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Conjunto de leis e jurisprudências do direito islâmico Da Wikipédia, a enciclopédia livre
Xaria (em árabe: شَرِيعَة; romaniz.: sharīʿah, "caminho para a fonte"), também grafado xariá,[1] xária,[2] sharia,[3] shariah, shari'a ou syariah, é o sistema de lei islâmica, baseado no Alcorão, nos hádices (relatos da vida do profeta Maomé) e na Suna (os ensinamentos e práticas do profeta). Em muitas sociedades islâmicas, não há separação entre religião e direito, sendo as legislações fundamentadas nos princípios islâmicos interpretados por estudiosos religiosos (ulemas).
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A jurisprudência islâmica, denominada fiqh, estrutura-se em dois aspectos principais: o estudo das fontes e metodologias (usul al-fiqh, "raízes da lei") e a aplicação prática das normas (furu' al-fiqh, "ramos da lei").[4][5][6] As principais fontes da Xaria são o alcorão considerado a palavra divina e a fonte suprema, suna que complementa o Alcorão por meio das práticas do profeta Maomé e os hádices, que consistem em narrações sobre os ditos e ações do profeta. Além das fontes principais, instrumentos como o ijma (consenso da comunidade) para temas não explicitamente tratados nos textos sagrados, o qiyas (raciocínio por analogia) utilizado para interpretar situações novas com base nos princípios existentes e o al-urf (costumes locais), que influenciam algumas práticas específicas da Xaria. A Xaria regula tanto os aspectos públicos quanto os privados da vida de muçulmanos, abrangendo temas como política, economia, contratos, família, relações sociais, higiene e sexualidade. Sua aplicação varia amplamente entre os países de maioria muçulmana, refletindo diferenças culturais, sociais e políticas. Antes do século XIX, a teoria jurídica islâmica era dominada por Hanafi, Maliki, Shafi'i, Hanbali no Islã sunita e Jafari no Islã xiita.[7]
A aplicação contemporânea da Xaria é tema de debates. Alguns países adotam interpretações estritas, enquanto outros buscam conciliá-la com legislações seculares e princípios de direitos humanos. Práticas como amputações e restrições aos direitos das mulheres, defendidas por certas interpretações, têm sido criticadas por organizações de direitos humanos.[8][9][10][11][12] Em contrapartida, defensores argumentam que a flexibilidade interpretativa da Xaria permite adaptações às realidades contemporâneas e preserva a identidade cultural dos muçulmanos.[13]
Durante a Era de Ouro Islâmica, a Xaria influenciou sistemas jurídicos ocidentais, incluindo o common law e o direito romano-germânico[14][15][16] Sua abordagem metódica e institucional contribuiu para o desenvolvimento de várias práticas jurídicas modernas. A diversidade de interpretações é evidente entre os países muçulmanos, a Arábia Saudita e Irã aplicam versões estritas da Xaria enquanto a Indonésia e Turquia apresentam abordagens mais moderadas ou seculares. Essa variação reflete as diferenças culturais e políticas em cada sociedade.[17]
A palavra portuguesa xaria (assim registrada no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa) deriva da palavra em árabe: شرع, transliterada xarî'a,[18] cujo significado original é "fonte" ou "bebedouro", que segundo Houaiss e Adalberto Alves evoluiu para o sentido de "caminho que leva até a fonte (ou ao bebedouro)", e daí evoluiu à ideia de um "caminho a ser seguido", o que passou a significar, no islamismo, o caminho virtuoso, um "caminho de crença e prática" (Alcorão 45:18),[19] e passou a significar, em árabe e em diversas línguas modernas (sharia em inglês; charia em francês; Scharia em alemão, xaria em galego; etc) o sistema de direito religioso regido pelos preceitos tradicionais islâmicos.
O aportuguesamento da palavra foi feito com "x" inicial, em consonância com os ditames gramaticais históricos da língua portuguesa, que preconizam o uso de "x" na transliteração de palavras do árabe: xeque/xeique, almoxarifado, xiita, xarope, xadrez, enxaqueca, haxixe, oxalá etc. A palavra "xaria", referente ao direito islâmico tradicional em todo o mundo, serviu ademais de origem à palavra moçambicana "xária", que é o direito consuetudinário entre o povo Macua, em Moçambique.
O conceito da xaria foi vítima de alguma confusão ao longo dos tempos, tanto na literatura legal como na comum.[20] Para alguns muçulmanos, a xaria consiste do Alcorão e da Suna, enquanto para outros, também inclui a fiqh clássica; a maioria das enciclopédias define a xaria como uma lei baseada no Alcorão, na Suna, na fiqh, derivada do consenso (ijma) e nas analogias (qiyas). Esta definição da xaria coloca juntos, de maneira pouco apropriada, o que é tido como revelado com o não revelado; esta mistura de fontes criou um pressuposto confuso de que as interpretações escolásticas são tão sagradas quanto o Alcorão e a Suna e, como estes, não poderiam ser revistos. O Alcorão e a Suna formam o Código Básico, imutável, que deve ser mantido separado da lei interpretativa (fiqh), que está em permanente evolução. Esta separação analítica entre o Código Básico e a fiqh é tida por alguns estudiosos como necessária para "dissipar a confusão em torno do termo xaria".[21]
A xaria já foi definida de diferentes maneiras, por diversos de seus estudiosos, tanto islâmicos quanto ocidentais. De acordo com essas diferentes interpretações, ela pode ser vista como:
Existem cerca de noventa versículos corânicos que abordam direta e especificamente questões de direito. O discurso jurídico islâmico refere-se a esses versículos como a lei de Deus e incorpora-os em códigos legais. O restante da lei islâmica é o resultado da jurisprudência (fiqh), os esforços humanos para codificar as normas islâmicas em termos práticos e legislar para casos não tratados especificamente no Corão e na Suna. Embora a legislação gerada por humanos seja considerada falível e aberta a revisão, o termo "shariah" às vezes é aplicado a toda a legislação islâmica. Isto foi apoiado por estruturas formais de literatura jurídica e muitas declarações específicas do décimo ao longo do século XIX. Os estudiosos modernos desafiaram essa afirmação, distinguindo entre xaria e fiqh e apelando para a reforma dos códigos do fiqh à luz das condições modernas.[29]
Num contexto islâmico, há uma clara distinção entre a fiqh (discernimento, compreensão profunda), que se refere às inferências deduzidas pelos estudiosos, e a sharia, que se refere aos princípios que estão por trás da fiqh. Os acadêmicos e estudiosos esperam que a jurisprudência, a fiqh, e a lei, a sharia, estejam em harmonia em qualquer caso, porém nunca podem estar seguros disso.[30]
A xaria apresenta certas leis que são tidas como ordenadas diretamente por Deus, concretas e atemporais, para todas as situações relevantes (por exemplo, a proibição de bebidas alcoólicas). Apresenta também outras leis que são derivadas dos princípios estabelecidos pelos advogados e juízes islâmicos (mujtahidun).
As fontes primárias do direito islâmico são o Alcorão e a Suna. Os sunitas ainda acrescentam a estas o consenso (ijma) dos companheiros (sahaba) do profeta Maomé, e os juristas islâmicos (ulema) a respeito de certas questões, extraindo analogias da essência dos princípios divinos e das decisões precedentes (qiyas). O consenso da comunidade, de determinado povo ou interesse público, entre outros, também são aceitos como fontes secundárias.[carece de fontes]
Os xiitas rejeitam este ponto de vista, especialmente o uso de analogias (nas qiyas), que veem como uma maneira fácil para a penetração de inovações (bid'ah), e também rejeitam o consenso (ijma) como tendo qualquer valor particular próprio. Durante o período em que os acadêmicos sunitas desenvolveram estas duas ferramentas, os imãs xiitas estavam vivos - e, como na visão xiita estes imãs eram uma extensão da Suna, vista, juntamente com o Alcorão, como fontes únicas das leis (fiqh). Um tema recorrente na jurisprudência xiita é a lógica (mantiq),[31] algo que os xiitas também afirmam mencionar, empregar e valorizar mais que os sunitas; a lógica não é vista como uma terceira fonte de leis, mas como uma maneira de verificar se uma interpretação é compatível com o Alcorão e a Suna.
