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Instrução de Amenemope (também chamado de Instruções de Amenemopet ou Sabedoria de Amenemopet) é uma obra literária composta no Antigo Egito, muito provavelmente durante o Período Raméssida (aproximadamente 1300–1075 a.C.); contém trinta capítulos de conselhos para uma vida bem sucedida, ostensivamente escrito pelo escriba Amenemope, filho de Kanakht, como um legado para seu filho.[1] Um produto característico da "Era da Piedade Pessoal" do Império Novo,[2][3] o trabalho reflete sobre as qualidades, atitudes e comportamentos internos necessários para uma vida feliz diante de circunstâncias sociais e econômicas cada vez mais difíceis.[4] É amplamente considerado como uma das obras-primas da antiga literatura de sabedoria do Oriente Próximo e tem sido de particular interesse para os estudiosos modernos por causa de sua relação com o Livro dos Provérbios.[1][5]
Amenemope pertence ao gênero literário de "instrução" (em egípcio: sebayt). É o culminar de séculos de desenvolvimento que remontam à Instrução de Ptahhotep no Império Antigo,[1][6] mas reflete uma mudança nos valores característicos da "Era da Piedade Pessoal" do Império Novo: longe do sucesso material alcançado através da ação prática, em direção à paz interior alcançada através da paciência e aceitação passiva de uma vontade divina inescrutável.[1][2][3][7] O autor aceita os princípios da lei natural e concentra-se nas questões mais profundas da consciência. Ele aconselha que as classes mais fracas da sociedade sejam defendidas, o respeito mostrado aos idosos, às viúvas e aos pobres, enquanto condena qualquer abuso de poder ou autoridade.[8] O autor desenha um contraste enfático entre dois tipos de homens: o "homem silencioso", que faz suas obrigações sem chamar atenção para si mesmo ou exigir seus direitos, e o "homem aquecido", que se incomoda consigo mesmo e que constantemente escolhe lutas com outros por assuntos de nenhuma importância real. Contrariamente à expectativa mundana, o autor assegura ao seu leitor que o primeiro receberá, em última instância, a bênção divina, enquanto que o último inevitavelmente encontrará a destruição. Amenemope aconselha a modéstia, autocontrole, a generosidade e a honestidade escrupulosa, ao mesmo tempo que desencoraja o orgulho, a impetuosidade, o auto-progresso, a fraude e o perjúrio — não só por respeito a Maat, o princípio cósmico da ordem correta, mas também porque "tentativas de ganhar vantagem em detrimento de outros incorrem em condenação, confundem os planos de deus e conduzem inexoravelmente à desgraça e ao castigo".[3]
O texto mais completo da Instrução da Amenemope é o Papiro 10474 do Museu Britânico, que foi adquirido em Tebas por E. A. Wallis Budge no início de 1888.[1][9] O pergaminho tem aproximadamente 3,7 m de comprimento por 250 mm de largura; o lado oposto contém o texto hierático da Instrução, enquanto o verso é preenchido com uma miscelânea de textos menores, incluindo um "Calendário de Dias de Sorte e Desafortunados", hinos ao sol e à lua, e parte de um onomástico de outro autor com o mesmo nome.[10] Em novembro de 1888, Peter le Page Renouf, Guardião do Departamento de Antiguidades Orientais do Museu Britânico (e supervisor de Budge), fez menção de uma "passagem notável" do papiro e citou algumas palavras dele em um artigo de outra forma não relacionado sobre a história de José no Livro de Gênesis;[11] mas Renouf foi forçado a se retirar em 1891,[12] e a publicação do papiro foi adiada por mais de três décadas, enquanto Budge concentrou-se em outros projetos, como o Livro dos Mortos.
