O Império Parta ou Parto (247 a.C.–224 d.C.), também chamado Império Arsácida (em persa: اشکانیان; romaniz.: Ashkāniān), foi uma das principais potências político-culturais iranianas da Pérsia Antiga.[7] O termo 'arsácida' vem de Ársaces I[8] que, como líder da tribo dos parnos (Parni), fundou a dinastia que levou seu nome em meados do século III a.C., após conquistar a Pártia,[b] região do nordeste do Irã e, na altura, uma satrapia (província) que se revoltou contra o Império Selêucida. Mitrídates I (r. 171–138 a.C.) expandiu o império após capturar a Média e a Mesopotâmia do Império Selêucida. Em seu ápice, o Império Parta se estendeu das margens setentrionais do Eufrates, no atual sudeste da Turquia, ao leste do Irã, e dominava a Rota da Seda, célebre rota comercial que ligava o Império Romano e a bacia do Mediterrâneo ao Império Hã, da China, e se tornou importante entreposto comercial.
Império Parta Império Parto • Império Arsácida | |||||||||
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Extensão do Império Parta c. século I d.C. | |||||||||
Continente | Ásia | ||||||||
Região | Oriente Médio Ásia Central Ásia Ocidental | ||||||||
Capitais | Ctesifonte[1] Arsácia Hecatômpilo Ecbátana Susa Mitridacerta | ||||||||
Países atuais | Irã Armênia Síria Iraque Azerbaijão Afeganistão Geórgia Turcomenistão Kuwait | ||||||||
Línguas oficiais | grego[2] parta[3] persa[2][4] aramaico (franca)[a] acadiano[1] | ||||||||
Religiões | Zoroastrismo Religião da Babilônia[5] | ||||||||
Moeda | Dracma | ||||||||
Forma de governo | Monarquia feudal[6] | ||||||||
Xá | |||||||||
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Período histórico | Antiguidade Clássica | ||||||||
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Os partas adotaram a arte, arquitetura, crenças religiosas e insígnias reais de seu próprio império culturalmente heterogêneo, que englobava culturas persas, helenísticas e regionais. Na primeira metade de sua existência, a corte arsácida adotou elementos da cultura grega, embora posteriormente viu um renascimento gradual das tradições iranianas. Os xás arsácidas recebiam o título de xainxá ("rei de reis"), e consideravam-se herdeiros do Império Aquemênida, aceitando diversos monarcas locais como vassalos, em regiões nas quais os aquemênidas costumavam indicar sátrapas. A corte mantinha a prerrogativa de indicar diretamente alguns sátrapas, geralmente em províncias fora do Irã, porém estas satrapias eram menores e menos poderosas que os potentados aquemênidas. Com a expansão do poder arsácida, a sede do governo central foi deslocada de Nisa, no atual Turquemenistão, para Ctesifonte, às margens do Tigre, a sul da atual Bagdá, capital do Iraque - embora diversas outras cidades tenham servido como capital ao longo de sua história.
Os primeiros inimigos dos partas foram os selêucidas, no ocidente, e os citas no oriente. À medida que o território da Pártia avançou para oeste, no entanto, eles passaram a travar conflitos com o reino da Armênia e, mais tarde, com a República Romana, já em sua fase final. Roma e Pártia eram rivais que visavam estabelecer reis na Armênia como seus clientes. Os partas infligiram uma derrota contundente sobre o general romano Marco Licínio Crasso na Batalha de Carras, em 53 a.C.. Em 40−39 a.C. tropas partas conquistaram praticamente todo o Levante, com exceção de Tiro, das mãos dos romanos. Marco Antônio, no entanto, liderou um contra-ataque contra a Pártia, e diversos imperadores invadiram a Mesopotâmia durante as guerras romano-partas. Os romanos conseguiram conquistar as cidades de Selêucia e Ctesifonte por diversas vezes durante estes conflitos, porém jamais conseguiram manter sobre elas um longo domínio. Guerras civis frequentes entre os pretendentes ao trono parta se revelaram mais perigosas que invasões externas, e o poder dos partas se esvaiu quando Artaxes I, soberano de Estacar, na província de Pérsis, se revoltou contra os arsácidas e assassinou seu último rei, Artabano IV, em 224 d.C.. O reinado de Artaxes deu início ao Império Sassânida, que governou o Irã e boa parte do Oriente Médio até as conquistas islâmicas do século VII - embora a dinastia arsácida tenha tido sequência através da dinastia arsácida da Armênia.
Fontes partas nativas, escritas em parta, grego e outros idiomas antigos, são escassas, especialmente se comparadas com fontes sassânidas e até mesmo aquemênidas, mais antigas. Além de algumas poucas tabuletas cuneiformes, fragmentos de óstracos, inscrições em pedra, moedas de dracmas e documentos em pergaminhos que sobreviveram de maneira fortuita, a maior parte da história parta é conhecida apenas através de fontes externas - que incluem obras da historiografia greco-romana, além de obras históricas chinesas motivadas pelo mercado existente para mercadorias chinesas na Pártia. O artesanato parta era visto pelos historiadores como uma fonte válida à compreensão de determinados aspectos da sociedade e cultura local que não estariam presentes nas fontes textuais.
História
Origens e fundação
Antes de Ársaces I fundar a dinastia arsácida, ele foi líder dos parnos, uma antiga tribo de povos iranianos oriunda da Ásia Central, uma das muitos tribos nômades na confederação dos daas.[9][10][11][12] Talvez falavam um idioma iraniano oriental, em contraste com a língua iraniana do noroeste falada na época na Pártia.[13][8] Era uma província a nordeste da Pérsia, primeiro sob o domínio aquemênida e depois selêucida.[11][12] Após conquistar a região, os parnos adotaram o parta como idioma oficial na corte, falando-o junto do persa médio, o aramaico, o grego, o babilônio, o sogdiano e outros idiomas dos territórios tomados por eles.[14][12]
Ainda é desconhecida a razão pela qual a corte arsácida escolheu retroativamente 247 a.C. como o primeiro ano do período de seu reinado. O arqueólogo britânico A.D.H. Bivar concluiu que este foi o ano em que os selêucidas perderam o controle da Pártia para Andrágoras, sátrapa indicado pelos próprios selêucidas e que teria se revoltado contra eles. Assim, Ársaces I antecipou o ano de início de seu reino ao momento em que o controle selêucida sobre a Pártia foi interrompido.[15] Para Vesta Sarkhosh Curtis, do Museu Britânico, este seria simplesmente o ano em que Ársaces teria recebido a liderança da tribo dos parnos.[16] Ao historiador iraniano Homa Katouzian[17] e Gene Ralph Garthwaite,[18] este seria o ano em que Ársaces teria conquistado a Pártia e expulsado as autoridades selêucidas, embora Curtis[16] e Maria Brosius,[19] da Universidade de Newcastle, afirmem que Andrágoras não tenha sido deposto pelos arsácidas até 238 a.C..
