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A Guerra dos Mercenários, também conhecida como Guerra Sem Trégua, foi um motim das tropas que tinham sido empregadas por Cartago durante os últimos anos da Primeira Guerra Púnica, contando com o apoio de levantes em vários assentamentos africanos contra o controle cartaginês. Ela começou em 241 a.C. e durou até o final de 238 ou início de 237 a.C., terminando com Cartago conseguindo subjugar tanto o motim quanto a revolta dos assentamentos.
Guerra dos Mercenários | |||
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Parte das Guerras Púnicas | |||
Data | 241 a.C. até 238 ou 237 a.C. | ||
Local | Cartago | ||
Desfecho | Vitória cartaginesa | ||
Mudanças territoriais | Anexação oportunista de Córsega e Sardenha por parte de Roma | ||
Beligerantes | |||
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Comandantes | |||
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Forças | |||
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A guerra começou com uma disputa sobre os pagamentos de salários devidos a mais de vinte mil soldados estrangeiros que tinham lutado por Cartago na Sicília. Um acordo tinha aparentemente sido alcançado, porém o exército estourou em um motim em ampla escala sob a liderança de Espêndio e Matão. Setenta mil africanos dos oprimidos territórios cartagineses juntaram-se a eles, proporcionando-lhes suprimentos e dinheiro. Cartago, cansada da guerra, teve um desempenhou ruim nos primeiros confrontos da guerra, especialmente sob o comando de Hanão. Amílcar Barca, um veterano das campanhas da Sicília, recebeu o comando conjunto do exército em 240 a.C. e no ano seguinte foi nomeado o comandante supremo. Suas campanhas foram bem-sucedidas, inicialmente demonstrando leniência em uma tentativa de conquistar os rebeldes. Espêndio e Autarito, a fim de impedir isso, torturam setecentos prisioneiros cartagineses até a morte, com a guerra depois disso sendo conduzida com uma maior brutalidade por ambos os lados.
Os rebeldes foram derrotados depois de vários reveses e suas cidades voltaram a ficar sob controle cartaginese. Uma expedição foi preparada para reocupar a Sardenha, onde os soldados amotinados tinham matado todos os cartagineses. Entretanto, Roma declarou que isso seria considerado um ato de guerra e ocupou tanto a Sardenha quanto a Córsega, em contravenção contra o recente tratado de paz, com os cartagineses desistindo da ideia. Isto foi considerado como a principal causa para uma guerra entre os dois começando novamente em 218 a.C. na Segunda Guerra Púnica.
A principal fonte para quase todos os aspectos das Guerras Púnicas[nota 1] é o historiador Políbio, um grego enviado a Roma em 167 a.C. originalmente como um refém.[4][5] Seus trabalhos incluem um agora quase perdido manual sobre táticas militares,[6] mas é mais conhecido por Histórias, escrito em algum momento após 146 a.C. ou aproximadamente um século depois do fim da guerra.[4][7] O trabalho de Políbio é considerado pelos historiadores modernos como sendo amplamente objetivo e em sua maior parte neutro entre os pontos de vista romano e cartaginês.[8][9]
Registros escritos cartagineses foram destruídos junto com sua capital em 146 a.C., assim o relato de Políbio é baseado em várias fontes gregas e latinas agora perdidas.[10] Políbio era um historiador analítico e sempre que possível entrevistou participantes dos eventos que escreveu a respeito.[11][12] Ele estava na equipe de Cipião Emiliano quando este liderou um exército na Terceira Guerra Púnica em uma campanha que passou por muitos dos locais de ações da Guerra dos Mercenários.[13] Apenas o primeiro livro dos quarenta que compõem Histórias lida com esta guerra.[14] A precisão do relato de Políbio já foi muito debatida nos últimos 150 anos, mas o consenso moderno é aceitá-lo como está escrito na maior parte das vezes, com os detalhes da guerra em fontes modernas sendo quase que completamente baseados em interpretações do relato de Políbio.