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Khôra ou Cora (Khora ou Chora; em grego clássico: χώρα) era o território da pólis fora da cidade propriamente dita. O termo foi utilizado em filosofia por Platão para designar um receptáculo/recipiente (hupodoxe), um espaço ou um intervalo no seu diálogo Timeu.
Na narrativa, Platão propõe que a khôra é um "terceiro tipo" de ser que repousa entre o sensível e o inteligível, através da qual tudo passa, mas na qual nada é retido. Por exemplo, uma imagem precisa ser mantida por algo, assim como um espelho retém um reflexo. Khôra "dá espaço", tem conotações maternas (um útero, matriz) e é relacionada a um não-ser, um intervalo "sem formas" que recebe e molda todas as cópias sensíveis das Formas ou Ideias:[1]
"um Terceiro Tipo é o da Khôra (χώρας), eterno, não admitindo destruição, concedendo uma morada a todas as coisas que têm geração, ela própria a ser apreendida pela não sensação, por uma espécie de consideração bastarda, dificilmente confiável; e olhando para a qual sonhamos e afirmamos que é necessário que tudo o que existe esteja em algum lugar e ocupe alguma khôra; e aquilo que não está na terra nem em lugar algum no céu não é nada."
―Platão. Timeu, 52a-b
"Da mesma forma, é correto que a substância que deve ser ajustada para receber com frequência, em toda a sua extensão, as cópias de todas as coisas inteligíveis e eternas deva, por sua própria natureza, ser vazia de todas as formas. Portanto, não falemos dela que é a Mãe e o Receptáculo deste mundo gerado, que é perceptível pela vista e por todos os sentidos, pelo nome de terra ou ar, fogo ou água, ou quaisquer agregados ou constituintes deles: se a descrevermos como um Tipo invisível e sem forma, todo receptivo e, de alguma maneira mais desconcertante e intrigante participando do inteligível, iremos descrevê-la verdadeiramente."
―Timeu, 51a[2]
Esse terceiro termo foi desenvolvido no contexto de discussões do ser e do tornar-se (devir ou vir-a-ser), vistas principalmente em Parmênides e Heráclito, sobre como ocorria a passagem do Ser imutável para o movimento dos fenômenos no mundo em devir.[3] A solução de Platão foi delimitar um tipo intermediário de ser, receptivo como uma "ama do tornar-se" e espaço neutro necessário de onde jorrar-se-iam os fenômenos.[4]
"da substância que recebe todos os corpos deve ser dado o mesmo relato. Deve ser sempre chamada pelo mesmo nome; pois de sua própria qualidade ela nunca se afasta, pois embora está sempre recebendo todas as coisas, em nenhum lugar e de forma alguma ela assume qualquer forma semelhante a qualquer das coisas que nela entram. Pois é estabelecida pela natureza como um matriz-molde (ekmageion) para tudo, sendo movida e marcada pelas figuras que entram, e por causa delas ela aparece diferente em momentos diferentes. E as figuras que entram e saem são cópias daquelas que sempre existiram, sendo delas carimbadas de uma forma maravilhosa e difícil de descrever, que investigaremos a seguir. Por enquanto, então, devemos conceber três tipos - o Devir, aquele “Onde” em que se devém, e a fonte “De Onde” o Devir é copiado e produzido. Além disso, é apropriado comparar o Recipiente à Mãe, a Fonte ao Pai, e o que é gerado entre esses dois os Descendentes; e também perceber que, se a cópia carimbada deve assumir diversas aparências de todos os tipos, aquela substância em que é colocada e carimbada não poderia ser adequada ao seu propósito, a não ser que fosse ela própria desprovida de todas as formas que está prestes a receber de alhures."
―Timeu, 50b-d[5]
Sua relação vincula-se à efemeridade dos elementos clássicos, componentes do cosmos e considerados traços (ichne) dos elementos secundários pré-cósmicos, os quais a khôra agita.[6] Ao léu, ela possui movimento errático, regida pela lei material da Necessidade (Anagke), porém é persuadida à ordem pela Razão (Nous) divina demiúrgica.[7][8]
"que o Ser, o Lugar e o Devir eram existentes, três coisas distintas, mesmo antes de o Céu existir; e que a Ama do Devir, sendo liquefeita e ígnea feita, e recebendo também as formas da terra e do ar, e submetendo-se a todas as outras afeições que a estas acompanham, exibe toda variedade de aparência; mas, devido a ser preenchida com potências que não são semelhantes nem equilibradas, em nenhuma parte de si mesma ela é igualmente balanceada, mas oscila desigualmente em todas as partes, e ela mesma é abalada por essas formas e as sacode por sua vez, conforme é movida. E as formas, conforme são agitadas, voam continuamente em várias direções e se dissipam; assim como as partículas que são agitadas e peneiradas pelos crivos e outros instrumentos usados para a limpeza do milho caem em um lugar se forem sólidas e pesadas, mas voam e se depositam em outro lugar se forem esponjosas e leves. O mesmo acontecia com as Quatro Tipos quando sacudidos pelo Recipiente: seu movimento, como um instrumento que causa tremores, estava separando mais longe um do outro os dessemelhantes, e aproximando mais os semelhantes; portanto também esses Tipos ocuparam lugares diferentes, mesmo antes que o Universo fosse organizado e gerado a partir deles. Antes dessa época, na verdade, todas essas coisas estavam em um estado desprovido de razão ou medida, mas quando se empreendia o trabalho de ordenar este Universo, fogo, e água, e terra e ar, embora possuíssem alguns traços de sua própria natureza, ainda estavam dispostos como tudo provavelmente estaria na ausência de Deus; e visto que esta era então sua condição natural, Deus começou primeiro conformando-os por meio de formas e números. E que Deus os construiu, tanto quanto podia, para serem tão justos e bons quanto possível, enquanto eles tinham sido de outra maneira."