Ainda se desconhece quem foi sucessor imediato de Ársaces I. Bivar[20] e Katouzian[17] afirmam que foi seu irmão Tirídates I, que por sua vez foi sucedido por seu filho Ársaces II em 211 a.C.. Curtis,[21] e Brosius,[22] porém, acham que Ársaces II foi sucessor imediato com Curtis reivindicando que a sucessão ocorreu em 211 a.C. e Brosius em 217 a.C.. Bivar insiste que 138 a.C., o último ano do reinado de Mitrídates I, seria "a primeira data de reinado estabelecida com precisão na história parta."[23] Devido a estas e outras discrepâncias, Bivar elencou duas cronologias distintas aceitas pelos historiadores.[24] Posteriormente, alguns reis partas alegaram descendência dos aquemênidas; a alegação recebeu apoio recente de evidências numismáticas e outras inscrições que sugerem que os reis aquemênidas e partas sofriam de neurofibromatose, uma doença hereditária.[25]
Por algum tempo, Ársaces consolidou sua posição na Pártia e na Hircânia aproveitando-se da invasão do território selêucida, a ocidente, por Ptolemeu III Evérgeta (r. 246–222 a.C.) do Egito. Este conflito com Ptolemeu, a Terceira Guerra Síria (246−241 a.C.), também permitiu a Diódoto I que se rebelasse e formasse o Reino Greco-Báctrio, na Ásia Central.[19] O sucessor deste, Diódoto II, formou uma aliança com Ársaces contra os selêucidas, mas Ársaces foi expulso temporariamente da Pártia por tropas de Seleuco II (r. 246–225 a.C.).[26] Após passar algum tempo exilado entre a tribo nômade dos apasiacas, Ársaces liderou um contra-ataque e reconquistou a Pártia. O sucessor de Seleuco II, Antíoco III, o Grande (r. 222–187 a.C.), não conseguiu retaliar imediatamente por suas tropas estarem envolvidas com a rebelião de Molão, na Média.[26]
Antíoco III deu início a uma campanha maciça visando reconquistar a Pártia e a Báctria em 210 ou 209 a.C.. Não obteve sucesso, porém negociou um acordo de paz com Ársaces II. Este recebeu o título de rei (grego antigo: basileu) em troca de sua submissão a Antíoco III e do reconhecimento deste como seu superior. Com a aproximação da República Romana e a derrota em Magnésia ocorrida em 190 a.C. os selêucidas deixaram de ter influência suficiente para intervir nos assuntos partas.[27][28] [29] Friapácio da Pártia (r. 191–176 a.C.) sucedeu a Ársaces II, e Fraates I (r. ca. 176–171 a.C.) o sucedeu no trono, governando a região sem qualquer interferência selêucida.[20][28]
Expansão e consolidação
Registros narram que Fraates I expandiu o domínio parta além dos Portões de Alexandre, ocupando a região de Apameia Ragiana; a localização exata dos dois locais é desconhecida hoje em dia.[30] A maior expansão de poder e território parta ocorreu no reinado de seu irmão e sucessor, Mitrídates I (r. 171–138 a.C.),[22] que Katouzian comparou a Ciro, o Grande (m. 530 a.C.), fundador do Império Aquemênida.[17]
As relações entre a Pártia e Báctria se deterioraram após a morte de Diódoto II, quando as tropas de Mitrídates conquistaram duas eparquias greco-báctrias, e pioraram sob o reinado de Eucrátides I (r. 170–145 a.C.).[31][28] Agora com vistas ao Império Selêucida, Mitrídates invadiu a Média e tomou Ecbátana em 148/147 a.C.; a região foi perturbada por uma rebelião liderada por Timarco, e que foi debelada com sucesso pelos governantes selêucidas.[32][31][33] A esta vitória se seguiu a conquista parta da Babilônia na Mesopotâmia, onde Mitrídates cunhou moedas em Selêucia em 141 a.C., e fez cerimônia oficial de investidura. Enquanto se deslocou à Hircânia, suas tropas subjugaram os reinos de Elimaida e Caracena e ocuparam Susa.[32][34][35][33] A esta altura, a autoridade parta se estendia até o rio Indo.[33][36]
Embora Hecatômpilo tenha servido como primeira capital parta, Mitrídates estabeleceu residências reais em Selêucia do Tigre, Ecbátana, Ctesifonte e na cidade recém-fundada por ele próprio, Mitridacerta (no atual Turcomenistão), onde se localizavam as tumbas dos reis arsácidas.[37] Ecbátana tornou-se a principal residência de verão da realeza arsácida;[38][39] Ctesifonte não se tornou a capital oficial até Gotarzes I (r. 90–80 a.C.),[39][40] quando torna-se local das cerimônias reais e coroação e a cidade representava os arsácidas, segundo Brosius.[41]
Os selêucidas não conseguiram retaliar imediatamente, pois seu general, Diódoto Trifão, deu início a uma rebelião em sua capital, Antioquia (atual Antáquia), em 142 a.C..[35] Em 140 a.C., no entanto, Demétrio II conseguiu iniciar uma contra-invasão contra os partas na Mesopotâmia. Apesar de alguns sucessos iniciais, os selêucidas foram derrotados, e o próprio Demétrio foi capturado pelas tropas partas e levado à Hircânia. Lá, Mitrídates tratou seu prisioneiro com grande hospitalidade, chegando a ceder em casamento sua filha, Rodoguna, a Demétrio.[42][36]
Antíoco VII (r. 138–129 a.C.), irmão de Demétrio, assumiu o trono selêucida e se casou com Cleópatra Teia, sua viúva. Após derrotar Diódoto Trifão, Antíoco deu início, em 130 a.C., a uma campanha militar para reconquistar a Mesopotâmia, agora sob o domínio de Fraates II (r. 138–128 a.C.). O general parta Indates foi derrotado às margens do Grande Zabe; na sequência teve início uma revolta local na qual o governador parta da Babilônia foi assassinado. Antíoco conquistou a região e ocupou Susa, onde cunhou moedas.[43] [44] Após avançar com seu exército pelo interior da Média, os partas procuraram-no com oferta de paz, que Antíoco rejeitou a menos que os arsácidas abrissem mão de todas as terras de seu império além da própria Pártia, pagassem pesados tributos, e libertassem Demétrio de seu cativeiro. Ársaces libertou o prisioneiro e enviou-o à Síria, porém recusou-se a ceder às outras exigências.[45][43][44] Na primavera de 129 a.C. os medos iniciaram uma revolta aberta contra Antíoco, cujas tropas iniciaram política de devastação dos campos durante o inverno. Enquanto tentava debelar as revoltas, as principais tropas partas invadiram a região e conseguiram matar Antíoco em combate; seu corpo foi enviado de volta à Síria dentro de um caixão de prata; seu filho, Seleuco, foi coroado príncipe da Pártia e uma filha sua integrou o harém de Fraates.[46][39][47][48]
Enquanto os partas reconquistavam os territórios perdidos a ocidente, outra ameaça surgiu no Oriente. Em 177−176 a.C., os nômades Xiongnu empurraram outra tribo nômade, os iuechis, de sua terra natal, na atual província de Gansu, no Noroeste da China;[49] os rouzis migraram à Báctria, expulsando de lá as tribos sacas (citas) que avançaram ao oeste e invadiram as fronteiras do nordeste do império. [33][43][50] Mitrídates foi forçado a recuar à Hircânia após sua conquista da Mesopotâmia.[42] Alguns dos sacas integraram as tropas de Fraates contra Antíoco. Chegaram, porém, tarde demais para participar do conflito. Quando Fraates se recusou a pagar seus salários, os sacas se revoltaram; os ex-soldados selêucidas que seriam usados para debelar a revolta também abandonaram Fraates e uniram-se aos sacas.[51][39] Fraates II marchou contra esta força combinada e foi morto em combate.[40][39][44][52] O historiador romano Justino relatou que seu sucessor, Artabano I (r. 128–124 a.C.) teve fim semelhante ao combater nômades no oriente. Segundo ele, Artabano foi morto pelos tocários (identificados por alguns estudiosos com os rouzis), embora Bivar acredite que Justino tenha confundido-os com os sacas.[40] Mitrídates II (r. 124–90 a.C.) recuperou, mais tarde, as terras que haviam sido perdidas aos sacas no Sistão.[53][52]
Após a retirada selêucida da Mesopotâmia, o governador parta da Babilônia, Hímero, recebeu ordens da corte arsácida para conquistar Caracena, governada por Aspasine de Cárax Pasinu. Com o fracasso desta incursão, Aspasine invadiu a Babilônia em 127 a.C., e ocupou Selêucia. Já em 122 a.C., no entanto, Mitrídates II expulsou Aspasine da Babilônia e fez dos reis de Caracena seus vassalos, sob a suserania parta.[55][56][47] Após Mitrídates ampliar o controle parta ainda mais a Oeste, ocupando Dura Europo (atual Salihiye) em 113 a.C., o rei se envolveu num conflito com o Reino da Armênia.[56] Suas tropas derrotaram e depuseram Artavasdes I em 97 a.C., levando como refém seu filho, Tigranes, que posteriormente seria conhecido como Tigranes II, o Grande (r. 95–55 a.C.).[57][53]
