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Paulo Orósio (em latim: Paulus Orosius; c. 385 – c. 420), historiador, teólogo, sacerdote e apologista cristão, natural da Hispânia Romana, possivelmente[1] natural de Bracara Augusta, então cabeça da província da Galécia.
Paulo Orósio | |
---|---|
Nascimento | 385 Bracara Augusta |
Morte | 420 (35 anos) |
Nacionalidade | Romana |
Ocupação | Historiador, teólogo, sacerdote e apologista cristão |
Embora existam incertezas sobre a sua biografia, como a data de nascimento, é sabido que foi uma figura de grande prestígio cultural, tendo contato com as grandes personalidades da época, como Santo Agostinho e Jerônimo de Estridão. Para se relacionar com eles, viajou por cidades da costa meridional do mar Mediterrâneo, como Hipona ou Alexandria.
Tais viagens determinaram a sua vida e a sua produção como intelectual. Junto a Santo Agostinho não apenas conversou sobre temas teológicos, mas pôde colaborar com ele na elaboração da obra A Cidade de Deus.[2] Além disso, este escolheu-o em 415 para viajar à Palestina e trocar informação com outros intelectuais, o que ademais lhe permitiu participar num Concílio em Jerusalém e, na volta, portar as relíquias de Santo Estevão. Por último, a data em que faleceu também não é conhecida, mas em todo caso não parece ser posterior a 423.[3]
Ao longo da vida escreveu três obras, dentre as quais sobressai a Historiae Adversus Paganos. Trata-se de um dos livros com mais repercussão da historiografia na passagem da Idade Antiga à Idade Média, bem como da hispânica de todos os tempos. Além disso, é o escrito no que o autor dá ao manifesto a sua metodologia histórica. É basicamente uma narração histórica, dos primeiros tempos até o momento no que vive, embora dando um papel proeminente aos povos pagãos.[4]
Paulo Orósio foi uma figura muito influente tanto do ponto de vista de divulgação — Historiae Adversus Paganos foi uma das principais obras utilizadas até o Renascimento para estudar a Antiguidade — quanto do historiográfico. A sua metodologia histórica teve grande repercussão em historiadores posteriores.[5][6]
Apesar de a sua obra ter uma grande repercussão, a sua biografia está cheia de incógnitas que impedem reconstruí-la com precisão, especialmente no que diz respeito ao seu nascimento e falecimento.[7] Porém, trata-se de um autor amplamente estudado e portanto existem diversos estudos que propõem datas para ambos os acontecimentos.
As principais referências para traçar a biografia do autor provêm dos escritos de Genádio de Marselha e Bráulio de Saragoça, embora não se possam esquecer as próprias obras de Paulo Orósio.[7] Além disso, o autor é mencionado em algumas cartas de Santo Agostinho, pelo qual este autor pode também ser aludido como fonte para o estudo da vida de Orósio.
A respeito do apelativo de Paulo Orósio, a dúvida não está no sobrenome, "Orósio", senão no nome, "Paulus". Basicamente, o problema está em que não é completamente conhecido se se chamou assim ou se simplesmente era Orósio e com o passar do tempo lhe foi incorporado tal nome. Isto pôde ocorrer devido a que a sigla "P" de presbítero sempre acompanhava o seu nome, e com o passar do tempo poderia ser gerada tal confusão.[8]
Contudo, já em autores imediatamente posteriores a Orósio aparece o nome Paulo. De fato, até mesmo o próprio Casimiro Torres, um dos principais estudiosos sobre a figura de Orósio, assinala que Paulo pôde ser a acepção cristã e Orósio a indígena, uma teoria que também não se teria que descartar.[8]
Quanto à origem, trata-se de um tema polêmico embora praticamente resolvido.[1] Primariamente há quatro teorias em torno deste tema, que sucintamente resumidas são:
A data de nascimento não consta, mas os cálculos achegam uma provável: se em 415 há registro de que Santo Agostinho falou de Paulo Orósio como "um novo presbítero", isso significa que nesse momento não podia ter mais de 40 anos — por ser novo — nem menos de 30 — por ser presbítero.[12]
Desse jeito, haveria uma margem de dez anos que permitiria fixar a data entre 375 e 385, embora a data mais aceite seja 383, devido a que isso implicaria que quando Orósio chegou junto a Santo Agostinho teria 32 anos, ou seja, passaram dois desde ter sido ordenado presbítero.[13]
Apesar da escassez de fontes a esse respeito, se se dá por boa a data de nascimento da secção anterior — ou, ao menos, a margem de dez anos entre 375 e 385 — Paulo Orósio teria que enquadrar-se num momento de auge cultural junto com Idácio, os Ávitos e o próprio Orósio.[14] Também se tem de levar em conta que o priscilianismo estava em pleno desenvolvimento.