Na lei xiita imamita, as fontes da lei (usul al-fiqh) são o Alcorão, as histórias a respeito das práticas do profeta Maomé e dos 12 imãs, e o intelecto (aql). Muitas práticas chamadas de xaria nos dias de hoje, no entanto, têm suas raízes em costumes locais (al-urf).[carece de fontes]
O período formativo da jurisprudência islâmica se estende ao tempo das primeiras comunidades islâmicas. Neste período, os juristas estavam mais preocupados com questões pragmáticas, de autoridade e ensino, do que com a teoria.[32] A evolução teórica ocorreu com um destes primeiros juristas em particular, Maomé ibne Idris Xafii (767-820), que formulou os princípios básicos da jurisprudência islâmica em seu livro ar-Risālah, que detalha as quatro raízes da lei (o Alcorão, a Suna, a ijma e as qiyas) ao mesmo tempo em que especifica que os textos islâmicos primários, o Alcorão e os hádices, podem ser compreendidos de acordo com as regras objetivas de interpretação derivadas do estudo minucioso da língua árabe.[33]
Diversas instituições e conceitos legais importantes foram desenvolvidos por juristas islâmicos durante o período clássico da religião, conhecido como a Era de Ouro do Islã, entre os séculos VII e XIII.[15][16][34][35]
No cerne da lei islâmica estão os ensinamentos de Deus (Alá) e os atos e ditos de Seu profeta, Maomé (Muhammad);[36] a xaria, no entanto, não havia se desenvolvido totalmente na época da morte de Maomé, e evoluiu aos poucos, dentro da comunidade muçulmana, ou Umma, à qual ela servia.[carece de fontes]
Para os muçulmanos, a Xaria, tendo origem na própria palavra de Alá, através do Alcorão, é uma lei divina, portanto uma lei superior a qualquer uma feita pelos humanos.[37]
Quando a xaria começou sua formação, nos desertos da Arábia dos séculos VII e VIII, o senso comunitário não existia.[38] A vida no deserto era nomádica e tribal, e o único fator que unia as pessoas nestas tribos era uma ancestralidade comum.[36] A natureza do islã, no entanto, desafiou esta ideologia, e trouxe todos aqueles que professavam a sua submissão ao islã para a Umma. Além disso, o islã não era apenas uma religião, mas sim um modo de vida, que transformava aqueles que antes eram inimigos em vizinhos. As leis deviam ser instiladas, até que as doutrinas da xaria se enraizassem. A dificuldade de mudar repentinamente hábitos quotidianos milenares fez com que a xaria fosse guiada, ao longo de seu desenvolvimento, pelos estilos de vida das tribos que adotaram inicialmente o islamismo. Assim, por decisão destas tribos, as leis islâmicas passaram a ser leis da comunidade, pela comunidade e para a comunidade - ainda que ela tivesse sido proposta inicialmente por um indivíduo - "pois elas não poderiam fazer parte das leis tribais a menos e até que fossem aceitas como tal de uma maneira geral."[36] A tribo, neste sentido, não era vista apenas como o grupo de seus atuais representantes, mas sim como uma entidade histórica, que englobava as gerações passadas, presentes e futuras.[36] Assim, enquanto "todas e cada uma das leis deve ter suas raízes ou no Alcorão ou na Suna",[39] a vida tribal trouxe, sem qualquer contradição, um sentido de participação. Esta participação também foi reforçada pelo próprio Maomé, que declarou: "A minha comunidade nunca concordará num erro".[39] (posteriormente registrado como um hádice.[carece de fontes])
Após a morte de Maomé a xaria continuou a passar por mudanças fundamentais, começando com os reinados dos califas Abacar (632-34) e Omar (634-44), durante os quais diversos assuntos que envolviam tomadas de decisão eram trazidos à atenção dos companheiros mais próximos do profeta, para sua apreciação.[38] Em 662, durante o reinado de Moáuia I, a vida dos muçulmanos tradicionalmente deixou de ser nomádica, e passou-se por uma transformação urbana que criou novas situações, que não haviam sido cobertas originalmente pela lei islâmica.[38] Cada um dos ganhos, perdas e acontecimentos subsequentes da sociedade islâmica teve um papel ativo no desenvolvimento da xaria, que se ramificou na fiqh e no Qanun.
A metodologia dos precedentes legais e do raciocínio pela analogia (Qiyas) usado na lei islâmica é semelhante ao do sistema legal utilizado nos países anglo-saxônicos, o common law ("direito comum").[34] Entre as semelhanças entre os dois sistemas, está o fato de que ambas não são leis escritas, e as prescrições do direito islâmico devem ser procuradas antes de tudo nos ensinamentos dos juristas competentes (Ulema), de onde pode-se dizer que o direito islâmico é uma "legislação de advogados, enquanto o common law é uma legislação de juízes".[16]
Alguns teóricos criaram alguma controvérsia ao afirmar que a common law inglesa teria sido inspirada pela lei islâmica medieval;[15][40][41] Acadêmicos como John Makdisi, Jamila Hussain e Lawrence Rosen[42] argumentaram que diversas das instituições fundamentais da common law inglesa derivaram ou foram adaptadas de instituições legais similares na lei e na jurisprudência islâmica, e introduzidas à Inglaterra após a conquista normanda da Inglaterra pelos normandos, que conquistaram e herdaram a administração legal do Emirado da Sicília (ver cultura árabe-normanda), e através da ligação próxima entre os reinos normandos de Rogério II da Sicília (que governava sobre um sistema administrativo islâmico que ele havia conquistado) e Henrique II da Inglaterra,[42] além dos cruzados. A ligação com a lei normanda, na Normandia, pode realmente ser real, mas deve-se lembrar que a common law deve muito do que é às tradições e formas anglo-saxônicas, e na sua forma corrente representa o resultado de um intercâmbio histórico entre os dois sistemas.
Segundo estas teorias, o contrato real inglês, protegido pela ação da dívida, é identificado com o Aqd islâmico, enquanto o assize of novel disseisin ("julgamento sobre desapropriações recentes") identificaria-se com o Istihqaq islâmico. Já o júri inglês teria seu equivalente no Lafif islâmico, da jurisprudência maliquita clássica.[15] A instituição islâmica da Hawala também teria influenciado, segundo estes acadêmicos, o desenvolvimento da instituição da representação (agency) na common law inglesa.[16] Outras instituições legais da Inglaterra, como o método escolástico, a licença para ensinar, as "law schools", conhecidas como Inns of Court, teriam se originado, de maneira semelhante aos madraçais islâmicos, na lei islâmica - que teria, segundo esta corrente de pensamento, construído os alicerces para que a common law se tornasse uma entidade totalmente integrada.[15]
O Waqf, no direito islâmico, que se desenvolveu entre o século VII e o século IX, apresenta uma grande semelhança com os fundos fiduciários na trust law.[43] Por exemplo, cada Waqf tem de ter um waqif (financiador), mutawillis (curador), qadi (juiz) e beneficiários.[44] Tanto sob um Waqf quanto um trust, a propriedade é reservada, e o seu usufruto é destinado para o benefício de certos indivíduos, ou para um propósito geral de caridade; o corpus se torna inalienável; patrimônios perpétuos em favor de beneficiários sucessivos não podem ser criados sem vínculo com a lei de herança, ou os direitos dos herdeiros; e a continuidade é assegurada através da designação sucessiva de fiduciários (trustees), ou mutawillis.[45] A trust law foi desenvolvida na Inglaterra durante a época das Cruzadas, nos séculos XII e XIII, introduzida por cruzados que poderiam ter sido influenciados pelas instituições do Waqf com que se depararam no Oriente Médio.[46][47] Também foram notados paralelos entre o Waqf e os fideicomissos usados para fundar o Merton College, por Walter de Merton, que tinha ligações com os Cavaleiros Templários - que também combateram os muçulmanos.[40] A introdução do fideicomisso (trust) foi motivada primordialmente pela necessidade de se evitar as taxas medievais sobre a herança. Ao se transferir um título legal para um terceiro deixava de existir a necessidade de se pagar os impostos feudais cobrados com a morte do proprietário. Naqueles tempos, era comum que um herdeiro perdesse todos os seus direitos para o seu senhor feudal, se a transferência de herança ocorresse enquanto ele ainda fosse menor de idade.
