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Ermida de Nossa Senhora dos Anjos (Vila do Porto)

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 Nota: Se procura a ermida de mesmo nome em Nazaré (Portugal), veja Ermida de Nossa Senhora dos Anjos (Nazaré).

A Ermida de Nossa Senhora dos Anjos localiza-se no lugar dos Anjos, na freguesia de Vila do Porto, concelho de Vila do Porto, na ilha de Santa Maria, nos Açores.


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Ermida dos Anjos: fachada
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Ermida dos Anjos: lateral esquerda
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Ermida dos Anjos: lateral direita
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Ermida dos Anjos: campanário
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Ermida dos Anjos: "theatro"
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"Ermida e logar de Nossa Senhora dos Anjos (Álbum Açoriano, 1903)
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História

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Embora não se saiba positivamente a invocação e nem o local do primeiro templo levantado em Santa Maria pelos primeiros colonizadores, o estudo da difusão do povoamento nas primeiras décadas e a comparação com as primeiras narrativas sobre esse povoamento, permitem aceitar que a Ermida dos Anjos tenha sido esse templo.[1] Será, assim, a mais antiga da ilha e do arquipélago açoriano.

Erguida ainda em 1439, primitivamente em madeira com cobertura de palha, foi reerguida em alvenaria de pedra entre 1460 e 1474.

É referida no testamento do Infante D. Henrique: "Item ordenei e estabeleci (...) a igreja de santa Maria na ilha de santa Maria."[2]

Nela terão cumprido o voto de ouvir missa em Ação de Graças, em 19 de fevereiro de 1493 os marinheiros de Cristóvão Colombo no regresso da viagem de descobrimento da América.[3]

Encontra-se indicada no "Mapa dos Açores" (Luís Teixeira, c. 1584) como "Perochia de S. Siria", e, em mapas posteriores nele baseados, a toponímia "Parochia de Santa Eria". Uma possível explicação ligará a devoção a Santa Iria, natural de Tomar, à Ordem de Cristo, que nessa cidade tinha a sua sede, chefiada pelo Infante D. Henrique com o título de "Regedor e Governador da Ordem de Cavalaria do Mestrado de Nosso Senhor Jesus Cristo". À Ordem pertencia também Gonçalo Velho Cabral, primeiro capitão do donatário.

A principal fonte sobre a ermida é um documento de autoria do padre Francisco da Cunha Prestes, licenciado no Curso Geral de Teologia na Universidade de Évora de 1650 a 1653,[4] vigário da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Assunção de Vila do Porto,[5] o manuscrito "Livro da Irmandade de Nossa Senhora dos Anjos e Escravos da Cadeinha" (1676) que pertencia ao arquivo da Matriz de Vila do Porto:

"Esta ermida de Nossa Senhora dos Anjos fundou hua m.er natural do Reyno por nome Izabel Glz. [Isabel Gonçalves] m.er de Thome Afonso natural do Algarve. Pediu este citio a D. Beatriz [Godin, primeira] m.er do [2º] Cap. Donatario [(João Soares de Albergaria)] a qual lhe deu tres alqueires de terra em q. se fundou a dita ermida por outros tres q. a dita Izabel Glz. lhe deu em sima da rocha os quais tres alqueires em q. está a ermida deixou para o ermitão que a limpasse. O anno em q. foi feita esta fundação não se acha noticia certa por averem passado m.tos e porq. com a entrada dos mouros q. no anno de 1616 saquearão esta ilha levando muita gente cativa fiarão sepultadas as noticias q. disto podia aver. Sabesse q. escapou esta ermida dos mouros e he tradição certa q. a não virão andando perto dela como tambem se presume q. a não virã o anno de 1675, pois entrando de assalto neste citio por descuido dos guardas a noute do pr.º de Setembro levando destas casinhas vesinhas da ermida onze pessoas entre molheres e meninos e juntamente saqueando as não tocarão na ermida q. se por tal a conhesserão ao menos não escapava de ser saqueada e se presumirão ser caza de moradores pr.º avião fazer entrada nela que nos palheiros de onde tirarão a gente e sua pobreza. Esteve esta ermida sem forma de adro até o anno de 1674 dentro nela não avia mais q. hum retabolo antígo q. se fechava com duas portas, estando e costado na parede e chegava a pregar na tacanissa o qual agora está ensserido no meio do retabolo."[6]

