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Reclaim the Streets (ou RTS; o termo significa reconquistar as ruas) é um movimento anárquico de cunho ecológico que se posiciona, de maneira geral, contra os efeitos negativos da globalização sobre a vida urbana em sociedade. A organização coloca-se contra o uso do automóvel enquanto modo predominante de transporte e locomoção na cidade atual. As ações conjuntas do movimento são representadas por ocupações coletivas dos espaços públicos, em especial as ruas.
O RTS nasceu na década de 1990, fruto de protestos anti-rodovias em Londres. Por conta da luta por Twyford Down, um pequeno grupo de indivíduos se uniu para agir diretamente contra o automóvel. Em suas palavras, eles estavam lutando "A FAVOR do caminhar, do pedalar e do transporte público barato ou gratuito, e CONTRA carros, rodovias e todo o sistema que os nutre."[1]
A ideia de "reconquista das ruas" logo se espalhou por todo o Reino Unido. As primeiras ações se colocam a favor de um debate além das lutas anti-rodovias ou contrário somente ao automóvel, buscando enfatizar o alto custo social, assim como ecológico, do sistema rodoviarista. Com o passar dos anos, no entanto, membros do grupo mudaram o foco dos protestos, percebendo que era melhor "cortar o problema pela raiz", como diziam - leia-se, o sistema capitalista. Apesar disso, as ações sempre seguiram o princípio da ação direta não-violenta.
De acordo com o grupo, os carros dominam, poluem e congestionam as cidades; e ainda divide as comunidades, pois isola as pessoas e tornam as ruas meras condutoras do veículo motorizado. O RTS acredita que em uma sociedade sem automóvel permitiria-se recriar um ambiente mais seguro e mais atrativo, de forma a devolver as ruas às pessoas que nelas vivem e, talvez, redescobrir o senso de solidariedade social.
O automóvel é, porém, apenas uma peça do quebra-cabeça e o RTS questiona também outros assuntos acerca do tema dos transportes, tais como as forças políticas e econômicas que guiam a cultura do automóvel. Os governos afirmam que "as estradas são boas para a economia". Mais mercadorias fazendo longas viagens, mais petróleo sendo queimado, mais consumidores em hipermercados fora do perímetro das cidades: tudo isso para aumentar o consumo, visto que este é um dos maiores indicadores do crescimento da economia. Daí, o ataque do RTS aos automóveis não pode ser separado de uma compreensão maior: o ataque ao próprio capitalismo.
Mais importante que tudo isso, o RTS existe também para encorajar mais e mais pessoas a tomarem partido na ação direta. Apesar de todos estarem cientes da destruição causada por rodovias, estradas, ruas e pelos próprios automóveis, políticos e governantes não tomam decisão alguma a esse respeito. Preocupam-se, apenas, em permanecer no poder e manter sua autoridade sobre a maioria das pessoas. A ação direta significa a destruição desse poder e dessa autoridade, para as pessoas terem responsabilidade sobre si mesmas. Significa, ainda, habilitar as pessoas a unirem-se como indivíduos com um objetivo comum, de modo a mudar as coisas diretamente pelas suas próprias ações.
As ações do RTS começaram com mobilizações de rua (do inglês Street Parties). As ruas são (assim como avenidas, boulevares, estradas, autopistas, etc.) entendidas como a mesma coisa. Podem ser definidas, no entanto, como opostas umas das outras, de forma a representar diferentes conceitos de espaço. No dia-a-dia utiliza-se expressões como 'o mundo das ruas', 'tomar as ruas' e 'cultura das ruas'.
A rua per se sugere confraternização, pessoas em interação. Em uma só palavra: comunidade. Contrariamente, a auto-estrada sugere expressões como 'piche', usado como matéria-prima para o asfalto, 'progresso' e 'passagem privativa do automóvel'.
A estrada é mecânica e sugere certo movimento linear, perfeitamente exemplificada pelo automóvel. A rua sugere lugar de convívio e da interação humana, da liberdade e da espontaneidade. 'O sistema rodoviarista subtrai-nos a rua sob nossos olhos, nos vendendo de volta pelo preço do pretóleo'. Esse sistema privilegia o 'tempo' em detrimento do 'espaço', corrompendo e reduzindo tanto 'tempo' quanto 'espaço' em busca de uma obsessão pela velocidade ou, no jargão econômico, pela 'liquidez'. Assim, não interessa quem 'dirige' esse sistema, pois seus movimentos são pré-determinados.
A cidade moderna é a extensão da 'máquina' capitalista. Enquanto uma cidade industrial, serve às elites dominantes: possui uma rede de transporte para importação e exportação de bens; seus 'cidadãos', escravizados pelo salário, são levados de grandes dormitórios fechados, o local de moradia, para o local de trabalho. Sua escala desumana, a impersonalidade e o sacrifício do prazer pela eficiência são a exata antítese da genuina comunidade.
A privatização do espaço público na forma do automóvel dá vazão à erosão da vizinhança e da comunidade, definindo assim a metrópole. Esquemas especiais de trânsito, estacionamentos privados, desenvolvimento do comércio: tudo isso adicionado à desintegração da comunidade e o nivelamento da localidade. Assim, a comunidade torna-se uma commodity. Todos os lugares tornam-se os mesmos que qualquer outro lugar.
Assim, o desejo de comunidade é preenchido de outra forma: através do espetáculo, vendido para o povo como um simulacro. A rua real, nesse cenário é, portanto, estéril: um lugar para atravessar, não para permanecer.
Assim, de modo a resgatar o que sobrou dessa arena pública, para aumentar e transformar essa mesma arena de uma espaço crescente de vendas e propagandas, para um espaço gratuito e comum - da 'localidade controlada' para o 'controle local' - é fundamental a visão do RTS. A lógica dessa visão implica não apenas no fim da 'regra do carro' mas também na liberação das ruas para uma regra mais ampla de hierarquia e dominação: do consumo, da vigilância, propaganda e do lucro fácil, que reduzem as pessoas e todo o planeta Terra em objetos de venda.
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