O Reino Indo-Parta, localizado nos atuais Afeganistão, Paquistão e norte da Índia, aliou-se ao Império Parta no século I a.C.[58] Bivar afirma que os dois estados se consideravam no mesmo patamar político.[59] Após o filósofo grego Apolônio de Tiana visitar a corte de Vardanes I (r. 40–47 d.C.), em 42 d.C., o rei lhe ofereceu a proteção de uma caravana para sua viagem à Indo-Pártia. Quando Apolônio chegou à capital indo-parta, Taxila, o líder de sua caravana leu a carta oficial de Vardanes, talvez escrita em parta, para um oficial indiano, que tratou Apolônio com grande hospitalidade.[58]
Após a incursão diplomática de Zhang Qian na Ásia Central, durante o reinado do imperador Wu de Han (r. 141–87 a.C.), o Império Hã da China enviou uma delegação à corte de Mitrídates II, em 121 a.C. A embaixada dos Han inaugurou oficialmente as relações comerciais com a Pártia, através da Rota da Seda - embora não tenha obtido sucesso em conseguir firmar a aliança militar desejada contra a confederação Xiongnu.[60][61][62] O Império Parta se enriqueceu através dos impostos cobrados sobre as caravanas que realizavam o comércio de seda, item de luxo mais valorizado dentre os produtos importados pelos romanos.[54][63] Pérolas também eram um item de importação da China altamente valorizado, enquanto os chineses compravam especiarias, perfumes e frutas dos partas.[64] Animais exóticos eram trocados, como presentes, das cortes arsácidas às cortes chinesas; em 87 d.C. Pácoro II enviou leões e gazelas persas ao imperador Zhang de Han (r. 75–88 d.C.).[65] Além da seda, entre as mercadorias partas compradas pelos mercadores romanos estavam o ferro da Índia, especiarias e couro.[66] As caravanas que cruzavam o Império Parta traziam produtos de vidro da Ásia Ocidental e até mesmo de Roma à China.[67][c]
Roma e Armênia
O Império Cuchano iuechi no norte da Índia garantiu a segurança da fronteira oriental da Pártia.[68] Assim, a partir de meados do século I a.C., a corte arsácida passou a ter como foco a segurança das fronteiras ocidentais, especialmente contra a ameaça de Roma.[68] Um ano após a conquista da Armênia por Mitrídates II, Lúcio Cornélio Sula, procônsul romano da Cilícia, reuniu-se com o diplomata parta Orobazo às margens do rio Eufrates. Ambos concordaram que o rio serviria como fronteira entre a Pártia e Roma, embora a historiadora americana Rose Mary Sheldon afirme que Sula detivesse autoridade apenas para comunicar estes termos a Roma.[69][70][71]
Apesar deste acordo, em 93 ou 92 a.C. a Pártia se envolveu numa guerra na Síria contra a líder tribal Laódice e seu aliado selêucida, Antíoco X (r. 95–92 a.C.), durante a qual matou o segundo.[72] Quando um dos últimos monarcas selêucidas, Demétrio III tentou sitiar Bereia (atual Alepo), a Pártia enviou auxílio militar aos locais, derrotando Demétrio.[72] Após Mitrídates II, Gotarzes reinou na Babilônia, enquanto Orodes I (r. 90–80) reinou sozinho sobre a Pártia.[73][54] Este sistema de monarquia dividida enfraqueceu a Pártia e permitiu que Tigranes II anexasse território parta na Mesopotâmia Ocidental. O território só retornaria ao domínio parta sob Sanatruces I (r. 78–71 a.C.).[57] Com a deflagração da Terceira Guerra Mitridática, Mitrídates VI do Ponto (r. 119–63 a.C.), aliado de Tigranes II, solicitou auxílio dos partas contra os romanos, porém Sanatruces recusou a ajuda.[74] Quando o comandante romano Lúcio Licínio Lúculo marchou contra a capital armênia, Tigranocerta, em 69 a.C., Mitrídates VI e Tigranes II foram obrigados a pedir ajuda a Fraates III (r. 71–58 a.C.). Fraates, no entanto, não enviou tropas, e após a queda de Tigranocerta reafirmou, juntamente com Lúcio Licínio Lúculo, o rio Eufrates como fronteira entre Pártia e Roma.[75][76]
Tigranes, filho de Tigranes II, não teve sucesso em reaver o trono armênio ocupado por seu pai e acabou por fugir para Fraates III, a quem convenceu a marchar contra a nova capital armênia, em Artaxata. Com o fracasso da nova empreitada, Tigranes fugiu de novo, desta vez ao comandante romano Pompeu, a quem prometeu que serviria na função de guia no território armênio; quando Tigranes II, no entanto, se rendeu aos romanos na condição de rei cliente, Tigranes, o Jovem foi levado a Roma como refém.[77] Fraates exigiu a Pompeu que ele fosse enviado de volta, porém o romano se recusou; como retaliação, Fraates deu início a uma invasão da Corduena (sudeste da atual Turquia), onde, de acordo com dois relatos conflitantes feitos pelos romanos, o cônsul Lúcio Afrânio teria conseguido expulsar os partas através de métodos militares ou diplomáticos.[d]
Fraates III foi assassinado por seus filhos Orodes II e Mitrídates IV. Em seguida Orodes voltou-se contra Mitrídates, forçando-o a fugir da Média à Síria romana.[78][79] Aulo Gabínio, procônsul romano da Síria, marchou com tropas em apoio de Mitrídates até o Eufrates, porém teve de recuar para ajudar Ptolemeu XII (r. 80–58; 55–51 a.C.) contra uma rebelião no Egito.[78][80] Apesar de perder seu apoio romano, Mitrídates conquistou a Babilônia e cunhou moedas em Selêucia até 54 a.C. Nesse ano, o general de Orodes só chamado de Surena, nome de clã de sua família aristocrática, reconquistou Selêucia e executou Mitrídates.[81]
Crasso, um dos triúnviros e então procônsul da Síria, iniciou uma invasão da Pártia em 53 a.C., manifestando apoio, embora atrasado, a Mitrídates.[82][79] Enquanto o exército marchava a Carras (atual Harã, no sudeste da Turquia), Orodes II invadiu a Armênia, cortando as linhas de suprimentos vindas de Artavasdes II (r. 53–34 a.C.), aliado romano. Orodes convenceu Artavasdes a estabelecer uma aliança matrimonial entre o príncipe herdeiro, Pácoro I (m. 39 a.C.) e a irmã de Artavasdes.[83][84][80][85]
Surena, com exército composto apenas por homens a cavalo, deslocou-se até Crasso.[86] Os mil catafractários de Surena, armadas com lanças, e seus nove mil arqueiros montados, compunham uma força numericamente quase quatro vezes menor que o exército de Crasso, composto por sete legiões romanas e suas tropas auxiliares, incluindo cavaleiros gauleses e infantaria leve. Contando com uma caravana de suprimentos formada por cerca de mil camelos, os arqueiros montados partas, constantemente abastecidos com novas flechas,[87] utilizavam-se da tática do "disparo parta", na qual os cavaleiros fingiam recuar, para então voltarem-se contra seus perseguidores e disparar contra eles. A combinação desta tática com a utilização de arcos compostos pesados naquelas planícies foi suficiente para devastar a infantaria de Crasso.[80][88] Com cerca de 20 mil romanos mortos, aproximadamente 10 mil capturados e outros 10 mil em debandada ao oeste, Crasso fugiu ao interior armênio.[79][84][89] Surena, à frente de suas tropas, encontrou-o e contatou-o, oferecendo a discussão dos termos de rendição. Crasso, no entanto, foi morto quando um de seus oficiais mais jovens, suspeitando uma armadilha, tentou impedi-lo de entrar no acampamento de Surena.[86][89]
A perda de Crasso em Carras foi uma das piores derrotas militares da história romana.[72] A vitória parta cimentou sua reputação como uma potência formidável, capaz de se equiparar a Roma.[83][89] Juntamente com seus seguidores, prisioneiros e com o precioso butim capturado dos romanos, Surena viajou cerca de 700 quilômetros de volta a Selêucia, onde sua vitória foi comemorada. Mas, temendo que as ambições do general pudessem se estender até o próprio trono arsácida, Orodes ordenou a execução de Surena pouco tempo depois.[72]
Fortalecidos pela vitória, os partas tentaram capturar os territórios romanos na Ásia Ocidental.[e] Pácoro I e seu comandante Ósaces efetuaram incursões na Síria, chegando até Antioquia em 51 a.C., mas foram repelidos por Caio Cássio Longino que matou Ósaces numa emboscada.[90] [91] Os arsácidas se aliaram a Pompeu durante a guerra civil contra Júlio César, e chegaram até mesmo a enviar tropas para apoiar as tropas contrárias a César na Batalha de Filipos, em 42 a.C.[92][93] Quinto Labieno, general leal a Cássio e Bruto, aliou-se à Pártia contra o segundo triunvirato em 40 a.C.; no ano seguinte, Labieno invadiu a Síria juntamente com Pácoro I.[94][95][96] Marco Antônio, incapaz de liderar as defesas romanas contra a Pártia devido à sua partida à Itália, juntou lá tropas para confrontar seu novo rival, Otaviano, com quem realizou negociações de paz em Brundísio (atual Brindisi).[97] Após a ocupação da Síria por tropas de Pácoro, Labieno se separou do principal exército e invadiu a Anatólia, enquanto Pácoro e Barzafarnes invadiram o Levante romano.[94] [95][96] Lá, subjugaram os povoados ao longo do litoral do Mediterrâneo, chegando em Ptolemaida (atual Acre, Israel), com a exceção de Tiro.[98] Na Judeia, as tropas judaicas pró-romanas do sumo sacerdote Hircano II, de Fasael e de Herodes foram derrotadas pelos partas e por seu aliado judeu Antígono II (r. 40–37 a.C.); este tornou-se rei da Judeia enquanto Herodes refugiou-se em seu forte, em Massada.[94][95][96]
