Batalha de Alcácer Quibir
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A Batalha de Alcácer-Quibir também grafada Alcácer-Quivir, al Qasr al-kibr, Alcazarquivir ou Alcassar, significando "grande fortaleza" (em árabe: معركة القصر الكبير), conhecida em Marrocos como Batalha dos Três Reis (em árabe: معركة الملوك الثلاث) ou Batalha de Oued al-Makhazin (em árabe: معركة وادي المخازن), foi uma batalha travada no norte de Marrocos perto da cidade de Alcácer Quibir, entre Tânger e Fez, em 4 de agosto de 1578.[1] Os portugueses, liderados pelo rei D. Sebastião, aliados ao exército do sultão Maomé Mutavaquil (Abu Abedalá Maomé Saadi II, da Dinastia Saadiana), combateram um grande exército saadiano liderado pelo sultão Mulei Maluco (Abu Maruane Abedal Maleque I Saadi, tio de Mulei Mafomete) que gozava do apoio otomano.[2]
Batalha de Alcácer-Quibir | |||
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Império Português | |||
Data | 4 de agosto de 1578 (446 anos) | ||
Local | Alcácer Quibir, atual Marrocos | ||
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Localização em mapa dinâmico |
No seu fervor religioso, o rei D. Sebastião planejara uma cruzada após Mulei Mohammed solicitar a sua ajuda para recuperar o trono que seu tio, Mulei Maluco, tinha tomado. A batalha resultou na derrota portuguesa, com o desaparecimento em combate do rei D. Sebastião e o aprisionamento ou morte da nata da nobreza portuguesa. Morreram na batalha cerca de 7 000 nobres e homens de armas.[3] Além do rei português, morreram na batalha os dois sultões rivais, dando origem ao nome "Batalha dos Três Reis", como ficou conhecida entre os marroquinos.
A derrota na batalha de Alcácer-Quibir levou à crise dinástica de 1580 e ao nascimento do mito do Sebastianismo. O reino de Portugal ficou severamente empobrecido pelos resgates pagos para reaver os cativos.
A batalha ditou o início do fim da Dinastia de Avis e do período de expansão iniciado com a vitória na Batalha de Aljubarrota. A crise dinástica resultou, dois anos mais tarde, na perda da independência de Portugal por 60 anos, com a união ibérica sob a Dinastia Filipina.
O rei D. Sebastião, cognominado "o desejado", era filho do Infante Dom João (filho de João III de Portugal) e Joana de Áustria, filha do sacro-imperador Carlos V. Seu pai morrera antes que ele houvesse nascido, e D. Sebastião herdou o trono aos três anos, após a morte do seu avô em 1557. Foi educado por jesuítas, pelo seu guardião e tutor Aleixo de Meneses e por sua avó, Catarina de Áustria, esposa de D. João III e irmã de Carlos V. Assumiu o governo em 1568, aos 14 anos.
Certas teorias afirmam que a influência católica combinada ao seu idealismo juvenil culminaram em fanatismo religioso, embora ele nunca tenha aderido à Santa Liga. As Cortes tinham solicitado várias vezes a D. Sebastião para fazer cessar o avanço da presença militar otomana, que seria uma ameaça para a segurança das costas portuguesas e do comércio com a Guiné, Brasil e Ilhas Atlânticas. Mas só quando Mulei Mohammed se deslocou a Portugal pedindo o seu auxílio para recuperar o trono, tomado pelo seu tio em 1576, é que D. Sebastião se decidiu a montar um esforço militar.
D. Sebastião ter-se-á sentido motivado a reviver as glórias do passado intervindo no Norte de África, influenciado por acontecimentos como a defesa do Mazagão durante o cerco mouro em 1562. Assim, em 1568, o reino começou a preparar a intervenção em Marrocos. Esta política foi vista como um imperativo nacional, pois pretendia beneficiar do comércio de ouro, gado, trigo, açúcar o que além de oferecer oportunidades à burguesia mercantil, era também um campo de atividade para a nobreza, sendo apoiada por ambas.
Até então, a ação militar portuguesa em África tinha-se limitado a pequenas expedições e invasões. Portugal tinha construído o seu vasto império marítimo do Brasil até às Índias Orientais por uma combinação de comércio, exploração marítima e domínio tecnológico, com conversão cristã das populações sendo um objectivo, mas não o único. D. Sebastião propôs alterar totalmente essa estratégia.
Em 1574, D. Sebastião liderara uma bem sucedida incursão em Tânger, o que incentivou um plano mais vasto. Deu assim o seu apoio a Mulei Mohammed, que estava envolvido numa guerra civil para recuperar o trono Saadiano a seu tio, o sultão Abdal Maleque - aliado dos cada vez mais poderosos otomanos. Apesar das admoestações da sua mãe e do seu tio Filipe II de Espanha (que se tornara muito cauteloso, após a Batalha de Djerba), D. Sebastião estava determinado a travar uma campanha militar. D. Sebastião decidiu apoiar Mulei Mohammed que, como compensação, ofereceu Arzila aos portugueses enquanto procurava apoio de outros reis.[1] Filipe II retirou-se da disputa.