[14][15][16] O historiador moderno Andrew Curry considera que "Políbio acaba sendo bem confiável",[17] enquanto Craige Champion o descreve como "um historiador notavelmente bem informado, trabalhador e perspicaz".[18] Existem outras histórias posteriores, porém são fragmentárias ou resumidas.[5][19] Historiadores modernos geralmente levam em conta escritos de Diodoro Sículo e Cássio Dio, porém o classicista Adrian Goldsworthy afirmou que o "relato de Políbio deve ser geralmente preferido quando difere de qualquer outro de nossos relatos".[12] Outras fontes incluem inscritos, moedas e evidências arqueológicas.[20]
A Primeira Guerra Púnica foi travada entre Cartago e Roma, as duas principais potências do Mediterrâneo Ocidental no século III a.C., durante 23 anos de 264 até 241 a.C.. A cidade de Roma ainda existe hoje como a capital da Itália, porém Cartago foi destruída pelos romanos na Terceira Guerra Púnica; suas ruínas estão a dezesseis quilômetros de Túnis, na Tunísia. As duas potências lutaram por supremacia principalmente na ilha da Sicília e águas ao redor, mas também no Norte da África.[22] Foi o mais longo conflito contínuo e a maior guerra naval da Antiguidade. Os cartagineses foram derrotados depois de imensas perdas materiais e humanas de ambos os lados.[23][24] O Senado Cartaginês ordenou que Amílcar Barca, o comandante de suas forças na Sicília, negociasse um tratado de paz, porém ele delegou a tarefa para seu subordinado Giscão.[23][24][25] O Tratado de Lutácio encerrou a Primeira Guerra Púnica. Cartago, pelos termos do tratado, evacuou a Sicília, entregou todos os prisioneiros feitos durante a guerra e pagou uma indenização de 3,2 mil talentos;[nota 2] mil talentos seriam pagos imediatamente, enquanto o restante no decorrer de dez anos.[27]
Ao mesmo tempo que a guerra com Roma estava sendo travada, o general cartaginês Hanão estava liderando uma série de campanhas que muito aumentaram a área controlada por Cartago na África. Ele estendeu o controle até Teveste, aproximadamente trezentos quilômetros ao sudoeste de sua capital.[28][29] Hanão era rigoroso em cobrar impostos dos territórios recém-conquistados com o objetivo de pagar tanto pela guerra contra Roma quanto por suas campanhas.[29] Metade da produção agrícola foi tomada como imposto de guerra, com o tributo previamente devido de vilarejos e cidades sendo dobrados. Estas extrações foram severamente aplicadas, causando situações de extrema dificuldade em algumas áreas.[30][31]
Os exércitos cartagineses eram quase sempre compostos por estrangeiros; cidadãos serviam no exército apenas se houvesse uma ameaça direta à própria cidade de Cartago. A maioria desses estrangeiros vinham de várias regiões no Norte da África.[32] Líbios proporcionavam a infantaria de ordem cerrada equipada com escudos grandes, capacetes, espadas curtas e lanças longas; além de cavalaria de choque de ordem cerrada carregando lanças. Ambas estas formações eram notáveis por sua disciplina e resistência. Númidas proporcionavam a cavalaria leve que atirava lanças de arremesso à distância e evitava combates a curta-distância, além de escaramuçadores de infantaria ligeira armados com lanças de arremesso.[33][34] Tanto a Ibéria quanto a Gália proporcionavam uma infantaria experiente, com tropas desprotegidas que atacavam ferozmente, mas que tinham a reputação de fugirem caso o combate se estendesse muito.[33][35][nota 3] A infantaria líbia de ordem cerrada, mais a milícia cidadã quando presente, lutariam em uma formação cerrada conhecida como falange.[34] Dois mil fundibulários especialistas foram recrutados das Ilhas Baleares.[33][36] Sicilianos e itálicos também juntaram-se às tropas durante a guerra.[37] Os cartagineses frequentemente empregavam elefantes de guerra; o Norte da África na época tinha elefantes-da-floresta nativos.[35][nota 4] As fontes romanas referem-se a esses lutadores estrangeiros depreciativamente como "mercenários", porém Goldworthy descreve isso como "uma simplificação grosseira". Eles serviam sob uma variedade de arranjos; por exemplo, alguns eram as tropas regulares de cidades ou reinos aliados cedidos a Cartago como parte de arranjos formais.[39]