As teorias clássicas expõem que Paulo Orósio pertenceria a uma família bem posicionada socialmente,[15] a qual lhe permitiu aceder a uma boa formação. Esta desenvolveu-se em termos cristãos, embora Orósio, aceitando que nasceu em Braga, teve sempre um forte conhecimento da cultura rural do momento.
A historiografia contemporânea assinala que desde a juventude de Orósio se tinha a imagem de ser loquaz e erudito,[16] aludindo a afirmações tanto de Santo Agostinho quanto do Papa Gelásio I. Em qualquer caso, todo o referente à juventude do autor são apenas hipóteses e conjeturas, pois junto ao seu desaparecimento é a época pior conhecida da sua biografia.
Cedo se tornou clérigo cristão, tendo tomado parte nas controvérsias do Priscilianismo, heresia que radicava na Península Ibérica.
Em princípio, é seguro que Paulo Orósio viveu na Galécia (Hispânia norte-ocidental) até 409, mas a partir daí, e até 415, não há nenhuma data segura. A cronologia tradicional, ou ao menos a mais estendida,[18] expõe a sequência de fatos indicados a seguir.
Aparentemente, Orósio teve de sair de Braga a partir das invasões germanas. A data em que isto ocorreu não é clara, mas não se põe em dúvida que saiu dali abruptamente e, até mesmo, o próprio Orósio afirma que foi perseguido até à praia em que embarcou.[19]
Dentre as datas concebidas para a saída de Braga, que vão de 409 a 414, as duas mais aceites são:
O certo é que uma vez Orósio saiu da Península Ibérica deslocou-se a Hipona, na África do Norte, para se encontrar com o maior intelectual da época: Agostinho. Desde a sua chegada, Orósio passaria a fazer parte da equipa que trabalhava junto a Agostinho de Hipona, pelo qual é possível que o autor colaborasse na elaboração de A Cidade de Deus ou que ao menos a conhecesse.[2]
Após ter permanecido algum tempo em Hipona como discípulo de Agostinho, em 415 foi enviado por este à Palestina, com uma carta de apresentação destinada a Jerónimo de Estridão, intelectual que então exercia o monacato em Belém.
A viagem à Palestina respondia (à parte da peregrinação à Terra Santa e talvez à “caça” de relíquias) a um duplo motivo: o interesse de Orósio de tratar com Jerônimo diferentes temas teológicos — em especial o relacionado à origem da alma — e o interesse de Santo Agostinho em estreitar laços com tal intelectual e solicitar informação sobre a heresia pelagianista, bem como a aprendizagem dos pontos que uniam a teologia priscilianista e a de Orígenes (para melhor as combater).[20] Contudo, parece que a sua verdadeira ideia poderia ser a de auxiliar Jerónimo e outros ortodoxos contra Pelágio da Bretanha, que fora condenado como herege pelo sínodo de Cartago de 411, e que desde então se refugiara na Síria-Palestina, onde as suas ideias ganharam algum acolhimento.
Em 415, uma vez instalado em Belém junto a Jerônimo, Paulo Orósio entrevistou-se com o próprio Pelágio por mandado de Agostinho.
Tendo chegado à Palestina, em 415, foi chamado pelo Patriarca de Jerusalém, João, para participar num sínodo local, no qual Orósio comunicou as decisões do sínodo cartaginês realizado quatro anos antes, tendo lido textos de Agostinho contra Prisciliano. Contudo, não foi grande o seu sucesso, já que muitos dos Orientais começavam por esta altura a não compreender o latim;[21] diz-se mesmo que teria ficado chocado perante a questão que Pelágio lhe colocou durante o concílio: "et quis est mihi Augustinus?" ("e quem é para mim esse tal Agostinho?").
