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O período nacadano[1] (4000-3 000 a.C.) é caracterizado pela gradual evolução de tradições econômicas e sócio-culturais, maior hierarquização social evidenciada por diferenças crescentes em complexidade, tamanho e espólio tumular, trabalho artesanal mais elaborado e uma intensa agricultura mista no Vale do Nilo; no deserto há um estilo de vida nômade ou semi-nômade baseada no pastoreio, caça e coleta vegetal.[2] É um momento de grande uniformidade em todo o Egito: "Uma das coisas mais impressionantes e intrigantes sobre o Antigo Egito é a aparente rapidez e abrangência com que centenas de aldeias desconexas e funcionalmente semelhantes foram transmutadas em uma unidade social, econômica e política organizada - o primeiro estado egípcio. Esta transmutação começou a cerca de 4 000 a.C., no sul e rapidamente se espalhou para o norte, abrangendo a maioria do Egito em 3 000 a.C.";[3] "Em 4 000 a.C. o solto conjunto de artefatos indicativos da fase cultural Nacada I esteve em uso em grande parte do Vale do Nilo; pela fase de desenvolvimento conhecida como Nacada III, quase 600 anos antes do período faraônico, uma série de objetos típicos estava em uso em todo o país".[4]
A cultura de Amira (Nacada I) durou de 4000-3 500 a.C. e foi principalmente atestada nos sítios de Amira (o primeiro sítio genuinamente amiratiano) e Nacada, embora tenha subsistido em outros sítios importantes (Hieracômpolis, Abidos, etc.).[5][6] Este período assisti a ascensão de elites regionais poderosas como evidenciado pelo espólio tumular sofisticado localizado em diversos cemitérios amiratianos (especialmente o cemitério T de Nacada), contudo, como este processo ocorreu no Alto Egito é inconclusivo: alguns argumentam que a adoção de um estilo agrícola plenamente sedentário no Alto Egito, em vista da imprevisibilidade das cheias do Nilo, obrigou cidades e povoações unirem-se entre si em um sistema inter-regional que propiciou mudanças importantes nas condições econômicas e competição socioeconômica, além disso, impulsionou o gradativo surgimento de estados regionais e uma elite dominante (vinculada a seu poder político por formas ativas e simbólicas) dotada de contingente militar que geriu o novo meio econômico;[3][7][8] outros argumentam que tal processo foi consequência da grande especialização artesanal ocasionada pelo comércio com regiões distantes (Oriente Próximo, Núbia).[9][10][11]
Muitos sítios evidenciam fases ocupacionais distintas (o que indica que foram sazonais[12]) e suas residências foram produzidas no estilo pau a pique ou com paredes de vime, embora haja evidências de que no final do período as edificações foram erigidas utilizando-se tijolos.[13][14][15][16] Os sepulcros amiratianos eram covas ovais onde os mortos eram depositados contraídos com a cabeça para o sul e o corpo para a esquerda, vestiam tangas, eram forrados por esteiras e, por vezes, possuíam almofadas de tecido ou couro sob a cabeça; enterros mais ricos possuíam projetos de sarcófagos de madeira ou argila e possuíam numeroso espólio tumular.[17] Enterros de bovinos são evidenciados tendo estes possivelmente atendido a exigências rituais, pois em muitos túmulos ricos foram encontrados chifres.[18]
A cerâmica vermelha com parte superior preta continuou a ser produzida embora a tendência foi de vasos vermelhos com decoração abstrata (geométrica) ou figurativa (animais, pessoas, barcos);[17] decaiu entre D. S. 30 e 39 no sistema de Datação Sequencial de Petrie.[19] Foram produzidos manufaturados em osso e marfim (colheres, furadores, pentes, punções, agulhas, figuras humanas com barba triangular e toca), pedra (lâminas bifaciais com borda serrilhada, facas romboidais, cabeças de clavas discoides, vasos de basalto, contas de cornalina, paletas geométricas e zoomórficas[20] de grauvaque e ardósia) e cobre (pinos, arpões, grânulos, pulseiras e imitações de ferramentas), assim como faiança e esteatita vítrea.[17]