Amílcar deixou a Sicília furioso depois de receber ordens para fazer a paz sob quaisquer termos que conseguisse negociar, convencido que a rendição era desnecessária. A evacuação dos vinte mil homens do exército foi deixada nas mãos de Giscão. Este, não querendo que os soldados ociosos se combinassem para propósitos próprios, os dividiu em pequenos destacamentos baseados em suas regiões de origem. Ele os enviou de volta para Cartago um de cada vez. Giscão antecipava que os homens seriam prontamente pagos com os salários atrasados de vários anos que lhes eram devidos e então enviados para casa.[40] Entretanto, as autoridades cartagineses decidiram esperar que todas as tropas tivessem chegado e então negociar um acordo mais baixo. Enquanto isso, cada grupo que ia chegando era alojado dentro da cidade, onde as vantagens da civilização eram apreciadas totalmente depois de oito anos sob cerco. Esta "libertinagem tumultuosa" alarmou as autoridades da cidade tanto que os soldados foram relocados para Sicca Veneria, 180 quilômetros de distância, antes de todos os vinte mil terem voltado, embora uma parte significativa de seus atrasados tivesse que ser paga antes que partissem.[41]
Os soldados, livres de seu longo período precisando manter disciplina militar e sem nada para fazer, resmungaram entre si e recusaram todas as tentativas dos cartagineses de serem pagos menos do que a quantidade devida. Todas as vinte mil tropas, frustradas pelas repetidas tentativas dos negociadores cartagineses de pechinchar, marcharam para Túnis, a dezesseis quilômetros de Cartago. O Senado entrou em pânico e concordou com o pagamento total. As tropas amotinadas responderam exigindo ainda mais. Giscão, que tinha boa reputação com o exército, foi trazido da Sicília no final de 241 a.C. e enviado para o acampamento com dinheiro suficiente para pagar a maioria do que era devido. Ele começou a desembolsar isso, prometendo que o restante seria pago assim que pudesse ser levantado. O descontentamento aparentemente diminuiu, porém, por motivos desconhecidos, a disciplina acabou ruindo. Vários soldados insistiram que nenhum acordo com Cartago era aceitável e uma briga estourou, com os dissidentes sendo apedrejados até a morte. Giscão e sua equipe foram feitos prisioneiros e seu tesouro tomado. Espêndio, um escravo romano fugitivo que enfrentaria morte por tortura caso fosse preso, e Matão, um berbere insatisfeito com as atitudes de Hanão sobre impostos nas possessões africanas, foram declarados generais. Notícias sobre a formação de um exército anti-cartaginese experiente no centro de seu território espalhou rapidamente e várias cidades e vilarejos se revoltaram também. Mais provisões, dinheiro e reforços chegaram; segundo Políbio, setenta mil homens a mais.[42][43][44] A disputa sobre pagamentos tornou-se uma revolta total ameaçando a própria existência de Cartago como estado.[32][45]
Hanão, como o comandante do exército africano cartaginese, foi para o campo.[37] A maioria dos africanos em sua força permaneceram leais, pois estavam acostumados a atuar contra outros africanos. Seu contingente de fora da África tinha ficado alojado em Cartago quando o exército da Sicília foi expulso, assim também permaneceram leais. As poucas tropas ainda na Sicília foram pagas e redesignadas para Hanão, com dinheiro sendo levantado para contratar novos soldados. Um número desconhecido de cidadãos cartagineses também foram incorporados no exército.[46] Os rebeldes já tinham bloqueado Útica e Hipo quando Hanão conseguiu reunir sua força.[47]
