Darcy Ribeiro nasceu em Montes Claros, Minas Gerais, em 26 de outubro de 1922. Filho de Reginaldo Ribeiro dos Santos e de Josefina Augusta da Silveira. Em Montes Claros fez os estudos fundamentais e secundário, no Grupo Escolar Gonçalves Chaves e no Ginásio Episcopal de Montes Claros.[3]
Foi para Belo Horizonte estudar Medicina, porém ao cursar disciplinas de Ciências Sociais, decidiu-se por esta área. Em 1946, formou-se em antropologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e dedicou seus primeiros anos de vida profissional ao estudo dos indígenas do Pantanal, do Brasil Central e da Amazônia (1946-1956).[4]
Darcy Ribeiro foi ministro da Educação durante o Regime Parlamentarista do governo do presidente João Goulart (18 de setembro de 1962 a 24 de janeiro de 1963) e chefe da Casa Civil entre 18 de junho de 1963 e 31 de março de 1964. Durante a ditadura militar brasileira, como muitos outros intelectuais brasileiros, teve seus direitos políticos cassados e foi obrigado a se exilar, vivendo durante alguns anos no Uruguai.[4]
Durante o primeiro governo de Leonel Brizola no Rio de Janeiro (1983-1987), Darcy Ribeiro, como vice-governador, criou, planejou e dirigiu a implantação dos Centros Integrados de Ensino Público (CIEP), um projeto pedagógico visionário e revolucionário no Brasil de assistência em tempo integral a crianças, incluindo atividades recreativas e culturais para além do ensino formal - dando concretude aos projetos idealizados décadas antes por Anísio.[4]
Exerceu o mandato de senador pelo Rio de Janeiro de 1991 até sua morte em 1997 - anunciada por um lento processo canceroso que comoveu o Brasil. Darcy, sempre polêmico e ardoroso defensor de suas ideias, teve, em sua longa agonia, o reconhecimento e admiração até dos adversários. Publica O Povo Brasileiro em 1995, obra em que aborda a formação histórica, étnica e cultural do povo brasileiro, com impressões baseadas nas experiências de sua vida.[4]
Darcy faleceu aos 74 anos de falência múltipla de órgãos devido a metástase de um câncer generalizado. Foi sepultado no Cemitério de São João Batista no Rio de Janeiro.[6]
a revolução agrícola, que permite aos povos cultivarem o próprio alimento, dependendo menos da "boa-vontade" da natureza e permitindo alguma criação animal;
a revolução urbana, que biparte os povos em componentes rurais e não rurais, desencadeando especializações e tantas mais consequências;
a revolução do regadio: que permite os povos tornarem terrenos mais propícios aos seus objetivos, permitindo expansões não condicionadas pela fertilidade do solo, por exemplo;
a revolução metalúrgica, que permite a fabricação de armas mais poderosas e de instrumentos mais resistentes;
a revolução pastoril, que permite aos povos equiparem animais de transporte e tração com as mais variadas bugigangas, potencializando sua expansão territorial;
a revolução mercantil, que permite a conjunção de conhecimentos e tecnologias dos mais variados locais e sua aplicação em tentativas de superação do feudalismo;
a revolução industrial, que permite multiplicar a produtividade e o poder bélico exorbitantemente;
a revolução termonuclear, que permite multiplicar ainda mais a capacidade de intervenção na natureza e no corpo humano, a produtividade, o poder bélico e a troca de informações. É a revolução de nossos dias, de consequências ainda pouco delimitáveis.
A sucessão destas revoluções tecnológicas não nos permite, todavia, explicar a totalidade do processo evolutivo sem apelo ao conceito complementar de processo civilizatório, porque não é a invenção original ou reiterada de uma inovação que gera consequências, mas sua propagação sobre diversos contextos socioculturais e sua aplicação a diferentes setores produtivos".