Apesar destes sucessos, os partas logo foram expulsos do Levante por uma contra-ofensiva romana. Públio Ventídio Basso, um oficial a serviço de Marco Antônio, derrotou-os e executou Labieno na Batalha das Portas Cilícias (na atual província de Mersin, Turquia), em 39 a.C.. Pouco tempo depois, um exército parta na Síria, liderado pelo general Farnapates, foi derrotado por Ventídio na Batalha do Passo de Amano.[99][100][89][101] Como resultado, Pácoro I retirou-se temporariamente da Síria; ao retornar, na primavera de 38 a.C., confrontou Ventídio na Batalha do Monte Gindaro, a nordeste de Antioquia. Pácoro foi morto no combate e suas tropas recuaram à outra margem do Eufrates; sua morte deu início a uma crise pela sucessão, na qual Orodes II escolheu Fraates IV (r. 38–2 a.C.) como seu novo herdeiro.[102][89][103][104]
Ao assumir o trono, Fraates IV matou e exilou seus irmãos, eliminando os pretendentes ao trono.[84] Um deles, Moneses, fugiu para Marco Antônio e o convenceu a invadir a Pártia.[105][106] Antônio derrotou Antígono, aliado judeu da Pártia, em 37 a.C., e colocou em seu lugar Herodes, como rei cliente. No ano seguinte, enquanto Antônio marchava para Carim, Artavasdes II novamente mudou de lado e enviou tropas para auxiliar Antônio - que invadiu a Média Atropatene (atual Azerbaijão), que era governada por Artavasdes I, aliado da Pártia, visando conquistar sua capital, Fraaspa, cuja localização não é conhecida nos dias de hoje. Fraates IV, no entanto, conseguiu assaltar de surpresa os flancos das tropas de Antônio, destruindo um imenso aríete destinado ao cerco da cidade;[105] após o episódio, os partas perseguiram e atacaram as forças de Antônio, enquanto estas se deslocavam à Armênia, chegando por fim à Síria.[107][108][109][106] Antônio conseguiu atrair Artavasdes II para uma armadilha, prometendo-lhe uma aliança matrimonial. Artavasdes foi aprisionado em 34 a.C., enviado para Roma, e executado. Marco Antônio tentou estabelecer uma aliança com Artavasdes I da Média Atropatene, cujas relações com Fraates IV haviam se deteriorado, porém isto não foi adiante depois que Antônio e suas tropas tiveram de se retirar da Armênia, em 33 a.C., escapando de uma invasão parta enquanto os exércitos de seu rival, Otaviano, o atacavam a oeste.[110] Após a partida de Marco Antônio, Artaxias II (r. 33–20 a.C.), um aliado dos partas, reassumiu o trono da Armênia.
Paz com Roma, intrigas palacianas e contatos com generais chineses
Após derrotar Marco Antônio na Batalha de Ácio, em 31 a.C., Otaviano consolidou seu poder político e em 27 a.C. recebeu do senado o título de Augusto, tornando-se o primeiro imperador. Por volta desta época, Tirídates II derrubou por um breve período Fraates IV, que conseguiu restabelecer-se no poder com o auxílio de nômades citas.[111] Tirídates fugiu aos romanos, levando consigo um dos filhos de Fraates. Ao longo das negociações realizadas em 20 a.C. Fraates conseguiu a libertação de seu filho; em troca, os romanos receberam os estandartes legionários que foram capturados em Carras, em 53 a.C., tal como quaisquer prisioneiros de guerra que ainda estivessem vivos.[108][112] Os partas viam a troca como um preço baixo a ser pago para terem de volta seu príncipe[113] e Augusto saudou o retorno dos estandartes como uma vitória política sobre a Pártia; a propaganda foi celebrada com a cunhagem de diversas moedas, construção de um novo templo no recém-fundado Fórum de Augusto para abrigar os estandartes, e até obras artísticas, como a cena estampada no peitoral de sua estátua na Prima Porta.[114][113][85]
Juntamente com o príncipe, Augusto deu a Fraates IV uma escrava itálica, que se tornou posteriormente a rainha Musa. Para assegurar-se de que seu filho Fraatáces herdaria o trono sem qualquer incidente, Musa convenceu Fraates a dar seus outros filhos a Augusto como reféns; o imperador utilizou este fato novamente como propaganda, ilustrando a submissão da Pártia a Roma, e listando-a como um dos seus grandes feitos em seu Res Gestae Divi Augusti.[115][116] Quando Fraatáces assumiu o trono, como Fraates V (r. 2 a.C.–4 d.C.), Musa se casou com seu próprio filho e governou ao seu lado. A nobreza parta, que não aprovava nem a relação incestuosa nem a noção de um rei sem sangue arsácida, exilou o casal que procurou refúgio em solo romano.[117][118][108]
Seu sucessor, Orodes III (r. 4–6) reinou pouco e a ele se seguiu-se Vonones I (r. 8–12), que adotou diversos maneirismos romanos durante seu período no trono. A nobreza parta, enfurecida pelas simpatias de Vonones aos romanos, deu apoio a um pretendente rival, Artabano II (r. 10–38), que derrotou Vonones e exilou-o na Síria romana.[120][118] Sob Artabano II, dois irmãos judeus, Anilai e Asinai, oriundos de Neardeia (próximo à atual Faluja, no Iraque),[121] revoltaram-se contra o governador parta da Babilônia. Após derrotá-lo, receberam de Artabano o direito de governar a região, para evitar outras revoltas.[122] A esposa parta de Anilai envenenou Asinai com medo de que utilizasse o casamento com uma gentia de seu irmão como pretexto para afastá-lo do trono; Anilai envolveu-se num conflito armado com um genro de Artabano, que derrotou-o.[123] Com o fim do regime judeu dominando-os, os babilônios atacaram a comunidade judaica local, forçando-os a migrar para Selêucia. Quando a cidade se revoltou contra o domínio parta, em 35–36, os judeus foram expulsos novamente, desta vez pelos gregos e arameus locais; os judeus exilados se fixaram em Ctesifonte, Neardeia e Nísibis (atual Nusaybin).[124]
Embora estivesse em paz com a Pártia, Roma interferiu em seus assuntos internos. Tibério (r. 14–37), sucessor de Augusto, envolveu-se numa trama de Farasmanes I da Ibéria que visava colocar seu irmão, Mitrídates, no trono da Armênia após assassinar o rei Ársaces da Armênia, aliado parta.[125] Artabano fracassou em restaurar o domínio parta na Armênia, provocando uma revolta aristocrática que o obrigou a fugir à Cítia. Os romanos libertaram então um príncipe refém, Tirídates III, para que governasse a região como aliado. Pouco antes de sua morte, Artabano conseguiu expulsar Tirídates do trono utilizando-se de tropas da Hircânia.[126] Após a morte de Artabano, em 38 d.C., seguiu-se uma longa guerra civil entre o sucessor legítimo, Vardanes I, e seu irmão, Gotarzes II.[127] Após o assassinato de Vardanes numa expedição de caça, a nobreza parta apelou ao imperador Cláudio (r. 41–54), em 49, para que soltasse o príncipe refém Meerdates, visando desafiar Gotarzes; o plano, no entanto, fracassou quando Meerdates foi traído pelo governador de Edessa e por Izates bar Monobaz, de Adiabena; foi capturado e enviado a Gotarzes, e pôde viver depois de ter suas orelhas mutiladas, um ato que o desqualificava como herdeiro do trono.[128]
Em 97, o general chinês Ban Chao, Protetor-Geral das Regiões Ocidentais, enviou seu emissário Gan Ying em missão diplomática ao Império Romano. Gan visitou a corte de Pácoro I, em Hecatômpilo, antes de partir a Roma;[129] chegou até o golfo Pérsico, onde as autoridades partas o convenceram de que a viagem marítima árdua à volta da península Arábica era o único meio de chegar a Roma. [130][131][132][133] Desencorajado por isso, Gan Ying retornou à corte Han e forneceu ao imperador He (r. 88–105) um relato detalhado sobre o Império Romano com base nos relatos orais de seus anfitriões partas.[134][135] O sinólogo britânico William Watson especulou que os partas ficaram aliviados com o fracasso dos esforços hanes em criar relações diplomáticas com Roma, sobretudo após as vitórias militares de Ban Chao sobre os Xiongnu no leste da Ásia Central.[129] Os registros chineses, no entanto, mostram que uma embaixada romana, talvez composta apenas por um grupo de mercadores romanos, teria chegando à capital Han, Luoyang, em 166, durante o reinado de Marco Aurélio (r. 161–180) e do imperador Huan (r. 146–168).[131][136] Embora possa ser uma coincidência, medalhões de ouro antoninos datados dos reinados de Antonino Pio e Marco Aurélio foram descobertos em Óc Eo, no Vietnã (entre outros artefatos romanos no delta do Mecom), um dos sítios propostos à cidade portuária de Catigara junto ao Sino Magno (golfo da Tailândia e mar da China Meridional) na Geografia de Ptolemeu.[137][138][139]
