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Elemento tradicional do Algarve Da Wikipédia, a enciclopédia livre
A Chaminé algarvia refere-se a um elemento da arquitectura tradicional da região do Algarve, no Sul de Portugal.
Este tipo de chaminé tornou-se um ex-libris do Algarve, devido à sua ominipresença do ponto de vista geográfico, abrangendo toda a região, desde o Cabo de São Vicente até à fronteira com Espanha, e por ter sido instalado em todo o tipo de imóveis, desde as grandes quintas e palácios até às residências mais humildes, e também em edifícios públicos, como esquadras da polícia.[1] Além da sua disseminação pelo território, também são considerados como um elemento de interesse da arquitectura regional devido ao seu formato, em geral muito elaborado e rico em pormenores formais, ao contrário do que surge no resto do país, embora tenham fortes ligações a alguns tipos da chaminé alentejana.[2] Ao mesmo tempo, a riqueza dos seus detalhes é um testemunho do elevado grau de sentido decorativo e atenção ao detalhe que atingiram os artistas da região.[2]
Um dos tipos principais é conhecido como de balão, formado por um volume cónico, rematado por um elemento cilíndrico fechado, protegendo desta forma as saídas de fumo internas e no centro.[2] Um dos principais exemplares situa-se na vila de Monchique, junto à estrada para as termas, sendo a casa provavelmente do século XIX, com motivos ornamentais de influência romântica.[2] Esta versão é própria do concelho, e é de grandes dimensões, geralmente formando um cilindro hexagonal, mais adaptado à configuração das lareiras naquela zona, que por vezes ocupavam toda uma parede da cozinha.[1] A base destas chaminés é cónica, formato que permitia uma melhor circulação do fumo utilizado na defumação das carnes, que era feita na lareira.[1] Também se encontram algumas chaminés semelhantes no Alentejo.[2]
Uma outra categoria é de tipologia ornamental, normalmente com uma grelha cerâmica ou em massa, e com planta quadrada ou rectangular, ou um volume de forma cónica ou cilíndrica.[3] Duas chaminés deste tipo encontram-se na Rua 5 de Outubro, em Paderne, a primeira numa casa de dois pisos, e que apresenta uma grelha em cerâmica ou massa, enquanto que a segunda faz parte de um imóvel de três pisos com dois óculos na fachada, e consiste num elemento de planta rectangular boleada.[3] Na mesma artéria de Paderne situa-se um terceiro tipo de chaminé, de construção mais recente, e decorada com motivos geométricos e angulosos, formando neste caso a letra V.[3]
Principalmente na área do barrocal, a chaminé ficava muito perto da fachada, uma vez que geralmente a cozinha ficava na frente da casa.[4]
No artigo Chaminés de Portugal, publicado em 1929 na revista Alma Nova, Luís Chaves referiu que «as chaminés mais airosas são as do Sul, alentejanas e algarvias, onde predominam formas de tôrre e minarete, restos mouriscos aqui e ali mais ou menos misturados com vestigios de construções do século XVIII, num perfil ao mesmo tempo de atalaia bélica e pombal branquíssimo. Reduzem-se, de uma maneira geral, a dois tipos: - o primeiro, equiparado ao tipo nacional em forma de arca, alongada; - o segundo, mais caracteristico, é turriforme, quer circular quer rectangular. E como tipo misto, aparecem as chaminés arciformes de alto porte, prismáticas umas, piramidais truncadas outras».[5] As chaminés do primeiro tipo, em forma de arca, «são rectangulares, alongadas, em geral mais altas do que no Norte, consoante dito já. A fumarada sai, como no resto do país, por fendas no alto, sem resguardo ou resguardadas por telhas, e por fendas laterais encobertas por uma telha ou gradeadas de tijolo».