— Darcy Ribeiro, O processo civilizatório (1972), p. 36[8]
Para o autor, não é simplesmente inventar a roda que faz um povo ser digno de reclassificação no continuum da evolução sociocultural, mas a aplicação dessa inovação na agricultura, na geração de energia, enfim, nas mais diversas áreas de sua vida. Nisso se sustenta seus conceitos de processo civilizatório geral e processo civilizatório específico, a difusão de um dinamizador cultural sobre vários povos que tendem a se relacionar diretamente e se misturar; e o processo de dinamização particular de um povo, respectivamente.[9]
No livro As Américas e a Civilização, Darcy Ribeiro propõe um esquema de categorização dos povos, pretendendo iniciar um intenso debate acerca do conhecimento que os povos americanos modernos têm de si mesmos.[nota 2] Partindo da assunção de que as sociedades contemporâneas são frutos da expansão europeia, Ribeiro as classifica, a depender das consequências desse processo, como povos-novo, povos-testemunho, povos-transplantado ou povos-emergente, categorias que ele chama de configurações histórico-culturais[11][12][13][14][15][16]. As categorias que propõe são:
Povos-novos: "[…] o resultado de formas específicas de dominação étnica e de organização produtiva sob condições de extrema compulsão social e deculturação compulsória que, embora exercidas em outras épocas e em distintas áreas do mundo, alcançaram na América colonial a mais ampla e a mais rigorosa aplicação".[17] Ribeiro classifica como povos-novo: Brasil, Colômbia, Venezuela, Antilhas espanholas e partes da América Central, onde o contato entre homens europeus e mulheres de povos situados nos estágios iniciais do continuum da evolução sociocultural[nota 3] produziram grandes populações mamelucas[nota 4] que acabaram por aculturar os contingentes africanos explorados em regimes de plantations[nota 5] — no caso dos quatro primeiros — e por servirem de mão de obra especializada em outros empreendimentos coloniais[nota 6] — no caso dos três últimos; Guianas, Sul dos EUA, Antilhas inglesas, francesas e holandesas, onde a massa mameluca não existiu ou emigrou após a instalação de regimes de plantations.[nota 7] responsável pela concentração de imensos contingentes africanos e crioulos, que acabaram por assumir o papel de protoetnia aculturadora. Isto é, os povos-novo, como o Brasil e Cuba, são hibridizações entre dominados e dominadores, formados pela intensa miscigenação entre povos muito diferentes, pelo brutal submetimento destes a formas comuns de exploração e pela inviabilidade da reprodução de seus modos de vida originais nas novas sociedades[18];
Povos-testemunho:"[…] as populações mexicanas, mesoamericanas e andinas, enquanto sobreviventes de antigas civilizações — asteca, maia e incaica — que desmoronaram ao impacto da expansão europeia, entrando num processo de aculturação e de reconstituição étnica, ainda inconcluso para todas elas". Ribeiro classifica como povos-testemunho: México, partes da América Central, Peru, Bolívia e Equador, onde os povos indígenas situados em estágios mais avançados do continuum da evolução sociocultural[nota 8] viram a substituição de suas classes dominantes, a tomada de suas capitais e a reconfiguração de seus centros de difusão de cultura erudita como mera conquista — havendo inclusive colaboração por parte de setores intermediários, que viram chance de expandir seus privilégios —, a qual sucedeu uma dualidade de opressão tão intensa que os fez profundamente diferenciados de todas suas matrizes e irregularmente introduzidos na cultura dominadora.[nota 9] Isto é, os povos-testemunho, como o Peru e o México, são restos de civilizações indígenas, desfiguradas pela intervenção em seus sistemas de produção, pela substituição de suas classes dominantes e pelo forçado convívio indiferenciado com povos rivais[19];
Povos-transplantado: "[…] os resultados contemporâneos das migrações para amplos espaços do Novo Mundo de contingentes europeus que para cá vieram com suas famílias, aspirando reconstituir a vida social de suas matrizes, com maior liberdade e com maiores chances de prosperidade".[20] Ribeiro classifica como povos-transplantado americanos:[nota 10]Canadá e Estados Unidos,[21] onde excedentes populacionais da Inglaterra, e em um segundo momento da Europa inteira, se organizaram em granjas autossuficientes, sem muito convívio e miscigenação com demais contingentes humanos, não passando por intensos processos de aculturação para se fazerem americanos, mas tão somente por assimilação,[nota 11] dada a proximidade entre as culturas inglesa e as demais europeias; Argentina e Uruguai,[22] onde a população mestiça original foi esmagada por excedentes populacionais europeus na toada das políticas de embranquecimento, a maioria da Itália e Espanha, que só permitiram alguma preservação da cultura original pela necessidade de adaptação ecológica, pela então inexistência das identidades europeias modernas e pela dupla presença de culturas de base hispânica — nativos e imigrantes —,[nota 12] constituindo, talvez, o único caso na história onde a população original foi substituída por imigrantes. Isto é, os povos-transplantado, como os Estados Unidos[23] e a Argentina[24], são extensões de sociedades europeias, formadas pela migração maciça às terras conquistadas, pelo pequeno contato dos colonos com outros povos e pelo seu mínimo distanciamento cultural da Europa[25];
Os povos-emergente, como os antigos araucanos e os modernos quéchuas, a categoria menos discorrida, são também restos de antigas civilizações indígenas, aspirantes à reconstituição de seus modos de vida originais e à autonomia ou independência política[26][nota 13].