Sequência das hostilidades romanas e declínio parta
Após Farasmanes I ordenar a seu filho Radamisto (r. 51–55) que invadisse a Armênia e depusesse Mitrídates, Vologases I (r. 51–77) teve a ideia de invadir a região e colocar seu irmão, Tirídates I, no trono.[140] Radamisto foi deposto, e, a partir do reinado de Tirídates, a Pártia passaria a manter um controle firme sobre a Armênia - com breves interrupções - por intermédio da dinastia armênia.[141][106] Mesmo após o fim do Império Parta, a linhagem arsácida continuou pelos reis armênios.[142][141]
Quando Vardanes II se rebelou contra seu pai Vologases em 55, o último retirou suas tropas da Armênia. Roma então tentou rapidamente preencher o vácuo político;[143] na Guerra romano-parta de 58-63, o comandante Cneu Domício Corbulão teve alguns sucessos militares contra os partas e instaurou Tigranes VI como rei cliente.[144] Seu sucessor, Lúcio Cesênio Peto foi derrotado fragorosamente por tropas partas e teve de fugir da Armênia.[145] Após a assinatura de um tratado de paz, Tirídates viajou a Neápolis (atual Nápoles) e Roma em 63; em ambas as localidades Nero (r. 54–68) o coroou, de forma cerimonial, rei da Armênia, colocando sobre sua cabeça a diadema real.[146][147]
Seguiu-se longo período de paz entre a Pártia e Roma, com única menção feita por historiadores romanos de uma invasão de alanos nos territórios partas orientais por volta de 72.[148] Se Augusto e Nero optaram política militar cautelosa contra a Pártia, os imperadores posteriores invadiram e tentaram conquistar o leste do Crescente Fértil, coração do Império Parta ao longo dos rios Tigre e Eufrates. O aumento na intensidade das agressões pode ser explicado, em parte, por reformas militares de Roma. [149] Para se igualar à força da Pártia em termos de artilharia e cavalaria, os romanos usaram inicialmente aliados estrangeiros (sobretudo nabateus), porém estabeleceram posteriormente uma força auxiliar permanente para complementar sua infantaria legionária pesada.[150] Mantiveram regimentos de cavaleiros arqueiros (sagitários) e até catafractários nas províncias orientais; [151][152] careciam, porém, uma 'grande estratégia' visando lidar com a Pártia, e conquistaram muito pouco territorialmente nas invasões.[153] As motivações primordiais à guerra eram o aumento da glória pessoal e posição política do imperador, bem como a defesa da honra romana contra supostas ofensas, como interferências partas nos assuntos internos dos estados-clientes de Roma.[154]
As hostilidades recomeçaram quando Osroes I (r. 109–128) depôs o rei Sanatruces I (r. 88–110) e o substituiu por Axídares (r. 110–113), filho de Pácoro II, sem consultar Roma.[155] Trajano (r 98–117) ordenou a morte do candidato parta ao trono, Partamásiris, em 114, transformando a Armênia em província.[156][109][157] Suas tropas, sob Lúsio Quieto, conquistaram Nísibis; sua ocupação foi essencial à dominação de todas as principais rotas comerciais que atravessavam o norte da planície mesopotâmica.[158][159] Em 115, Trajano invadiu a Mesopotâmia, achando resistência enfraquecida de Mearaspes de Adiabena, pois Osroes estava envolvido em guerra civil no oriente contra Vologases III (r. 105–147). [160] Trajano passou o inverno de 115-116 em Antioquia, mas retomou a campanha na primavera; ao marchar ao longo do Eufrates conquistou Dura Europo, Ctesifonte e Selêucia, chegando até mesmo a subjugar Caracena, onde observou navios que partiam do golfo Pérsico à Índia. [161][162][163][164]
Nos últimos meses de 116, conquistou a cidade de Susa. Quando Sanatruces II reuniu tropas no leste da Pártia para desafiar os romanos, foi traído e morto por seu primo, Partamaspates, coroado por Trajano como novo rei da Pártia.[159] Nunca mais os romanos avançariam tão a leste. Durante o retorno de Trajano ao norte, os povoados babilônios se revoltaram contra as guarnições romanas.[163][159] Trajano foi forçado a abandonar a Mesopotâmia em 117, supervisionando um cerco malsucedido à cidade de Hatra durante sua retirada.[165][109][162] Esta retirada era inicialmente - de acordo com suas intenções - temporária, pois desejava renovar o ataque à Pártia no ano seguinte, e "fazer da submissão dos partas uma realidade".[166] Trajano morreu repentinamente, no entanto, em agosto. Durante sua campanha Trajano recebeu do senado o título de "Pártico" (Parthicus), e moedas foram cunhadas proclamando a sua conquista da Pártia.[159][167][109] Apenas os historiadores Eutrópio e Festo, do século IV, alegam que tentou criar uma província romana na baixa Mesopotâmia.[168]
O sucessor de Trajano, Adriano (r. 117–138) reforçou a fronteira romano-parta no Eufrates, optando por não invadir a Mesopotâmia devido aos recursos militares limitados de Roma naquele momento.[169][170][162][165] Partamaspates fugiu depois que os partas de revoltaram contra ele, porém mesmo assim foi coroado rei de Osroena pelos romanos. Osroes I morreu durante seu conflito com Vologases III, que por sua vez foi sucedido por Vologases IV (r. ca. 147–191), que trouxe à região um período de paz e estabilidade.[171] A Guerra romano-parta de 161-166, no entanto, iniciou-se quando Vologases invadiu a Armênia e a Síria, reconquistando Edessa. Marco Aurélio (r. 161–180) indicou seu coimperador Lúcio Vero (r. 161–169) para proteger a Síria enquanto Marco Estácio Prisco invadiu a Armênia em 163; em 164, Avídio Cássio comandou a invasão à Mesopotâmia.[172]
Os romanos conquistaram e queimaram completamente Selêucia e Ctesifonte, mas foram forçados a recuar após os soldados contraíram fatal doença contagiosa (talvez varíola), que rapidamente causou grande estrago no mundo romano.[169][173] Embora abandonaram o país, desde essa época continuaram a governar Dura Europo.[109][173] Quando Sétimo Severo (r. 193–211) invadiu a Mesopotâmia em 197, no reinado de Vologases V (r. ca. 191–208), os romanos novamente seguiram o curso do Eufrates, reconquistando Selêucia e Ctesifonte. Após assumir para si o título de Pártico Máximo, Sétimo Severo retirou suas tropas no fim de 198, fracassando, exatamente como Trajano, em conquistar Hatra após sitiá-la.[169][109][174][164]
Por volta de 212, logo depois que Vologases VI (r. 208–222) assumiu o trono, seu irmão Artabano IV (m. 224) revoltou-se, dominando grande parte do império.[175] Neste meio tempo, Caracala (r. 211–217) depôs os rei de Osroena e da Armênia, transformando-as em províncias. Caracala então entrou com suas tropas na Mesopotâmia, sob o pretexto de se casar com uma das filhas da Artabano; mas como não recebeu o consentimento ao matrimônio, deu início a uma guerra contra a Pártia, durante a qual conquistou Arbil, a leste do rio Tigre. Caracala foi assassinado no ano seguinte, a caminho de Carras (atual Harã), por seus soldados.[175] Após este episódio, os partas fizeram acordo com Macrino (r. 217–218) no qual os romanos pagavam à Pártia mais de 2 milhões de denários, além de alguns outros presentes.[176][177]
O Império Parta, enfraquecido por luta interna e guerras, foi sucedido pelo Império Sassânida. De fato, em pouco tempo, Artaxes I, o governante persa local de Pérsis, a partir de Estacar subjugou os territórios vizinhos em desafia à autoridade arsácida. Ele confrontou Artabano na Batalha de Hormozegã em 28 de abril de 224, talvez num sítio próximo de Ispaã, derrotando-o e estabeleceu seu reino.[177][178][179] Há evidência, porém, que sugere que Vologases continuou a cunhar moedas em Selêucia até tão tarde quanto 228.[180] Os sassânidas não apanas assumiriam o legado da Pártia como nêmesis persa de Roma, mas também tentariam restaurar as fronteiras do Império Aquemênida ao brevemente conquistarem o Levante, Anatólia, Egito do Império Bizantino durante o reinado de Cosroes II (r. 590–628).[181] Porém, perderiam esses territórios ao imperador Heráclio (r. 610–641) — o último imperador antes da conquista árabe. Por um período de mais de 400 anos, o Império Sassânida ocupou a posição do Império Parta como principal rival do Império Romano.[182]
