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A Ofensiva de Kerensky ocorreu entre junho e julho de 1917 e foi a última ofensiva russa durante a Primeira Guerra Mundial.[4] Teve como objetivo evitar a passagem das tropas das Potências Centrais à Frente Ocidental antes da chegada das forças estadunidenses, que deveriam dar vantagem à Tríplice Entente, e também retomar a disciplina e o moral das tropas russas, muito debilitadas após a Revolução de Fevereiro e pelas penalidades sofridas na guerra.[5]
Ofensiva de Kerensky | |||
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Frente Oriental, Primeira Guerra Mundial | |||
Operações russas na Frente Oriental em 1917. | |||
Data | 18 de junho – 7 de julho de 1917[nota 1] | ||
Local | Galícia | ||
Desfecho | Vitória das Potências Centrais | ||
Beligerantes | |||
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Comandantes | |||
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Forças | |||
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Baixas | |||
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O regime czarista havia se comprometido com os Aliados em participar de uma nova ofensiva conjunta em 1917. Inicialmente, esta havia sido planejada para o começo do ano, porém as necessidades militares das forças britânicas e a recusa dos russos em combater no meio do inverno atrasaram as operações até a primavera. Porém, o grande número de baixas, o desânimo das tropas e também as medidas democratizadoras do novo governo que enfraqueceram a antiga disciplina militar levaram à desorganização do exército russo, impedindo seu envolvimento nas operações da primavera. O governo, os comandantes e a maioria dos partidos políticos — incluindo os socialistas moderados que controlavam o Soviete de Petrogrado e a maior parte dos comitês militares das frentes de combate —, convencidos da necessidade de realizar uma nova ofensiva, prepararam esta para o verão, dificultados pela grande oposição dos soldados e operários em realizar novos ataques.
A ofensiva deu-se finalmente no início de julho, e apesar dos êxitos iniciais, logo fracassou por conta da falta de apoio e disciplina dos soldados, os quais se recusaram a participar da ofensiva ou se retiraram após o início das operações. Apesar de estarem em desvantagem bélica e numérica, as Potências Centrais contra-atacaram e conseguiram recuperar o território perdido, avançar até Ternopil e desorganizar todo o frente sudoeste, que era mantido pelos russos com extrema dificuldade. A ofensiva resultou em um fracasso político e militar: não obteve êxito em retomar a ordem e a disciplina do exército, desencadeou uma série de protestos na capital, favoreceu a desagregação das unidades militares, desgastou o pouco prestígio militar da Rússia ante os franceses e os britânicos e resultou em novas perdas de território, além de ter favorecido uma polarização política que desgastou o Governo Provisório e favoreceu os setores extremistas de esquerda e direita.
Em 18 de dezembro de 1916, os comandantes russos das distintas frentes de combate se reuniram na sede do alto escalão em Mogilev para discutir sobre a próxima ofensiva dos Aliados.[6] Os militares rejeitaram os planos de uma ofensiva para fevereiro do ano seguinte, embora os representantes russos tenham permitido sua aprovação na conferência aliada em Chantilly, na qual foi decidida a data para o próximo ataque.[6] Segundo os generais russos, o inverno, estação do ano em que se encontravam, fazia com que fosse impossível a realização de uma operação de grande porte na Frente Oriental, e o exército tampouco estava preparado para realizar uma ofensiva.[6] A maioria dos militares russos defendeu o adiamento da ofensiva até maio, quando deveriam chegar as baterias da artilharia britânica, consideradas essenciais para o êxito da campanha; decidiu-se também realizar uma profunda reorganização das unidades militares russas, o que deveria proporcionar uma maior capacidade de manobra para o exército, ainda que isto também impedisse a realização de uma ofensiva imediata.[6] Apesar das exigências dos Aliados, os generais presentes decidiram que suas unidades simplesmente apoiariam uma possível ofensiva em outras frentes mediante operações limitadas e adiariam qualquer operação de grande porte para o verão.[6] Após longas discussões, a frente sudoeste foi escolhida para a realização do ataque principal.[6]
