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Nu artístico é a designação dada à exposição do corpo de uma pessoa nua em diversos meios artísticos (pintura, escultura, performance ou, mais recentemente, cinema e fotografia). É considerado uma das classificações acadêmicas das obras de arte.
A nudez na arte refletiu pelo general os padrões sociais para a estética e a moralidade da época na que a obra foi realizada. Muitas culturas toleram a nudez na arte mais do que na vida real, com diferentes parâmetros sobre o que é aceitável. Assim, num museu no qual se mostram obras com nus, em geral não é aceita a nudez do visitante. Como gênero, o nu é um tema complexo de abordar pelas suas múltiplas variantes, tanto formais quanto estéticas e iconográficas, e há historiadores da arte que o consideram o tema mais importante da história da arte ocidental.[nota 1]
Embora se costume associar ao erotismo, o nu pode ter diversas interpretações e significados, da mitologia até a religião, passando pelo estudo anatômico, ou ainda como representação da beleza e ideal estético da perfeição, como na Grécia Antiga. A arte foi de sempre uma representação do mundo e do ser humano, um reflexo da vida. Portanto, o nu não deixou de estar presente na arte, sobretudo nas épocas anteriores à invenção de procedimentos técnicos para captar imagens do natural (fotografia, cinema), quando a pintura e a escultura eram os principais meios para representar a vida. Contudo, a sua representação variou com os valores sociais e culturais de cada época e cada povo, e assim como para os gregos o corpo era um motivo de orgulho, para os judeus — e, depois, para o cristianismo — era motivo de vergonha, era a condição dos escravos e os miseráveis.[1]
O estudo e representação artística do corpo humano foi uma constante em toda a história da arte, da pré-história (Vênus de Willendorf) até a atualidade. O corpo proporciona prazeres e dores, tristeza e alegria, e é um companheiro presente em todas as facetas da vida, com o qual o ser humano transita pelo mundo, e pelo qual sente a necessidade de indagar no seu conhecimento, nos seus pormenores, no seu aspecto tanto físico como recipiente do seu “eu interior”. Da sua faceta mais mundana, relacionada ao erotismo, até a mais espiritual, como ideal de beleza, o nu foi um tema recorrente na produção artística praticamente em todas as culturas que se sucederam no mundo ao longo do tempo.
O nu teve desde tempos antigos — especialmente desde as formulações clássicas da Grécia Antiga — um marcado componente estético, pois o corpo humano é objeto de atração erótica, e constitui um ideal de beleza que vai mudando com o tempo, segundo o gosto coletivo de cada época e cada povo, ou até mesmo o particular de cada espectador. A sexualidade aproximadamente implícita destas imagens levou o gênero do nu a ser objeto quer de admiração quer de condenação e recusa, chegando a estar proibido em épocas de moral puritana, embora sempre desfrutasse de um público que adquiriu e colecionou este tipo de obras. Em tempos mais recentes, os estudos do nu como gênero artístico focam-se nas análises semióticas, especialmente na relação entre obra e espectador, bem como no estudo das relações de gênero. O feminismo criticou o nu como uso objetual do corpo feminino e signo do domínio patriarcal da sociedade ocidental. Artistas como Lucian Freud e Jenny Saville elaboraram um tipo de nu não idealizado para eliminar o conceito tradicional de nu e buscar a sua essência para além dos conceitos de beleza e de gênero.[2]
“ | Agora compreenderemos melhor o porquê uma arte preocupada principalmente pela figura humana deva atender antes de tudo ao nu, assim como a razão de que este tenha constituído o problema mais apaixonante da arte clássica de todas as épocas. Não somente é o melhor veículo transmissor de tudo aquilo que na arte corrobora e acrescenta de maneira imediata o sentido da vida, mas é também em si mesmo o objeto mais significante do mundo dos homens. | ” |
