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momento em que Jesus mostra sua glória divina aos apóstolos, no topo de uma montanha. Da Wikipédia, a enciclopédia livre
A Transfiguração de Jesus é um episódio do Novo Testamento no qual Jesus é transfigurado (ou metamorfoseado) e se torna radiante no alto de uma montanha.[1][2] Os evangelhos sinóticos (Mateus 17:1–9, Marcos 9:2–8 e Lucas 9:28–36) e uma epístola (II Pedro 1:16–18) fazem referência ao evento.[1] Nestes relatos, Jesus e três de seus apóstolos vão para uma montanha (conhecida como Monte da Transfiguração). Lá, Jesus começa a brilhar e os profetas Moisés e Elias aparecem ao seu lado, conversando com ele. Jesus é então chamado de Filho por uma voz no céu – presumivelmente Deus Pai – como já ocorrera antes no seu batismo.[1]
A Transfiguração é um dos milagres de Jesus nos evangelhos,[3][4][2] diferente dos demais pois, neste caso, o objeto do milagre é o próprio Jesus.[5] Tomás de Aquino considerava a Transfiguração como o "maior dos milagres", uma vez que ele complementou o batismo e mostrou a perfeição da vida no céu.[6] A Transfiguração é também um dos cinco grandes marcos da vida de Jesus na narrativa dos evangelhos (os outros são o batismo, a crucificação, a ressurreição e a ascensão).[7][8]
Na doutrina cristã, o fato de a Transfiguração ter ocorrido no alto de uma montanha representa o ponto onde a natureza humana se encontra com Deus: o encontro do temporal com o eterno, com o próprio Jesus fazendo o papel de ponte entre o céu e a terra.[9]
Nos evangelhos sinóticos, o relato da transfiguração acontece aproximadamente no meio da narrativa.[10][11] Ele é um episódio muito importante e aparece logo depois de um outro também de grande importância, a chamada "Confissão de Pedro": "Você é o Cristo",[1][12] servindo como mais uma revelação da identidade real de Jesus como Filho de Deus para alguns de seus discípulos.[1][11]
Nos evangelhos, Jesus levou Pedro, Tiago, filho de Zebedeu, e João consigo até o alto de uma montanha cujo nome não é mencionado. Lá, Mateus 17:2 afirma que Jesus "Foi transfigurado diante deles; o seu rosto resplandeceu como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz." Neste momento, os profetas Elias e Moisés aparecem e Jesus começou a conversar com eles.[1] Lucas 9:32 é mais específico e afirma que os apóstolos "viram a sua glória".[13]
No momento que Elias e Moisés começaram a desaparecer, Pedro pergunta a Jesus se os discípulos deveriam armar três barracas para ele e para os dois profetas. Esta pergunta tem sido interpretada como uma tentativa de Pedro de manter os profetas ali por mais algum tempo.[13] Contudo, antes que Pedro pudesse terminar, uma nuvem brilhante apareceu e uma voz nas nuvens disse: "Este é o meu Filho, o meu escolhido, ouvi-o." Os discípulos se prostraram tementes, mas Jesus se aproximou e tocou-os pedindo-lhes que não tivessem medo. Quando os discípulos olharam para o alto, já não viram mais Elias e Moisés.[1]
Quando Jesus e os três apóstolos estavam descendo da montanha, Jesus pediu-lhes que não contassem para ninguém sobre "esta visão" até que o "Filho do homem" tivesse "ressuscitado dos mortos". Os três então questionam entre si o que Jesus quis dizer com "ressuscitado dos mortos".[14] Além do relato principal dos evangelhos sinóticos, em II Pedro 1:16–18, o apóstolo Pedro se auto-descreve como testemunha ocular da "majestade" de Jesus.