A economia era baseada na caça (gazelas, gansos, hipopótamos, crocodilos, elefantes, avestruzes), pesca, pecuária (ovinos, caprinos, suínos, bovinos, cães), agricultura (trigo, cevada, linho, ervilhas, ervilhacas, frutas) e comércio (obsidiana, cobre, vasos lápis-lazúli) com o Oriente Próximo (Palestina, Mesopotâmia, Afeganistão), Núbia e oásis.[21][22] A cidade de Nacada era conhecida na antiguidade como "Nubt", que significa ouro, o que possivelmente indica que tal local prosperou durante o período graças a extração de tal minério do deserto.[22]
A cultura Gerzeana (Nacada II) desenvolveu-se de 3500-3 200 a.C. nas regiões antes dominadas pelos amiratianos (a cultura de Amira prosperou por mais um tempo na Núbia[23]) em um momento em que a precipitação médio regrediu no Egito o que influi em como o deserto foi incorporado à cultura.[6][24] Neste período o número de assentamentos é reduzido e a então dominante Nacada é superada e possivelmente conquistada pela cidade de Hieracômpolis (mais ao sul); os sítios (agora murados com paredes de tijolos[25]) e cemitérios assistiram um aumento considerável como resultado do comércio com o exterior, desenvolvimento urbano, cultural e social, expansão territorial, crescente poder das elites regionais (monopólio comercial, guerras, ideologia e controle de recursos estratégicos[26][27]) e formação de grandes reinos no Nilo (Nacada, Hieracômpolis e Abidos são os principais[28][29]) que conflitaram entre si por hegemonia e melhor acesso a terras férteis;[30][31][32] centros urbanos como Guebeleim e Abadia são eclipsados.[33] A deterioração das condições climáticas possivelmente provocou migrações maciças das populações do deserto que, em meio a convergência com os habitantes do Nilo, provocaram a expansão da população e a necessidade de uma maior organização social para que houvesse adequada produção de alimentos.[34][35]
Os túmulos nacadanos mais simples eram covas retangulares, ovais ou circulares com pouco espólio tumular; os mais elaborados eram retangulares e possuíam compartimentos construídos com tijolos para armazenamento do espólio.[36] Caixões feitos com madeira ou cesta forrada com barro foram utilizados em inumações adultas, além disso, os corpos eram forrados com esteiras ou panos de linho; crianças eram sepultadas em vasos de cerâmica.[36]
A economia foi baseada na agricultura (trigo, cevada, linho), pecuária (bovinos, caprinos, ovinos, suínos, burros, e cães), pesca, caça (perdeu muito de sua importância[37][38]), extração mineral (cobre e ouro[39]) e comércio (marfim, ébano, ouro, cobre, incenso, peles de gatos selvagens, óleos, pedras e conchas importados; alabastro, contas de ouro, faiança, lâminas, "cabeça bovídea" exportados).[36] Partindo do pressuposto de que a população do Nilo era insuficiente para a irrigação artificial das lavouras, tal processo ocorria por meio de diques e bacias naturais,[40][41] no entanto, há aqueles que imaginam que pequenos diques e canais foram erigidos para melhorar a distribuição da água.[42] Durante Nacada II houve um intenso comércio de contas de lápis-lazúli entre o Egito e a Mesopotâmia que pode ser dividido em duas fases: na primeira fase o contato comercial provinha de uma rota pelo norte através da Palestina e outra pelo sul através de Hama; na segunda fase há contatos comerciais com assentamentos comerciais (Habuba Kabira e Tell Brak) no norte da Mesopotâmia.[43] No momento da expansão gerzeana rumo ao Delta a influência do Alto Egito sobre o o norte do Sinai.[44]