O precursor do júri inglês seria o julgamento Lafif, da jurisprudência maliquita clássica, desenvolvida entre os séculos VIII e XI, na África do Norte e na Sicília islâmica, e que apresenta diversas semelhanças com os julgamentos posteriores da Inglaterra da common law. Da mesma maneira que o júri inglês, o Lafif islâmico era um corpo formado por doze membros, retirados de uma mesma vizinhança, que juravam dizer a verdade e estavam comprometidos a dar um veredito unânime sobre assuntos que tinham visto ou ouvido pessoalmente, cabendo a um juiz (Qadi) estabelecer a verdade a respeito dos fatos de um determinado caso, entre pessoas comuns, tal como exigido por um querelante. A única característica do júri inglês que não estava presente no Lafif islâmico era a ata judicial instruindo o júri a ser convocado, e o querelante a ouvir seu veredito. De acordo com os postulantes desta associação entre os dois sistemas judiciais, nenhuma outra instituição, em quaisquer das instituições legais estudadas até hoje, partilha todas estas características com o júri inglês; assim, o conceito de Lafif poderia ter sido introduzido na Inglaterra pelos normandos, e evoluído posteriormente até o formato atual.[15] Sabe-se, no entanto, que julgamentos diante de um corpo de cidadãos eram realizados em tribunais desde muito antes da conquista normanda da Inglaterra.
O precursor do assize of novel disseisin ("julgamento sobre desapropriações recentes") seria também, de acordo com estas interpretações, o Istihqaq islâmico, uma ação para a recuperação de terra usurpada", contrastando com o direito romano anterior, que "enfatizava o aspecto legal da posse na resolução destas disputas. O julgamento destas desapropriações recentes quebrou com esta tradição, e enfatizou a propriedade, como ocorre com a lei islâmica de Istihqaq.[48] A lei islâmica também teria introduzido a noção de que um suspeito ou réu que está sendo acusado tem a permissão de ter um representante ou advogado, conhecido como wakil, que cuide de sua defesa. Isto contrastava com a antiga common law inglesa, que usava os advogados para processar, porém os acusados tinham de se defender sozinhos. O Parlamento inglês não permitiria que os acusados de traição tivessem o direito de ter advogados até 1695, enquanto acusados de alguns outros crimes até 1836.[49]
Os juristas islâmicos formularam as primeiras leis contratuais a introduzir a aplicação da racionalidade formal, da racionalidade legal, da lógica legal (ver Lógica na filosofia islâmica) e do raciocínio legal no uso de contratos.[50] Juristas islâmicos também foram responsáveis pela introdução dos conceitos de recessão (Iqalah), frustração de propósito (istihalah al-tanfidh, ou "impossibilidade de execução"), Act of God ou "ato divino" (Afat Samawiyah, ou "Azar vindo dos Céus") e força maior (force majeure) nas leis dos contratos.[51] Alguns destes conceitos, no entanto, foram introduções relativamente recentes ao Direito Inglês, datando do período vitoriano; a análise dos casos mais antigos indica que seria impossível rescindir um contrato por frustração, mesmo que a execução tenha se tornado impossível.
Outras influências especuladas da lei islâmica na common law britânica estariam nos conceitos de um juiz passivo e imparcial, res judicata, tabula rasa, a ideia de que a Lei estaria acima do Estado, o individualismo, a liberdade contratual, o privilégio contra a auto-incriminação, os apelos, opiniões dissidentes, devido processo legal, os processos por perjúrio, testemunhos orais, o papel do juiz como um moderador, supervisor, declarante e executor, no lugar de um mero adjudicador.[52]
As semelhanças entre a lei islâmica e a common law americana também foram apontados, particularmente no que diz respeito à lei constitucional. Os métodos usados na interpretação judicial da constituição, por exemplo, são semelhantes àqueles do Alcorão, incluindo os métodos de plain meaning (textualismo ou literalismo), compreensão histórica (originalismo), e a referência a um propósito e um espírito fundamental."[53] A Constituição dos Estados Unidos teria então este paralelo com o Alcorão: é a "legislação suprema do país, e a base a partir do qual as leis do poder legislativo se originam."[54] Este poder legislativo seria semelhante à Suna, na medida em que "o poder legislativo, com base na estrutura da Constituição, toma decisões que envolvem situações específicas e cotidianas de seus cidadãos."[54] O processo de decisões judiciais é semelhante aos métodos de qiyas e ijma, onde o processo de tomada de decisões judiciais é "uma maneira pela qual o direito é aplicado às disputas individuais", que "palavras ou estatutos de uma constituição não abordam especificamente todas as situações possíveis às quais elas possam se aplicar" e que "por vezes é necessário um judiciário para utilizar ou o consenso das decisões anteriores, ou raciocinar por analogia, para encontrar o princípio correto à resolução da disputa."[55]
A primeira ação judicial conhecida também data da lei islâmica. Segundo uma tradição (hádice), o califa Otomão (580-656) tentou processar um súdito judeu para recuperar uma armadura, porém seu caso não foi bem-sucedido, por falta de testemunhas competentes.[56] O conceito de uma ação legal também foi descrito na obra Ética do Médico, de Ixaque ibne Ali Arraui (854–931), de Al-Raha, Síria, como parte do processo de revisão médica por pares, onde as anotações de um médico islâmico eram analisadas por seus pares, e ele ou ela podiam ser processados por um paciente que não tivesse sido atendido corretamente, caso as críticas dos pares fossem negativas.[57]
A primeira proibição de drogas ilegais conhecida ocorreu sob a lei islâmica, que baniu o uso de haxixe, um preparado de cannabis, como droga recreativa. Os juristas clássicos (Ulema da jurisprudência islâmica (fiqh) medieval, no entanto, aceitavam o uso da droga para propósitos medicinais e terapêuticos, e concordavam que seu "uso médico, ainda que pudesse levam ao desarranjo mental, permanecia isento" de punição. No século XIV, o jurista islâmico Az-Zarkashi mencionou a "permissibilidade de seu uso para propósitos médicos, se estiver estabelecido que ele é benéfico."[58] Esta distinção legal entre a utilização intoxicante e a utilização médica da cannabis feita pelos teólogos islâmicos (calam) assemelha-se, na visão de alguns estudiosos, à atual lei americana sobre o assunto.[59]
Uma das instituições desenvolvidas pelos juristas islâmicos clássicos e que influenciou o sistema romano-germânico foi a Hawala, um antigo sistema de transferência informal de valor, mencionado nos textos da jurisprudência islâmica, a fiqh, já no século VIII. O próprio Hawala, posteriormente, influenciou o desenvolvimento do Aval, no direito civil francês, e do Avallo no direito italiano.[16] As "commendas" europeia (parcerias limitadas), usadas no sistema romano-germânico, bem como o conceito romano-germânico da res judicata ("coisa julgada"), podem ter se originado no direito islâmico.[15]
A transferência de dívida, que não era permitida sob o direito romano, porém é praticada no atual direito romano-germânico, também pode ter se originado com as leis islâmicas.[60] O conceito de um representante também era uma "instituição desconhecida pelo direito romano", onde não era possível para um indivíduo "concluir um contrato vinculativo em nome de outro, como seu representante." O conceito da representação foi introduzido pelos juristas islâmicos (Ulema), e pode ter influenciado no conceito equivalente do direito romano-germânico.[61]
O primeiro tratado sobre direito internacional (Siyar, em árabe) foi a Introdução ao Direito das Nações, escrito ao fim do século VIII por Maomé Axaibani,[62](morto em 804), um jurista islâmico da escola hanafita,[63] oito séculos antes que Hugo Grócio escrevesse o primeiro tratado europeu sobre o assunto. Maomé Axaibani escreveu ainda um segundo tratado, ainda mais avançado, sobre o assunto, e outros juristas logo seguiram-se a ele, com diversos tratados, em diversos volumes, lançados sobre o assunto durante a chamada Era de Ouro do Islã;[62] estas obras lidavam tanto com o direito internacional público quanto com o privado.[64]
