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Encantaria é uma forma de manifestação espiritual e religiosa afro-ameríndia, praticada sobretudo no Piauí, Bahia, Maranhão e Pará. Pode estar associada a diversas religiões presentes nesses estados, como a Pajelança ou Cura, o Terecô (Mata ou Encantaria de Maria Bárbara Soeira), o Babaçuê e o Tambor de Mina.
Diferente da Umbanda, na qual as entidades são espíritos de índios, africanos, etc, que desencarnaram e hoje trabalham individualmente (geralmente usando nomes fictícios), na Encantaria, os encantados não são necessariamente de origem afro-brasileira e não morreram, e sim, se "encantaram", ou seja, desapareceram misteriosamente, tornaram-se invisíveis ou se transformaram em um animal, planta, pedra, ou até mesmo em seres mitológicos e do folclore brasileiro como sereias, botos e curupiras. Na Encantaria, as entidades estão agrupados em famílias e possuem nome, sobrenome e geralmente sabem contar a sua história de quando viveram na terra antes de se encantarem.
Encantaria também pode se referir aos lugares onde tais entidades vivem. [1]
O Piauí, devido a proximidade com o Maranhão, principalmente Teresina, que fica na divisa dos dois estados e muito próxima da cidade de Codó, recebe muita influência do Tambor de Mina e da Encantaria Maranhense, além da tradicional Umbanda. Em Teresina é possível encontrar mais de 500 terreiros de cultos afro-brasileiros.
A Encantaria Piauiense é fortemente ligada ao catolicismo popular. No Piauí, os crentes repetem várias vezes certa quadra rogatória de purificação. Depois o Pai-de-Santo dança em volta da guma no centro de um círculo formado por todos os dançantes que giram em torno de si mesmos da direita para a esquerda em volta do mestre. Cânticos são entoados para que algum moço (espírito) se aposse de seu aparelho (filho ou filha-de-santo) e cante sua doutrina, dançando em transe.
No estado do Maranhão, o culto aos encantados é uma parte muito importante do tambor de mina (estando ausente apenas na Casa das Minas) e do terecô.[2][3] A encantaria é presente em praticamente todo o estado, tendo atravessado as fronteiras do Maranhão e chegando a estados vizinho como o Piauí e o Pará. Mas, a verdade é que muitas entidades da encantaria de mina do Maranhão já pode ser encontrada em tendas de todo o Brasil. Os maiores centros de encantaria são as cidades de São Luís, Codó, Caxias, e Cururupu, todas no Maranhão, e também Teresina (Piauí) e Belém do Pará.
No tambor de mina e no terecô, são cultuadas diversas divindades de origens diversas, tais como africanas (Voduns e certos Orixás), católicas (o Deus único, o Espírito Santo e a Virgem Maria) e encantados, que são chamados de gentis (se forem nobres de origem europeia) ou de caboclos (de origem nativa ou não, como os "turcos", reis mouros).
Os encantados do Maranhão estão agrupados em famílias, tem nomes próprios e contam suas histórias de quando viveram na Terra, sendo recebidos em transe mediúnico,. Eles dizem que estar encantado é como viver em um mundo congelado, pois eles vêem as coisas acontecerem ao redor, mas ninguém pode vê-los, eles estão invisíveis. Os lugares onde eles se encontram encantados fazem referências a diversas coisas e lugares do estado como as matas de Codó, o Boqueirão, a Pedra de Itacolomi, ilhas e a famosa Praia dos Lençóis, onde se encontra o Reinado do Rei Dom Sebastião. No Maranhão, não necessariamente um caboclo é uma entidade indígena.[1]
No Maranhão, desde meados do século XIX, utiliza-se o termo Pajelança (ou Cura, e que não deve ser confundida com a pajelança cabocla) para um sistema médico-religioso, com rituais de especialistas religiosos negros destinados à "cura de feitiço", na qual se cultua e entra em transe principalmente com entidades não africanas - nobres, como Rei Sebastião, princesas e caboclos e outras, algumas vezes encantadas em animais (pássaros, peixes, répteis e mamíferos). No contexto maranhense, embora se costume relacionar a Cura (pajelança de negro ou de terreiro) à cultura indígena, ela mais se aproxima do Tambor de Mina. [4]
No seculo XIX, com a medicina pouco desenvolvida, os pajés eram procurados pela população, pois conheciam remédios caseiros, bem como para curar doenças e desmanchar feitiços. Com a organização dos serviços médicos, a pajelança foi combatida pelo poder público. Tornou-se notório o caso de Amélia Rosa, negra alforriada que foi denominada "rainha da pajelança". A primeira pajé negra a ter o nome amplamente divulgado foi presa, em 1876, enquanto realizava rituais em sua casa, e condenada a 10 anos de prisão, ao ser processada por sevícias em uma escrava que declarou tê-la procurado por problemas de saúde. [4]
Embora rituais de Pajelança estejam ausentes na Casa das Minas e na Casa de Nagô, os terreiros mais antigos do estado, muitos curadores e pajés abriram terreiros de Mina, já no século XIX e, em especial, nos anos 1930, para fugir da perseguição policial, acusados de curandeirismo. Na década de 60, iniciaram também ligações com a Umbanda. O pajé pode ser também apresentado como "ave de encantado", assim como se utiliza o termo "cavalo" para médiuns.[4]
Em alguns terreiros, se realizam tanto rituais de Mina como de Cura ou Pajelança, em um ritual público festivo chamado de Brinquedo de Cura. No ritual, o pajé utiliza um penacho de arara na mão e um maracá, tocado por ele durante as cerimônias, com canto e dança, dando passagem a grande número de entidades, com uma pluralidade de transes (no que também difere do que ocorre no Tambor de Mina). Em Cururupu, esses rituais de Cura são conhecidos como Tambor de Curador.[4]
É dito que os encantados que participam das duas "navegam nas duas águas", sendo a Mina classificada como "linha de água salgada" e a Cura/Pajelança como "linha de água doce". Em Codó, no terecô, os encantados pertenceriam à "linha da mata".[5]
Cidade maranhense mais acessível através de Teresina no Piauí. A fama de Capital da Feitiçaria ou da magia negra surgiu porque antes dos primeiros terreiros, havia em Codó, afamados feiticeiros que aceitavam dinheiro para fazer trabalhos de vingança e também conceituados rezadores e raizeiros que praticavam curas. Depois com o surgimento dos terreiros, virou local de peregrinação de políticos em busca de auxílio para suas posições e governos. Logo, a quantidade de terreiros cresceu muito, o que ajudou ainda mais na fama da cidade. Em Codó, a pratica desses cultos espirituais é denominada de Encantaria de Maria Bárbara Soeira, ou Terecô, como também é mais conhecido em Teresina e outras cidades do Piauí. As entidades mais conhecidas na região de Codó são as da família do Seu Légua Boji Buá da Trindade.