A referida Dona Beatriz (Brites) Godin faleceu por volta de 1492-1493, época em que se encontrava com o marido no Continente, e em que Cristóvão Colombo enviou os seus marinheiros a terra para assistir missa em fevereiro de 1493.

O pesquisador Miguel Corte-Real levanta a dúvida se Tomé Afonso e sua esposa Isabel Gonçalves seriam ou não os primitivos fundadores, se apenas reedificadores, ou mesmo apenas padroeiros mais modernos da ermida.[7] Conforme a sua pesquisa, de acordo com um documento na Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada, no espólio Velho Arruda, é referido um Tomé Afonso, casado com Isabel Gonçalves, que, por volta de 1560 deixaram ambos parte de seus bens para a conservação da ermida.[8]

Quando do assalto de piratas da Barbária em 1616, que se demoraram oito dias na ilha e dela levaram 222 pessoas,[9] as suas reduzidas dimensões e despojamento terão feito com que passasse despercebida, fato que Frei Agostinho de Monte Alverne, em fins do século XVII, credita a um milagre da Virgem:

"(...) e somente não chegaram à Igreja de Nossa Senhora dos Anjos, andando por cima de sua ladeira, sendo vistos das pessoas que dentro estavam, o que se crê que quis a bendita Senhora não vissem a sua igreja. (...).".[10]

Foi reconstruída, com nova traça, de 1673-1674 a 1676. Em maio de 1675 procedeu-se à abertura do "caminho que vai pela rocha acima e o fizeram por sua devoção os devotos da Senhora pela dificuldade que havia para poderem descer à ermida" e que "em Setembro do mesmo ano se faz o calvário ou cruzeiro que está no cimo da rocha",[11] junto ao Caminho Velho.[12] A iniciativa da reconstrução deve-se a Frei Gonçalo de São José, que veio para o Convento de Nossa Senhora da Vitória em 1668-1669, sendo o principal obreiro da Irmandade dos Escravos da Cadeinha, confirmada em 1675 pelo Bispo de Angra, D. Frei Lourenço de Castro.[13] Esta criação, em caráter devotivo, terá tido lugar após o ataque dos piratas de 1675.

Em 1826 era seu padroeiro o morgado Luís de Figueiredo Velho Melo Falcão.[14] Ao final do século XIX sofreu obras que a restauraram (1893), conferindo-lhe a atual feição.

Júlio Cabral testemunha ter visto nesta ermida um missal "(...) velho mas bem conservado, que também se diz ser o mais antigo dos Açores (...)", mas cujo paradeiro, à época (1903), desconhecia. Do mesmo modo, com relação ao chicote com que os piratas terão fustigado os habitantes, o mesmo autor refere: "que existiu junto da Sacra, onde o vi, mas há anos desapareceu, supondo-se que foi destruído pelos devotos!"[15]

Encontra-se classificada como Imóvel de Interesse Público pela Resolução nº 58, de 17 de maio de 2001.

A festa da padroeira ocorre, anualmente, a 21 de agosto.