O nu teve desde a Grécia Antiga um marcado componente idealizador, pelo general representou-se mais desde o idealismo que desde a imitação naturalista, procurando na forma humana um ideal de perfeição que transcendesse a matéria para evocar a alma, a pureza da união entre corpo e espírito. Assim, os artistas gregos, mais do que imitar o corpo humano, aperfeiçoavam-no. Em palavras de Aristóteles: “a arte completa o que a natureza não pode terminar. Pelo artista conhecemos os objetivos inatingidos da natureza”.[3] Assim, no nu o espectador aprecia erros que não são tais, senão são julgamentos de gosto, reflexões estéticas que derivam de um conceito de beleza ideal inerente a qualquer pessoa. De tal maneira que é impossível estabelecer critérios gerais pelos quais qualquer um nu seja belo para todo o mundo, e alguns autores tentaram — sem sucesso — estabelecer uma “forma média”, baseada nas proporções mais habituais, que, porém não chega a satisfazer ao espectador, pois que a beleza é algo abstrato, incomensurável, utópico, e portanto de difícil realização prática.[4]
O ideal de perfeição do corpo humano provém da Grécia Clássica, e é constatável em todas as suas obras, se bem que não existe referência de como expressavam os escultores gregos as proporções ideais do corpo humano. Há chegado notícias do célebre “cânone de Policleto”, mas não se sabe exatamente em que consistia. Contudo, uma das expressões mais famosas das proporções no corpo humano provém de um arquiteto romano, Vitrúvio, quem no terceiro livro do seu De Architectura estabelecia que as proporções ideais em arquitetura se devessem basear na medida do corpo humano, que é um modelo perfeito, porque com braços e pernas estendidos encaixa nas duas principais formas geométricas — consideradas perfeitas —, o círculo e o quadrado. Esboçou assim o chamado Homem de Vitrúvio, que teve grande relevância na teoria artística do Renascimento.[5]
Contudo, estas tentativas de fundamentar o corpo humano em proporções perfeitas foram um tanto baldias, e os seus resultados frequentemente insatisfatórios, como a Nêmesis de Dürer (1501), baseada nas proporções vitruvianas e porém carente de atrativo físico. Em última instância, não há fórmulas para plasmar de modo exato a beleza do corpo, porque a nossa percepção sempre é tamisada pelo pensamento, pelo nosso gosto, as nossas lembranças, as nossas vivências. Dizia Francis Bacon que “não há beleza excelente que não tenha algo raro na proporção”.[6] O mesmo Dürer, após as suas primeiras tentativas de uma geometrização do corpo humano, renunciou a tal pretensão, e passou a inspirar-se mais na natureza. Na introdução do seu tratado Quatro livros das proporções humanas (1528) expressou: “não há um homem na terra capaz de emitir um julgamento definitivo sobre qual possa ser a forma mais formosa do homem”.[7]
Pode-se concluir que o fator estético do nu depende tanto de certas regras enquanto a proporção e simetria como a um variado conjunto de valores de caráter subjetivo, da espontaneidade e exuberância da natureza até a componente psíquica da percepção estética, sem recusar o caráter individual de tudo julgamento de gosto. Segundo Kenneth Clark, “o nu representa o equilíbrio entre um esquema ideal e as necessidades funcionais”, sendo estas o conjunto de fatores que outorgam vida e credibilidade ao nu artístico.[8]
As primeiras reflexões teóricas sobre o nu efetuaram-se no Renascimento: no tratado Della Pittura (1436–1439), Leon Battista Alberti opinava que o “estudo do nu” era a base do procedimento acadêmico da pintura, estabelecendo que “para pintar o nu, começai pelos ossos; acrescentai depois os músculos e cobri depois o corpo com carne, de modo que fique visível a posição dos músculos. Poderia objetar-se que um pintor não deve representar o que não se pode ver, mas este procedimento é análogo a desenhar um nu e depois cobri-lo de roupagens”. Esta prática acadêmica chegou praticamente até a atualidade, junto ao estudo do natural, constatável nos primórdios do século XV em uns desenhos de Pisanello, primeiro autor do que se conservam este tipo de rascunhos. Alberti também recomendava para qualquer representação de grupo efetuar antes um rascunho com as figuras despidas, antes de vesti-las na obra final, como se percebe num rascunho da Disputà de Rafael, onde um grupo de novos nus e de complexão atlética forma o conjunto que depois seriam os Padres da Igreja e os teólogos. O nu, junto à perspectiva, foram os dois grandes fatores estruturais da composição pictórica renascentista, e na segunda metade do século XV era já um estudo comum para a aprendizagem de qualquer aspirante a artista, como se denota por obras conservadas das oficinas de Filippino Lippi, Ghirlandaio e os irmãos Antonio e Piero Pollaiuolo, e assim está documentado nas "Vidas" (1542–1550) de Vasari.[9]