Em outros trechos do Novo Testamento, a referência de Paulo de Tarso em 2 Coríntios 3:18 à "transformação" através da "imagem de glória em glória" se tornou a fonte teológica para considerar a transfiguração como a base para o processo que leva o fiel ao conhecimento de Deus.[15][16]
Embora Mateus 17 liste o discípulo João como estando presente à transfiguração, o Evangelho de João não faz menção ao evento,[17][18][19] à exceção, pela opinião de alguns estudiosos, de que ele parece fazer uma alusão ao fato em João 1:14.[20] Este fato deu origem a um debate entre os acadêmicos, com alguns duvidando da autoria do Evangelho de João e outros tentando explicar esta omissão.[17][18] Uma explicação (que remonta a Eusébio de Cesareia, no século IV) é que João teria escrito seu evangelho de forma a não ter muitas sobreposições com os evangelhos sinóticos, complementando-os.[17] Além disso, a Transfiguração não é o único evento que não está presente no quarto evangelho — a instituição da Eucaristia durante a Última Ceia é outro exemplo chave — o que parece reforçar a tese de que a inclusão de episódios em João foi de fato seletiva.[18][17][18][19]
A teologia cristã atribui grande importância à transfiguração por diversos motivos. O evento é considerado um marco e sua localização no alto de uma montanha representa, na doutrina cristã, o ponto onde a natureza humana se encontra com Deus: o encontro do temporal com o eterno, com o próprio Jesus fazendo o papel de ponte entre o céu e a terra.[9] Além disso, assim como no seu batismo, a transfiguração reforça a identidade de Jesus como Filho de Deus. A expressão "ouvi-o" também o identifica como sendo o mensageiro e o porta-voz de Deus.[21] A importância desta identificação é ainda reforçada pela presença de Elias e de Moisés, pois indica aos apóstolos que Jesus é a voz de Deus e, ao invés de Elias ou Moisés, deve ser ouvido, o que, para alguns teólogos, é o sinal de que a lei do Antigo Testamento foi suplantada através da relação filial de Jesus com Deus.[21] O trecho na epístola de Pedro ecoa a mesma mensagem: na transfiguração, Deus atribui a Jesus uma "honra e glória" especial e o evento é um momento de virada no qual Deus exalta Jesus acima de toda a criação, posicionando-o como governante e juiz.[22]
A transfiguração também reflete o ensinamento de Jesus de que Deus não é «Deus de mortos, mas de vivos» (Mateus 22:32). Mesmo Moisés tendo morrido séculos antes e Elias tenha sido carregado para o céu (em II Reis 2:11), eles agora vivem na presença do Filho de Deus, implicando que o mesmo retorno à vida se aplica também a todos que estão sujeitos à morte e tem fé.[23]
A teologia da transfiguração recebeu bastante atenção dos padres da Igreja desde o início do primeiros dias do cristianismo. No século II, Ireneu de Lyon se mostrou fascinado pelo evento e escreveu: "a glória de Deus é um ser humano vivo e uma vida humana real é a visão de Deus".[24] A teologia de Orígenes sobre a transfiguração influenciou a tradição patrística e se tornou a base de muitas obras teológicas posteriores.[25] Entre outros temas, Orígenes comentou que, por conta do pedido de Jesus de que os apóstolos mantivessem segredo até a ressurreição, o estado glorificado da transfiguração e o da ressurreição certamente estão relacionados.[25]
Os padres do deserto enfatizaram que a luz experimentada através da experiência do ascetismo e a relacionaram com a luz da transfiguração — um tema que foi desenvolvido por Evágrio do Ponto no século IV.[25] Por volta da mesma época, Gregório de Níssa — um dos padres capadócios — e, posteriormente, Pseudo-Dionísio, o Areopagita, estavam desenvolvendo a "teologia da luz" que influenciou as tradições místicas e contemplativas bizantinas, como a Luz de Tabor e a theoria (vide hesicasmo).[25]