Em 1922 Budge finalmente publicou um pequeno relato do texto junto com breves extratos hieroglíficos e traduções em um trabalho acadêmico francês,[13] seguido em 1923 pela publicação oficial do texto completo no Museu Britânico em foto facsímile com transcrição e tradução hieroglífica.[14] Em 1924, voltou a abordar o mesmo assunto numa veia um pouco mais popular, incluindo um comentário mais extenso.[15] Publicações subsequentes do pergaminho 10474 em transcrição hieroglífica incluem as de H.O. Lange (1925), J. Ruffle (1964) e V. Laisney (2007). Cópias fotográficas do papiro estão disponíveis no Museu Britânico.[16]
Desde a publicação inicial do pergaminho, foram identificados fragmentos adicionais de Amenemope em um pedaço de papiro, quatro tábuas de escrita, um óstraco e um grafite, elevando o número total de testemunhas para oito. Infelizmente, nenhum dos outros textos é muito extenso, e o papiro continua a ser a principal testemunha do texto.[1][17] Como pode ser visto na tabela a seguir, as datas atribuídas pelos estudiosos às várias testemunhas variam de um máximo de ca. 1069 a.C. (para o fragmento de papiro e uma das tábuas de escrita) até um mínimo de ca. 500 a.C. (para o Papiro 10474):
Datas a.C. | Dinastias | Fragmento | Tipo | Linnhas |
---|---|---|---|---|
1069 - 0712 | XXI-XXII | Stockholm MM 18416 | Papiro | 191-257 |
1069 - 0712 | XXI-XXII | Louvre E. 17173 | Tábua | 034-037 |
1000 - 0900 | final da XXI — início da XXII | Cairo 1840 | Óstraco | 047-066 |
0945 - 0712 | XXII | Medinet Habu | Grafite | 001 |
0747 - 0525 | XXV-XXVI | Turin 6237 | Tábua | 470-500 |
0747 - 0525 | XXV-XXVI | Moscow I 1 δ 324 | Tábua | 105-115 |
0747 - 0525 | XXV-XXVI | Turin Suppl. 4661 | Tábua | 001 |
0600 - 0500 | final da XXVI — início da XXVII | B. M. 10474 | Papiro | 001-551 |
Embora todas as cópias existentes de Amenemope são de uma data posterior, acredita-se que o trabalho foi composto no Período Raméssida, durante o qual as tribos de Israel se tornaram uma nação unificada.[1] A influência egípcia sobre Israel e Judá foi particularmente forte nos reinados de Salomão e Ezequias durante o Terceiro Período Intermediário do Egito;[19] como resultado, "a literatura hebraica é permeada com conceitos e figuras derivadas dos tratados didáticos do Egito",[20] com Amenemope frequentemente citado como o exemplo principal.[1][21] Mesmo em sua breve primeira publicação de trechos da obra em 1922, Budge notou sua semelhança óbvia com os livros de sabedoria bíblicos.[22] Ele ampliou esses comentários em suas publicações de 1923 e 1924, observando que a moral religiosa de Amenemope "se assemelha muito" aos preceitos da Bíblia hebraica, e aduzindo paralelos específicos entre a obra e textos em Provérbios, Salmos e Deuteronômio.[23] Outros logo seguiram sua liderança.
O mais notável destes foi Adolf Erman, "o Decano de Todos os Egiptólogos",[24] que em 1924 publicou uma extensa lista de correspondências entre os textos de Amenemope e o Livro dos Provérbios, com a maior parte deles concentrados em Provérbios 22:17-23:11.[25] Foi Erman quem usou Amenemope para emendar uma leitura difícil no texto de Provérbios 22:20, onde a palavra hebraica shilshom ("há três dias") parecia ser um erro de copista que poderia ser traduzido de forma significativa apenas com dificuldade. Erman assinalou que a substituição da palavra sheloshim ("trinta") não só fez bom sentido no contexto, mas rendeu o seguinte paralelo próximo entre os dois textos, com os agora restaurados "trinta ditados" em Provérbios 22:20 correspondendo exatamente aos trinta capítulos numerados em Amenemope.[1][26][27]
(Provérbios 22:20): "Porventura, não te escrevi trinta ditados com orientações e conselhos excelentes"
(Amenemope, cap. 30, linha 539): "Veja estes trinta capítulos; eles informam, educam."[28]
Erman também argumentou que esta correspondência demonstra que o texto hebraico tinha sido influenciado pelo egípcio ao invés do contrário, já que o texto egípcio do manuscrito enumera explicitamente trinta capítulos enquanto que o texto de Provérbios não tem divisões tão claras e, portanto, seria mais provável perder o significado original durante a cópia.[29] Desde o tempo de Erman tem havido um consenso entre os estudiosos de que existe uma conexão literária entre as duas obras, embora o sentido da influência é contencioso ainda hoje. A maioria concluiu que os Provérbios 22:17-23:10 são dependentes de Amenemope; uma minoria está dividida entre ver o texto hebraico como a inspiração original para Amenemope e ver ambas as obras como dependentes de uma fonte semítica hoje perdida.[1][30]
Um fator importante na determinação do sentido da influência é a data em que a obra foi composta. Em uma época, meados do I milênio a.C. foi apresentado como uma data provável para a composição de Amenemope,[31] que deu algum apoio ao argumento relativo à primazia de Provérbios. No entanto, Jaroslav Černý, cuja autoridade na paleografia do Império Novo era tão grande que suas conclusões eram consideradas "inquestionáveis",[32] datou o texto fragmentário de Amenemope no óstraco do Cairo de 1840 ao final da XXI dinastia.[33] Visto que uma data da XXI dinastia faz Amenemope inevitavelmente cronologicamente anterior à data mais próxima possível para Provérbios, isso definitivamente estabeleceria a primazia da obra egípcia sobre o livro bíblico e faria a influência em outro sentido impossível.[34]