[5] O segundo tipo, em torre, foi subdivido pelo autor em várias categorias: as prismáticas «teem o aspecto de torres. Umas são de secção rectangular quási sempre quadrada, de Estremoz, outras cilíndricas. Terminam aquelas em tejadilho ou dispositivo piramidal; outras conservam-se prismáticas, mas teem por cima outra de secção menor, a rematar em pirâmide. As faces do remate são planas, ou curvas, e às vezes é o remate envolvido por um envólucro cúbico. A expulsão do fumo obtem-se no alto por intervalos resguardados pelo capêlo, ou por fendas laterais. As águas acumuladas à volta do capêlo, no reservatório que pode formar-lhes o alargamento superior da moldura em ar de capitel, correm por falhas e saem por um ou mais tubos do cano por face. Aparecem formas truncadas, truncaduras e rebatimentos, torres de curto porte, vistas igualmente algures, Coimbra por exemplo».[5] Quanto às torres cilíndricas, descreve-as como «verdadeiros torreões», em que «o fuste, mais ou menos alto, é coberto pelo capêlo, ou alarga como em capitel, onde encaixa o capêlo, coroado pelo remate de um florão ou borla esférica».[5] Neste tipo de chaminés, «as saídas do fumo fazem-se por fendas altas em toda a periferia do fuste, entre molduras, ou pelo intervalo deixado entre o capêlo e a base larga formada pelo capitel, ou ainda por fendas, boeiros, alpendrados ou não, abertos no capêlo».[5] Classificou as torres como «esbeltíssimas», onde «os ressaltos formam molduras, e dão à cor branca da cal [...] sombras de aguarela. As chaminés cilíndricas recordam de longe colunas com o seu capitel, poisadas ao sol nos telhados. [...] as outras, quadradas, imitam como as de Itália torres castelãs e pombais. Este modêlo último, em formas que poderíamos chamar clássicas, é frequentíssimo em povoados com edifícios de Setecentos e seus arredores, como Extremoz, Sousel, Borba, etc. O seu tradicionalismo é assim bem mais recente do que o das chaminés arciformes, se de facto é uma influência localizada pelos construtores do século XVIII, ou seja mesmo uma esquematização encontrada nos modelos velhos de um mudejar alentejano-algarvio encontrado em dispersão».[5]
Grande parte das chaminés tradicionais ostentam a data de construção, prática que parece ter-se iniciado nos finais do século XIX e continuado até à transição para o século XXI, e que é de grande utilidade no estudo do edifício, e a sua classificação em épocas distintas[6] Um dos exemplos mais antigos é a Casa das Rosas, na estrada de Santa Bárbara de Nexe para São Brás de Alportel e Loulé, construída em 1877 ou 1897, seguindo-se uma casa na estrada entre Loulé e Salir, com a data de 1893 na chaminé, e finalmente uma casa de dois pisos na Rua 25 de Abril, em São Bartolomeu de Messines, com a datação de 1897.[6] Quanto ao século XX, numa casa em ruínas entre Faro e Loulé encontra-se uma chaminé de planta cilíndrica com a data de 1908, na Rua do Castelo, em São Marcos da Serra, situa-se uma habitação recuperada, cuja chaminé ostenta a data de 1909, e no sítio do Alto Fica, no acesso entre Benafim e Boliqueime, localiza-se uma casa térrea com a data de 1918 na chaminé.[6] Testemunhando a continuidade da tradição, numa casa à saída de São Marcos da Serra encontra-se uma chaminé ostentando a data de 2004.[6]
Alguns dos exemplos mais destacados de chaminés na região incluem a Casa do Poeta Dr. Cândido Guerreiro, em Faro,[7] o conjunto da Aldeia das Açoteias, em Albufeira, desenhada por Vítor Palla,[8] e a Quinta do Caracol, em Tavira, que apresenta uma chaminé «elaborada num desenho delicado e qualificado».[9] Em Alte, situam-se pelo menos duas casa com chaminés de interesse, uma destas em frente à Capela de São Luís, e em São Bartolomeu de Messines destaca-se a a casa de estilo neo-tradicionalista no Largo João de Deus, com duas chaminés gémeas, e o prédio entre as ruas de João de Deus e do Remexido, com uma chaminé de aparência tradicional.[6] Na vila de Alcantarilha também se localizam vários exemplos de interesse, como a Casa da Coroa, com «chaminé turriforme com corpo munido de pequeno janelo de iluminação envidraçado, aberto no alçado sul»,[10] e a Casa do Mirante, com uma chaminé semelhante,[11] encontrando-se entre os poucos sobreviventes desta tipologia, que no passado estavam disseminados pelo interior do Algarve e no Baixo Alentejo.[10] Com efeito, um outro exemplar localiza-se na Casa da Rua Fria, em Almodôvar.[10] Também em Alcantarilha, destaca-se a Casa na Rua 25 de Abril, n.º 30, com uma «chaminé turriforme, de secção clíndrica,[12]
