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escritor de língua latina da Antiguidade Tardia Da Wikipédia, a enciclopédia livre
Marciano Mineu Félix Capela (em latim: Martianus Minneus Felix Capella; fl. 375-425), melhor conhecido somente como Marciano Capela, foi um escritor de língua latina da Antiguidade Tardia e um dos primeiros a desenvolver o sistema das sete artes liberais que constituíram a base do conhecimento e ensino no início da época medieval.
Marciano Capela | |
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Nascimento | Martianus Mineus Felix Capella 360 M'Daourouch |
Morte | 428 |
Cidadania | Império Romano do Ocidente |
Ocupação | escritor, poeta, teórico musical, filósofo |
Obras destacadas | The Marriage of Philology and Mercury |
Marciano nasceu e viveu na Província de África romana,[1] julgando-se que terá praticado advocacia na Cartago romana onde terá escrito a obra pela qual ficou célebre.
Marciano muitas vezes apresenta pontos de vista filosóficos baseados no Neoplatonismo, a escola de filosofia platónica iniciada por Plotino e seus seguidores.[2] Tal como o seu quase-contemporâneo Macróbio, que produziu também uma grande obra sobre religião romana clássica, Marciano nunca identifica diretamente a sua própria filiação religiosa. Muito da sua obra tem a forma de diálogo e as ideias dos interlocutores podem não representar as do próprio autor.[3]
A cratera lunar Capella foi assim chamada em homenagem a Marciano Capella.
Marciano provavelmente viveu e escreveu em Cartago, como o parecem indicar os manuscritos da sua obra pelo adjetivo Afer carthaginensis após o nome do autor na maioria dos livros/capítulos e pelo próprio texto em si. Nos últimos versos da obra, que servem como uma espécie de assinatura, Marciano faz surgir a divindade alegórica Satura (representando o género literário da sátira menipeia), que é suposto ter-lhe dado a inspiração para toda a narrativa; Satura desenha então uma espécie de retrato de Marciano dizendo: "Tu que viste crescer a cidade feliz de Elissa" (ou seja, Dido, rainha mítica de Cartago).
Parece que a ideia geralmente aceite de que Marciano nasceu em Madaura (hoje Souk Ahras, Argélia), e que mais tarde se mudou para Cartago, seja errada, pois que essa afirmação remonta à introdução da edição por Grotius em 1599 da obra de Marciano, o qual julgava que se tratava de Marciano a quem Cassiodoro por várias vezes se referiu como Madaurensis, quando o que este último evoca invariavelmente é Apuleio.[1]
Marciano deve ter vivido no início do século V pois o livro que escreveu e pelo qual ficou famoso na época, De nuptiis Philologiae et Mercurii (Sobre as Núpcias entre Filologia e Mercúrio), foi escrito após o saque de Roma pelos Visigodos em 410, evento que é nele referido, mas aparentemente antes da conquista do Norte de África pelos Vândalos em 429, por não o ter sido.
Em meados do século VI, Securo Memor Félix, orador e professor de retórica, recebeu o texto em Roma colocando a assinatura pessoal no fim do Livro I (ou no Livro II em muitos manuscritos) registando que esteve a trabalhar em "exemplares muito corrompidos". Gerardus Vossius (1577–1649) erradamente considerou que isto significava que Marciano vivera no século VI, dando origem a um equívoco que perdurou longamente acerca da época em que Marciano vivera.[4]
A única obra conhecida de Marciano que tem um carácter enciclopédico, De Nuptiis Philologiae et Mercurii (Sobre o casamento da Filologia e Mercúrio), às vezes chamada De Septem Disciplinis (Sobre as Sete Disciplinas) ou o Satyricon,[5] é uma alegoria didática complexa escrita numa mistura de prosa e de poesia elaboradamente alusiva, um prosimetrum à moda das sátiras menipeias de Varrão.
O estilo é prolixo e carregado com metáforas e expressões bizarras. O livro foi de grande importância na definição da fórmula padrão do ensino académico desde o Império Romano cristianizado do século V até ao Renascimento do século XII. Esta fórmula incluía o amor medieval pela alegoria (em específicas corporizações) como um meio para apresentar o saber, e a estruturação desse saber em torno das sete artes liberais.
O livro, fazendo uma súmula da magra cultura clássica do seu tempo, foi dedicado a seu filho. A sua história enquadradora nos dois primeiros livros conta o namoro e casamento de Mercúrio (a busca inteligente ou produtiva), que fora recusado pela Sabedoria, Adivinhação e a Alma, com a donzela Filologia (estudo, ou mais literalmente o amor pelas letras e o estudo), que se torna imortal sob a proteção dos deuses, das Musas, das Virtudes cardeais e das Graças. O título refere-se à união alegórica da busca intelectualmente proveitosa (Mercúrio) da aprendizagem por meio da arte das letras (Filologia).