Hanão partiu com seu exército no início de 240 a.C. afim de libertar Útica;[48] ele também levou consigo cem elefantes e uma arma de cerco.[49][nota 5] Hanão atacou o acampamento dos rebeldes na Batalha de Útica e seus elefantes afugentaram os rebeldes. O exército de Hanão assumiu o acampamento e o próprio Hanão entrou na cidade em triunfo. Entretanto, os rebeldes veteranos do exército da Sicília reagruparam nos morros próximos e, como não estavam sendo perseguidos, voltaram para Útica. Os cartagineses, acostumados a lutarem contra as milícias de cidades númidas, ainda estavam celebrando sua vitória quando os rebeldes contra-atacaram. Os cartagineses acabaram fugindo ao custo de muitas vidas, perdendo seu comboio de suprimentos e arma de cerco. Pelo restante do ano Hanão fez escaramuças contra a força rebelde, supostamente perdendo oportunidades para levá-la a uma batalha ou colocá-la em desvantagem; o historiador militar Nigel Bagnall descreveu a "incompetência como comandante de campo" de Hanão.[31][50]
Roma recusou-se a tirar vantagem dos problemas de Cartago. Itálicos foram proibidos de fazer negócio com os rebeldes, mas encorajados a negociar com os cartagineses; 2 743 prisioneiros de guerra foram libertados sem resgate e imediatamente colocados no exército de Cartago.[51][52] O rei Hierão II de Siracusa, um reino satélite romano, recebeu permissão para abastecer Cartago com grandes a comida que precisava mas não podia mais adquirir de seu interior.[52][53] As guarnições cartaginesas na Sardenha juntaram-se ao motim no final de 240 ou início de 239 a.C., matando seus oficiais e o governador. Os cartagineses enviaram uma força para retomar a ilha. Seus membros também se amotinaram assim que chegaram, juntando-se aos locais, matando todos os cartagineses na ilha. Os amotinados então apelaram à Roma por proteção, sendo recusados.[51][54][55] O classicista Richard Miles escreveu que "Roma não estava em condição de embarcar em mais uma guerra" e não queria ganhar a reputação de apoiar levantes rebeldes.[56]
Os cartagineses formaram uma outra força menor com aproximadamente dez mil soldados em algum momento de 240 a.C.. Ela incluía desertores dos rebeldes, dois mil cavaleiros e setenta elefantes. Este exército foi colocado sob o comando de Amílcar Barca, que tinha comandado as forças cartaginesas na Sicília durante os seis últimos anos da Primeira Guerra Púnica.[50] Os rebeldes mantiveram uma linha no rio Bagradas com dez mil homens comandados por Espêndio. Amílcar precisaria forçar um cruzamento do rio para ganhar acesso a um terreno aberto onde poderia manobrar. Ele fez isso com um estratagema e Espêndio foi reforçado por mais quinze mil homens transferidos do cerco em Útica, que os rebeldes tinham renovado. O exército rebelde de 25 mil atacou Amílcar na Batalha do Rio Bagradas. Não se sabe ao cerco o que ocorreu a seguir: aparentemente Amílcar fingiu recuar e os rebeldes quebraram formação para persegui-lo, mas os cartagineses voltaram em ordem e contra-atacaram, afugentando os rebeldes, que perderam oito mil soldados.[32][57][58]
Amílcar foi nomeado comandante conjunto do exército cartaginês junto com Hanão, porém não existiu cooperação entre os dois.[59] Enquanto Hanão manobrava contra Matão no norte perto de Hipo, Amílcar confrontou várias cidades e vilarejos que tinham se alinhado com os rebeldes, trazendo-as de volta para uma aliança cartaginesa com diferentes misturas de diplomacia e força. Ele foi seguido por uma força rebelde superior, que manteve-se em terreno mais acidentado por temer a cavalaria e os elefantes de Amílcar, atormentando seus forrageadores e batedores.[60][61] Amílcar moveu suas forças para as montanhas ao sudoeste de Útica em uma tentativa de atrair os rebeldes para uma batalha,[31] mas acabou cercado. Os cartagineses só foram salvos da destruição quando Naravas, um líder númida que tinha servido com e admirado Amílcar na Sicília, trocou de lado junto com sua cavalaria de dois mil homens.[62][63] Isto foi desastroso para os rebeldes, que tiveram dez mil mortos e quatro mil capturados.[64]