Apesar da tradição popular sugerir uma origem islâmica para este tipo de chaminés, na realidade são muito posteriores, só se tendo vulgarizado a partir do período barroco, nos séculos XVII e XVIII.[1] Durante esta época veio para território nacional uma grande quantidade de ouro e diamantes oriundos do Brasil, permitindo a construção de grandes mansões e edifícios religiosos com decoração elaborada, principalmente em azulejaria.[1] As chaminés tornaram-se um símbolo de estatuto social, com os mais abastados a instalarem estruturas mais complexas, a sendo possível observar a situação financeira da família apenas pela chaminé da casa.[1] Eram construidas por um mestre de obras, sendo encomendadas com base num sistema de dias, ou seja, quanto mais tempo demorassem os trabalhos, quanto maior e mais elaborada ficaria a chaminé.[13] Posteriormente começaram a ser fabricadas em maior escala, permitindo a sua introdução nas habitações mais humildes, sendo nalguns casos o único elemento decorativo de nota em todo o edifício.[1]
Num artigo publicado em 1920 na revista Illustração Portuguesa, o escritor Alberto de Sousa Costa descreveu as chaminés em Santa Bárbara de Nexe: «St.ª Barbara é o amago da região algarvia em que o culto da casa tem por motivo externo, primacial, o culto da chaminé. Em todo esse rincão verdejante, em todas as casas poisadas á borda do caminho, em todas as que se aninham no aconchego farto das hortas, não se descobrem duas casas com duas chaminés eguaes. O aforismo popular que reduz á miniatura de quatro palavras a imensidade da dlssonancia humana -cada cabeça, cada sentença- encontra ali um simile flagrante: cada casa, cada chaminé. Não ha, na verdade, duas eguaes, embora algumas sejam parecidas. Dá a impressão de que a casa algarvia é apenas um pretexto para a chaminé algarvia. A fantasia decorativa do construtôr encontra sempre um traço, um pormenor que torne esta diferente daquela, e aquela diversa da do visinho. Póde haver duas ou vinte em forma de minarête ou de agulha gotica; de relogio de xarão ou de calorífero esmaltado; de cilindro ou de losango. Póde haver vinte ou duzentas a terminarem por cobertura reproduzindo borla doutoral ou um barrête canonico. O que não deixa de haver em nenhuma delas, por mais irmãs na estrutura geral, é um capricho inédito, uma aderencia imprevista, um entalhe decorativo mantendo a cada uma a individualidade entre as demais - que são muitas, que irrompem dos telhados numa surpreendente floração de linhas e de motivos. Esse pormenor assentuado de caracter na construção algarvia - riqueza do pobre e orgulho do rico - afigura-se-me uma sobrevivencia etnica. Essas linhas fugidias, esses motivos arquitecturaes são a voz do sangue - a saudade maometana do minarête a palpitar, timidimente, no rebuço cristão da chaminé».[14] Comentou igualmente sobre as chaminés na vila de Olhão, fazendo novamente referência às semelhanças com os minaretes islâmicos: «Para a ilusão musulmana ser completa, num povoado que não tem mais dum seculo, são verdadeiros minarêtes as chaminés a cada passo, caminhando atravez das suas ruas estranguladas, ao irromper da brancura d'um predio mais alto a agulha estilisada da chaminé, me detenho, como á espera de ver surgir o albornoz do Muezim, de ouvir anunciar a hora religiosa de Mahomet».[14]
A chaminé mais antiga no Algarve poderá estar situada em Porches, no concelho de Lagoa, e faz parte de uma casa que pertencia à igreja local, construída em 1713.[1] Este edifício está situado junto a um restaurante, e foi restaurado pela Junta de Freguesia de Porches em 2016, devido ao seu elevado valor patrimonial.[1] No edifício da Casa Museu, situado nas imediações, encontra-se outra chaminé de interesse, que possui uma torre de menagem e vários motivos decorativos, incluindo uma roda com raios e uma figura humana, e que terá sido instalada em 1793.[13] Na Rua do Correio encontra-se uma outra chaminé antiga, provavelmente construída no século XVIII, e que tem quatro faces.[13]
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