É evidente com base nos achados arqueológicos que no seio da sociedade gerzeana havia número ascendente de artesãos especializados que produziam produtos consumidos pela elite e também pelo comércio com o Oriente Próximo; estilos decorativos (bovinos, barcos) e artísticos (formas e tamanhos) característicos da civilização egípcia começam a ser aprimorados durante o período como evidenciado nos ornamentos da tumba 100 de Hieracômpolis (jazigo de um grande líder local); o sentimento religioso egípcio começa aflorar terminantemente (o primeiro templo egípcio é erigido em Hieracômpolis).[45]
À cerâmica é atribuída valores de D. S. 40 a 62, além disso, é evidente sua diferença em relação aos estilos anteriores.[19] Um nova textura, conhecida como "marl", é desenvolvida a base de carbonato de argila e cálcio; novos estilos (cerâmica D, L, R, e W) são criados: a cerâmica D é marrom-escuro sobre fundo creme com motivos decorativos abstratos (geométricos, barcos), animais e humanos pintados; a cerâmica R é marrom-avermelhada, temperada com palha, polida e decorada com motivos incisos; a cerâmica L é cinza-esverdeada ou rosa, temperada com areia e polida; a cerâmica W é produzida a partir de modelos maadianos tendo evoluído de formas globulares co alças distintas para formas cilíndricas com alças pequenas ou pintadas.[36]
Durante o período a gama de matérias primas utilizadas expande-se vertiginosamente: pedras coloridas, granito, sílex, calcário, alabastro, mármore, serpentina, basalto, brecha, gnaisse, diorito, calcita e gabro; a indústria lítica é composta por buris, lascas retocadas, raspadores finais, perfuradores, ferramentas apoiadas, cabeças de machados, bifaciais e entalhes.[36] Paletas cosméticas (com relevo[46]), vasos não-cerâmicos (pedra, marfim, cobre), joias (lápis-lazúli, conchas, faiança, madeira, marfim) armas, cabeças de clava em forma de pera, alfinetes (osso), pentes (madeira, osso, marfim) e figuras antropomórficas e zoomórficas (terracota) são visíveis entre os achados; uso de cobre (adagas, facas, enxós, machados, pontas de lança, arpões, anzóis, agulhas, anéis, pequenas ferramentas e ornamentos), ouro e prata é acrescido;[47] esferas de ferro meteorítico são os mais antigos exemplos do uso de ferro no mundo.[48][49][50][51]
A Cultura Semaineana (Nacada III) desenvolveu-se de 3200-3 000 a.C.,[6] (período idêntico ao período protodinástico do Egito) tendo sido marcado pelo surgimento dos primeiros hieróglifos, sereques, narrativas gravadas em paletas, cemitérios realmente reais e irrigação, assim como pela unificação e formação do Estado egípcio; a elite egípcia estava neste instante completamente estabelecida, muitos sítios do Delta dedicaram-se exclusivamente ao comércio com o Oriente Próximo e neste momento o maior centro de poder era Abidos, embora Hieracômpolis tenha mantido muito de seu poder devido a seu acesso privilegiado as rotas comerciais do sul, assim como as minas da Núbia.[52] Uma conotação puramente contextual (dinastia 0) é empregada para agrupar todos os até então conhecidos líderes egípcios de Nacada IIIb-IIIc, embora deve ser citado que estes não formaram uma dinastia concreta.[53] Embora não totalmente aceite entre os egiptólogos, o termo dinastia 00 por vezes é atribuído para distinguir todos os líderes regionais atestáveis no Egito entre o período Nacada IIc-IIIa2.[54]
Atualmente o processo de unificação do Alto e Baixo Egito é um fato ainda não conclusivamente compreendido, tendo deste modo surgido diversas teorias acerca de possíveis meios para que tal fato ocorresse: formação de Mênfis (adquiriu notória importância como centro comercial, administrativo e cultural[55][56]) dominação gradual (mesopotâmica,[57][58][59] núbia, deltaica ou do Alto Egito[60]), integração regional (alianças, guerras e trocas culturais[16][61][62]), comércio (o que explicaria a razão pela qual alguns sítios do Delta foram abandonados[63][64][65][66][67]), pressões populacionais (do sul para o norte[38][68]) ou uniformidade religiosa.[69]