Amílcar tratou bem os rebeldes que capturou o ofereceu a eles a escolha entre juntar-se a seu exército ou passagem livre para casa. Ele fez a mesma oferta para os quatro mil prisioneiros de sua última batalha.[64] Os líderes rebeldes enxergaram esse tratamento generoso como a motivação da deserção de Naravas e temiam que seu exército se desintegrasse; eles também sabiam que esses termos não seriam oferecidos a eles pessoalmente. Espêndio, encorajado por seu colega gaulês Autarito com o objetivo de acabar com qualquer boa-vontade entre os dois lados,[65] fez com que setecentos prisioneiros cartagineses, incluindo Giscão, fossem torturados até a morte: eles tiveram suas mãos cortadas, foram castrados, suas pernas quebradas, jogados em um fosso e enterrados vivos. Autarito, um orador poliglota habilidoso, é citado por Políbio como o principal instigador do massacre. Amílcar, por sua vez, matou seus prisioneiros. Deste ponto em diante nenhum dos lados mostrou clemência e a ferocidade incomum da guerra fez Políbio chamá-la de "Guerra Sem Trégua".[62][66] Quaisquer novos prisioneiros feitos pelos cartagineses foram pisoteados até a morte por elefantes.[67][68]
As anteriormente leais cidades de Útica e Hipo mataram suas guarnições cartaginesas e juntaram-se aos rebeldes em algum momento entre março e setembro de 239 a.C..[69] O povo de Útica ofereceu sua cidade aos romanos, que, mantendo a consistência das suas respostas com os amotinados na Sardenha, recusaram.[56][70] Os rebeldes anteriormente operando na área foram para o sul e cercaram a própria Cartago.[69]
Amílcar, tendo a clara superioridade de cavalaria, atacou as linhas de suprimentos dos rebeldes ao redor de Cartago.[66] Hanão e seu exército juntaram-se a ele em meados de 239 a.C., porém os dois discordaram sobre a melhor estratégia e as operações foram paralisadas. A escolha de um comandante supremo foi incomumente colocada em votação para o exército, possivelmente apenas os oficiais,[71] com Amílcar sendo eleito e Hanão partindo.[69][72] A falta de suprimentos forçou os rebeldes a abandonarem seu cerco de Cartago no início de 238 a.C.. Recuaram para Túnis, de onde mantiveram um bloqueio mais distante.[54][66] Enquanto Matão mantinha o bloqueio, Espêndio liderou quarenta mil homens contra Amílcar. Eles permaneceram em terreno elevado e acidentado, incomodando o exército cartaginês. Amílcar, depois de um período em campanha, prendeu os rebeldes em uma passagem ou cadeia de montanhas conhecida como Serra. Os rebeldes estavam pressionados contra as montanhas e sem comida, sendo forçados a comer seus cavalos, seus prisioneiros e então seus escravos, esperando que Matão fizesse uma surtida para resgatá-los. As tropas cercadas acabaram forçando seus líderes a negociar com Amílcar, que sob algum pretexto aprisionou Espêndio e seus tenentes. Os rebeldes então tentaram forçar sua fuga na Batalha da Serra, sendo todos massacrados.[73][74]
Amílcar marchou para Túnis e ergueu cerco no final de 238 a.C.. A cidade era difícil de ser acessada do leste e do oeste, assim Amílcar ocupou uma posição ao sul com metade de seu exército, enquanto seu subordinado Aníbal[nota 6] ficou com o resto ao norte. Os líderes rebeldes capturados antes da Batalha da Serra foram crucificados em vista de toda a cidade. Matão ordenou um ataque noturno em grande escapa, o que surpreendeu os cartagineses, que sofreram muitas baixas. Um de seus acampamentos foi invadido e boa parte do comboio de suprimentos foi tomada. Além disso, Aníbal e uma delegação de trinta notáveis cartagineses que estavam visitando o exército foram capturados. Eles foram torturados e crucificados nas mesmas cruzes anteriormente ocupadas por Espêndio e seus colegas. Amílcar abandonou o cerco e recuou para o norte.[75][76]