A iconografia da transfiguração continuou a se desenvolver neste mesmo período e há uma representação simbólica do século VI na abside da Basílica de Sant'Apollinare in Classe e uma outra, bem conhecida, no Mosteiro de Santa Catarina, no Monte Sinai.[26] Os padres bizantinos geralmente se valiam de metáforas fortemente visuais em suas obras, indicando que eles podem ter sido influenciados por esta iconografia.[27] A copiosa obra de Máximo, o Confessor, pode também ter sido moldada por sua experiência contemplativa no católico do Mosteiro de Santa Catarina — um caso que não é incomum de uma ideia teológica aparecendo em ícones muito antes de aparecer na literatura.[27]
No século VII, Máximo afirmou que os sentidos dos apóstolos foram transfigurados para permitir que eles percebessem a verdadeira glória de Cristo.[28] Nesta mesma linha de pensamento e partindo de II Coríntios 3:18, já no final do século XIII o conceito de "transfiguração do crente" se firmou e Gregório Palamas considerava o "verdadeiro conhecimento sobre Deus" como sendo uma "transfiguração do homem pelo Espírito de Deus".[29] A transfiguração espiritual do crente desde então continuou sendo uma forma de alcançar uma proximidade maior com Deus.[16][30]
Uma das generalizações mais comuns sobre a doutrina cristã é a de que a Igreja Ortodoxa enfatiza a transfiguração enquanto que a Igreja Católica foca muito mais na crucificação. Porém, a verdade é que ambas atribuem grande importância a ambos os eventos, com algumas nuances.[31] Entre elas estão os chamados "sinais sagrados" da imitação de Cristo. Ao contrário dos santos católicos como o Padre Pio ou Francisco de Assis (que consideravam os stigmata como um sinal da imitação de Cristo), os santos ortodoxos jamais reportaram esses sinais. Santos como Serafim de Sarov e Staretz Silouan relataram terem sido transfigurados por uma "luz interna da graça".[32][33]
A conexão entre a transfiguração e a ressurreição indicada primeiro por Orígenes continuou a influenciar o pensamento teológico por muitos anos.[25] Ela se desenvolveu tanto na literatura quanto na iconografia, que se influenciaram mutuamente. Entre os séculos VI e IX, a iconografia da transfiguração no oriente influenciou a iconografia da ressurreição, chegando por vezes a representar várias pessoas diferentes ao lado de Cristo glorificado.[34]
Esta relação não foi destacada apenas no oriente. No ocidente, muitos comentaristas bíblicos medievais consideravam a transfiguração como uma prévia do corpo glorificado de Cristo após a ressurreição.[35] No século VIII, em seu sermão sobre a transfiguração, o monge beneditino Ambrósio Autpertus ligou diretamente a Ceia em Emaús à narrativa da transfiguração em Mateus e afirmou que em ambos os casos Jesus "foi mudado para uma forma diferente, não na natureza, mas na glória".[35]
O conceito da Transfiguração como uma prévia e uma antecipação da ressurreição é composto de diversos outros conceitos teológicos.[36] Por exemplo, está implícita uma advertência aos discípulos — e ao leitor — que a glória da transfiguração e a mensagem de Jesus só podem ser compreendidas no contexto de sua morte e ressurreição e não em si mesmas.[36][37] Além disso, o evento todo pode ser compreendido com base na assertiva de Jesus em Mateus em uma de suas aparições após a ressurreição: «Foi-me dado todo o poder no céu e na terra.» (Mateus 28:16–20).[37]
A presença dos profetas ao lado de Jesus e as impressões dos discípulos também foram tema de diversos debates teológicos. Orígenes foi o primeiro a comentar que a presença de Moisés e Elias representava a "Lei e os Profetas", fazendo referência à Torá.[25] Martinho Lutero era da opinião que eles representam os 613 mandamentos e os neviim (profetas) respectivamente, e a conversa deles com Jesus representa a realização da "lei e os profetas" (veja Jesus explicando a Lei).[38]
