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conceito cosmológico Da Wikipédia, a enciclopédia livre
Anima mundi (do latim, "alma do mundo", em grego clássico: ψυχή τοῦ παντός psychḗ tou pantós) é um conceito cosmológico de uma alma compartilhada ou força regente do universo pela qual o pensamento divino pode se manisfestar em leis que afetam a matéria, ou ainda, a hipótese de uma força imaterial, inseparável da matéria, mas que a provê de forma e movimento.[1] O termo foi cunhado por Platão nas obras A República,[2] Timeu (34 b 3-37 c 5)[3] e no livro X de Leis (896 d 10-898 c 8).[4]:1 A doutrina não endossada explicitamente por Aristóteles — exceto por implicações de sua teoria de intelecto ativo descrito em De Anima — recebeu considerável ênfase filosófica das escolas estoicas e neoplatônicas que modificaram essencialmente seu conceito de acordo com suas respectivas instituições.[4]:1
A história da teoria anima mundi remonta aos pré-socráticos e esteve presente nas filosofias de Platão, Plotino, Plutarco, Virgílio, Cícero e outros.[3] sendo considerada tão antiga quanto a própria filosofia ocidental.[1] A Escola de Alexandria aderiu aos pontos de vista de Platão e reconheceu a Inteligência e a Divindade como superiores à alma do mundo, o que no sistema dos estoicos usurpa o lugar do próprio Deus e até mesmo o seu nome, os estoicos consideravam a anima mundi o princípio fundamental da vida e a única força vital, de modo que a alma não teria individualidade separada dela, por esse motivo também não produziram uma doutrina de imortalidade.[5]
Considerada por Platão como o princípio do cosmos e fonte de todas as almas individuais,[6] o termo também aparece em Leis onde Platão examina a possibilidade hipotética de que a alma do mundo pode produzir o mal, ou mesmo que há duas almas do mundo, uma que produz o bem e outra que produz o mal - a alma boa, ordenou os movimentos celestes que portanto, são descritos matematicamente, enquanto que a alma do mundo má só poderia produzir o caos, sendo assim, a alma do mundo que gerencia todo o universo é por natureza benévola.[7] Já em Político, ele sugere que o universo se submete a uma alternância de ordem e desordem, quando a alma do mundo se encontra sob a influência direta do deus, isto é, do nous, ela é boa, ao passo que ela se torna má a medida que se afastar.[8] Em todo o caso, Platão afirma categoricamente que a alma é a causa de todo o bem e mal do mundo fenomenal.[9]
A definição de Platão para o gênesis da alma do mundo é que o demiurgo[10] coloca essa alma junto de, essencialmente, o Ser ou Substância (em grego clássico: oὐσία ousia), o Igual e o Diferente, através de um processo de duas etapas: primeiro o Ser é preparado a partir da mistura dos tipos de substâncias Indivisíveis e Divisíveis, do resultado desta composição, o deus então forma dois círculos,[11] um que pertence ao Igual e o outro ao Diferente. A substância material do mundo é colocada, subsequentemente, dentro dos dois círculos então eles penetram e cobrem a partir de fora do mundo. A alma do mundo é então tudo o que está dentro do mundo, mas ao mesmo tempo entrelaçado com ele.[10] Ainda assim, continua a ser cronologicamente e hierarquicamente superior, autossuficiente e a princípio auto-idêntico.[12] A alma do mundo então começa uma incessante e racional ou inteligente vida ao se mover inicialmente com harmonia e por sua própria força. A alma do mundo de Platão possui não apenas faculdade sensíveis vegetativas, mas também capacidade racional, assim sendo uma das coisas de maior excelência a existir e que é mutável.[4] A alma humana não é deduzida da alma do mundo, como se fosse uma parte dela ou uma emanação, ambas têm os mesmos ingredientes, mas em porções menores e têm em comum o fato de terem sido criadas pelo demiurgo; e ambas serem o princípio do movimento e vida.[13]
Plotino define a alma do mundo como a terceira hipóstase que procede do poder criador,[14][4] contemplando o Uno, o nous gera a alma do mundo, esta, contemplando o nous, multiplica-se em todos os entes particulares do mundo sensível, sem dividir-se.[15] A par da alma do mundo, existem as almas individuais. Na alma estão as matrizes de todos os entes, dela procedem as almas e todas as formas dos seres sensíveis, desde sempre, desde a planta até o homem, tudo constituindo em harmonia e beleza.[15] À maneira dos estoicos, Plotino professa que tudo forma uma harmonia universal.[16]
Plutarco defendeu a hipótese de duas almas do mundo, uma organizada e boa e outra irracional e má para explicar o movimento desordenado que agita a khóra, antes da intervenção da razão demiúrgica e que subsiste mesmo depois.[17]
Thomas Berry listou os pensadores que mantiveram viva a noção de anima mundi: Ficino, Pico della Mirandola e Giordano Bruno em seus ensinamentos herméticos, os platonistas de Cambridge, os vitalistas alemães Angelus Silesius, Goethe e Schelling e aqueles que influenciaram incluindo Bergson e através dele Vladimir Vernadsky e Teilhard de Chardin.[19]