O nu renascentista foi base do estudo do corpo humano para o ensino acadêmico da arte até praticamente o século XX, com a premissa de estar fundamentado na anatomia e de estar concebido sob um critério idealizador que excluísse qualquer conotação puramente sensualista. Um dos principais artistas que influíram na arte acadêmica foi Rafael, um dos primeiros que nas suas obras incluía nus sem justificação temática —como na sua Matança dos inocentes, na qual os soldados de Herodes vão nus, sem se ter fundado em referências bíblicas. Contudo, pelo seu estudo anatômico, pelas suas posturas estilizadas —que lembram mais bailarinos que soldados—, contêm um elemento ideal, elevado, puramente intelectual, que lhes confere um sentido de nobreza artística que os afasta de qualquer consideração pejorativa. Esse era o ideal academicista, e nas principais realizações dessa escola —principalmente as do chamado arte pompier do século XIX— o elemento de idealização do nu é primordial para a concepção da obra, na que qualquer indício de realismo ou de sensualidade seria considerado vulgar.[10]
Um componente indissolúvel do nu é o erotismo, elemento inelutável, pois a visão do corpo humano nu gera atração, desejo, apetite sexual. Para Kenneth Clark, este aspecto não se deve obviar nem tentar minimizar ou relativizar, e ainda menos menosprezá-lo; no seu ensaio sobre o nu contrapõe à afirmação de Samuel Alexander (em Beauty and Other Forms of Value) sobre que o nu de tipo erótico é uma “arte falsa e uma moral má” a vindicação de que se o nu não é erótico é uma “arte má e uma moral falsa”.[11] Contudo, o corpo humano pode produzir também outras sensações, enquanto veículo através do qual experimentamos o mundo; Clark menciona cinco das principais sensações que provoca o nu: harmonia, energia, êxtase, humildade e pathos.[12]
A difícil tarefa de delimitar no nu artístico a fronteira entre o erotismo e o idealismo, entre o sensual e o espiritual, levou artistas e filósofos a expor diversas teorias que justificassem a existência destes diversos âmbitos: Platão estabeleceu em O Banquete duas diferentes naturezas da deusa Afrodite, a natural e a celeste; a primeira representaria o material, o ligado à carne, aos sentidos, ao desejo e à atração sexual; a segunda significaria o espiritual, a beleza imaterial, relacionada ao bem e à virtude, a expressão da alma e do intelecto. Este conceito esteve vigente durante a Idade Média e foi retomado pelo neoplatonismo do Renascimento, tornando-se fórmula do nu classicista e acadêmico, como fica exemplificado no quadro Amor sacro e amor profano de Tiziano. Em tempos mais recentes, foi reformulado em termos similares por Friedrich Nietzsche, que em O nascimento da tragédia no espírito da música (1872) distinguia entre o apolíneo e o dionisíaco, ou seja, entre o equilíbrio intelectual e a desagregação orgiástica.[13]
A representação artística do nu flutuou, na história da arte, da permissividade e tolerância de sociedades que o viam como algo natural, e até mesmo o alentavam como ideal de beleza — como na Grécia Antiga —, até a recusa e a proibição por sociedades de moral mais puritana, nas quais geralmente desde umas premissas baseadas na religião, o nu foi objeto de censura e inclusive de perseguição e destruição das suas obras. Nomeadamente, o cristianismo não tolerou a representação do corpo humano nu exceto em imagens de conteúdo religioso, no qual alguns temas isolados eram justificados pelas sagradas escrituras, como os casos de Adão e Eva, a crucifixão de Jesus ou a representação das almas no inferno. Na Idade Média, estas premissas estavam plenamente assumidas por artistas e pela sociedade em geral, e ao não existir transgressões a esta norma não se contabilizam numerosos casos de censura. Contudo, no Renascimento, a valoração da cultura clássica e o retorno ao antropocentrismo na cultura comportaram um auge do nu, justificado tão somente por motivos mitológicos ou alegóricos, o que propiciou a recusa da Igreja especialmente desde a Contrarreforma. O Concílio de Trento (1563) reservou um papel de destaque na arte, como meio de divulgação do ensinamento religiosa, mas ao tempo o constringiu à mais estrita interpretação das escritas, outorgando ao clero a tarefa de vigiar a correta observância dos preceitos católicos por parte dos artistas.[15]