Caso sui generis do Panamá: "[…] que não chega a ser um povo pelo artificialismo de sua criação e pela coerção sobre ele exercida pelos norte-americanos, impossibilitando qualquer esforço de integração nacional".[27] Tetrapartido em componentes indígenas, negros, criollos e americanos verdadeiramente apartados dos três primeiros em ilhas de riqueza, Ribeiro não classificava o Panamá de sua época em nenhuma das categorias concebidas, ainda não consciente de si ou revoltado com os militares e administradores americanos do canal.
Ribeiro associa à cada categoria certos problemas sociais e desafios, muitos deles relacionados à integração no atual processo de transformação das sociedades, desencadeado pela Revolução Termonuclear. Isso também é válido para todo o restante do mundo, chegando a classificar algumas outras sociedades nessa ou naquela categoria para fins ilustrativos, no entanto, a ênfase da obra é nos povos americanos, sendo uma espécie de focalização na América do que foi elaborado n'O Processo Civilizatório.
Em seu livro O Povo Brasileiro, Ribeiro apresenta uma divisão empírica das classes. Isto é, trata-se de uma divisão baseada não em níveis de renda, mas apenas na observação da sociedade.[28] Ribeiro critica a importação de tipologias de classes sociais da Europa, como se elas valessem automaticamente para a realidade latino-americana. Para suprir essa lacuna, criou sua tipologia de classes.[29]
No topo da hierarquia, há três grupos. O patronato, cujo poder e riqueza vêm da exploração econômica. O patriciado, por sua vez, é composto por indivíduos que exercem altos cargos (general, deputado, bispo, etc.) Mais tarde, surgiu entre as classes dominantes outro grupo: o estamento gerencial das empresas estrangeiras.[28]
Os setores intemediários, por sua vez, são compostos por "pequenos oficiais, profissionais liberais, policiais, professores", entre outros. As classes subalternas englobam os indivíduos que, apesar de pobres, estão integrados no mercado. Possuem empregos estáveis, também englobam pequenos empresários, arrendatários, gerentes de propriedades rurais, etc.[28]
A mais ampla classe é, contudo, as oprimidas, ou dos "marginais", composta principalmente de negros e mulatos. Estes não estão plenamente integrados na vida social, no sistema econômico, etc., e vivem de subempregos, ou de empregos instáveis. Para Ribeiro, a eles cabe a tarefa de reformar a sociedade.[28]
Brasil
Para Ribeiro, o Brasil é tanto um Povo Novo (no sentido explicado na seção mais acima), mas também é velho. Conforme O Povo Brasileiro, é velho "[...] porque se viabiliza como um proletariado externo. Quer dizer, como um implante ultramarino da expansão europeia que não existe para si mesmo, mas para gerar lucros exportáveis pelo exercício da função de provedor colonial de bens para o mercado mundial, através do desgaste da população que recruta no país ou importa".[31]
Ribeiro trabalhou com o conceito de desculturação, processo segundo o qual um povo ou uma etnia (como os negros e indígenas no Brasil) são despojados de seus elementos culturais originais para se aculturarem em um novo ambiente (no caso, a protocélula étnica brasileira). A desculturação é, para Ribeiro, a primeira etapa da aculturação.
Darcy Ribeiro foi eleito em 8 de outubro de 1992 para a cadeira 11, que tem por patrono Fagundes Varela, sendo recebido em 15 de abril de 1993 por Cândido Mendes.[32]
Em seu discurso de posse, deixou registrado:
“
Confesso que me dá certo tremor d'alma o pensamento inevitável de que, com uns meses, uns anos mais, algum sucessor meu, também vergando nossa veste talar, aqui estará, hirto, no cumprimento do mesmo rito para me recordar. Vendo projetivamente a fila infindável deles, que se sucederão, me louvando, até o fim do mundo, antecipo aqui meu agradecimento a todos. Muito obrigado. Estou certo de que alguém, neste resto de século, falará de mim, lendo uma página, página e meia. Os seguintes menos e menos. Só espero que nenhum falte ao sacro dever de enunciar meu nome. Nisto consistirá minha imortalidade.