A relativa ausência de tropas alemãs nessa zona (52 000 de um total de 260 000) e a concentração das tropas russas próximas à frente romena facilitavam o ataque nesta região.[7] O plano incluía o avanço dos 7º, 8º e 11º exércitos desde Lviv-Sighetu Marmației, reforçados com unidades da frente romena.[7] Para apoiar este ataque e evitar um socorro inimigo, seriam realizados ataques menores em outras frentes: na Frente Ocidental se lançaria uma ofensiva menor até Vilna; na frente setentrional, até Riga; e, na frente romena, até Dobruja. O czar aprovou este plano do chefe do Estado-Maior do Exército Russo, general Mikhail Alekseyev, em 24 de janeiro de 1917.[7]
O comandante da frente sudoeste, general Aleksei Brusilov, reuniu ainda em janeiro os chefes dos três exércitos que participariam da ofensiva para planejar as operações de cada um: o 7º Exército realizaria o ataque principal mediante um avanço em direção ao noroeste até Lviv, o 11º Exército teria o mesmo objetivo, porém avançaria na direção oeste; o Exército Especial continuaria avançando até Vladimir-Volinski e Kovel, enquanto as tropas de assalto do 8º Exército ao longo dos Cárpatos iriam apoiar a frente romena quando esta se unisse ao ataque.[7] Este foi o plano aplicado durante a ofensiva no verão, apesar da exclusão da participação do Exército Especial nas operações.[7]
Na conferência entre os Aliados ocorrida em Petrogrado em fevereiro — a primeira ocorrida em território russo —, foi acordado o adiamento da principal ofensiva aliada para a primavera, devendo ser levada a cabo no mês de abril.[8] Esta mudança se deu não só pela insistência dos russos em adiar a campanha, mas também pelas necessidades militares dos franceses e britânicos, resultante de alterações nos planos do comandante francês, general Robert Nivelle.[8]
A disciplina no seio do exército russo havia decaído após a abdicação do czar Nicolau II.[9] Em parte, a perda da disciplina deu-se por conta da desconfiança das tropas em relação a seus comandantes: a grande quantidade de baixas sofridas pelo exército russo e os fracassos militares ocorridos nos primeiros anos do conflito haviam desprestigiado os oficiais entre as tropas.[10] Segundo Victor Chernov, líder socialista revolucionário, "quando tornou-se evidente para todos a incapacidade dos comandantes, os soldados passaram a insistir em discutir as ordens, o que minava as próprias bases do exército".[10]
A grande quantidade de baixas teve outra consequência fundamental: alterou profundamente a composição das forças armadas, tanto das tropas como das oficialidades.[10] Ainda que os soldados continuassem sendo em sua maioria de origem camponesa, as últimas levas de 1916 haviam começado a incluir também homens de meia idade e os novos recrutas enviados à frente de combate recebiam uma instrução ainda menor do que a de seus predecessores.[10] O recrutamento dos trabalhadores rurais, que forçava suas saídas do campo, agravava ainda mais a situação agrária da Rússia.[10] A oficialidade, especialmente entre os escalões mais baixos, também havia mudado radicalmente durante a guerra: o grande número de baixas havia eliminado praticamente todos os antigos oficiais[11] e eles acabaram sendo substituídos por novos com visões mais liberais do que as habituais entre os comandantes. Nas patentes inferiores à de capitão, quase todos os oficiais eram provenientes das academias para recrutas criadas durante a guerra, que exigiam apenas quatro anos de escolarização e quatro meses de serviço ativo para o ingresso, sendo que praticamente todos eles também provinham do campesinato ou das classes médias e baixas.[11] Os oficiais do alto escalão queixavam-se da "atitude pouco marcial" dos jovens oficiais, ao mesmo tempo em que os reforços recebidos eram cada vez mais fracos.[11] Além disso, muitos destes novos oficiais se opunham à ofensiva e consideravam que seu fracasso prejudicaria tanto o governo quanto o alto escalão do exército.[11]