Estes primeiros tratados legais islâmicos cobriam a aplicação da ética islâmica, da jurisprudência econômica islâmica e da jurisprudência militar islâmica ao direito internacional,[63] e preocupavam-se com diversos tópicos do direito internacional moderno, incluindo a lei de tratados, o tratamento de diplomatas, reféns, refugiados e prisioneiros de guerra, o direito de asilo, a conduta no campo de batalha, proteção de mulheres, crianças e civis não combatentes, o uso de armas envenenadas e a devastação do território inimigo.[62] Os califas omíadas e abássidas também estiveram envolvidos em negociações diplomáticas contínuas com o Império Bizantino, em assuntos como tratados de paz, a troca de prisioneiros de guerra e o pagamento de resgates e tributos.[65]
Após a derrota dos francos pelo sultão aiúbida Camil, durante as Cruzadas, Olivário Escolástico louvou as "leis de guerra" islâmicas, comentando sobre como Camil teria alimentado o exército franco derrotado:[62]
“ | Quem poderia duvidar que tal bondade, amizade e caridade vinha de Deus? Homens cujos parentes, filhos e filhas, irmãos e irmãs, tinham morrido em agonia nas nossas mãos, cujas terras havíamos tomado, a quem tínhamos expulsado, nus, de suas casas, ressuscitaram-nos com sua própria comida quando estávamos morrendo de fome, e nos inundaram com sua bondade enquanto ainda estávamos em seu poder.[66] | ” |
Sobre estes argumentos, Robert A. Hunt observa que muçulmanos e não muçulmanos se têm tratado mutuamente ora com bondade sacrificial ora com ódio abominável, e nos dois casos isso foi feito em nome da religião. Hunt é de parecer que isto é " tudo o que se pode dizer com seriedade sobre a história das relações inter-religiosas. Tudo o resto é propaganda designada para influenciar o comportamento presente, para melhor ou pior."[67]
Os princípios legais islâmicos do direito internacional baseavam-se em grande parte no Alcorão e na Suna de Maomé, que transmitiu diversas determinações a suas tropas, e adotou práticas direcionadas à conduta durante a guerra. A mais importante destas foi resumida pelo sucessor (califa) e sahaba (companheiro) Abacar, na forma de dez regras para o exército muçulmano:[68]
“ | Alto, ó pessoas, para que lhes possa dar dez regras que lhes guiem no campo de batalha. Não cometam traições ou se desviem do caminho correto. Não mutilem corpos mortos. Não matem nem uma criança, nem uma mulher, nem um idoso. Não faça mal às árvores, nem as queime com fogo, especialmente aquelas que dão frutos. Não mate nem um animal do rebanho do inimigo, a menos que para sua própria alimentação. Você provavelmente passará por pessoas que devotaram suas vidas aos serviços monásticos; deixe-os em paz.[68] | ” |
O direito internacional privado islâmico surgiu como resultado das vastas conquistas islâmicas e de suas explorações marítimas, que deram início a diversos conflitos legais. Um testamento, por exemplo, não era executado, mesmo se suas cláusulas estiverem de acordo com o direito islâmico, se violasse a lei do testador. Os juristas islâmicos também desenvolveram regras elaboradas a respeito de direito internacional privado, para questões contratuais e envolvendo propriedade, relações familiares e guarda de menores, jurisdição e direito processual, conversão religiosa e o retorno de estrangeiros para um país inimigo do mundo islâmico. Algum pluralismo religioso existia no direito islâmico clássico, e tribunais e leis de outras religiões, como o cristianismo, o judaísmo e o hinduísmo, eram acomodadas dentro da estrutura legal islâmica, principalmente durante os períodos do início do Califado, em al-Andalus e no subcontinente indiano, e no sistema de millet otomano.[65][69]
A legislação islâmica também introduziu dois princípios fundamentais ao Ocidente, que posteriormente fariam parte da estrutura do direito: a equidade e a boa fé, que precedeu o conceito de pacta sunt servanda, no direito civil e internacional. O direito islâmico também os introduziu nas relações internacionais, o que tornou possível o desenvolvimento sistemático do direito convencional, onde substituíram parcialmente o costume.[70]
O direito islâmico também proporcional contribuições significativas à Direito Internacional Marítimo, abandonando a antiga legislação marítima romana e bizantina de diversas maneiras.[71][72] Entre estas contribuições está o pagamento de um salário fixo, antecipadamente, aos marinheiros muçulmanos, com o entendimento de que eles ficariam devendo dinheiro em caso de deserção ou prevaricação, de acordo com as convenções islâmicas nas quais os contratos devem especificar "uma quantia conhecida, por uma duração conhecida" - contrastando com os marinheiros romanos e bizantinos, que eram partes interessadas de um empreendimento marítimo, na medida em que tanto o capitão quanto a tripulação, com poucas exceções, eram pagos em divisões proporcionais ao lucro do empreendimento, e apenas após a conclusão bem-sucedida da viagem. Os juristas islâmicos também distinguiam entre a navegação costeira, ou cabotagem, e viagens em alto mar, e também faziam que os transportadores fossem responsáveis pelo frete, exceto em algumas exceções como a apreensão de um navio e de sua carga. A legislação islâmica também se afastou do Digesto e do Nomos Rhodion Nautikos de Justiniano, na medida em que condenava o lançamento ao mar de escravos. O qirad islâmico seria um precursor da commenda (parceria limitada) europeia. A influência islâmica no desenvolvimento do direito marítimo internacional é colocado por estudiosos no mesmo patamar da influência romana.[71]
Existem evidências de que o direito internacional islâmico influenciou o desenvolvimento do direito internacional ocidental, através de diversas rotas, como as Cruzadas, a conquista normanda do Emirado da Sicília e a Reconquista da Andaluzia.[70] Mais especificamente, o jurista espanhol Francisco de Vitoria, e seu sucessor, Hugo Grócio, podem ter sido influenciados diretamente pelo direito internacional islâmico, através de escritos antigos influenciados pelos pensadores da religião, como a obra Siete Partidas, de 1263, de Afonso X de Leão e Castela, tida como um "monumento da ciência legal" na Europa à época, e influenciada pelo tratado legal islâmico Villiyet, escrito na Espanha islâmica.[64][70]
Os madraçais foram as primeiras escolas de direito, e já se especulou que as escolas de direito inglesas conhecidas como Inns of Court tenham sido derivadas dos madraçais, que ensinavam o direito islâmico e a jurisprudência (fiqh).[15][73]
As origens do doutorado datam do ijazat attadris wa 'l-ifttd ("licença para ensinar e proferir opiniões legais") no sistema de educação jurídica islâmica medieval, que era equivalente à qualificação de Doutor em Direito, e havia sido desenvolvida durante o século IX, após a formação das Madh'hab, escolas legais. Para obter um doutorado, o estudante tinha de realizar a sua educação numa guilda, geralmente por quatro anos para o curso básico de graduação e dez ou mais para um curso de pós-graduação, e ao fim do curso era realizado um exame oral para determinar a originalidade da tese do candidato, e testar a sua habilidade de defendê-la contra todas as objeções, em debates montados especialmente para este propósito, que eram exercícios escolásticos praticados ao longo da carreira do estudante como estudante graduando em direito. Após os estudantes completarem sua educação de pós-graduação, recebiam doutorados que lhes davam o status de faqih ("mestre em direito"), mufti ("professor de fatwa, "opiniões legais") e mudarris ("professor"), traduzidos posteriormente para o latim como magister, professor e doctor, respectivamente.[73]