Outras evidências à primazia egípcia incluem:
Na década de 1960 houve um consenso virtual entre os estudiosos em apoio à primazia de Amenemope e sua influência em Provérbios.[39] Por exemplo, John A. Wilson declarou em meados do século XX: "Acreditamos que há uma conexão direta entre essas duas peças de literatura de sabedoria, e que Amen-em-Opet foi o texto antecessor. A natureza secundária do hebraico parece estabelecida."[40] Muitos estudos bíblicos e comentários seguiram o exemplo, incluindo a Bíblia de Jerusalém,[41] introduções ao Antigo Testamento por Pfeiffer[42] e Eissfeldt,[43] e outros. Os tradutores da católica Nova Bíblia Americana, refletindo e estendendo este acordo, chegaram até a emendar o obscuro texto hebraico de Provérbios 22:19 (tradicionalmente traduzido como "faço-te sabê-las hoje, a ti mesmo") para ler "eu lhe faço conhecido as palavras de Amen-em-Ope."[44]
R. N. Whybray, que em um ponto apoiou a posição da maioria, mudou de lado durante a década de 1990 e lançou dúvidas sobre a relação entre Amenemope e Provérbios, embora ainda reconhecendo certas afinidades. Ele argumentou, em parte, que apenas alguns dos tópicos do texto egípcio podem ser encontrados em Provérbios 22:17-24:22 e que sua sequência difere.[45] J. A. Emerton[46] e Nili Shupak[47] argumentaram fortemente contra as conclusões de Whybray. John Ruffle adota uma abordagem mais conservadora: "A conexão tão casualmente assumida é muitas vezes muito superficial, raramente mais do que semelhança de assunto, muitas vezes muito diferente e não sobrevive a exame detalhado. Eu acredito que não pode merecer nenhum veredicto mais definitivo do que "não provado", e que certamente não existe na medida em que é frequentemente assumido", e "os paralelos que eu traço entre [os huehuetlatolli dos astecas], (gravado por Bernardino de Sahagún nos anos 1500) e a antiga sabedoria do Oriente Próximo não é de modo algum exaustiva, mas o fato de que eles podem ser produzidos tão facilmente sublinha o que deve ser óbvio de qualquer maneira, que tais preceitos e imagens são universalmente aceitáveis e, portanto, passagens semelhantes podem ocorrer em Provérbios e Amenemope simplesmente por coincidência."[48]
Várias passagens da Instrução de Amenemope foram comparadas com o Livro dos Provérbios, incluindo:
(Provérbios 22:17-18): "Inclina o teu ouvido e ouve as palavras dos sábios, e aplica o teu coração ao meu conhecimento; Porque te será agradável se as guardares no teu íntimo, se aplicares todas elas aos teus lábios."
(Amenemope, cap. 1): "Dá o teu ouvido e ouve o que eu digo, e aplica o teu coração para apreender. É bom para ti para colocá-los no teu coração, deixe-os descansar no cofre do teu ventre, para que possam atuar como um pino sobre a tua língua"[49]
(Provérbios 22:22): "Não roubes ao pobre, porque é pobre, nem atropeles na porta o aflito."
(Amenemope, cap. 2): "Acautela-te de roubar os pobres, e oprimir os aflitos."[49]
(Provérbios 22:24-5): "Não sejas companheiro do homem briguento nem andes com o colérico, Para que não aprendas as suas veredas, e tomes um laço para a tua alma."
(Amenemope, cap. 10): "Não se associe com um homem apaixonado, nem aborde-o para uma conversa; não se lance para se apegar a tal pessoa, para que o terror não te leve embora."[49]
(Provérbios 22:29): "Viste o homem diligente na sua obra? Perante reis será posto; não permanecerá entre os de posição inferior."
(Amenemope, cap. 30): "Um escriba que é hábil em seu negócio se achou digno de ser um cortesão"[49]
(Provérbios 23:1): "Quando você se assentar para uma refeição com alguma autoridade, observe com atenção quem está diante de você, e encoste a faca à sua própria garganta, se estiver com grande apetite."
(Amenemope, cap. 23): "Não coma pão na presença de um governante, e não precipite-se com a tua boca antes de um governador. Quando és reabastecido com aquilo a que tu não tens o direito, é apenas uma delícia a tua saliva. Olhe para o prato que está diante de ti, e deixe que [apenas] ele supra a tua necessidade."[49] (veja acima)
(Provérbios 23:4-5): "Não esgote suas forças tentando ficar rico; tenha bom senso! As riquezas desaparecem assim que você as contempla; elas criam asas e voam como águias pelo céu."
(Amenemope, cap. 7): "Trabalhe mas não atrás das riquezas; se as mercadorias roubadas são apresentadas a ti, eles não devem permanecer contigo durante a noite. Elas fizeram para si asas, e como gansos e voaram para o céu."[49]
(Provérbios 14:7): "Não fales aos ouvidos do tolo, porque ele desprezará a sabedoria das tuas palavras"
(Amenemope, cap. 21): "Não esvazie a tua alma mais profunda para todos, nem estrague (assim) a tua influência"[49]
(Provérbios 23:10): "Não mude de lugar os antigos marcos de propriedade, nem invada as terras dos órfãos,"
(Amenemope, cap. 6): "Não retire o marco dos limites do campo, e não viole o limite das viúvas"[49]
(Provérbios 23:12): "Dedique à disciplina o seu coração, e os seus ouvidos às palavras que dão conhecimento."
(Amenemope, cap. 1): "Dê os teus ouvidos , ouça as palavras que são ditas, dá o teu coração para interpretá-los."[49]
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