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Espólio

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Ermida dos Anjos: tríptico quinhentista
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Ermida dos Anjos: memória dos assaltos de piratas
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Ermida dos Anjos: chicote atribuído aos "mouros"

Constituem o espólio desta ermida:

  • um tríptico pintado sobre madeira de cedro. Criação quinhentista de autor desconhecido recoberto por pintura posterior, apresenta ao centro a Sagrada Família e nas tábuas laterais os mártires São Cosme e São Damião. A tradição refere, incorretamente, ter sido este o altar portátil da caravela de Gonçalo Velho Cabral. O retábulo onde se inscreve foi executado no Convento de São Francisco de Vila do Porto, em 1675.[16]
  • uma imagem de Nossa Senhora dos Anjos, recentemente datada como sendo do século XVII, esculpida em cedro por frei Manuel de São Domingos, mandada executar pela irmandade.[17]
  • um painel de azulejos polícromos junto ao altar-mor, pertencente ao último período do século XVII, oferecido em 1679 pelo mariense Brás de Andrade Velho, prior da Colegiada de São Cristóvão de Coimbra. Com o tema "aves e ramagens", ao centro, no interior de uma circunferência, encontra-se a figura de São Brás.

No seu interior encontram-se um açoite e uma inscrição alusiva aos ataques de piratas mouros em 1616 e em 1675, que reza:

"Na noite do primeiro para o segundo dia de Setembro de 1675, deram os mouros um assalto neste sítio desta Ermida a descuido das guardas, entraram pelo porto cativaram onze pessoas, entre mulheres e meninos e com este chicote as espancaram o qual se pôs aqui para memória do sucesso para que esteja pregando que se Deus logo levantou o castigo foi talvez por não envolver mais inocentes; todavia deixou ficar em terra o açoute com que castigou. Nesta Ermida não tocaram, passando de todo por junto dela; como também no ano de 1616 saquearam toda a ilha é tradição que a não viram vendo-os a todos quem dentro estava."

Na Igreja Matriz de Vila do Porto encontra-se depositada a primitiva imagem de Nossa Senhora dos Anjos desta ermida, possívelmente também a primeira a chegar à ilha.[18]

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Características

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Encontra-se implantada num adro murado. Em alvenaria de pedra rebocada e caiada, apresenta planta rectangular, com o corpo da sacristia adossado à fachada lateral esquerda. A fachada principal é delimitada por cunhais encimados por pináculos. Nela rasga-se a portada, de verga recta, encimada por uma janela de guilhotina de duas folhas.

Em cada uma das fachadas laterais rasga-se uma porta rematada em arco. Sobre a da fachada lateral direita encontra-se uma inscrição epigráfica que reza: "RECTIFICADA / EM / 1893".

No interior, de nave única, ergue-se um altar com um frontal de azulejos polícromos e um púlpito em madeira torneada. A entrada é encimada por um coro-alto. No altar-mor destacam-se uma imagem de Nossa Senhora dos Anjos e um tríptico quinhentista.

O telhado é de duas águas, com telha de meia-cana tradicional, rematado por beiral duplo.

Diante da ermida, isolada sobre o canto direito do murete do adro, ergue-se um campanário em alvenaria de pedra, com vão rematado em arco de volta perfeita sobre impostas, tendo junto à base uma inscrição hoje ilegível. Vizinho a ele ergue-se um idoso espécime de araucária.

No exterior, nos fundos, adossa-se um "theatro", de planta rectangular delimitado por um murete com uma abertura a eixo, no qual assentam colunas de secção quadrangular (definindo três vãos na fachada principal e um em cada uma das laterais) que sustentam uma cobertura de três águas, em telha de meia-cana tradicional, rematada por beiral duplo.

A lenda do Cruzeiro

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A tradição local registra uma interessante lenda acerca da construção da ermida e do cruzeiro no alto da penedia que a domina[19]:

Ainda no século XVI, os habitantes tinham uma grande vontade de erguer um templo nos Anjos, local onde Gonçalo Velho e seus marinheiros tinham desembarcado e rezado a primeira missa na ilha (e nos Açores).