O nexo da intervenção em Alcácer-Quibir é claramente explicado em carta do próprio D. Sebastião a D. João de Mendonça em 1576:
Não é somente para dar a posse daquele Reino ao tio do Xarife, mas principalmente com o fundamento de o fazerem tributário e vassalo do Turco, e o Turco se fazer Senhor de toda África, e de todos os portos de mar dela, tendo em cada uma delas muitas galés que lhes será fácil de pôr em efeito. Assim, pela natureza da mesma terra, como por seu grande poder, que quando assim acontecesse, o que Deus não permita, visto é quantos males sem remédio poderiam recrescer a toda Espanha, que da Cristandade se pode dizer que é hoje a melhor e maior parte, e com este intento queria que não somente cuidareis nesta matéria e a discorrereis para me nela dardes parecer e conselho no que farei e devo fazer (...)[4]
Referia-se assim à reconquista de Tunis em 1574 pelos Turcos, o que os tornara senhores de todo o norte de África, exceptuando Marrocos, onde o poder se disputaria na Batalha de Alcácer-Quibir, apoiando D. Sebastião o lado do Xarife deposto, contra o seu tio Mulei Maluco, que contava com o apoio turco. Ainda não se passavam 100 anos da expulsão ibérica do Reino Nacérida de Granada, e temia-se reedição da antiga invasão muçulmana de 711.
D. Sebastião empregara uma parte significativa da riqueza do Império Português para equipar uma grande frota e reunir um grande exército. Este incluía 2 mil voluntários de Castela (liderados por Alonso de Aguilar), 3 mil mercenários vindos da Alemanha e da Flandres (comandados por Martim da Borgonha) bem como 600 italianos inicialmente recrutados para ajudar uma invasão da Irlanda sob a liderança do inglês Thomas Stukeley, bem como o auxílio em armas e munições.
Fez-se o recrutamento do exército português, mas verificou-se alguma corrupção, o que fez com que o exército expedicionário, de cerca de 15 000 a 23 000 homens, fosse em parte pouco disciplinado, mal preparado, inexperiente e com pouca coesão. A elite do exército era composta pelos "aventureiros", nobres portugueses veteranos nas guerras de África e do Oriente, e pelos mercenários estrangeiros, veteranos das guerras do norte da Europa. A força expedicionária terá reunido também 500 navios.
Sebastião partiu de Lisboa a 25 de Junho de 1578, passou por Tânger, onde estava Maomé Mutavaquil, seguiu para Arzila e daqui para Larache, por terra, havendo quem preferisse que se fosse por mar, para permitir maior descanso às tropas e o necessário reabastecimento em víveres e água. Seguiram depois a caminho de Alcácer Quibir, onde encontraram o exército de Mulei Maluco, muito superior em número.
A 4 de Agosto de 1578, perto de Alcácer-Quibir onde se situa hoje aaldeia de Suaken, com o exército português esgotado pela fome, pelo cansaço e pelo calor, deu-se a batalha.
O exército marroquino avançou em uma ampla frente, planeando cercar as fileiras de D. Sebastião. Era composto por 10 000 cavaleiros nos seus flancos, tendo no seu centro mouros vindos de Espanha, os quais guardavam especial ressentimento dos cristãos. Apesar da sua doença o Sultão Abedal Maleque deixou a sua liteira e liderou a suas forças a cavalo.
O exército português nesta batalha tinha uma primeira linha (vanguarda) composta pelos "aventureiros" portugueses, comandados por Cristóvão de Távora, e pelos voluntários e mercenários estrangeiros, por uma ala esquerda de cavalaria pesada comandada pelo rei D. Sebastião e por uma ala direita de cavalaria comandada pelo Duque de Aveiro. A segunda linha de infantaria (batalha) era comandada por Vasco da Silveira e a terceira linha de infantaria (retaguarda) por Francisco de Távora.[desambiguação necessária] A artilharia estava posicionada, sobretudo, na primeira linha.
A batalha começou com uma troca de fogo de mosquetes e artilharia, por ambos os exércitos. Thomas Stukeley, comandante dos voluntários italianos, foi morto por uma bala de canhão no começo da batalha. A cavalaria moura, superior em número, avançou cercando o exército português, enquanto as forças principais se engajavam completamente em combate corporal. No centro da vanguarda do exército português, os experientes "aventureiros" comandados por Cristóvão de Távora avançaram com grande ímpeto, provocando o recuo e a debandada da vanguarda moura. Para deter essa debandada das suas forças, o debilitado Mulei Maluco montou o seu cavalo pela última vez e morreu com o esforço, momentos depois. A sua morte é ocultada até ao final da batalha. Próximo do acampamento do líder mouro, o ataque português perdeu impulso após o comandante se ter apercebido que tinham ficado demasiado afastados do restante exército, assim correndo risco de isolamento, e começa a recuar. Vendo os seus flancos comprometidos pelo ataque da cavalaria moura, ameaçado ele próprio pela mesma, e em retirada, o centro português perdeu as esperanças e foi subjugado lentamente. D. Sebastião, perante a derrota inevitável, recusa os conselhos de outros nobres para que se renda, dizendo-lhes: "Senhores, a liberdade real só há de se perder com a vida". Os nobres que o acompanhavam a cavalo conformam-se em prosseguir o combate até ao fim, tendo-lhes ainda D. Sebastião dito: "Morrer sim, mas devagar!"