Após o Concílio, o catolicismo contrarreformista censurou a nudez. Assim, o papa Paulo IV ordenou, em 1559, a Daniele da Volterra cobrir com roupas as partes íntimas das figuras do Juízo Final da Capela Sistina realizadas pouco antes por Michelangelo — por esta ação Volterra foi chamado desde então il Braghettone, “o calções” —. Pouco depois, outro papa, Pio V, encomendou a mesma tarefa a Girolamo da Fano, e ainda Clemente VIII tinha desejos de eliminar por completo a pintura, embora, por fortuna, foi dissuadido pela Accademia di San Luca.[16] Desde então, a Igreja católica encarregou-se com esmero de cobrir as nudezas de numerosas obras de arte, quer com telas ou com a famosa folha de parreira, a planta com a qual Adão e Eva se cobriram depois do pecado original. Outro exemplo de recusa do nu na arte foi a estátua de Davi de Michelangelo que, ao ser colocada na Piazza della Signoria de Florença, foi apedrejada pelo público que presenciava a cena, embora com o tempo se acostumassem, e até mesmo se ganhou o afeto dos florentinos.[17]
Na Espanha, defensora da Contrarreforma, a Inquisição foi encarregue de velar pela decência e o decoro na arte, designando inspetores para supervisar o cumprimento dos decretos conciliares, como o sogro de Velázquez, o pintor sevilhano Francisco Pacheco del Río. Em 1632, foi publicada, a pedido de um nobre de origem portuguesa, Francisco de Bragança,[nota 2] um documento intitulado Cópia dos pareceres, e censuras dos reverendíssimos mestres, e senhores catedráticos das insignes Universidades de Salamanca e Alcalá, e de outras pessoas doctas. Sobre o Abuso das figuras, e pinturas lascivas e desonestas; em que se mostra, que é pecado mortal pintá-las, esculpi-las, e tê-las patentes onde fossem vistas, no qual se expressava a comum opinião da época — sobretudo em âmbitos eclesiásticos — da imoralidade da representação do nu, quando este for lascivo sem justificação religiosa. Esta opinião generalizada explica o pequeno número de obras de nu na arte renascentista e barroca espanhola. Tiziano, por exemplo, ciente do puritanismo da corte espanhola, cobriu com ramos de figueira os corpos nus de Adão e Eva antes de enviar o quadro a Filipe II em 1571.[18] Em relação ao nu, o Tribunal da Inquisição tinha estabelecido que:
“ | E para obviar em parte o grave escândalo e dano não menor que ocasionam as pinturas lascivas: mandamos que ninguém ouse meter nestes reinos imagens de pintura, lâminas, estátuas ou outras de escultura, lascivas, nem usar delas em lugares públicos de praças, ruas ou aposentos comuns das casas. E assim mesmo proíbe-se aos pintores pintá-las, e aos demais artífices que não as talhem nem façam, sob pena de excomunhão maior latae sententiae, trina canonica monitione praemisa, e de quinhentos ducados por terças partes a despesas do Santo Ofício, juízes e denunciador, e um ano de desterro aos pintores e pessoas particulares, que as entrarem nestes reinos, ou contraviessem em algo do referido. | ” |
Um caso que poderia ter acabado numa perda de numerosas obras mestras de grandes artistas foi o protagonizado por Carlos III, que em 1762 ordenou queimar, por conselho do seu confessor, todos os quadros de nu pertencentes à coleção real, que colecionaram os monarcas hispânicos de Carlos I até Filipe IV. Entre as obras encontravam-se, por exemplo, As Três Graças e o Juízo de Paris de Rubens, Adão e Eva de Dürer, Vênus recreando-se na música e Vênus e Adonis de Tiziano. Finalmente, foram salvas da queimada pelo pintor de câmara do rei, Anton Raphael Mengs, que o convenceu para que servissem de modelos de estudo para a Real Academia de Belas Artes de São Fernando. Primeiro levou estas obras para a sua casa, e depois para a oficina dos pintores da Corte, a chamada Casa do Rebeque, junto ao Alcácer Novo. Algumas destas obras passaram em 1827 ao Museu do Prado, onde foram confinadas numa sala especial fechada ao público, que somente se visitava com licenças especiais, e não foram exibidas publicamente até 1838.[19] Em lembrete deste fato, em 2004 o Museu do Prado organizou uma exposição temporária chamada A Sala Reservada, com uma seleção dos melhores nus dos fundos da instituição.[20]
Os processos inquisitoriais afetaram até mesmo a um artista da talha de Francisco de Goya, que foi denunciado ao Santo Ofício pela sua obra A maja nua, confiscada pelo tribunal em 1814. A Inquisição a qualificou de “obscena”, e iniciou um juízo contra Goya, que conseguiu a absolvição graças à intervenção do cardeal.[21][22][23] Contudo, a obra ficou fora da vista do público praticamente até inícios do século XX. Esta obra gerou outra polêmica em 1927, quando Correios da Espanha emitiu um selo com esse quadro, sendo a primeira vez que aparecia um nu feminino na filatelia.