Nessa assembleia, Orósio manteve um confronto com João II — o bispo de Jerusalém —, que o acusou de herege antes do conclave. Para se defender, Orósio escreveu a sua segunda obra, Liber Apologeticus, na qual recusava tal afirmação de maneira firme.[22]
Tudo o que o Orósio conseguiu foi obter o consentimento do Patriarca João para enviar cartas e legados para o Papa Inocêncio I em Roma; depois de ter esperado até ao final desse ano para ouvir a decisão desfavorável de um novo sínodo oriental (talvez em Lida) contra a sua pregação, regressou para o Norte da África, onde se acredita teria falecido, por volta de 420.
Orósio ao se encontrar com Jerônimo entregar-lhe-ia a correspondência que trazia para ele em nome de Agostinho. Isso implicava que a viagem era concebida desde o primeiro momento como de ida e volta, pois também devia entregar a correspondência de Jerônimo a Santo Agostinho ao seu regresso.
De acordo com Genádio, deve-se a ele a descoberta das relíquias do primeiro mártir cristão, Estêvão (apedrejado c. 37, pouco antes da conversão de Paulo de Tarso), aparecidas no final de 415, sendo parte destas encomendadas a Orósio para as deslocar a Braga.[23] Levou-as finalmente para Minorca, ilha onde foram usadas para converter a comunidade judaica local.
Dado que as relíquias de Santo Estevão apareceram a 26 de dezembro de 415, Orósio não pôde partir antes desta data. Embora a sua ideia fosse ir para Braga, tinha de passar na marra por Hipona — de fato levava escritos de Jerônimo para Santo Agostinho —, bem como há registro de que passou por Jerusalém e por Alexandria, embora não se saiba se isto o fez à ida, à volta ou em ambas as ocasiões.[24]
Durante a sua segunda estância em Hipona, manteve uma longa entrevista com Agostinho, na que lhe entregou a correspondência que portava em nome de Jerônimo e informou do encontro que teve com Pelágio.[25] Durante este reencontro com Agostinho foi gestada a grande obra de Paulo Orósio, a Historiae Adversus Paganos. Contudo, surgem problemas à hora de datar tanto a elaboração quanto a finalização do livro, havendo diversas opiniões:
Após a publicação das Histórias, não há apenas informação sobre Paulo Orósio. Sabe-se que esteve em Minorca, mas desconhece-se a data em que faleceu. Esta ausência de referências a Orósio pôde ser devida a um distanciamento com Santo Agostinho, o qual não faz nenhuma referência clara às Historias de Orósio uma vez publicadas. Genádio de Marselha fala de que o autor chegou, ao menos, até o fim do mandato do imperador Flávio Honório, que se prolongou até 423, mas não há nenhuma notícia de Orósio de 417, e parece pouco provável que um autor tão ativo estivesse seis anos sem dar notícias.[3]
Existem mais possibilidades, de uma possível morte repentina até uma sorte de lenda que fala de que Orósio finalmente chegou à Hispânia, fundou um mosteiro perto do cabo de Palos e terminou ali as suas ideias, algo que atualmente parece pouco provável.[3]
Embora o escrito mais importante de Paulo Orósio fosse a Historiae Adversus Paganos, também se tem de levar em conta as outras duas obras que se conservam do autor, conhecidas geralmente como Commonitorium e Liber Apologeticus.[28]
O primeiro trabalho de Orósio, intitulado Consultatio sive commonitorium ad Augustinum de errore Priscillianistarum et Origenistarum (Consulta ou advertências de Agostinho acerca do erro dos Priscilianistas e dos Origenistas).