Ponto Cantado de Abertura na Encantaria
"Eu vou chamar pelo meu povo para trabalhar
Maria Bárbara Soeira já vem beirando o mar
Ela vem beirando o mar... Ela vem beirando o mar
Maria Bárbara Soeira já vem beirando o mar"
Na região amazônica, a crença nos encantados está difundida em grande parte da região. O encantado é um elemento central da pajelança cabocla, que teve forte influência ameríndia e, posteriormente, influência negra, dando origem ao babaçuê. Na ilha de Marajó, seres encantados como o boto, a cobra grande, iara, vitória régia, sereias, matintas, estão intimamente ligados aos elementos da natureza como o mar, baías, rios, furos, estreitos, lagos, igarapés, igapós, campos inundados como representações das moradas dos encantados.[6][7][8]
No final do século XIX, o Tambor de Mina chegou ao Pará, vindo do Maranhão, com a fundação de terreiros como o Terreiro de Tambor de Mina Dois Irmãos.[9]
Como exemplo de encantaria no Pará, está o culto às Três Princesas Turcas: Princesa Mariana, Princesa Erondina, Princesa Jarina, de origem moura e que teriam se "encantado" na ilha dos Lençóis.[10][11]
O touro encantado da Praia da ilha dos Lençóis é um grande touro negro, com uma estrela brilhante na testa, que aparece misteriosamente em noites de sexta-feira. Dizem que Dom Sebastião aparece na praia na forma do touro negro. Se alguém conseguir atingir a estrela e ferir o touro, o reino será desencantado, a cidade de São Luís irá submergir e aparecerá uma cidade encantada com os tesouros do rei."
Alguns dizem que Dom Sebastião costuma aparecer principalmente em junho, durante as festas do bumba-meu-boi, e em agosto, época do aniversário da batalha de Alcácer-Quibir. Dizem também que atualmente o Rei Sebastião já não está mais aparecendo porque “a Praia dos Lençóis está sendo muito visitada e já possui muitos moradores”.
"Afirma-se que as dunas de areia da Praia dos Lençóis têm semelhanças com o campo de Alcácer-Quibir, onde el rei dom Sebastião desapareceu. Lençóis é considerada uma praia encantada, que serve de morada a Dom Sebastião. Seu reino está oculto no fundo do mar, próximo aquela praia. O rei vive em seu palácio submerso e seu navio nunca encontra a rota para Portugal.
Conta-se ainda que tudo o que existe em Lençóis pertence ao Rei Sebastião e que ninguém pode se apropriar do que é seu. Quem tentar levar alguma coisa que pertence à praia terá que devolver o quanto antes, sob pena de arriscar a própria vida e a de todos os seus companheiros. O barco pode afundar e levar todos para a morada de Dom Sebastião, identificada como o Reino ou Palácio de Queluz (embora este só tenha sido construído no século XVIII, na cidade de Sintra, muito depois de sua época).
Num dos cânticos do Tambor de Mina, o Rei Touro é lembrado: "Rei Sebastião, guerreiro militar. Rei Sebastião, guerreiro militar. E quem desencantar lençol, põe abaixo o Maranhão".
Nesse culto, diz-se que, na praia dos Lençóis, mora toda uma família de encantados, formada apenas por reis e fidalgos, como a Família da Turquia, chefiada por um rei mouro, Dom João de Barabaia, que lutou contra os cristãos. É a esta família que pertence a Bela Turca, a Cabocla Mariana, que vem ao mundo não apenas na forma de turca, mas também como marinheira, cigana ou índia.
A vinda do Rei Dom Sebastião ao corpo de um sacerdote é muito rara, alguns falam que ocorre de sete em sete anos.
Sem dúvidas, Francelino Vasconcelos Ferreira, foi o maior expoente da Encantaria de Mina. Nascido na Ilha de Marajó (Pará), foi um grande precursor, levando o Tambor de Mina e a Encantaria, do Meio-Norte para o Sudeste e Sul do Brasil, mais precisamente para São Paulo, onde fundou a Casa das Minas de Thoya Jarina, estado onde hoje, já existem várias casas de Encantaria de Mina, principalmente afiliadas da Casa de Thoya Jarina.
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