No início do Califado, o chefe de Estado - o califa - tinha um cargo que se baseava na noção de um sucessor à autoridade política de Maomé que de acordo com os sunitas deveria, de maneira ideal, ser eleito pelo povo ou por seus representantes.[74] Após o reinado dos califas ortodoxos, os califados posteriores, durante a Era de Ouro do Islã tiveram um grau menor de participação democrática; porém como no islã ninguém era visto como superior a outro indivíduo, a não ser em termos de piedade e virtude, estes líderes posteriores frequentemente realizavam consultas públicas ao povo, a respeito de seus assuntos.[69][75]
O poder do califa (ou, posteriormente, do sultão) era restringido pela classe acadêmica, a Ulema - um grupo tido como guardiães da lei. Como a lei vinha dos juristas acadêmicos, isto impedia que o califa ditasse resultados de julgamentos; as leis eram decididas com base no ijma (consenso) da Umma (comunidade), que era quase sempre representada por estes acadêmicos.[76] Para se qualificar como tal, era necessária a obtenção de um doutorado, conhecido como ijazat attadris wa 'l-ifttd ("licença para ensinar e proferir opiniões legais") de um madraçal (madrasah).[73] Em muitas maneiras, o direito islâmico clássico funcionava como um direito constitucional.[76]
No campo dos direitos humanos, segundo Christopher Weeramantry, os primeiros juristas islâmicos introduziram diversos conceitos legais avançados, antes do século XII, que anteciparam conceitos similares modernos neste campo.[77] Entre eles estavam as noções de lei do fideicomisso e de fundo de caridade, de solidariedade social, da dignidade humana e do trabalho, da condenação do comportamento antissocial, da presunção de inocência, da assistência aos necessitados, além de noções de caridade, universalismo, contratos justos, integridade comercial, garantia contra a usura e contra o abuso dos direitos, privacidade, direitos da mulher, liberdade individual, igualdade diante da lei, representação legal, o princípio da não retroatividade, a supremacia da lei e a imparcialidade e a independência judiciária e a limitação da soberania. Muitos destes conceitos acabaram sendo passados para a Europa através dos contatos com a Espanha islâmica e o Emirado da Sicília, através das Cruzadas, e das traduções latinas do século XII.[77]
Na publicação acadêmica North Carolina Law Review, o professor da escola de Direito da Universidade da Carolina do Norte, John Makdisi, escreveu:
“ | O modo pelo qual um ato era qualificada como moralmente bom ou ruim no domínio espiritual da religião islâmica é bem diferente da maneira na qual o mesmo ato era qualificado como legalmente válido ou inválido no domínio temporal da lei islâmica. A lei islâmica era secular, e não Cânone_bíblico… Era, assim, um sistema preocupado em assegurar que um indivíduo recebesse a justiça, não que ele fosse uma pessoa boa.[78] | ” |
O conde Leon Ostorog, um jurista francês, escreveu sobre a legislação islâmica clássica, em 1927:
“ | Aqueles pensadores orientais do século IX formularam, com base em sua teologia, o princípio dos Direitos do Homem, nos mesmos termos, abrangendo os direitos da liberdade individual, e da inviolabilidade da pessoa e da propriedade; descreveram o poder supremo no islã, ou califado, como sendo baseado num contrato, implicando condições de capacidade e execução, e sujeito ao cancelamento se as condições sob as quais este contrato foi estabelecido não forem cumpridas; elaboraram uma legislação de guerra, cujas diretrizes, de tão humanas e cavalheirescas, enrubesceriam certos beligerantes da Grande Guerra; expuseram uma doutrina de tolerância aos credos não muçulmanos tão liberal que o Ocidente teve de esperar por mil anos até ver princípios semelhantes serem adotados.[79] | ” |
O conceito de direitos inalienáveis já existia nos princípios do direito e na jurisprudência islâmica, que negavam a um soberano "o direito de retirar de seus súditos certos direitos que eles herdaram como seres humanos." Os juristas islâmicos também anteciparam o conceito do estado de direito, da sujeição de todas as classes à legislação comum nacional, onde nenhuma pessoa está acima da lei e onde funcionários públicos e cidadãos privados têm a obrigação de obedecer a mesma lei. Um qadi (juiz islâmico) também era impedido de discriminar com base em religião, raça, cor de pele, parentesco ou preconceito ( contudo, é certo que a xaria atribui penas diferentes conforme o sexo ou a religião, ou mesmo a falta dela[80]). Por diversas vezes os próprios califas tiveram de aparecer diante de juízes, enquanto estes preparavam-se para dar seus vereditos.[81] Existem mesmo evidências de que as ideias formuladas por John Locke, a respeito dos direitos inalienáveis e da autonomia condicional, que já estavam presentes na legislação islâmica de séculos antes, possam ter sido influenciadas pela sua presença em palestras dadas por Edward Pococke, um professor de estudos islâmicos.[82]
A legislação islâmica inicial reconhecia dois tipos de direitos humanos; além da categoria dos direitos civis e políticos (cobertas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos), o direito islâmico também reconhecia uma categoria adicional: os direitos sociais, econômicos e culturais. Esta última categoria só foi reconhecida pela tradição jurídica ocidental com a Convenção Internacional sobre os Direitos Culturais, Sociais e Econômicos de 1966.[83] O direito à privacidade, que só foi reconhecido nas tradições legais ocidentais em tempos recentes, já era reconhecido pela lei islâmica desde o seu início.[66]
No tocante aos direitos femininos, as mulheres costumavam ter mais direitos legais assegurados pela legislação islâmica do que tinham sob os sistemas legais do Ocidente até os séculos XIX e XX.[84] Por exemplo, as mulheres casadas francesas, ao contrário das muçulmanas, sofriam restrições sobre suas competências legais que só foram removidas em 1965.[85] Segundo o professor de direito da Universidade Harvard, Noah Feldman:
“ | Quanto ao sexismo, a common law por muito tempo negou à mulher casada quaisquer direitos de propriedade, ou até mesmo qualquer personalidade legal independente de seus maridos. Quando os britânicos aplicavam suas leis aos muçulmanos, no lugar da xaria, como fizeram em certas colônias, o resultado era que as mulheres casadas perdiam o direito à propriedade que a lei islâmica sempre lhes havia concedido - dificilmente um avanço em direção à igualdade entre os sexos.[76] | ” |
Obviamente, desde então diversos acontecimentos na história do Ocidente e Oriente fizeram com que a distribuição das liberdades mencionada acima não seja mais verdadeira - ou seja, se era possível discutir que as mulheres possuíam mais direitos sob a legislação islâmica do que tinham sob os sistemas legais ocidentais, hoje em dia isto certamente não é mais o caso.[86] A partir do século XX, os sistemas legais ocidentais evoluíram para expandir os direitos das mulheres; mas as leis islâmicas continuaram presas ao Corão, aos hádices e à sua interpretação fundamentalista pelos juristas islâmicos.[87]
De outra banda, alguns países europeus começaram, na última década, a levantar restrições às mulheres muçulmanas, obrigando-as a retirar o véu em determinados locais públicos.[88] Entre outros factores, as preocupações de segurança assim o ditaram, dado o aumento brutal do terrorismo islâmico. Afirma Valerie Tarico, psicóloga e escritora americana: "O hijab não é um símbolo de liberdade. É um símbolo do facto de que as mulheres no Islã são cidadãos de segunda classe e que esse status é codificado tanto nos textos sagrados como na tradição, reforçados pela cultura e pela lei."[89]
Os conceitos de previdência social e aposentadoria foram introduzidos pela legislação islâmica inicial como formas de zakat (caridade), um dos Cinco Pilares do Islã, desde o tempo do califa abássida Almançor, no século VIII. Os impostos (incluindo o zakat e a jizya), coletados pelo tesouro do governo islâmico, e usada para fornecer uma renda aos necessitados, incluindo os pobres, idosos, órfãos, viúvas e deficientes. De acordo com o jurista islâmico Al-Ghazali (também conhecido como Algazel, 1058-1111), o governo também deveria armazenar reservas de comida em cada uma das regiões, para a eventualidade de um desastre ou de uma fome prolongada. O Califado teria, portanto, sido um dos primeiros Estados de bem-estar social.[90]