Fontes nativas e externas
Fontes escritas locais e estrangeiras, bem como artefatos não-textuais encontrados na região, foram usados para reconstruir a história parta.[183] Embora a corte parta mantivesse registros, os partas não tinham um estudo formal da História; a primeira história universal persa, Livro de Senhores, só foi compilada no fim do reinado do último xá do Império Sassânida, Isdigerdes III (r. 632–651).[184] Fontes primárias nativas sobre a história parta continuam mais raras do que as fontes primárias de qualquer outro período da história persa.[185] A maior parte dos registros escritos contemporâneos sobre a Pártia contém inscrições em grego, parta e aramaico.[186] A língua parta utilizava um sistema de escrita próprio, derivado da escrita de chancelaria do aramaico imperial, utilizado pelos aquemênidas, e que depois deu origem ao sistema de escrita pálavi.[187]
As fontes nativas mais valiosas à reconstrução de uma cronologia precisa dos xás arsácidas são dracmas, moedas de prata cunhadas por cada xá.[18][188][189] Representavam a "transição de resquícios não-textuais aos textuais", segundo Geo Widengren.[190] Das outras fontes partas usadas estão os colofões e tabuletas astronômicas cuneiformes encontrados na Babilônia.[191] Há outras fontes textuais locais em inscrições em pedra, documentos em pergaminhos e papiros, e óstracos de cerâmica.[190] Na antiga capital de Mitridacerta, no Turcomenistão, por exemplo, grandes quantidades destes óstracos foram achados contendo informações valiosas sobre venda e armazenamento de itens como vinho.[186] Juntamente com os documentos em pergaminho encontrados em sítios como Dura Europo, os achados forneceram informações sobre administração governamental, abordando temas como impostos, cargos militares e organização das províncias.[192][193]
As historiografias grega e romana, que representam a maior parte dos materiais que abordam a história parta, não são tidas totalmente confiáveis, tendo em vista que foram escritos a partir da perspectiva de rivais e inimigos militares durante períodos de guerras.[194][195] As fontes externas geralmente abordam eventos militares e políticos, e muitas vezes ignoram aspectos socioculturais da história parta. [196][197] Os romanos geralmente mostravam-os como guerreiros corajosos, mas também como povo de cultura refinada; receitas de pratos partas no livro de culinária de Apício são testemunho da admiração exercida pela culinária parta.[198][199] Apolodoro de Artemita e Arriano escreveram livros de história abordando a Pártia, que nunca foram encontrados e sobrevivem apenas na forma de citações em outras obras.[200] Isidoro de Cárax, que viveu durante o reinado de Augusto, fornece um relato dos territórios partas, talvez extraído de um levantamento do próprio governo.[201] Em menor escala, pessoas e eventos da história parta fazem parta de obras de Justino, Estrabão, Diodoro Sículo, Plutarco, Dião Cássio, Apiano, Flávio Josefo, Plínio, o Velho, e Herodiano.[202]
A história parta também pode ser reconstruída através da tradição histórica sínica.[203] Em contraste com as narrativas greco-romanas, as narrativas históricas chinesas antigas sustentam ponto de vista mais neutro ao descrever a Pártia,[204][205] embora o costume dos cronistas chineses de copiar de obras mais antigas torne difícil estabelecer uma sequência cronológica de eventos.[206] Os chineses chamavam a Pártia de Ānxī (em chinês: 安息), talvez a partir do nome grego da cidade parta de Antioquia de Margiana (Αντιόχεια της Μαργιανήs, Antiókheia tēs Margianēs).[207] O nome, no entanto, pode ser também uma transliteração de "Ársaces", nome do epônimo fundador da dinastia.[208] Entre as obras e autores que mencionam o tema estão o Registros do Historiador (Shiji), de Sima Qian, o Livro de Hã (Han shu), de Ban Biao, Ban Gu, e Ban Zhao, e o Livro de Hã Posterior (Hou Han shu), de Fan Ye.[209] Todas fornecem informações sobre as migrações nômades que levaram à invasão dos sacas, bem como valiosas informações políticas e geográficas. [203] O Registros do Historiador (cap. 123), por exemplo, descreve intercâmbios diplomáticos, presentes exóticos dados por Mitrídates II à corte Han, os diferentes tipos de colheitas produzidas na Pártia, produção de vinho, mercadores itinerantes e tamanho e localização do território parta.[210][211] O Registros do Historiador também cita que os partas mantinham registros "escrevendo horizontalmente em tiras de couro", referindo-se aos pergaminhos.[212][208]
Governo e administração
Autoridade central e reis semiautônomos
Comparado com o antigo Império Aquemênida, o governo parta era marcadamente descentralizado.[213] Uma fonte local revela que os territórios supervisionados pelo governo central estavam organizados de maneira análoga ao Império Selêucida; ambos utilizavam um sistema de divisão tríplice na hierarquia das províncias: como marzobã, sátrapa (xšatrap) e dispates (dizpat) partas, equivalentes às satrapias, eparquias e hiparquias selêucidas.[192] O Império Parta também dominava diversos reinos semiautônomos, incluindo a Ibéria, Armênia, Edessa, Atropatene, Corduena, Adiabena, Hatra, Mesena, Elimaida e Pérsia.[214] Os soberanos destas nações governavam seus territórios e cunhavam moedas de maneira independente da cunhagem real, produzida em casas da moeda imperiais.[214][215] Se assemelhava ao que ocorria no período aquemênida com certas cidades-Estado, e até mesmo com satrapias distantes, que eram semi-independentes porém "reconheciam a supremacia do rei, pagavam tributo e forneciam apoio militar", segundo Brosius.[216] As satrapias do período parta, contudo, abrangiam territórios menores, e talvez tivessem menos prestígio e influência que as antecessoras aquemênidas.[217] No período selêucida, a tendência do governo de dinastias locais semiautônomas, por vezes promovendo até rebeliões, tornou-se lugar comum, fato que teve reflexos no estilo de governo do fim do período parta.[218]
Nobreza
O "rei dos reis" comandava o governo parta. Mantinha relações polígamas, e costumava ser sucedido por seu primogênito. Assim como os Ptolemeus do Egito, também existem registros de reis arsácidas que se casaram com suas sobrinhas e até mesmo com suas meia-irmãs; a rainha Musa se casou com seu próprio filho, embora este tenha sido um caso extremo e isolado.[219] Brosius apresenta um trecho de uma carta escrita em grego pelo rei Artabano II, em 21 d.C., que se dirige ao governador (intitulado "arconte") e aos cidadãos de Susa. Cargos governamentais específicos, como "amigo preferido", "guarda-costas" e "tesoureiro", são mencionados, e o documento também prova que embora existissem jurisdições locais e debates para indicações a altos cargos, o rei podia intervir a favor de um determinado indivíduo, revisar um caso e alterar a legislação local se ele assim considerasse apropriado.[220]
Os títulos hereditários da nobreza hierárquica registrados durante o reinado do primeiro monarca sassânida, Artaxes I, provavelmente refletem os títulos já em uso durante o período parta.[221] Existiam três níveis distintos de nobreza; o mais alto consistia dos reis regionais diretamente sob o "rei dos reis", o segundo daqueles que tinham parentesco com o rei dos reis apenas através de matrimônio, e a classe mais baixa consistia dos chefes de clãs locais e pequenos territórios.[222]
No século I, a nobreza parta havia acumulado grande poder e influência na sucessão e deposição dos reis arsácidas.[223] Parte da nobreza atuava como conselheiros da corte ao rei, bem como na função de sacerdotes.[224] Dos grandes clãs partas listados no início do período sassânida, apenas dois são mencionados de maneira explícita por documentos partas mais antigos: a Casa de Surena e a Casa de Carano.[225] O historiador grego Plutarco relatou que membros do clã de Surena, os mais respeitados entre os nobres, recebiam o privilégio de coroar cada novo rei dos reis arsácida durante suas investiduras.[226][227] Posteriormente, alguns dos reis partas passaram a alegar descendência direta dos aquemênidas; este fato pode ter sido corroborado recentemente através da possibilidade de uma doença hereditária (neurofibromatose) demonstrada pela descrição física destes monarcas e pela evidência de doenças transmitidas geneticamente em moedas antigas.[25]
Forças armadas