O nome completo do primeiro livro é Consultatio sive commonitorium ad Augustinum de errore Priscillianistarum et Origenistarum (“Consulta ou advertências de Agostinho acerca do erro dos Priscilianistas e dos Origenistas”),[27] explicando o seu objectivo primeiro logo no título; foi escrito pouco depois da sua chegada à África, entre 409 e 414,[29] tendo sido geralmente impresso associado à resposta que Agostinho lhe deu, em Conira Priscillianistas et Origenistas liber ad Orosium. Sua cronologia é também obscura, estabelecendo-se um segundo limite cronológico em 415, data tradicional de publicação da obra Liber ad Orosiumcontra Priscillianistas et Origenistas, na qual Santo Agostinho responde ao Commonitorium de Orósio.[30]
O livro não somente era dirigido a Agostinho de Hipona, mas foi precedido por conversações com este.[31] Nele, não somente relata a sua viagem para África, mas faz uma aproximação ao priscilianismo e ao origenismo, pede conselho a Santo Agostinho sobre alguns temas teológicos e, em definitiva, expõe inquietudes de Orósio.[32]
O seu segundo tratado, de nome completo Liber Apologeticus contra Pelagium de Arbitrii libertate,[33] foi escrito durante a sua permanência na Palestina, estando relacionado com a controvérsia que o levou para lá, e enquadrado na participação de Paulo Orósio no concílio de Jerusalém em 415.[34] Nele ocorreu um grande debate teológico, durante o qual o bispo João acusou Orósio de herege por suster que o homem não podia permanecer livre do pecado nem com auxílio divino.[34] Inclui-se uma entusiástica crítica contra o Pelagianismo, muito decalcada da posição de Agostinho.
Para defender-se de tais acusações, Orósio redigiu o seu Liber Apologeticus, no qual expôs os motivos pelos quais participou no sínodo — foi convidado por Jerônimo — e recusou a acusação de heresia realizada sobre ele.[33] Porém, nenhuma das duas obras são de caráter histórico, apesar de terem elementos que ajudam positivamente à reconstrução da vida de Orósio.
As Historiæ adversum Paganos ("Histórias contra os Pagãos") foram escritas por sugestão de Agostinho, a quem, de resto, são dedicadas. Com feito, àquele santo norte-africano afligiu, como a muitos outros homens cultos do seu tempo (como Jerónimo ou Ambrósio), o saque de Roma pelos Visigodos de Alarico, em 410. Agostinho teria pedido ao seu jovem discípulo que investigasse as causas que contribuíram para essa tragédia; Orósio, polemista, redigiu as Histórias contra os Pagãos, com forte carga religiosa, acusando os pagãos pelo sucedido, por ainda não se terem convertido ao Cristianismo, a verdadeira religião. Esta obra seguiu De Civitate Dei ("A Cidade de Deus") de Agostinho, onde contrapõe a cidade terrestre (Roma) humana, corrupta e perecível, à cidade celeste, divina, incorruptível e, essa sim, verdadeiramente eterna.
É a sua grande obra e a única histórica em si mesma, que serve para desentranhar a metodologia histórica do presbítero galaico. A data de elaboração do livro apresenta problemas, pois não existe uma teoria unanimemente aceite pela historiografia. De qualquer maneira, a linha mais tradicional situa a redação das Histórias entre 416 e 417.[26]
Esta história foi a primeira tentativa de escrever uma história do Mundo guiada pela Providência Divina. Conheceu grande êxito, tendo sido difundida entre os Ortodoxos, e até a Inglaterra chegou um manuscrito latino, o qual viria a ser traduzido pelo rei Alfredo, o Grande, no século IX, para o inglês antigo.
Uma definição clara e concisa sobre o livro histórico de Orósio é a que Miguel Ángel Rábade Navarro oferece num dos seus artigos sobre o autor, no qual fala das Historiæ como de uma "obra histórica universalista de caráter apologético e providencialista, cujo fim primordial é comparar um passado pagão com um presente cristão através dos seus homens, das suas ações e do seu meio geográfico e temporário".[4]
Seja como for, trata-se de uma obra que tem uma origem concreta e um objetivo claro. Sua origem responde a uma petição expressa de Agostinho de Hipona, que lhe pede uma obra como complemento ao seu De Civita Dei na qual se trace a história pondo em relevo os povos pagãos.[35] A data em si, como já se acaba de dizer, não é de interesse neste momento, ao menos não tanto como o objetivo que tinha Orósio, que recolheu o pedido de Santo Agostinho e traçou uma obra na qual o seu objetivo era expor que a decadência de Roma — em 410 ocorreu o saque de Roma por Alarico I — não tinha a ver em absoluto com o cristianismo.[36]
Ao longo dos sete livros que compõem esta produção, Orósio introduz alguns aspectos novos e outros que recolhem a tradição historiográfica greco-romana.[37] Como premissa sobre o conteúdo se tem de dizer que Orósio em nenhum momento tenta oferecer uma imagem negativa sobre os povos pagãos — o qual é uma herança greco-romana, pois os historiadores desse momento tentavam dar em linhas gerais uma imagem positiva do "inimigo".[37]
Como fontes das suas Historiæ usou, para além dos Antigo e Novo Testamento, obras de César, Lívio, Justino, Tácito, Suetónio, Floro, bem como a tradução latina da Historia Ecclesiastica de Eusébio de Cesareia feita por Jerónimo.