O comando das unidades havia sofrido profundas mudanças após a Revolução de Fevereiro, por conta da substituição de muitos generais e de vários oficiais terem mudado de uma unidade para a outra.[11] Inclusive o Estado Maior havia passado por mudanças notáveis: em 22 de maio, Kerensky havia substituído Alekseyev por Brusilov, que até então havia comandado a frente sudoeste.[12] Todos os comandantes das diversas frentes e muitos dos oficiais que controlavam distintos corpos do exército foram substituídos.[13] Na frente sudoeste, considerada a de maior importância para a realização da ofensiva, o novo comandante, general A. E. Gutor, tomou o controle apenas três semanas antes do começo das operações.[13] Os 7º e 11º exércitos também haviam recentemente trocado de comandantes, e no caso do último, em três ocasiões distintas.[13] Toda a oficialidade dessas unidades havia sido nomeada nos três meses que precederam a campanha de verão.[13] O mesmo ocorreu com o 8º Exército, que teria uma tarefa menor nos planos originais, porém acabou desempenhando um papel destacado por conta da direção de seu novo comandante, o general Lavr Kornilov, que tomou o comando da unidade em 12 de maio, substituindo Alexey Kaledin.[14]
As mudanças dos comandos militares não afetaram unicamente a frente sudoeste: Anton Denikin tomou o comando da frente ocidental em 8 de junho, dez dias antes do começo das operações; o general Dragomirov substituiu Ruzski antes de ser ele mesmo substituído pelo general V. N. Klembovski na frente norte; e na frente romena, o general D. G. Shcherbachov substituiu V. V. Sajarov.[14]
A Revolução de Fevereiro apenas reforçou a oposição à guerra entre os soldados.[15] As esperanças de que a revolução traria melhores condições de vida foram se esvaecendo com a ausência de reformas e a continuidade da guerra.[15] O descontentamento dos soldados com a guerra pode ser bem ilustrado com a seguinte carta enviada da frente de combate ao Soviete de Petrogrado:[16]
Nós, soldados, nos sentamos nas trincheiras, entre a lama, onde dezenas de milhares morrem todos os dias, e ansiamos pela paz. Enquanto isso, vocês, os governantes do país, sedentos por sangue, não cansam de nos darem ordens para que sigamos combatendo até a vitória final. O que significa a liberdade para nós, se vocês desejam que continuemos combatendo e repetem os mesmos bordões do antigo governo? Isto não é a liberdade, isto é apenas uma nova grande guerra sangrenta e sem sentido que devora dezenas de milhões de inocentes e enterrará todas as criaturas vivas sem beneficiar a ninguém. Miliukov não escuta, nem Chkheidze, tampouco Kerensky...
Parece-nos que nosso único pequeno raio de esperança é Lenin, mas vocês o consideram um provocador. Bem, pois não é nem um provocador e nem um traidor. Deseja pôr um fim nessa maldita e sangrenta guerra sem sentido, porém vocês querem calá-lo e apagar o nosso bem vindo raio de luz. Se não houvesse Lenin, quem pensaria em nós? Nem Chkeidze, nem Miliukov, nem Keresnky, nem Skobelev o fariam...
Também nossos irmãos soldados que foram eleitos como representantes recitam o mesmo bordão sem sentido: "até a vitória final". Elegemo-nos porque prometeram antes de sua eleição que tentariam trazer a paz, mas eles deixaram as trincheiras e esqueceram de seus leais camaradas. Agora dizem: "Deixe-os morrer, enquanto nós, os delegados, sentamo-nos confortavelmente em nossos comitês". Que maneira de pensar! Assim, vocês somente estão perdendo o exército e condenando-o.
Vocês, deputados, não deveriam pensar que o que eu digo é mentira ou que um espião escreve esta carta. Não, quem escreve esta carta é um soldado das trincheiras, que vê e ouve em torno dele o sentimento de um exército que, como a atmosfera está carregada e os soldados não podem fazer outra coisa se não falar, está preste a se converter em um clamor universal: "Paz a qualquer custo!". Portanto, senhores delegados, vocês devem se dedicar com diligência à questão da paz, porque se não o fizerem agora, depois será tarde demais.