O Império Parta não tinha um exército permanente, mas conseguia recrutar rapidamente tropas em ocasiões de crises locais.[228][153] Havia uma guarda armada permanente associada à pessoa do rei, que abrangia nobres, servos e mercenários, porém este destacamento real era reduzido. Guarnições eram mantidas permanentemente nos fortes fronteiriços; inscrições partas revelam alguns dos títulos militares concedidos aos comandantes destas localidades.[229] As tropas militares também podiam ser usadas para gestos diplomáticos; quando enviados chineses visitaram a Pártia no fim do século II a.C., por exemplo, o Registros do Historiador afirma que 20 mil cavaleiros teriam sido enviados às fronteiras orientais do império para escoltar a embaixada chinesa, embora esta cifra talvez seja exagerada.[230]
A principal força de ataque do exército parta eram os seus catafractários, uma cavalaria pesada na qual homem e cavalo estavam cobertos por cota de malha.[231][54] Os catafractários estavam equipados com uma lança, para investir contra as linhas inimigas, bem como arco e flechas.[232][229] Devido ao custo da manutenção de seu equipamento e armadura, os catafractários eram recrutados entre membros da aristocracia que, em troca por seus serviços, recebiam dos reis arsácidas algum grau de autonomia local.[233][54][229] A cavalaria leve era recrutada dos membros das classes populares, e atuavam como arqueiros montados, vestindo apenas uma túnica simples e calças durante os combates.[231] Usavam o arco composto, e conseguiam disparar contra os inimigos sobre o cavalo, e até mesmo voltados à direção oposta; esta técnica, conhecida como o disparo parta, era uma tática de combate altamente efetiva.[232][54][234] Tanto a cavalaria pesada quanto a leve da Pártia se mostraram um fator decisivo na Batalha de Carras, durante a qual uma tropa persa derrotou um exército romano muito maior comandado por Crasso. As infantarias leves, compostas por plebeus conscritos e mercenários, era usada para dispersar as tropas inimigas depois das incursões da cavalaria.[235]
Não se conhece o tamanho do exército parta, nem o da população do império. Escavações arqueológicas em centros urbanos partas, no entanto, revelaram núcleos de povoamento que podem ter sustentado grandes populações, e, portanto, oferecer grandes recursos de mão-de-obra. Centros populacionais de alta densidade, em regiões como a Babilônia, sem dúvida eram atraentes aos romanos, cujos exércitos podiam se dar ao luxo de viver do que produziam.[236]
Moeda
Geralmente feitas de prata,[237] as moedas de dracma grego, incluindo o tetradracma, eram a moeda padrão utilizada por todo o Império Parta.[238][239] Os arsácidas mantinham casas reais da moeda nas cidades de Hecatômpilo, Selêucia do Tigre e Ecbátana.[41] Provavelmente também operavam uma casa da moeda em Mitridacerta (Nisa).[21] Desde o início do império até o seu colapso os dracmas produzidos por todo o período parta raramente pesavam menos de 3,5 ou mais de 4,2 quilos.[240] Os primeiros tetradracmas partas, que pesavam inicialmente cerca de 16 gramas, com algumas variações, surgem após a conquista da Mesopotâmia por Mitrídates I, e foram cunhados exclusivamente em Selêucia.[241]
Sociedade e cultura
Helenismo e o renascimento iraniano
Embora a cultura grega dos selêucidas tivesse sido adotada pelos povos do Oriente Médio durante o Período Helenístico, a era parta vivenciou um renascimento cultural iraniano na religião, nas artes e até mesmo nas vestimentas.[242][243] Consciente das raízes helenísticas e persas de seu reinado, os monarcas arsácidas se intitulavam com o "rei dos reis" tradicional persa, ao mesmo tempo em que afirmavam ser filelenos ("amigos dos gregos").[244][242] O termo "fileleno" foi inscrito nas moedas partas até o reinado de Artabano II.[44] A interrupção do uso da frase significou o renascimento da cultura iraniana na Pártia.[245] Vologases I foi o primeiro xá arsácida a utilizar a escrita e a língua parta nas moedas que cunhou, juntamente com um grego já praticamente ilegível.[246][247][248] O uso de legendas no alfabeto grego nas moedas partas continuou a ser usado, no entanto, até o colapso do império.[248]
A influência cultural grega não desapareceu do Império Parta, no entanto, e existem evidências de que os arsácidas apreciavam o teatro grego. Quando a cabeça de Crasso foi trazida a Orodes II, este estaria, juntamente com o rei armênio Artavasdes II, assistindo a uma performance das Bacantes, clássico do dramaturgo grego Eurípides (c. 480–406 a.C.); o produtor da peça decidiu então utilizar a cabeça degolada de Crasso como a cabeça de Penteu, no lugar do adereço que seria utilizado para emulá-la.[91]
Em suas moedas, Ársaces I é retratado com um traje semelhante ao dos sátrapas aquemênidas. No entanto, de acordo com o arqueólogo iraniano Alireza Shahpur Shahbazi, fundador do Instituto de Pesquisa Aquemênida, Ársaces se retratava deliberadamente diferente do padrão usado nas moedas selêucidas para enfatizar suas aspirações nacionalistas e reais, e dá a si mesmo o nome de Kārny/Karny (em grego: Autócrato), título utilizado anteriormente por generais supremos aquemênidas, como Ciro, o Jovem.[249] Seguindo as tradições aquemênidas, imagens em relevo dos xás arsácidas foram esculpidas no monte Beistum, onde Dario I (r. 522–486 a.C.) fez as suas inscrições reais.[244][250] Além disso, os arsácidas alegavam que sua família descendia de Artaxerxes II (r. 404–358 a.C.) como um meio de consolidar sua legitimidade sobre antigos territórios aquemênidas, ou seja, fazendo de si próprios "legítimos sucessores dos reis gloriosos" do antigo Irã.[251] Artabano III deu a um de seus filhos o nome de Dario, e reivindicou para si a herança de Ciro.[249] Os reis arsácidas costumavam escolher para si nomes zoroástricos típicos, além de alguns nomes do "período heroico" do Avestá.[252][253] Os partas também adotaram o calendário babilônico, com nomes retirados do calendário iraniano aquemênida, substituindo assim o uso do calendário macedônio trazido pelos selêucidas.[254]
Religião
O Império Parta, sendo cultural e politicamente heterogêneo, tinha diversos sistemas e crenças religiosas, dos quais os mais difundidos eram aqueles dedicados a cultos gregos e iranianos.[255] Com a exceção duma minoria de judeus[256] e cristãos,[257] a maior parte dos partas era politeísta.[5] Divindades gregas e iranianas frequentemente eram por vezes misturadas ou enxergadas numa só. Por exemplo, Zeus era igualado com Aúra-Masda, Hades com Angra Mainiu (Arimã), Afrodite e Hera com Anaíta, Apolo com Mitra, e Hermes com Samas.[258][259] Além dos deuses e deusas principais, cada grupo étnico e cidade tinha sua própria divindade particular.[5] Tal como os governantes selêucidas,[260] a arte parta indica que os reis arsácidas se viam como deuses; este culto ao monarca talvez tenha sido o mais difundido.[261] A extensão com que os arsácidas patrocinavam o zoroastrianismo é debatida pelos acadêmicos modernos.[243][262] Os seguidores de Zoroastro consideravam inaceitáveis os sacrifícios sangrentos de alguns dos cultos iranianos do período parta.[255] Existem, no entanto, evidências de que Vologases I encorajava a presença de sacerdotes zoroastristas (magos) em sua corte, e que patrocinou a compilação de textos sagrados zoroastristas que posteriormente formaram o Avestá.[263][246][264] A corte sassânida posteriormente adotaria o zoroastrianismo como religião oficial do império.[18][265]
Embora Maniqueu (216–276), o profeta fundador do maniqueísmo, não tenha proclamado sua primeira revelação religiosa antes de 228/229, o arqueólogo britânico A.D.H. Bivar afirma que esta nova fé continha "elementos da crença mandeia, da cosmogonia iraniana, e até mesmo ecos do cristianismo... [ela] pode ser vista como um reflexo típico da mistura de doutrinas religiosas do fim do período arsácida, que a ortodoxia zoroastrista dos sassânidas logo iria varrer do mapa."[266]
Existem poucas evidências arqueológicas a respeito da expansão do budismo a partir do Império Cuchano ao Irã.[267] Sabe-se, no entanto, a partir de fontes chinesas, que An Shigao (fl. século II), um nobre parte e monge budista, viajou para Luoyang, na China do período Han, como um missionário budista e traduziu diversos cânones budistas ao chinês.[268][269]
Arte e arquitetura
