas, não conjugadas, têm o sufixo -y (much'a= "beijo"; much'a-y = "beijar"). As terminações intransitivas para o indicativo são:
Presente | Passado | Futuro | Mais-que-perfeito | |
---|---|---|---|---|
Ñuqa | -ni | -rqa-ni | -saq | -sqa-ni |
Qam | -nki | -rqa-nki | -nki | -sqa-nki |
Pay | -n | -rqa(-n) | -nqa | -sqa |
Ñuqanchik | -nchik | -rqa-nchik | -su-nchik | -sqa-nchik |
Ñuqayku | -yku | -rqa-yku | -saq-ku | -sqa-yku |
Qamkuna | -nki-chik | -rqa-nki-chik | -nki-chik | -sqa-nki-chik |
Paykuna | -n-ku | -rqa-nku | -nqa-ku | -sqa-ku |
A essas indicações de tempo são adicionados sufixos para indicar certos significados. Exemplos: -cha é usado quando o sujeito provoca a ação; -ku é usado para indicar que o interlocutor age sobre si próprio;- wañuy ("morrer"); wañuchiy ("matar"); wañuchikuy ("cometer suicídio"); -naku é usado para indicar ação recíproca - marq'ay ("abraçar"); marq'anakuy ("abraçar um ao outro"); -chka, para condição contínua - mikhuy ("comer"); mikhuchkay ("estar comendo");
Partículas gramaticais não declinam, não aceitam sufixos, são raras; as mais usadas são: arí ("sim") e mana ("não"), embora mana possa tomar alguns sufixos como -n/-m (manan/manam), -raq (manaraq, ainda não) e -chu (manachu?, ou não?), para intensificar o significado. Também há yaw ("ei", "olá"); Há algumas palavras que vieram do Espanhol como piru (de pero "mas") e sinuqa (from sino "exceto").
Quase todas frases em quíchua apresentam sufixos de evidencialidade, que indicam o quão certo está o falante acerca da veracidade do fato: -mi indica certeza pessoal (Tayta Wayllaqawaqa chufirmi, "O sr. Huayllacahua é um motorista" - certeza absoluta); -si expressa “ouvir falar” (Tayta Wayllaqawaqa chufirsi, "O sr. Huayllacahua é um motorista" - a pessoa ouviu falar); -chá expressa probabilidade (Tayta Wayllaqawaqa chufirchá, "O sr. Huayllacahua é um motorista" - provavelmente).
Depois de vogais essas três evidencialidades ficam simplificadas para -m, -s, -ch. Desse modo, o -chtem muito pouco uso. Muitos falantes usam o -chá mesmo com vogais (Mariochá, "Esse é Mário" - provavelmente).
Esse sufixos evidenciais não são usados só em substantivos, mas podem se juntar a outras palavras duma frase, em especial em comentários contrários ao esperado.
Muitas palavras originárias do quíchua foram para outros idiomas através do espanhol, como é o caso de coca, condor, guano, jerky (comida), llama, pampa, puma, quinine, quinoa, vicuña e, talvez, gaucho. As influências do quíchua sobre o espanhol são visíveis, como em chuchaqui ("ressaca de bebida") no Equador; e nas diversas formas para designar os males causados pela altitude: na Bolívia, sorojchi; na Argentina, Colômbia, Equador e Peru, soroche.
O quíchua também se apropriou de palavras do espanhol como pero (de pero, "mas"), bwenu (de bueno, "bom") e burru (de burro).
Em quíchua
Tukuy kay pachaman paqarimujkuna libres nasekuntu tukuypunitaj kikin obligacionesniycjllataj, jinakamalla honorniyojtaj atiyniyojtaj, chantaqa razonwantaj concienciawantaj dotasqa kasqankurayku, kawsaqe masipura jina, tukuy uj munakuyllapi kawsakunanku tian.
Em português
" Todos seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São providos de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros num espírito de fraternidade." (Artigo 1- Declaração Universal dos Direitos Humanos).
O hutês, língua ficcional do filme Star Wars, falado pelo personagem Jabba, the Hut, se baseia no quíchua. Conforme Jim Wilce, professor-assistente de antropologia da Universidade do Norte do Arizona, George Lucas chamou seu colega Allen Sonafrank para preparar o diálogo. Wilce e Sonafrank discutiram o assunto e chegaram a propor que houvesse um alienígena que falasse quíchua, em função das ideias de Erich von Däniken (autor de Eram os Deuses Astronautas), segundo o qual os monumentos incas teriam sido criações de extraterrestres. Sonafrank desistiu da ideia, mas um estudante de graduação que pronunciava mas não falava o idioma, gravou as palavras do personagem Greedo. Para evitar ofender os quíchuas, o diálogo foi rodado ao contrário e gravado assim.
O ex-presidente do Equador, Rafael Correa, é falante fluente de quíchua.
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