A batalha terminou após quatro horas de combate intenso com a completa derrota dos exércitos de D. Sebastião e Abu Abdallah Mohammed II Saadi, com quase 9 mil mortos e 16 mil prisioneiros, nos quais se incluem grande parte da nobreza portuguesa. Talvez 100 sobreviventes tenham escapado, com custo, do local da batalha.
Maomé Mutavaquil, aliado dos portugueses, tentou fugir ao massacre em que a batalha se convertera mas morreu afogado ao atravessar o rio Mocazim. O sultão Abedal Maleque (Mulei Maluco) também morreu durante a batalha, mas de causas naturais, uma vez que o esforço da batalha foi demais para o seu estado, debilitado por um envenenamento que sofrera. D. Sebastião, por sua vez, desapareceu liderando uma carga de cavalaria contra o inimigo, e seu corpo jamais foi encontrado. Nestas condições, o exército português, em que pesem alguns atos de grande bravura, foi completamente dizimado. Apesar de na época duvidarem da morte do rei português, é muito provável que ele nesta batalha tenha perecido.
Entre os prisioneiros na batalha de Alcácer-Quibir estava o Prior do Crato D. António, que, conta-se, conseguiu a libertação com recurso à astúcia: quando lhe perguntaram o significado da cruz de S. João que usava, respondeu que era o sinal de uma pequena mercê que tinha obtido do papa e que a perderia se não voltasse até 1 de Janeiro. O seu captor, pensando que se tratava de um homem pobre, permitiu a sua libertação em troca de um pequeno resgate.
Os relatos da batalha não foram uniformes, especialmente no que diz respeito ao que ocorreu depois de terminada a batalha, em que D. Sebastião se retira e não há vitória declarada de qualquer lado, conforme consta em - Relação da Batalha de Alcácer que mandou um cativo ao Dr. Paulo Afonso,[5] onde se diz o seguinte:
Neste tempo vendo El Rei que estava na vanguarda o seu campo desbaratado, se veio recolhendo pela banda do Duque de Aveiro, e o seguiu alguma gente de cavalo e a pé, cuidando que ia fazendo uma ponta para volver sobre os mouros, viu o campo já tão desbaratado que se retirou. Durou a batalha quatro horas sem se declarar a vitória.
Nada mais se informa sobre o que ocorreu depois de terminarem esses combates. Apresenta-se logo de seguida um esquema da disposição das tropas de D. Sebastião (tendo previamente o cativo descrito detalhadamente a sua composição, e apontando D. Duarte de Menezes como "Mestre de Campo").
As consequências desta batalha foram catastróficas para Portugal. D. Sebastião desaparecera, deixando como sucessor o seu tio-avô, o Cardeal D. Henrique, que morreu sem descendência dois anos depois. Assim se iniciou uma crise dinástica, ameaçando a independência de Portugal face a Espanha, pois um dos candidatos à sucessão era o seu tio, Filipe II de Espanha.
A disputa do trono português teve vários pretendentes: D. Catarina de Médici, rainha da França, que se dizia descendente de D. Afonso, D. Catarina, duquesa de Bragança e sobrinha do Cardeal D. Henrique; Emanuel Felisberto de Saboia, duque de Savoia e D. António de Portugal, Prior do Crato, ambos, sobrinhos do rei; Rainúncio de Parma e Filipe II. Filipe, efetivamente, ascendeu ao trono em 1580.
A maioria da nobreza portuguesa que participou na batalha, ou morreu ou foi feita prisioneira e todos os bispos e arcebispos nela presentes foram mortos. Para pagar os elevados resgates exigidos pelos marroquinos, o país ficou enormemente endividado e depauperado nas suas finanças.
Luís de Camões escreveu, numa carta a D. Francisco de Almeida, referindo-se ao desastre de Alcácer-Quibir, à ruína financeira da Coroa portuguesa e à independência nacional ameaçada: "Enfim acabarei a vida e verão todos que fui tão afeiçoado à minha Pátria que não só me contentei de morrer nela, mas com ela".
Na aldeia de Suaken, uma aldeia próxima do local da batalha, encontra-se um obelisco em memória de D. Sebastião e mais dois em memória dos outros dois reis. A batalha ainda hoje é conhecida em Marrocos como a "Batalha dos Três Reis".
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