O desejo de paz refletiu-se não só nas confraternizações com o inimigo e nas petições ao Soviete de Petrogrado, mas também no aumento das deserções, ocorrido após a Revolução de Fevereiro.[16] O número de soldados que diziam estar doentes também cresceu consideravelmente e muitos deles, deslocados para a retaguarda, nunca regressaram às suas unidades.[17]
Apesar disto, vários oficiais e políticos, socialistas e não socialistas, se enganaram pensando que, uma vez eliminada a autocracia, as tropas formariam um novo exército revolucionário disposto a retomar com vigor as operações militares.[18] A maioria dos comandantes, dos políticos e dos órgãos da imprensa favoráveis à realização da ofensiva de verão culpavam os bolcheviques pela agitação entre os soldados, quando na realidade ela apenas refletia a oposição dos combatentes em realizar novos ataques.[19]
A Ordem Número 1 do Soviete de Petrogrado debilitou consideravelmente o poder dos oficiais, já que concedeu grande importância aos comitês de soldados, eleitos pelas tropas, garantindo os direitos civis destes e a obediência das ordens das comissões militares do governo à política do Soviete de Petrogrado.[20] A ordem, uma tentativa de acabar com a situação degradante a qual os soldados estavam sujeitos sob o anterior código militar czarista,[21] havia sido mal recebida pelo alto escalão militar russo, apesar das tentativas do novo Ministro da Defesa, Alexander Guchkov, de aplicá-la desde 5 de março.[21] Quatro dias mais tarde, o ministro esclareceu a situação e expôs a clara a debilidade do governo e do soviete frente ao crítico general Alexeyev, chefe do Estado Maior, disposto a julgar sumariamente os revolucionários que estavam chegando à frente de combate para discursar para as tropas.[21] Ante a confissão do ministro, que surpreendeu o general, este decidiu contemporizar e tentar influenciar os sovietes através do ingresso dos oficiais nos mesmos.[21]
A abolição da pena de morte em 12 de março[21] foi outro fator decisivo para debilitar a autoridade dos oficiais, bem como a presença de um grande número de agitadores revolucionários, especialmente de bolcheviques, que propagavam a ideia de que uma vitória na guerra seria inútil para os interesses dos soldados.[22] As sublevações e os motins eram cada vez mais comuns na frente de combate, e muitos oficiais foram vítimas do crescente descontentamento dos soldados, o que, inclusive, resultou no assassinato de alguns comandantes. A Ordem Número 8 do Soviete de Petrogrado, conhecida como Declaração dos Direitos do Soldado, havia relaxado consideravelmente o código militar anterior e facilitado a deserção ao conceder aos soldados permissão para abandonar suas unidades quando não estivessem em serviço.[23] Os oficiais haviam perdido também seu poder de aplicar medidas disciplinares — salvo em combate —, o que passou a ser competência dos comitês e tribunais militares eleitos.[23] A decisão de dissolver as unidades mais rebeldes, aprovada legalmente em 30 de maio teve um efeito indesejado: a dissolução levava meses para ser levada a cabo e alguns soldados viram a insubordinação como um meio útil de se livrar do serviço na zona de combate.[24]
O reforço das unidades tampouco foi fácil: ainda que entre maio e junho tenham sido enviadas a frente de combate mais de 1 845 companhias de 250 homens cada, isto representava apenas a metade das tropas solicitadas pelos comandantes das várias frentes e o número de deserções era cada vez maior.[25] O envio de reforços teve graves repercussões na retaguarda: houve várias revoltas nas cidades da retaguarda, os soldados se radicalizaram e, em Petrogrado, onde a guarnição estava para ser mandada à frente de combate, muitos soldados perderam sua confiança nos socialistas moderados do soviete.[25]
Muitas unidades de quase todas as frentes se mostravam relutantes em combater e várias delas tiveram de ser dissolvidas ou forçadas a ocupar as posições que haviam lhes sido designadas.[26]
Depois da revolução, seguiram-se alguns meses de armistício na frente de combate e ocorreram confraternizações entre os soldados russos e os soldados das Potências Centrais, que tiveram o apoio dos comandantes alemães.[27] O governo alemão temia que qualquer ofensiva de sua parte poderia interromper aquilo que era visto como uma desintegração do Império Russo.[27] As ofensivas da Entente não foram muito divulgadas para não alarmar os russos.[27] A infantaria russa, em geral, se mostrava favorável ao fim dos combates e ao armistício com as tropas inimigas, tendo a artilharia interferido em apenas algumas ocasiões.[27]