A arte parta pode ser dividida em três fases geo-históricas: a arte da Pártia em si, a arte do planalto Iraniano, e a arte da Mesopotâmia parta. A primeira arte genuinamente parta, encontrada em Mitridacerta, combinava elementos da arte grega e iraniana, seguindo as tradições aquemênida e selêucida.[270] Numa segunda fase, a arte parta encontrou inspiração na arte aquemênida, como exemplifica o relevo da coroação de Mitrídates II no monte Beistum. A terceira fase ocorreu gradualmente após a conquista parta da Mesopotâmia.[271]
Entre os motivos comuns durante o período parta estão cenas de expedições de caça reais, e a investidura de reis arsácidas.[272][273] Estes motivos também eram utilizados para retratar governantes locais. Obras artísticas tomavam a forma de relevos em rocha, afrescos e até mesmo grafite.[270] Padrões geométricos e de plantas estilizadas também eram utilizados em paredes de gesso e estuque.[271] O motivo comum do período sassânida que mostrava dois cavaleiros empunhando lanças, em combate, surgiu pela primeira vez nos relevos partas do monte Beistum.[274]
Em seus retratos os partas davam preferência (e enfatizavam) a frontalidade, ou seja, a pessoa retratada tanto na forma de pintura, escultura ou alto-relevo nas moedas, estava voltada diretamente ao espectador, no lugar de mostrar-lhe seu perfil.[272][275][276] Embora a frontalidade nos retratos já fosse uma técnica artística antiga na época do período parta, o arqueólogo francês Daniel Schlumberger explica a inovação da frontalidade parta:[277]
“ | A 'frontalidade parta', como agora estamos acostumados a chamá-la, é profundamente diferente da frontalidade do Oriente Médio e da Grécia, embora seja, sem dúvida, uma cria desta. Pois tanto na arte oriental quanto na arte grega a frontalidade era um tratamento excepcional; na arte oriental era um tratamento reservado exclusivamente para um pequeno número de personagens tradicionais de cultos e mitos; na arte grega era uma opção à qual se recorria apenas por motivos predefinidos, quando o tema o exigia, e, no geral, era um recurso raramente utilizado. Já na arte parta, inversamente, a frontalidade se tornou o tratamento normal da figura. Pos partas a frontalidade não era nada mais que o ato de mostrar, nos relevos e nas pinturas, todas as figuras de frente, ainda que às custas (tal como parece a nós modernos) da clareza e inteligibilidade. Tão sistemático é o uso desta técnica que ele atinge um completo banimento de facto da vista lateral e de quaisquer atitudes intermediárias. Este singular estado de coisas parece ter se estabelecido no decorrer do século I d.C."[277] | ” |
A arte parta, com seu uso característico da frontalidade nos retratos, foi perdida e abandonada com as mudanças profundas político-culturais trazidas pelo Império Sassânida.[280] No entanto, mesmo após a ocupação romana de Dura Europo em 165, o uso da frontalidade parta nos retratos continuou a florescer naquela localidade; isto é exemplificado pelos murais do início do século III da sinagoga de Dura Europo, um templo na mesma cidade dedicado aos deuses palmirenos, e o mitreu local.[278][279]
A arquitetura parta adotou elementos da arquitetura grega e aquemênida, porém permaneceu distinta de ambas. Seu estilo é atestado inicialmente em Mitridacerta. O Salão Redondo de Nisa é semelhante aos palácios helenísticos, porém difere deles por formar um círculo e uma abóbada dentro de um espaço quadrado.[281] As obras de arte de Nisa, no entanto, incluindo suas estátuas de mármore e as cenas esculpidas em ritões de marfim, foi indubitavelmente influenciada pela arte grega.[282][283]
Uma característica marcante da arquitetura parta era o iwan, um salão de audiências sustentado por arcos e/ou abóbadas de berço e aberto num de seus lados.[284][271][285] O uso da abóbada de berço substituiu o costume helênico da utilização de colunas para sustentar o teto.[271] Embora o iwan fosse conhecido durante o período aquemênida, e até mesmo antes, em estruturas menores e subterrâneas, foram os partas quem primeiro os construiu numa escala monumental.[284][271][285] Os primeiros iwans partas foram descobertos em Selêucia, e datam do início do século I[271] Iwans monumentais também costumam ser encontrados com frequência nos antigos templos de Hatra, talvez tendo como modelo o estilo parta.[286] Os maiores iwans partas naquele sítio têm uma envergadura de 15 metros.[287]
Roupas e vestuário
A típica vestimenta dos cavaleiros partas é exemplificada pela célebre estátua de bronze de um nobre parta encontrada em Xami, Elimaida. Com 1,9 metro de altura, a figura está vestindo um gibão em forma de V e uma túnica em forma de V, frouxos porém seguros por um cinto, com uma calça de muitas dobras presa por ligas, e uma diadema ou faixa sobre seu cabelo cuidadosamente penteado e cortado.[288] O mesmo traje pode ser visto com frequência nas imagens de relevo das moedas partas de meados do século I a.C..[245]
Exemplos de roupas em esculturas inspiradas pelos partas foram descobertos em escavações em Hatra, no noroeste do Iraque. Estátuas erguidas ali mostram a típica camisa parta (qamis), feita com materiais delicados e ornamentados, e combinando com as calças.[289] A elite aristocrática de Hatra adotou o mesmo tipo de corte de cabelo, ornamentos e túnicas vestidos pela nobreza da corte central arsácida.[286] O traje com calças era vestido até mesmo pelos reis arsácidas, como pode ser visto em imagens reversas de algumas moedas.[290] As mesmas vestimentas também foram adotadas em Palmira, na Síria, juntamente com o uso da frontalidade parta na arte local.[291]
As esculturas partas mostram mulheres ricas, vestindo mantos com mangas longas sobre um vestido, com colares, brincos, braceletes e toucados cobertos por joias.[292] Seus variados vestidos eram presos por um broche num dos ombros. Seus toucados também tinham véus, que eram pendurados para trás.[286]
Como pode ser visto nas moedas partas, os toucados usados pelos reis partas foram alterados ao longo do tempo. As primeiras moedas arsácidas mostram os xás vestindo o barrete com abas conhecido como cirbásia.[178] Estes, por sua vez, podem ter sido derivados do toucado satrápico aquemênida, e dos chapéus pontudos retratados nos relevos aquemênidas de Beistum e Persépolis.[293][294] As primeiras moedas de Mitrídates I mostravam-no vestindo o barrete, mas moedas da parte final de seu reinado o mostram pela primeira vez usando a diadema real helenística.[295][296] Mitrídates II foi o primeiro monarca a ser retratado vestindo a tiara parta, incrustada com pérolas e joias, um toucado comumente utilizado no fim do período parta e por monarcas sassânidas.[295][290]
Escrita e literatura
Sabe-se que durante o período parta o menestrel da corte (gōsān) recitava literatura oral na forma de poesia, acompanhado por música. Suas histórias, no entanto, compostas na forma de versos, não foram escritas até o período seguinte, dos sassânidas.[297] Na realidade, não existe qualquer literatura em parte que tenha sobrevivido em sua forma original, já que foram escritos apenas nos séculos seguintes.[298] Acredita-se que histórias como o conto romântico Vis e Rāmin e o ciclo épico da dinastia caiânida faziam parte do corpus de literatura oral do período parta, embora só tenham sido compiladas posteriormente.[299] Embora a literatura do idioma parta não estivesse associada à forma escrita, existem evidências de que os arsácidas conheciam e respeitavam a literatura grega.[300][29]
Ver também
Notas
- [a] ^ No período persa médio (Império Parta e Império Sassânida), o aramaico era usado na escrita cotidiana, e forneceu meios para escrever o persa médio, parto, sogdiano e corásmio.[301]
- [c] ^ Para um estudo arqueológico dos artefatos romanos de vidro encontrados em sepulturas chinesas antigas ver An 2002, p. 79–84
- [d] ^ Segundo Dião Cássio, Lúcio Afrânio teria reocupado a região sem confrontar o exército parta, enquanto Plutarco afirma que Afrânio o teria expulsado através da força militar.Bivar 1983, p. 47
- [e] ^ Afirma que a ocupação permanente era a meta óbvia dos partas, especialmente depois que as cidades da Síria romana e até mesmo as guarnições romanas se submeteram aos partas e juntaram-se à sua causa.Kennedy 1996, p. 80
- Este artigo foi inicialmente traduzido, total ou parcialmente, do artigo da Wikipédia em inglês cujo título é «Parthian Empire», especificamente desta versão.
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