A presença real de Moisés e Elias no monte da Transfiguração é rejeitada pelas igrejas que acreditam no chamado "sono da alma" (mortalismo cristão) até a ressurreição dos mortos. Diversos comentaristas notaram que Jesus descreve a transfiguração utilizando a palavra grega horama[39] que, de acordo com Thayer, é geralmente utilizada para uma visão "sobrenatural" do que para descrever eventos físicos reais[40] e concluiu que Moisés e Elias não estavam de fato presentes.[41]
Nenhum dos relatos bíblicos identifica a "alta montanha" da transfiguração pelo nome. Desde o século III, alguns cristãos identificam o Monte Tabor como sendo o local, inclusive Orígenes.[42] O local é há muito tempo o destino de peregrinos e fieis e ali está a Igreja da Transfiguração. Em 1808, Henry Alford colocou em dúvida esta localização se baseando na possível localização de uma fortaleza romana no local que Antíoco, o Grande, construiu em 219 a.C. e que Josefo afirma ter sido utilizada pelos romanos durante a primeira guerra judaico-romana (após a transfiguração, portanto).[43] Outros acadêmicos rebateram que mesmo que Tabor tenha sido fortificado por Antíoco, nada impediria que a transfiguração tenha ocorrido ali.[44] Edward Greswell, porém, escrevendo em 1830, não viu "boas razões para questionar a antiga tradição eclesiástica que supõe que ela [a transfiguração] tenha ocorrido no monte Tabor".[45]
John Lightfoot rejeita Tabor como sendo muito distante, mas aceita que possa ter ocorrido em "alguma das montanhas perto de Cesareia de Filipe".[46] O candidato usual neste caso é o monte Panium, Paneas ou Banias, um pequeno morro situado perto da fonte do rio Jordão, próximo a Cesareia de Filipe.[47] R. T. France (1987) assinala que o monte Hermon é mais perto de Cesareia, mencionada no capítulo anterior de Mateus.[48] Da mesma forma, Meyboom (1861) identifica "Djebel-Ejeik.",[49] o que pode ser uma confusão com Jabal el Sheikh, o nome em árabe para o monte Hermon.
A festa da Transfiguração é celebrada por várias denominações cristãs. As suas origens são incertas e podem estar relacionadas à dedicação de três basílicas no sopé do monte Tabor.[26] A festa já existia de diversas formas no século IX e, na Igreja Ocidental, passou a ser universalmente celebrada em 6 de agosto quando o papa Calisto III a utilizou para celebrar o Cerco de Belgrado (1456).[50]
Na Igreja Ortodoxa Siríaca, Ortodoxa Indiana, nas igrejas ortodoxas que se utilizam do calendário juliano revisado, na Igreja Católica e nas igrejas anglicanas a festa é observada no dia 6 de agosto. Nas igrejas ortodoxas que ainda seguem o calendário juliano, 6 de agosto cai em 19 de agosto do calendário gregoriano. A transfiguração é considerada uma festa maior, uma das Grandes Festas da Ortodoxia. Em toda estas igrejas, se a data cair num domingo, sua liturgia não é combinada com a tradicional liturgia dominical, ela a substitui completamente.
Em alguns calendários litúrgicos (como o dos luteranos, dos presbiterianos e da Igreja Metodista Unida), o último domingo da época da Epifania também é dedicado ao evento. Na Igreja da Suécia e na Igreja da Finlândia, porém, a festa é celebrada no sétimo domingo após o Domingo da Trindade, o oitavo domingo depois do Pentecostes.
No ritual romano, a perícope da transfiguração é lida no segundo domingo da quaresma, cuja liturgia enfatiza o papel que a transfiguração teve em reconfortar os doze apóstolos, dando-lhes uma prova poderosa da divindade de Jesus, um prelúdio da glória da ressurreição na Páscoa, e sobre a eventual salvação de seus seguidores à luz da aparente contradição de sua crucificação e morte. Este tema é explicado no prefácio da missa neste dia.[51][52]
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