Esta obra seria ainda transcrita para a língua árabe durante o reinado de Aláqueme II de Córdova; foi mais tarde uma das fontes usadas por ibne Caldune na sua história.
O caráter universalista da obra de Orósio talvez seja o matiz mais destacável. De fato, apesar de ser discutível quase tudo a respeito de este autor, da sua biografia à sua produção, neste ponto coincidem todo tipo de autores, de clássicos como Menéndez y Pelayo até o moderno Torres Rodríguez.[38] Além disso, a sua obra não somente se sinala como universal, mas como a primeira obra de história universal de índole cristã — ou a última do universalismo clássico, se se prefere.[39]
Paulo Orósio não é apenas um autor amplamente estudado, senão que deu a sua própria percepção da metodologia histórica em alguns dos prólogos das obras que compõem as suas Histórias. Tinha claro o seu objetivo: escrever da criação até os dias nos quais ele viveu, o qual é uma declaração de intenções clara para o universalismo historiográfico.[40]
Para seguir o devir histórico ao longo da sua obra, Paulo Orósio utiliza a denominada "teoria da sucessão dos quatro impérios universais",[41] a qual traça a história com a premissa de que a partir das ruínas de uma grande civilização surge outra. Assim, a sua própria teoria toma quatro impérios históricos, Babilônia, a Roma pagã, Macedônia e Cartago, e um quinto, a Roma cristã, como herança de todos eles.[42] De fato, durante a narração os quatro impérios têm um mesmo devir e uns paralelismos muito marcados em oposição a Roma que deseja elogiar.[4]
A novidade fundamental que achega Orósio à teoria descrita no párrafo anterior é que introduz Cartago entre Macedônia e Roma, algo que estudiosos como García Fernández destacam como fato definidor e definitivo.[36]
Outra característica importante da obra histórica orosiana é a que se denomina como patriotismo.[43] Neste senso há duas posturas claramente diferenciadas, uma mais tradicional impulsionada por Torres Rodríguez e uma mais nova achegada recentemente por García Fernández.
A teoria de Torres Rodríguez fala de patriotismo no senso de que Orósio faz especial insistência nos fatos que ocorrem na Hispânia, algo normal pela procedência de Orósio mas que ele chama não somente de patriotismo mas também de hispanismo.[43] Põe exemplos ao respeito com narrações de acontecimentos nas Histórias, como os ocorridos em Braga ou no feito de que fosse o próprio Orósio o encarregado de transladar as relíquias de Santo Estevão.[44] Até mesmo assinala que as narrações de Orósio são às vezes argumento para os grupos nacionalistas galegos da atualidade.[44]
Em oposição a isto está García Fernández, que em 2005 faz alusão explícita a Torres Rodríguez, assinalando como exagerada a qualificação de "patriótica" efetuada sobre a metodologia histórica de Orósio.[45] Neste senso recusa praticamente todas as afirmações que faz Torres Rodríguez ao respeito,[46] utilizando um conceito diferente e de moda na historiografia de começos do século XXI, pois fala de localismo.[47] Seguindo essa linha, mais que hispanismo assinala uma “atitude benévola” frente ao indígena hispânico,[47] algo que se pode relacionar com as suas origens.