O Senado encorajou uma reconciliação entre Amílcar e Hanão, com os dois concordando em servirem juntos. Enquanto isso, Matão e seu exército deixaram Túnis e marcharam 160 quilômetros para o sul até a rica cidade de Leptis Parva, que tinha se revoltado contra Cartago no início da guerra.[75] Hanão e Amílcar marcharam atrás deles com um exército totalizando aproximadamente quarenta mil homens, incluindo todo cidadão cartaginês com idade suficiente para serviço militar.[53] Os rebeldes, em vez de esperarem para serem cercados, encontraram-se com os cartagineses em uma batalha aberta em meados de 238 a.C..[77] Nenhum detalhe sobre a batalha sobreviveu,[78] porém os trinta mil rebeldes sobreviventes foram aniquilados e Matão capturado com pouquíssimas perdas para os cartagineses.[53] Qualquer outro prisioneiro restante foi crucificado, enquanto Matão foi arrastado pelas ruas de Cartago e torturado até a morte por seus habitantes.[79] A maioria dos vilarejos e cidades que ainda não tinham feito as pazes com Cartago fizeram nesse momento, com exceção de Útica e Hipo, cujos habitantes temiam vingança pelo massacre que realizaram de cartagineses. As duas tentaram resistir, mas Políbio conta que elas se renderam "rapidamente", provavelmente no final de 238 ou início de 237 a.C..[80] As cidades e vilarejos que se renderam foram tratadas com leniência, porém governadores cartagineses foram impostos sobre elas.[81]
Os habitantes nativos da Sardenha levantaram-se provavelmente em meados de 237 a.C. e conseguiram expulsar as guarnições amotinadas, que refugiaram-se na Itália.[70] Estas apelaram novamente por assistência romana enquanto a guerra no Norte da África chegava ao fim. Desta vez os romanos concordaram em ajudar e preparam uma expedição para tomar tanto a Sardenha quanto a Córsega.[23] Não se sabe ao certo os motivos dos romanos terem agido diferente neste momento em comparação como agiram três anos antes, no início da guerra.[51][81] Políbio afirmou que essa ação foi indefensável.[82] Cartago enviou uma embaixada para Roma, citando o Tratado de Lutácio e afirmando que estavam se preparando para formar sua própria expedição para retomar a Sardenha, território cartaginês a trezentos anos. O Senado Romano afirmou cinicamente que considerariam a preparação de tal força como um ato de guerra. Seus termos de paz eram a concessão da Sardenha e Córsega mais o pagamento de uma indenização adicional de 1,2 mil talentos.[82][83][nota 7] Cartago, enfraquecida por trinta anos de guerra, concordou com os termos em vez de entrar em mais um conflito contra Roma.[84]
Os romanos foram forçados a manter uma forte presença militar na Sardenha e Córsega por pelo menos os sete anos seguintes, pois tiveramgrandes dificuldades em subjugar os habitantes locais. O tomada romana tanto da Sardenha quanto da Córsega mais a imposição de indenização adicional alimentaram o ressentimento cartaginês.[85][86] Políbio considerou esse ato de má fé por parte dos romanos como a principal causa para a guerra contra Cartago estourar novamente dezenove anos depois.[84] O papel desempenhado por Amílcar Barca na vitória na Guerra dos Mercenários muito aumentou o prestígio e poder da família Barca. Amílcar, imediatamente depois da guerra, liderou muito de seus veteranos em uma expedição para expandir os domínios cartagineses no sul da Ibéria; esta região se tornaria um feudo semiautônomo dos Barca. Em 218 a.C., um exército cartaginês sob Aníbal Barca cercou a cidade de Sagunto, uma protegida dos romanos no sul da Ibéria, dando início à Segunda Guerra Púnica.[87][88]
O historiador Dexter Hoyos escreveu que "a guerra sem trégua ... produz[iu] uma reversão completa e duradoura das sortes domésticas e orientação militar da Cartago".[25] O historiador Richard Miles concordou, comentando que houve "um período de profunda transformação política".[89] Cartago nunca reconquistou o controle sobre seu exército: generais continuaram a serem selecionados por seus próprios soldados, como ocorrera com Amílcar; as tropas na Ibéria na prática tornaram-se o exército particular dos Barca. Internamente, as opiniões dos Barca e da Assembleia Popular cada vez mais ditavam sobre os órgãos mais antigos do Senado e do Tribunal.[90]
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