Os principais centros políticos do período são Elcabe, Hieracômpolis e Abidos, embora possivelmente outros Estados tenham surgido em torno de centros como Buto (não deixou de ser ocupado) no Delta, Abadia, Tinis e Mênfis (seu cemitério localizava-se em Sacará) no Alto Egito, Seiala e Custul na Baixa Núbia; Nacada foi possivelmente politicamente incorporada por outro Estado;[28][70] possivelmente estes Estados delinearam os chamados nomos, divisão administrativa do Egito na antiguidade.[71] Os túmulos tornam-se cada vez mais ricos tendo sido construídos com tijolos e os mortos foram depositados em sarcófagos de madeira ou argila de forma contraída para a esquerda e com a cabeça para o sul; há frequência de inumações múltiplas e de crianças e os mortos eram acompanhados com rico e diversificado espólio tumular.[72]
Os nômades do deserto oriental, possivelmente, devido a degradação das condições ambientais locais, atuaram como intermediadores do comércio do Egito com regiões do Oriente Próximo.[73][74] Uma acentuada elevação da produção agrícola durante o período devido ao maior número de áreas cultivadas e da melhoria das habilidades empregadas.[75] Marcas e sereques em vasos são possíveis indicações de práticas administrativas;[76] possivelmente o sistema de nomos começou a surgir neste momento.[77][78]
Costumes religiosos (uso de estelas) assim como alguns deuses do panteão egípcio começaram a surgir durante o período: Hórus, Bat, Seti, Necbete e Min.[79] Segundo estudos, constatou-se que a escrita hieroglífica começa a surgir durante o período (possivelmente baseada na escrita mesopotâmica[80]) tendo sido estritamente homogênea em todo o Egito;[81] arte e iconografia, ambas representadas em paletas cosméticas, também têm seus primeiros exemplos.[82]
Cerâmicas incisas, paletas (sobretudo a Paleta Líbia) e um grafite nos Colossos de Copto forneceram os nomes de possíveis reis locais que reinaram até a ascensão dos reis tinitas: Órix, Concha, Peixe, Elefante, Touro, Boi I (?) Cegonha, Canídeo, Boi II, Escorpião I, Falcão I, Mim + planta [...] Falcão II, Leão, Falcão Duplo (e sereques no Sinai e delta) [...] Iri-Hor, Cá, Escorpião II, Narmer; talvez houve dois Touros, o dos colossos (Touro I) e outro da Paleta do Touro (Touro II);[84] Escorpião I, cuja tumba (U-j, Abidos) tinha muitos bens e os primeiros hieróglifos sabidos, foi associado a um grafite de Gebel Tjauti, no deserto entre Abidos e Nacada, que exibe possível vitória sobre outro rei.[85] Há também outros achados com sereques: Hate-Hor (túmulo 1702 em Tarcã), Ni-Hor (Tora e Tarcã), Hedju-Hor (delta Oriental e Tora) e Crocodilo (túmulos 315, 414 e 1549 de Tarcã), que acaso foi usurpador no tempo de Narmer.[86] Alguns dos primeiros faraós tiveram seus jazigos detectados: Iri-Hor (túmulo B1-B2, Abidos), Cá (túmulo B7-B9, Abidos), Escorpião II (quem sabe 4ª camada do túmulo B50 em Abidos ou túmulo 1 do local 6 em Hieracômpolis) e Narmer (túmulo B17-B18, Abidos).[87]
Outro grafite de Gebel Xeique Solimão e duas cabeças de clavas pertenceram ao rei Escorpião II. Evidências apontam que ele tentou unificar militarmente o Egito, mas conseguiu apenas ampliar seus domínios até Mênfis. O reinado do governante seguinte, Narmer, é caracterizado por marcante evolução em diversos aspectos culturais egípcios.[87] Segundo teorias clássicas, foi durante seu reinado que o Egito unificou-se,[88] tendo sido considerado como o primeiro rei dinástico;[89] foi possivelmente o único a terminar a contínua rivalidade dos líderes abideno-tinitas com aqueles de Hieracômpolis, presumivelmente através do reconhecimento da autoridade da última com concessões do rei às famílias locais poderosas.[85] Em Hieracômpolis foram identificados diversos artefatos pertencentes a Narmer, entre eles sua cabeça de clava, sua paleta e um cilindro de madeira com decoração incisa.[86]
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