Outro ponto de interesse é o pessimismo com o que Orósio trata determinados temas e o exagerado optimismo com o que refere a outros. Em linhas gerais, é pessimista a respeito de todo o pagão/passado e optimista a respeito de todo o cristão/presente.[48]
Esta característica impregna todas as outras, em especial enquanto que ao longo da sua narração faz especial insistência nos sofrimentos dos vencidos,[49] e as misérias das guerras.[50] A respeito desta característica pode ser fixada uma clara influência de Santo Agostinho, enquanto a que o exposto por Orósio são duas caras de uma mesma moeda ao mais puro estilo do dualismo agostiniano, no que a vida cristã está frente de uma possibilidade negativa de morte.[51]
Assim, o passado apresenta-se como uma cadeia de infortúnios com exemplos concretos, desde o dilúvio universal até os naufrágios de barcos no mar Mediterrâneo, e o futuro como algo optimista apesar da realidade na que viveu.[51]
Para levar a narração numa linha de sofrimento e tragédia, presta atenção em numerosas ocasiões nos derrotados, algo que choca com a historiografia romana que costuma dar proeminência aos vitoriosos.[49] Porém, do ponto de vista historiográfico, visando comover o leitor e levá-lo a sua postura, Orósio utiliza às vezes mitos e lendas como se fossem fatos históricos.[52]
Outra crítica tradicional à obra de Paulo Orósio vem da mão deste pessimismo/optimismo, o qual o leva a oferecer uma narração que em muitos compassos carece de senso crítico.[53] Isto divide a historiografia entre autores que o qualificam como tendencioso e outros que recusam esta crítica, e justificam dizendo que contempla a história ao jeito que o cristão contempla a vida.[53] Ou seja, a justificação tem a sua base no caráter providencialista da obra do autor.[4]
Também não se tem de omitir a capacidade narrativa de Paulo Orósio. O autor tem um objetivo claro: que os cristãos se defendam das acusações dos romanos não cristãos, que os acusam de que a chegada dos germanos é um castigo por dar de lado o panteão de deuses clássico da cidade.[54]
Neste sentido, os recursos narrativos que utiliza Orósio vão para além do pessimismo/optimismo supracitado para canalizar o seu argumento. A ideia fundamental é que o passado é sempre pior que o presente, simplesmente por estar afastado da verdadeira religião.[54]
O fato de ter o seu objetivo tão claro leva-o a executar cada um dos seus relatos com um fim concreto. Assim, há acontecimentos narrados de um modo especialmente breve e outros que se apresentam com luxo de detalhes, o qual não se faz por escassez de fontes — Orósio afirma que o historiador deve ser seletivo com o que tem — mas para fazer ênfase no que lhe interessa para referendar a sua ideia.[50]
O fato de a sua obra ter uma intenção moral e apologética faz que se foque em acontecimentos pouco habituais, como as misérias da guerra sobre a população.[40] Esta escolha de fatos é a que possibilita que se interprete de patriotismo, ao prestar muita atenção aos acontecimentos na Hispânia.
Orósio concede grande importância à geografia para o seu trabalho como historiador.[55] A prova disto é a descrição geográfica do mundo que faz Orósio no segundo capítulo do primeiro dos sete livros que compõem as Histórias.[55]
Apesar de a descrição geográfica contar com algumas imprecisões, como as referidas ao emprego excessivo do substancial "Cáucaso" para se referir a outras cordilheiras à margem desta,[56] é destacável que inclua um capítulo geográfico. Isto conferiu valor, na historiografia moderna, à obra de Orósio, graças a autores como Lucien Febvre ou Fernand Braudel.
Tomando por certo o suposto afastamento entre Paulo Orósio e Agostinho de Hipona nos trechos finais da vida do primeiro, isto não teve de ocorrer em nenhum caso a partir das Histórias, e de fato não afetou em absoluto a sua distribuição e repercussão.[57]
Apesar de todo o dito anteriormente sobre a obra de Orósio, a respeito de que ocasionalmente recebeu críticas concretas, a sua obra teve sucesso praticamente desde a sua confeição, e até o Renascimento foi tomada como uma das principais obras da historiografia hispânica.[5] Este sucesso contribuiu a que também se conservaram os outros dois escritos do autor.
Historiae Adversus Paganos é uma obra citada por todo tipo de autores, desde São Bráulio até Dante Alighieri. Lope de Vega deu um papel a Paulo Orósio na sua obra O cardeal de Belém, o que exemplifica a longevidade da fama de Orósio.[6] De fato, a obra não somente foi citada em toda parte, senão que foi um dos principais livros escolásticos para o estudo da História Antiga durante toda a Idade Média.[6]
A obra foi amplamente copiada, conservando-se 82 manuscritos e 28 incunábulos dos primeiros tempos da imprensa.[6] Depois seguiu a ser copiado, e até mesmo se conservam edições do século XVI em italiano e alemão.[6]
A partir do século XIX há múltiplas edições de todo tipo. A primeira versão traduzida em português foi feita em 1986, pelo professor Doutor José Cardoso sobre a égide da Universidade do Minho[58].
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