Durante a chamada Era de Ouro do Islã, houve uma ênfase inicial na liberdade de expressão, principalmente no período do Califado islâmico, declarada pela primeira vez pelo próprio califa Omar, no século VII.[70] Posteriormente, durante o período abássida, a liberdade de expressão também foi declarada por Alhaximi, primo do califa Almamune (786–833), na seguinte carta a um oponente religioso:[91]
“ | Traga adiante todos os argumentos que você desejar, e diga o que bem entender, e fale o que pensa abertamente. Agora que você está seguro e livre para dizer o que quer, por favor indique algum árbitro que deverá julgar imparcialmente entre nós, e se inclinar apenas em direção da verdade, livre do domínio da paixão, e este árbitro deverá ser a Razão, onde quer que Deus nos faça responsáveis por nossas próprias recompensas e punições. Desta maneira eu lidei justamente com você, e lhe dei completa segurança, e estou pronto a aceitar quaisquer decisões que a Razão dê para mim ou contra mim. Pois "não há compulsão na religião" (Alcorão 2:256) e apenas lhe convidei para aceitar a nossa fé espontaneamente e por sua própria iniciativa, e apontei a hediondez de seu credo atual. Que a paz e as bençãos de Deus estejam com você![91] | ” |
Aqui também os acontecimentos posteriores na história do Ocidente e Oriente fizeram com que hoje em dia isto não seja mais o caso: a liberdade de expressão nos países islâmicos sofre de sérios limites. O verso do Alcorão citado (2:256) foi revogado[92] por outros mais recentes que o contrariam (9.5 - o Verso da Espada).[93]
Como nas outras religiões abraâmicas, segundo os muçulmanos, a paz é um conceito básico do islã.[94] O próprio termo árabe Islam (إسلام) costuma ser traduzido como "submissão"; submissão dos desejos à vontade de Deus (Ala), e viria do termo aslama, "render-se" ou "resignar-se".[95] A palavra árabe salaam (سلام) ("paz") tem a mesma raiz (S-L-M) que a palavra Islam;[96] uma interpretação islâmica para o fato seria que a paz individual é obtida através desta submissão a Deus. A saudação "salaam aleikum", utilizada pelos muçulmanos, tem o significado literal de "a paz esteja com você".[97] Maomé teria dito, certa vez: "A humanidade são os dependentes, ou a família, de Deus, e os mais amados dentre eles, para Deus, são aqueles que são mais excelentes com os Seus dependentes."[carece de fontes] "Nem um de vocês crê até amar o seu irmão da mesma maneira que ama a si próprio."[carece de fontes] A respeito desta última frase, grandes estudiosos islâmicos da tradição profética, como ibne Hajar de Ascalão e Sharafuddin al-Nawawi disseram que as palavras "seu irmão" se referem a qualquer pessoa, independente de sua fé.[98][99][100] Outros são de opinião contrária, como Muhammad Saalih al-Munajjid.[101]
As principais escolas jurísticas do islamismo tradicionalmente aceitaram a instituição da escravidão; a sociedade árabe do tempo, tal como grande parte de outras suas contemporâneas, dependia fortemente do trabalho escravo. A escravidão é reconhecida no Alcorão. Os fiéis podem coabitar com qualquer uma de suas escravas ("as que a tua mão direita possui") (sura 4ː3;[102] e podem apossar-se de mulheres casadas se estas forem escravas (sura 4.24).[103] Maomé e vários dos seus companheiros tinham escravos.[104]
A partir do momento em que o Islão se iniciou, foi proibido a um muçulmano escravizar outro muçulmano. Assim, os escravos tiverem de ser doravante obtidos no exterior do império, o que deu origem a um dos maiores comércio de escravos do mundo antigo. Contudo grande parte de historiadores, entre eles Bernard Lewis, concorda que os escravos no Islão eram melhor tratados do que nas outras civilizações do tempo. O Alcorão recomenda, embora não ordene, a libertação de escravos, para expiação de pecados ou como um acto de simples bondade.[104][105][106]
Para Bernard Lewis, é um triste paradoxo da história humana terem sido as reformas humanitárias trazidas pelo Islã que resultaram em um vasto desenvolvimento do tráfico de escravos dentro e ainda mais fora do império islâmico.[104]
A xaria atribui direitos legais diferentes para grupos diferentes. Há uma divisão clara, por exemplo, entre homens e mulheres, assim como entre os muçulmanos e os povos do livro, como os judeus e os cristãos, e os outros não muçulmanos.[107] Sob a Xaria, o testemunho de uma mulher vale metade da de um homem; um homem pode divorciar-se de sua esposa por repúdio, enquanto uma mulher deve apresentar justificações, algumas das quais são difíceis de obter. A custódia da criança reverte para o pai em uma idade predefinida; as mulheres que se casam novamente perdem a custódia de seus filhos, mesmo antes disso; e os filhos herdam o dobro da parcela das filhas.[108]
A Xaria contraria o princípio geral da igualdade de todos perante a lei, conforme o Artigo 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos que afirma que "Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei".[109]
Após a queda dos abássidas em 1258, uma prática conhecida até então pelos turcos e mongóis acabou por ser assimilada, transformando-se no Qanun ("cânone"), que deu o poder aos califas, governadores e sultões de "criar suas próprias regras para atividades que não eram regulamentadas pela xaria."[39] O Qanun começou a surgir já no tempo de Omar I (586-644 d.C.).[39] Diversas das regras estabelecidas pelo Qanun cobriam assuntos financeiros, ou sistemas de impostos, adaptados das leis e regulamentações locais nos territórios recém-conquistados pelo islã.[39]
Durante o século XIX, a história do direito islâmico tomou um novo rumo, surgido com os novos desafios encarados pelo mundo islâmico: o Ocidente havia ascendido como potência global, e colonizado uma grande parte do mundo, incluindo territórios anteriormente muçulmanos. No mundo ocidental, as sociedades passaram do estágio agricultural para o industrial, novas ideias sociais e políticas emergiram, e modelos sociais lentamente mudaram do hierárquico para o igualitário. O Império Otomano e o resto do mundo muçulmano estavam em declínio, e os pedidos por reformas tornavam-se mais intensos. Nos países muçulmanos, a legislação estatal codificada substituiu o papel da opinião legal acadêmica; os países ocidentais inspiraram - e, algumas vezes pressionaram, e por outras forçaram - os Estados islâmicos a alterar suas leis. Movimentos secularistas conseguiram aprovar uma legislação que se afastou das opiniões dos acadêmicos islâmicos - que permaneceram a autoridade única para assuntos envolvendo rituais, cultos e espiritualidade, porém perderam sua autoridade em outras áreas. A comunidade muçulmana tornou-se dividida em grupos, cada qual reagindo de maneira diferente a estas mudanças. Esta divisão persiste até os dias de hoje.[110]
De acordo com Noah Feldman, professor de direito na Universidade Harvard, os acadêmicos e juristas que mantinham o estado de direito foram substituídos por uma legislação governada pelo Estado, devido à codificação da xaria pelo Império Otomano, no início do século XIX:[76]
“ | Como os estudiosos perderam seu status elevado de protetores da lei é uma história complexa, que pode ser resumida pelo adágio que diz que reformas parciais são, por vezes, piores do que nenhuma reforma. No início do século XIX o Império Otomano respondeu aos seus reveses militares com um movimento de reforma interno. A reforma mais importante foi a tentativa de codificar a xaria. Este processo ocidentalizante, estranho à tradição legal islâmica, procurava transformar a xaria de um corpo de doutrinas e princípios a serem descobertos pelos esforços humanos dos acadêmicos num conjunto de regras que podem ser procuradas num livro.