Com obras traduzidas para diversos idiomas (inglês, o alemão, o espanhol, o francês, o italiano, o hebraico, o húngaro e o checo), Darcy Ribeiro figura entre os mais notórios intelectuais brasileiros. Divididas tematicamente, foram elas:
Etnologia
Culturas e línguas indígenas do Brasil – 1957
Arte plumária dos índios Kaapo – 1957
A política indigenista brasileira – 1962
Os índios e a civilização – 1970
Uira sai, à procura de Deus – 1974
Configurações histórico-culturais dos povos americanos – 1975
Suma etnológica brasileira – 1986 (colaboração; três volumes).
Diários índios – os urubus-kaapor – 1996, Companhia das Letras
Antropologia
O processo civilizatório – etapas da evolução sócio-cultural – 1968
As Américas e a civilização – processo de formação e causas do desenvolvimento cultural desigual dos povos americanos – 1970
O dilema da América Latina – estruturas do poder e forças insurgentes – 1978
Os brasileiros – teoria do Brasil – 1972
Os índios e a civilização – a integração das populações indígenas no Brasil moderno – 1970
The culture – historical configurations of the American peoples – 1970 (edição brasileira em 1975).
Premiação anual instituída em 1998 pela Câmara dos Deputados do Brasil, que concede um diploma de menção honrosa e outorga uma medalha com a efígie de Darcy Ribeiro a três personalidades físicas ou jurídicas que se destacaram na defesa e promoção da educação brasileira. Entre os indicados, os três vencedores são escolhidos por um colegiado formado por membros do Congresso Nacional.[47]
Toninho Vaz: Darcy Ribeiro – Nomes que honram o Senado. Ed. Senado, 2005.
MATTOS, Andre Luis Lopes Borges de. Darcy Ribeiro: uma trajetoria (1944-1982). 2007. 341p. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP.
Em 2014, a TV Brasil lançou um documentário com cinco episódios de 52 minutos denominado "O Brasil de Darcy Ribeiro", dirigido por Ana Maria Magalhães.[48]
O conceito de povo avançado ou atrasado no continuum da evolução sociocultural não deve de modo nenhum ser entendido como hierárquico ou supremacista. As tribos de caçadores-coletores e as aldeias agrícolas indiferenciadas ocupam posições mais baixas no continuum porque certas de suas características não são tão acentuadas como a de impérios teocráticos de regadio, por exemplo. Evolução pode ter muitos significados, aqui, como na Biologia, emprega-se o de "mudança", nunca de "melhoria".
Austrália, Índia, Japão, Nova Zelândia e outros povos não americanos são citados e mesmo categorizados no livro, para fins essencialmente comparativos e sem aprofundamento. Isso é particularmente notável no caso dos povos-emergentes, onde o autor cita uma confederação araucana como único povo dessa categoria outrora existente em solo americano, ainda que em Configurações Histórico-Culturais dos Povos Americanos reconsidere essa posição e cite muitos exemplos de povos-emergente na América de seu tempo, a maioria dos quais inclusa em povos-testemunho, como os quéchuas e q'eqchis[10], sem qualquer aprofundamento, deixando as menções aos povos-emergentes quase que exclusivamente a sociedades africanas e asiáticas.
Universal em quase todos os casos de contato entre populações distintas, a mestiçagem foi favorecida nas referidas regiões pela cultura dos povos que nelas viviam, mais propensas a abertura e a admissão de corpos estranhos, como bem exemplifica o cunhadismo dos tupinambás e práticas similares.
Afinal houve uma grande valorização das propriedades no Caribe após a instalação de engenhos açucareiros, o que levou muitos a vendê-las e saírem das ilhas.
Afinal povos de diferentes estágios evolutivos, e muitas vezes inimigos, foram forçados às mesmas compulsões e a conciliação de fragmentos de culturas ancestrais — suas e vizinhas — com a dominadora, opostas às suas em praticamente tudo
O que significa que a adaptação dos europeus a vida na América do Norte foi muito mais padronizante do que substitutiva, exigia pouco mais que a adequação a uma cultura irmã.
Sendo, seguramente, fator determinante na configuração do Uruguai e da Argentina como países de língua espanhola, apesar da predominância da imigração italiana sobre todas as outras nesses países.
A categoria em questão é comumente omitida em comentários sobre a tipologia do autor e é a menos característica de todas, com notáveis divergências entre as definições e classificações de 1970 e de 1975.
O prenome foi alterado para "Darci" durante algumas décadas, em conformidade com regras ortográficas então vigentes no Brasil (Formulário Ortográfico de 1943), que eliminavam a letra "y" do alfabeto. Com a volta do "y" no Acordo de 1990, a grafia "Darcy" pode ser aceita.
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