Os exemplos de censura e perseguição do nu artístico são abundantes em toda a história recente da arte ocidental: no século XVIII, Luís, Duque d'Orleães destruiu a cutiladas o quadro Leda com o cisne de Correggio, pois considerava-o lascivo; porém, os fragmentos foram recolhidos e ensamblados novamente, exceto a cabeça, que foi repintada posteriormente.[24] No século XIX, o artista norte-americano Thomas Eakins foi expulso da Pennsylvania Academy of Arts de Filadélfia por ter introduzido a prática acadêmica do estudo do nu tomado do natural. Na Bélgica, em 1865, Victor Lagye foi encarregue de cobrir com peles as figuras de Adão e Eva do Trítico do Cordeiro Místico da Catedral de São Bavão de Gante. Na Grã-Bretanha, por encomenda da rainha Vitória, uma enorme folha de parreira cobriu uma réplica do Davi de Michelangelo, que ainda se conserva no Victoria and Albert Museum.[17]
Ainda no século XX houve numerosos casos de censura e agressões a nus artísticos: em 1914, uma sufragista britânica chamada Mary Richardson agrediu com um machado a Vênus do espelho de Velázquez, pois considerava que oferecia uma imagem da mulher como mero objeto. Richardson foi sentenciada a seis meses de prisão, o máximo permitido pela destruição de uma obra de arte.[25] Em 1917, a polícia fechou uma exposição de Amedeo Modigliani na galeria Berthe Weill, o mesmo dia da inauguração, por “ofensas ao pudor”, pois os nus mostravam penugem púbica. Por causa do escândalo, o artista não vendeu nenhum quadro.[26]
No século XXI, embora pelo geral o nu seja visto com naturalidade pela maior parte da povoação, ainda ocorrem casos de censura artística: em 2001, o Secretário de Justiça dos Estados Unidos, John Ashcroft, ordenou ocultar a estátua Spirit of Justice que preside a sala de conferências do Departamento de Justiça em Washington, pois mostrava os peitos nus.[27] Em 2008, foram retirados do Metro de Londres uns cartéis publicitários que reproduziam uma Vênus despida pintada por Lucas Cranach, o Velho, e que serviam para anunciar uma exposição dedicada ao pintor renascentista alemão, pois segundo a companhia “poderia ferir e ofender a sensibilidade dos usuários do Metro”.[28] Também em 2008, o primeiro ministro italiano, Sílvio Berlusconi, ordenou cobrir um seio nu que mostrava a alegoria A Verdade desvelada pelo Tempo de Giambattista Tiepolo, pois era a imagem central da sala de conferências de imprensa do Governo, e aparecia ao fundo do premer nos seus comparecimentos frente da televisão.[29]
O nu teve, especialmente desde o Renascimento, um marcado sentido iconográfico, pois, talvez por pudor, o artista buscou frequentemente uma desculpa temática para poder representar nus, outorgando-lhes um significado geralmente relacionado à mitologia greco-romana e, às vezes, com a religião. Até o século XIX praticamente não há nus “ao natural”, despojados de tudo simbolismo, nus que somente reflitam a esteticidade intrínseca do corpo humano. As fontes iconográficas para estas representações encontram-se nos textos dos autores clássicos greco-romanos (Homero, Tito Lívio, Ovídio), para a mitologia, e na Bíblia (Antigo e Novo Testamento) para a religião. Muitos artistas estavam em dia das diversas temáticas mitológicas ou religiosas, assim como da obra de outros autores, por meio de gravuras e xilografias que circulavam por toda Europa, sobretudo desde o século XVI —poucos eram os artistas realmente eruditos e que podiam extrair informação diretamente das fontes clássicas, como Rubens, que sabia latim e vários idiomas europeus—. Com o tempo, foi forjado um corpus iconográfico que recolhia os principais mitos, lendas, passagens sagrados e relatos históricos, com obras como A lenda dourada de Jacopo da Varazze (século XIII), sobre vidas dos santos e de Jesus Cristo e a Virgem, ou A genealogia dos deuses pagãos de Boccacio (1360–1370), sobre mitologia grega e romana.[30]
Alguns dos temas mais recorrentes na iconografia do nu são:
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