Depois que a lei passou a existir em sua forma codificada, no entanto, a própria lei pôde substituir os acadêmicos como fonte de autoridade. A codificação roubou dos estudiosos a sua pretensão de ter a última palavra a respeito do conteúdo das leis, e transferiu aquele poder para o Estado. |
” |
Existe uma variedade imensa na interpretação e implementação da lei islâmica nas sociedades muçulmanas atuais. Os movimentos liberais dentro do islamismo vêm questionando a relevância e a aplicabilidade da xaria através de diversas perspectivas; o feminismo islâmico, por exemplo, trouxe muitos pontos de vista novos à discussão.[carece de fontes] Alguns dos maiores países muçulmanos, como a Indonésia, Bangladesh e o Paquistão, têm leis e constituições majoritariamente seculares, com a exceção apenas de algumas cláusulas envolvendo o direito familiar.[carece de fontes] A Turquia tem uma constituição que é oficialmente secular. A Índia e as Filipinas são os únicos países no mundo que têm leis civis separadas para os seus cidadãos muçulmanos, totalmente baseadas na xaria. Na Índia, a legislação civil islâmica é implementada pelo Muslim Personal Law board ("Comitê de Leis Pessoais Islâmicas"), enquanto nas Filipinas isto é feito pelo Código de Leis Pessoais Islâmicas. No entanto, as leis criminais em ambos os países são uniformes para todos os seus cidadãos.[carece de fontes]
Em setembro de 2008 alguns jornais do Reino Unido alegaram que o governo teria aprovado o reconhecimento de tribunais da xaria no país.[114][115] O fato, caso ocorresse, não implicaria numa submissão do país à xaria, que seria aplicada apenas a situações onde ambos os lados de uma disputa legal optassem livremente por um tribunal islâmico como árbitro da questão, no lugar de levar o caso para os tribunais oficiais. A decisão não seria nova; as decisões dos tribunais judaicos (beth din) já foram reconhecidas na Inglaterra por mais de 100 anos.[116][ligação inativa] No entanto, é preciso notar que, se os tribunais da xaria concordarem com a lei do país, são redundantes; caso as contradigam, são ilegais.[115][117][114]
Como exemplo, o Conselho da Xaria Islâmica (ISC - Islamic Sharia Council) uma organização britânica, fornece decisões legais e conselhos aos muçulmanos de acordo com sua interpretação da xaria baseada nas quatro escolas sunitas do pensamento. Trata principalmente casos de casamento e divórcio e, em menor medida de negócios e finanças.[118] O Conselho afirma que tratou de uma média entre 200 e 300 casos mensais a partir de janeiro de 2012,[119] mas não tem autoridade jurídica no Reino Unido, e não pode impor sanções; muitos muçulmanos aceitam voluntariamente as decisões do ISC, entre várias razões para evitar o estigma da sua própria comunidade.
A maior parte dos países do Oriente Médio e do Norte da África mantém um sistema dual de tribunais seculares e religiosos, no qual os tribunais religiosos regulam principalmente os casos de casamentos e heranças. A Arábia Saudita e o Irã mantêm tribunais religiosos para todos os aspectos de sua jurisprudência, e polícias religiosas para aplicá-la socialmente. Leis derivadas da xaria também são aplicadas no Afeganistão, na Líbia e no Sudão. Alguns estados do norte da Nigéria reintroduziram os tribunais da xaria.[121] Na prática, estes novos tribunais da xaria nigerianos quase sempre trouxeram a reintrodução de punições severas, como a amputação de uma ou ambas as mãos para ladrões, e o apedrejamento para casos de adultério e apostasia, sem o consequente endurecimento nas regras para o fornecimento de evidências e testemunhos.[carece de fontes]
Muitos organismos, incluindo o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, consideram as punições prescritas pela xaria como bárbaras e cruéis, e contra os direitos humanos mais básicos. Acadêmicos islâmicos argumentam que, se implementados da maneira correta, estas punições servem como um meio de intimidação aos criminosos.[122] A mídia internacional tem abordado com algum destaque e considerável crítica os casos de países que aplicaram a lei islâmica, especialmente se a sentença acaba sendo mais severa do que os padrões estabelecidos internacionalmente de direitos humanos, como a aplicação da pena de morte para os "crimes" de adultério, homossexualidade, apostasia, blasfémia, amputações para o crime de roubo, e chibatadas para fornicação ou embriaguez pública.[123][124]
Ao comer carne, os muçulmanos podem apenas comer carne que foi abatida em nome de Deus, e que corresponde a requerimentos dietéticos estritos. Tal carne é chamada pura, ou halal. A lei islâmica proíbe aos muçulmanos comer carne de porco, macaco, cão, gato, quaisquer carnívoros e outros tipos de animais, uma vez que são haram (proibidos). Para a carne de um animal ser halal (legal) ela tem de ser de um dos animais halal, tem de ser abatida por um muçulmano, e o animal não pode ser morto por meios cruéis ou prolongados. O animal é morto pelo corte da veia jugular, pois acredita-se que isso o torna imediatamente inconsciente. Este método se mantém até hoje mesmo existindo outros que garantem menor sofrimento ao animal. Alguns teólogos muçulmanos determinaram que o animal não tem de ser morto por um muçulmano, mas pode ser abatido por um judeu desde que respeite as regras alimentícias. Desta forma, alguns muçulmanos aceitam a carne kosher (preparada de acordo com a lei judaica) como halal. [carece de fontes]
O Alcorão define um código de vestimenta para os seus crentes.[125] Para as mulheres, recomenda a modéstia sem explicitar alguma parte do corpo; os homens têm um código de vestimenta mais relaxado. A lógica por trás destas regras é que as mulheres não devem ser vistas como objectos sexuais.[126] Segundo o Alcorão, as mulheres devem-se cobrir "para que sejam reconhecidas e não sejam molestadas."[127]
Fundamentalistas afirmam que o abandono ou laxismo das regras de vestuário feminino podem provocar graves desastres naturais, como terramotos.[128]
Porém, tomando como exemplo o Egipto, o assédio sexual das mulheres naquele país está a aumentar e observar o código de vestimenta islâmico não é dissuasivo, de acordo com uma pesquisa.[129] O assédio sexual verifica-se até habitualmente em Meca, como constatou a muçulmana Riazat Butt em 2008.[130][131]
A feminista islâmica Fátima Mernissi é de opinião que "o hijab - literalmente "cortina" - foi revelado, não para fazer a separação entre um homem e uma mulher, mas sim entre dois homens, o próprio Profeta e Anas Ibn Malik, um dos companheiros de Maomé; tinha por fim proteger a sua intimidade.[132]
Segundo Kamel Daoud, "hoje, o sexo é um grande paradoxo em muitos países do mundo árabe: age-se como se não existisse e, no entanto, determina tudo o que não é dito. Negado, ele pesa no espírito por sua própria dissimulação."[133][134]
A circuncisão masculina envolve a remoção do prepúcio e é uma tradição na maioria das comunidades muçulmanas e judaicas. As opiniões diferem sobre se é legalmente obrigatório (fard) ou Suna. Não é mencionado no Alcorão, mas muitos muçulmanos acreditam que é um requisito para a conversão ao Islã. Muitas vezes é identificado como parte dos ritos de purificação (taharah) ou ligado para a prática do Antigo Testamento de Abraão. A circuncisão foi interpretada de diversas maneiras como um símbolo exterior da autodisciplina nas exigências de Deus, o crescimento interno da razão, a submissão de paixões básicas a requisitos espirituais superiores, o reconhecimento físico da hegemonia de Deus sobre instintos descontrolados e o compromisso religioso mais profundo esperado de um muçulmano maduro. A prática não é universal. Na Europa e América do Norte, normalmente é feito em um hospital imediatamente após o nascimento. Entre as sociedades tradicionais no Oriente Médio, um rito separado ocorre entre as idades de dois e doze como parte da celebração ritual, e os meninos circuncidados mais velhos são imediatamente obrigados a se juntar a parentes mais velhos em oração pública e são restritos de se moverem livremente entre nas partes da casa.[135]