Ficino discute a distinção entre a alma do mundo e um eventual "pneuma da alma do mundo", considerado como um elo entre a matéria e sua imaginação.[18] Para Ficino, a alma do mundo possui muitas "razões seminais" assim como as ideias na mente divina. A matéria têm suas formas a partir dessas razões da alma e quando a matéria se degrada ela pode ser recriada através de "sementes de alma", cujo processo pode ser alcançado por formas materiais onde os dons da alma do mundo foram armazenados.[20]
Em seu livro De vita libri tres, ele diz:[21]
Além disso, a alma do mundo possui o poder divino precisamente como muitas razões seminais das coisas, como ideias da mente divina. Por essas razões seminais, ela cria o mesmo número de espécies materialmente. É por isso que cada única espécie corresponde através da própria razão seminal à própria ideia e através desta razão pode facilmente receber algo desta ideia - desde que realmente fora criada através da razão da ideia. É por isso que, se em algum momento, a espécie se degenera de sua forma apropriada, ela pode ser formada novamente através da razão como seu intermédio próximo e através da ideia como intermediário para então se reformar.— Marsilio Ficino, De vita libri tres[22]
Giordano Bruno definiu funções específicas para a alma do mundo como prover vida vegetativa, capacidades sensíveis assim como a beleza e o mundo como um todo:[4]:334
Se, então, o espírito, a vida são encontrados em todas as coisas e preenche toda a matéria em vários graus, então eles são o ato real e a real forma de todas as coisas. Portanto, a alma do mundo é o princípio constitutivo formal do universo, e de qualquer coisa que o universo inclua; quero dizer, se a vida é encontrada em todas as coisas, então a alma é a forma de todas as coisas; é o que controla a matéria em todos os aspectos e predomina nos compostos, opera a composição e a consistência das partes.— Giordano Bruno, De la causa, principio e uno, diálogos II e III; De l’infinito universo e mondi,1584, diálogo I
Bruno dá um proeminente papel à alma do mundo ao explicar os princípios e a causa do mundo em um posição próxima do panteísmo naturalista do estoicismo.[23]
Agostinho de Hipona menciona sobre o conceito de anima mundi em muitas de suas obras como De immotalitate animae, 15, 24; De quantitate animae, 32, 69; De ordine II, 11, 30; De vera religione 18; Retractaciones I, 11,4; De Genesi ad litteram, liber imperfectus 4,17; De consensu evangelistarum I, 23, 35 e Retractiones I, 11, 14.[24]
Tomás de Aquino refutou o conceito de alma do mundo ao criticar a aceitação de Agostinho de Hipona, em sua Suma teológica I:[25]
Alguns afirmam que Deus é a alma do mundo como diz Agostinho em Cidade de Deus, e a isto se reduz o que alguns dizem, isto é, que Deus é a alma do primeiro céu. (...) Mas tudo isso é falso, porque não é possível que Deus de algum modo se encontre na composição de algo, seja como princípio formal ou como princípio material.— Tomás de Aquino, Suma teológica I, Artigo 8
A hipótese do anima mundi não foi aceita pelos filósofos escolásticos mas reapareceu sob o nome de Archeus no sistema de Paracelso,[26] ou quintessentia para Heinrich Cornelius Agrippa von Nettesheim e Van Helmont, enquanto Henry More reconheceu um principium hylarchicum.[27] O Platonista de Cambridge, Ralph Cudworth cunhou o termo "natureza plástica", um agente universal que considera os fenômenos físicos a causa de todas as formas de organização e a mola de todos os movimentos da matéria, mas ainda de acordo com Cudworth, a natureza plástica é distinta de Deus, sendo um "instrumento subordinado".[28]
Schelling assumiu o termo "alma do mundo" e ainda fez dele o tema de seu livro Da Alma do Mundo (1798) (em alemão: Von der Weltseele: eine Hypothese der höhern Physik zur Erklärung des allgemeinen Organismus).[29] No entanto, o termo foi usado apenas como uma metáfora para um princípio de organização onde a natureza orgânica e inorgânica se conectam de forma contínua e assim liga toda a natureza em um só organismo geral.
Hegel trata a Alma Natural como a anima mundi: uma alma universal que está dividida como as almas individuais do seres viventes; Hegel refere-se à alma como como "uma totalidade imediata e inconsciente", como "um sono do espírito". A teoria de Hegel de Alma Natural é uma consequência direta de seu tratamento da Terra como uma organismo vivo.[30] Para desconsiderar a existência de alma no mundo, Hegel justifica que "sendo o indivíduo terrestre um todo como sem atividade e a atividade terrestre uma atividade que não é a do todo, não é possível então falar, nesse nível do organismo geológico, da presença de uma totalidade tomada em suas exterioridades a si, a subjetividade imanente a uma estrutura. Não há alma no mundo".[31][32]
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