Nos presentes de casamento estão sete servas para a Filologia, ou seja, as sete artes liberais: Gramática (uma mulher idosa com uma faca para extirpar os erros gramaticais das crianças), Dialética, Retórica (uma mulher alta com um vestido decorado com figuras de linguagem e armada de forma a atacar os adversários), Geometria, Aritmética, Astronomia e (a musical) Harmonia. Frances Yates comenta que estas imagens correspondem estreitamente às regras para a criação de imagens de memória artificial.[6] À medida que é apresentada, cada arte faz uma exposição dos princípios da ciência que representa, proporcionando assim um resumo das sete artes liberais. Duas outras artes, Arquitetura e Medicina, estiveram presentes na festa, mas dado que tratavam de coisas terrenas, deviam manter-se em silêncio na presença das divindades celestiais.
Cada livro é um resumo ou uma compilação de autores anteriores. O tratamento dos assuntos cultiva uma tradição que remonta a Disciplinae de Varrão, até mesmo a alusão de passagem de Varrão à arquitetura e medicina, que no tempo de Marciano Capela eram as artes da mecânica, sendo matéria para escravos inteligentes, não para senadores romanos. O currículo romano clássico, que iria em grande medida passar através do livro de Marciano Capela para o início do período medieval, foi modificado, mas escassamente revolucionado pelo Cristianismo. As porções de verso, no seu conjunto correta e classicamente elaborados, imitam Varrão.
O oitavo livro descreve um modelo astronómico geocêntrico modificado, no qual a Terra está em repouso no centro do universo à volta da qual giram a Lua, o Sol, três planetas e as estrelas, enquanto Mercúrio e Vénus circundam o Sol.[7] Esta perspectiva do universo foi elogiada por Copernicus no Livro I do seu De revolutionibus orbium coelestium.
O livro de Marciano Capela foi fundamental na história da educação, da retórica e da ciência. A obra foi lida, ensinada e comentada e estruturou a educação europeia desde o início da Idade Média até ao fim da Renascença carolíngia.[8]
Logo no final do século V, outro africano, Fulgentius, compôs uma obra tendo por modelo a de Marciano. Um nota encontrada em numerosos manuscritos escrita por Securo Memor Félix, indica que cerca do ano 534 o texto denso e circular de De nuptiis já havia sido irremediavelmente corrompido pelos erros dos copistas.[9] Michael Winterbottom sugere que a nota de Securo Memor pode ser a base do texto encontrado num "número impressionante dos livros" escritos no século IX.[10]
Outro escritor do século VI, Gregório de Tours, assegura que o livro se tornou praticamente um manual escolar.[11] Na sua obra de 1959, C. Leonardi inventariou a existência de 241 manuscritos de De nuptiis, o que atesta a sua popularidade durante a Idade Média.[10] Foi comentado abundantemente por John Scotus Erigena, Hadoard, Alexander Neckham e Remígio de Auxerre.[12][13] No século XI o monge alemão Notker Labeo traduziu os dois primeiros livros para o alemão antigo. Marciano continuou a ter um papel importante enquanto veículo do saber antigo até ao nascimento do novo sistema de ensino com base na escolástica aristotélica. Ainda no século XIII, Marciano continuava a ser considerado a causa eficiente do estudo de astronomia.[14]
As ideias de Marciano perderam interesse para os estudiosos modernos, "exceto pelo esclarecimento que a sua obra dá sobre o que os homens de outros tempos e lugares sabiam ou pensavam que era importante saber acerca das artes liberais".[15] C. S. Lewis, em The Allegory of Love, afirmou que "o universo, que produziu a orquídea e a girafa, não produziu nada mais estranho do que Marciano Capela".
A editio princeps de De nuptiis por iniciativa de Francisco Vital Bodiano ocorreu em Vicenza em 1499. A relativamente tardia impressão da obra, bem como o número modesto de impressões posteriores,[16] é a marca da queda de popularidade, excepto como uma cartilha educativa fundamental nas artes liberais.[17] Durante muitos anos, a edição padrão da obra foi a de A. Dick (Teubner, 1925), mas J. Willis produziu uma nova edição para Teubner em 1983.[10]
Uma edição moderna, focando as artes matemáticas, é Martianus Capella and the Seven Liberal Arts, Vol. 1: The Quadrivium of Martianus Capella: Latin Traditions in the Mathematical Sciences, 50 B.C.–A.D. 1250.[18] O Volume 2 desta obra é a tradução para inglês de De nuptiis.
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