―Timeu, 52d-53b[9]
Aristóteles confluiu o conceito de seu professor com as suas definições de prima materia (hylé), lugar (topos) e substrato (hypokeimenon): "ele não declarou claramente se seu 'Onirrecipiente' existe em separação dos elementos; nem faz qualquer uso disso. Ele diz, de fato, que é um substrato anterior aos chamados 'elementos'–a eles subjacente, como o ouro é a base das coisas feitas de ouro",[11] e "É por isso que Platão diz no Timeu que matéria e khôra são a mesma coisa; pois o receptivo e khôra são um e o mesmo. (...) Ele declara que lugar e a khôra são o mesmo".[12]
Plutarco posteriormente também associa o conceito à matéria prima pré-cósmica, sem qualidades, afirmando-a "o que é chamado por Platão de natureza onirrecipiente, morada e ama das coisas que estão sujeitas à geração", e que se torna perceptível quando moldada nas múltiplas formas visíveis, participantes do mundo inteligível; outros como Albino, Apuleio, Hipólito e Calcídio referiram-se a ela como potencialmente corpórea, inspirados também por Aristóteles e pseudo-Ocelo Lucano.[13]
Alfred North Whitehead utilizou-a em seu Adventures of Ideas (1933):[14]
"Há um fato todo-abrangente que é o avanço da história do um Universo. Esta comunidade do mundo, que é a matriz para toda geração, e cuja essência é processo com retenção de conexão – esta comunidade é o que Platão chama O Receptáculo. (...) O Receptáculo impõe uma relação comum a tudo o que acontece, mas não impõe o que essa relação deve ser. Parece uma noção um pouco mais sutil do que a 'matéria' de Aristóteles que, claro, não é a 'matéria' de Galileu e Newton. O Receptáculo de Platão pode ser concebido como a comunidade necessária dentro da qual o curso da história é colocado, em abstração de todos os fatos históricos particulares. Chamei a atenção para a doutrina de Platão do Receptáculo porque, no momento presente, a ciência física está mais perto disso do que em qualquer período desde a morte de Platão. O espaço-tempo da física matemática moderna, concebido em abstração das fórmulas matemáticas particulares que se aplicam aos acontecimentos nele, é quase exatamente o Receptáculo de Platão."
Jacques Derrida escreveu um pequeno texto com o título Khora,[15] usando a sua aproximação desconstrutivista para investigar o uso da palavra por Platão. Derrida usa khôra para nomear uma alteridade (otherness) radical que "proporciona lugar" para o ser. Nader El-Bizri constrói sobre isto, designando khôra para nomear o acontecimento radical de uma diferença ontológica entre o ser e os seres.[16] Derrida afirmou que o subjéctil é "nada além que a colocação vazia do lugar, uma figura da khora, se não a própria khora".[17]
Outro autor que versou pelo tema foi Martin Heidegger, cuja designação de uma "clareira" espacial aberta pelo Dasein, na qual os seres acontecem ou tem lugar, é traçada por El-Bizri à noção de khôra.[18] Kitaro Nishida afirmara que formulou sua noção de Lugar, basho, fundamentado sobre um nada abissal (mu), inspirado por sua leitura da khôra no Timeu.[19] John Sallis, na obra Chorology: On Beginning in Plato's Timaeus, pesquisa os usos clássicos da palavra e sua polissemia poética no diálogo por Platão, enquanto critica as reinterpretações posteriores (como a de Aristóteles) e modernas; ele afirma a sua estreita vinculação à analogia de "terra", que sustenta e dá limite às cidades construídas, baseadas originalmente em um "paradigma" ou modelo celeste, enquanto khôra comporta e limita as imagens sensíveis de acordo com o inteligível.[6]
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