Resolveram por fim, construir a ermida dos Anjos. A população entendia que o melhor sítio era o lugar mais baixo, onde hoje se ergue. Os responsáveis pela obra, entretanto, sem atender à vontade popular, principiaram a juntar a pedra no cimo da rocha. Começou a perceber-se, a partir de então, um fato misterioso: as pedras depositadas no alto pelos trabalhadores durante o dia, na manhã seguinte, sem que se soubesse como, apareciam embaixo.

Perturbados com o fenómeno inexplicável, o mestre da obra e os trabalhadores passaram a acusar a população de acarretar a pedra, durante a noite, para o lugar onde queriam a ermida. E insistiram no trabalho no cimo da rocha. Com o passar dos dias, e a repetição do fenómeno, aumentaram as acusações, mas nada se provava.

Numa certa noite, ao passar pelo local um pescador, surpreendeu-se com um movimento estranho. Deparou-se então com as pedras, que se moviam sózinhas em direcção ao lugar de baixo. Assustado, correu a contar o que vira ao mestre da obra que, junto com os trabalhadores, o ridicularizaram, propondo-se a voltar juntos, de noite, ao local.

Dito e feito, de noite puseram-se todos à espreita quando, de súbito, as pedras começaram a rolar, seguindo a imagem de Nossa Senhora.

Acabadas de uma vez por todas as dúvidas, a ermida foi erguida no lugar assinalado pela Senhora, e que fora originalmente escolhido pela população. Quanto ao local projetado da construção, para assinalá-lo e recordar o milagre, foi erguida uma grande cruz de pedra, que lá se encontra até aos nossos dias.

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Ver também

Referências

  1. NORONHA, 1992:20
  2. Testamento do Infante D. Henrique, 13 de outubro de 1460, in Arquivo dos Açores, vol. I.
  3. COLOMBO, 1998.
  4. Arquivo dos Açores, vol. XIV, p. 59-60.
  5. Este documento deu entrada na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, quando da aquisição do espólio de Manuel Monteiro Velho Arruda, encontrando-se o seu paradeiro atualmente desaparecido. MONTEIRO, Jacinto (Pe.). "Descoberta de Santa Maria". in O Baluarte de Santa Maria, Seção "Tradição e Cultura", Dez 2001.
  6. ARRUDA, Manuel Monteiro Velho, anotações ao Livro III das Saudades da Terra.
  7. CORTE-REAL, 1995:2.
  8. Op. cit., p. 3.
  9. Cf. Manuel Monteiro Velho Arruda
  10. MONTE ALVERNE, 1986:106 (v. I).
  11. NORONHA, 1992:36.
  12. Segundo a tradição, este cruzeiro é mais antigo, indicando o local onde os primeiros povoadores pretendiam erigir a ermida (FIGUEIREDO 1996:16). Ver "Lenda do Cruzeiro".
  13. Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada. Coleção Velho Arruda. apud NORONHA, 1992:33.
  14. Autos do processo da Ermida de Nossa Senhora do Pilar, in CÔRTE-REAL, 1962:80.
  15. CABRAL, Júlio. "Nossa Senhora dos Anjos", in Álbum Açoriano, fascículo nº 36, 1903. pp. 284-285.
  16. "(...) neste mesmo ano de 1674, em 28 de outubro se começou a fazer um retábulo (...) no ano em que foi feito o adro, que até essa data não havia." (Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada. Coleção Velho Arruda. apud NORONHA, 1992:41.)
  17. "Saiu pela primeira vez a Senhora dos Anjos e dos escravos da cadeínha de vulto e para este efeito fez por sua mão o Pe. Frei Manuel de São Domingos, irmão do dito Revº Padre Ouvidor, que cantou missa." (Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada. Coleção Velho Arruda. apud NORONHA, 1992:42.)
  18. BORGES, Adriano (Pe.). "Sobre a Pia Baptismal da Matriz". O Baluarte de Santa Maria, ano XXXVIII, 2ª série, 16 dez 2011, nº 414, p. 24.
  19. BRUM, 1999.
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Bibliografia

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Ligações externas

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