Já a mutilação genital feminina (também chamada circuncisão feminina) é uma prática em cerca de 28 países em África, e muitos outros no Médio Oriente e na Ásia, a qual é praticada na sua maioria por muçulmanos mas também por não muçulmanos (cristãos, animistas e outros).[136] Nestas áreas, o costume é anterior ao Islão, sendo portanto também uma questão cultural. Nada no Alcorão o prescreve; o costume é mencionado em alguns hádices (Abu Dawood (5271) mas não há hádice que o ordene.[137] Ela é também referida como obrigatória, com amputação do clitóris (bazr) , no livro "Reliance of the Traveller", que é um manual clássico de fiqh da escola sunita do chafeísmo.[138] Fátuas (fatwas) existem proibindo a MGF,[139][140][141] favorecendo-a,[142][143] ou deixando a decisão aos pais.[144] Dados mais recentes indicam que a prática está a declinar.[145]
A definição de apostasia do Islã e sua punição são controversas e variam entre os estudiosos islâmicos.[146][147][148]
Segundo as cinco principais escolas de pensamento islâmico, a conversão de muçulmanos a outras religiões é proibida e chamada de apostasia. Na teologia muçulmana, a apostasia corresponde a um crime de traição, à traição do seu próprio país. A penalidade inclui o ostracismo ou mesmo a pena capital, caso eles sejam habitantes ou tenham vivido num "Estado Islâmico" e forem considerados inimigos do estado. Nas palavras do próprio profeta: (Sahih Bukhari 52:260)[149] - ''...Se alguém abandonar a sua religião, (''o Islão'') matem-no."'[150]
Até o final de 1800, a grande maioria dos estudiosos Islâmicos nas escolas de jurisprudência Madhhab e Imamah (xiita) consideravam que para os homens adultos, a apostasia era um crime bem como um pecado, um ato de traição punível com a pena de morte,[147][151] normalmente após um período de espera para permitir que o apóstata arrependa-se e volte ao Islã.[147][152][153][154] O tipo de apostasia geralmente considerada punível pelos juristas era a do tipo político, embora houvesse considerável diferença de opinião sobre este assunto no meio jurídico islâmico.[155] Wael Hallaq afirma que "em uma cultura cujo principal instrumento é a religião, os princípios religiosos e a moral religiosa, a apostasia é, de alguma forma, equivalente a alta traição no moderno Estado-nação."[156] No final dos anos 1800, a utilização de sanções penais por apostasia, caiu em desuso, apesar de sanções civis terem sido aplicadas.[147][157] De acordo com Abdul Rashied Omar, a maioria dos estudiosos muçulmanos modernos continuam a manter uma visão tradicional de que a pena de morte por apostasia ou blasfémia é necessária de acordo com os hádices.[158][159][160][107]
Yusuf Al-Qaradawi, presidente da União Mundial de Sábios Islâmicos, declarou à TV egípcia: "Se eles (muçulmanos apóstatas) tivessem livrado-se dos castigo pela apostasia, hoje não existiria Islã". A declaração não foi uma desculpa, mas sim uma justificação lógica para preservar a pena de morte para o "crime" de apostasia.[161] Mais de 20 países de maioria muçulmana punem a apostasia e blasfémia como um crime. À data de 2014, apostasia era um crime capital no Afeganistão, Brunei, Mauritânia, Qatar, Arabia Saudita, Sudão, Emirados Árabes Unidos, e Iémem.[162]
Muitos muçulmanos que se converteram ao cristianismo, ou abandonaram simplesmente a religião, estão em risco, como o escritor Ibn Warraq, (britânico de origem paquistanesa), que alega estar correndo perigo de vida por ser um ex-muçulmano;[163][164] outras figuras conhecidas nessa situação são Ayaan Hirsi Ali (holandesa de origem somaliana); Salman Rushdie[165](escritor); Wafa Sultan (americana de origem síria), entre outros.[166][167]
O papel das mulheres na sociedade muçulmana mudou significativamente nos séculos desde que o Islã começou na Arábia no início do século VII. Sua posição variou com a mudança de circunstâncias sociais, econômicas e políticas. Embora o Islã considere homens e mulheres como moralmente iguais à vista de Alá, as mulheres não tiveram o mesmo acesso a muitas áreas da vida islâmica.[168] Antes das revelações recebidas por Maomé no século VII, era hábito na Arábia enterrar as suas filhas vivas. Isso, entre outras práticas exploratórias, tornava a mulher um ser submisso ao homem, tratada como de segunda espécie.[168][169]
Durante e após a revelação do Alcorão, estes hábitos teriam sido abolidos, tendo em vista de que a condição da mulher na sociedade da Arábia foi revista, colocando-a como ser de igual nível ao homem, digna, respeitável, a ser protegida pelo homem.[168][169] Já no século VII, com a revelação do Alcorão, a mulher possuía direitos a: individualidade, educação e instrução, liberdade de expressão, direito de contratar, direito à Herança, direito ao divórcio, entre outros; alguns destes foram conquistados na prática no Ocidente apenas no século XX.[169] Contudo, embora a lei islâmica tenha ampliado alguns direitos às mulheres e limitado os privilégios dos homens, não mudou a posição dominante dos homens na sociedade muçulmana. Por exemplo,
o Alcorão exige que as mulheres sejam obedientes aos seus maridos e descreve os homens como um grau superior às mulheres em direitos e responsabilidades. As escrituras também permitem que os homens se divorciem de suas esposas sem causa e negam os direitos de custódia das mulheres sobre as crianças que atingiram uma certa idade.[170]
A xaria concede às mulheres o direito de herdar bens de outros membros da família, e estes direitos são detalhados no Corão.[171] A herança de uma mulher é desigual e menor do que a de um homem, e depende de muitos fatores.[172] Por exemplo, a herança de uma filha geralmente é metade da do irmão.[172]
O Islão não proíbe as mulheres de trabalhar, mas coloca ênfase na importância da mulher em tomar conta da casa e da família. Na Arábia Saudita, até 23 de Junho de 2018, elas não estavam autorizadas a conduzir automóveis.[173][174]
A lei islâmica permite que uma esposa se divorcie, mas isso normalmente implica a devolução do dote ou outros presentes. Na prática, os obstáculos legais e financeiros tornam o divorcio da mulher muçulmana extremamente difícil.[175]
As mulheres não podem ser sacerdotisas ou sábias religiosas. Muitas interpretações da lei islâmica sustentam que as mulheres não podem ter empregos importantes, e estão por isso proibidas de trabalhar no governo. Esta visão tem sido corrente até hoje.[carece de fontes]
A feminista Phyllis Chesler afirma que na maioria dos países muçulmanos, as mulheres têm um estatuto legal inferior ao dos homens, vivendo em maior ou menor grau numa espécie de apartheid de género, do qual a Arábia Saudita é o exemplo mais extremo.[176] O autor muçulmano britânico Ed Husain argumenta que, ao invés de manter os desejos sexuais sob controle, a segregação de gênero cria "frustração sexual reprimida que se expressa de maneiras não saudáveis" e leva os jovens a "verem o sexo oposto apenas como objetos sexuais".[177]
Sobre a situação actual da mulher muçulmana, a feminista e crente Mona Eltahawy, em Maio de 2012, escrevendo para o magazine Foreign Policy, disse:"Nomeiem-me um qualquer país árabe, e vou recitar um rosário de abusos (de mulheres) alimentados por uma mistura tóxica de cultura e religião que poucos parecem dispostos ou capazes de desembaraçar, para não blasfemar ou ofender".[178]
Para Odon Vallet, doutor em Direito e em Ciências Religiosas, a xaria incorporou inúmeros aspectos anteriores ao nascimento da religião islâmica, oriundos do direito das civilizações do Crescente Fértil. Assim, no tocante ao código de vestimenta para as mulheres, que prescreve o chamado "véu", já o código de leis do rei da Assíria Tiglate-Pileser I (r. 1115–1077), obrigava a mulher casada a usá-lo como forma de se distinguir da prostituta. De igual forma, as penas de lapidação e de amputação já se encontravam nas leis mesopotâmicas.[179]
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