O armamento das tropas russas nunca havia sido melhor, tanto pela chegada de material previamente encomendado quanto pela acumulação ocorrida durante os meses anteriores de poucos conflitos na frente de combate.[25] Mesmo após uma interrupção dos pedidos de armamento por parte dos franceses, russos e britânicos, o aumento das entregas, por conta da chegada tardia do material acumulado para as frentes de combate, fez com que as unidades russas estivessem melhor armadas.[28] Segundo o adido militar britânico, general Alfred Knox, na frente sudoeste os russos contavam com 1 000 canhões frente aos 500 do inimigo e Denikin, na frente ocidental, teria uma vantagem muito maior, com 900 canhões à disposição frente aos 300 das tropas inimigas.[29] O armamento foi, de fato, o único aspecto com o qual os comandantes estavam satisfeitos antes da realização do ataque.[29]
Na região onde deveriam ser realizadas as principais operações, a frente sudoeste russa, os 7º, 8º e 11º exércitos deveriam se enfrentar com os 2º e 4º exércitos austríacos e com os "exércitos alemães do sul", além do 3º exército austríaco próximo do rio Dniestre.[30]
As operações mais importantes deveriam ser levadas a cabo pelos 7º e 11º exércitos, que deveriam atacar ao longo de 45 km.[30] O 11º exército deveria avançar ao longo da linha Zolochiv-Gliniani-Lviv; enquanto o 7º, a linha Berezhany-Bobrka-Lviv.[30] O plano geral indicava que o 7º e o 11º exércitos deveriam cruzar o rio Zolotaya Lipa, tomar as linhas férreas e se dirigir à noroeste até Lviv,[31] alvo principal da ofensiva.[30]
Alguns dias após o começo do ataque principal, o 8º exército deveria se lançar ao sul da frente sudoeste.[31] Sua XII corporação deveria tomar Aliche e Kalush e sua XVI corporação, alcançar o rio Lomnitsa, seguir rio abaixo e evitar o envio de reforços inimigos à zona do ataque principal.[30]
O Governo Provisório Russo havia decidido cumprir com as obrigações que a Rússia havia assumido com as outras potências aliadas, que consistiam em prosseguir a guerra até a derrota das Potências Centrais;[9] esta política governamental diminuía o moral das tropas russas, que já não desejavam mais combater. Enquanto os generais e as forças conservadoras do governo viam a revolução como um incentivo para os soldados seguirem combatendo até a vitória final, a esquerda a considerava como o início de uma mudança social, que deveria implicar, entre outras coisas, em um tratado de paz entre os países beligerantes.[32]
Em 4 de março, o Soviete de Petrogrado expôs sua postura em relação à guerra em uma proclamação que defendia um tratado de paz imediato, sem anexações ou indenizações e rejeitando os objetivos de guerra dos czaristas, adotando uma espécie de defensismo[nota 2] revolucionário.[32] Ciente da impopularidade da ofensiva entre os operários e soldados, o soviete acabou apoiando-a por considerá-la necessária para haver um avanço nas negociações de paz entre os Aliados, porém, mantiveram a prudência em suas declarações.[18] Por fim, a maior parte das instituições, partidos políticos e comandantes militares apoiaram a ofensiva por conta dos seguintes motivos: supunha-se que uma vitória militar reforçaria a diplomacia russa e os esforços em favor da paz;[18] a retomada das ofensivas por parte da Rússia deveria facilitar a concessão de créditos dos Aliados, necessários para evitar a bancarrota do país;[33] os Aliados pressionavam cada vez mais a Rússia para que retomassem os combates para evitar a concentração das forças inimigas em outras frentes;[33] e para os comandantes militares e políticos conservadores, as operações militares deveriam servir para restaurar a ordem no exército e na retaguarda,[34] além de debilitar a esquerda política.[18]
A maioria dos delegados do Soviete de Petrogrado, bem como do Primeiro Congresso Panrusso dos Sovietes de Operários e Soldados e do Primeiro Congresso dos Sovietes de Camponeses votou em favor da realização da ofensiva.[35]Apenas uma minora de delegados — bolcheviques, mencheviques internacionalistas e socialistas revolucionários de esquerda — votaram contra.[35] A oposição política à ofensiva reduzia-se aos grupos da esquerda radical,[18] ainda minoritários, porém, tais grupos foram adquirindo maior popularidade entre os operários e soldados ante o apoio dos socialistas moderados à retomada das ações militares.[19]
O general francês Nivelle comunicou a Alexeyev que o começo da ofensiva anglo-francesa se daria em 26 de março e solicitou que os russos também realizassem uma ofensiva nessa data, porém o pedido foi negado,[36] pois Alexeyev considerava que o exército russo ainda estava despreparado.[37] Um relatório da situação política e militar da retaguarda enviada pelo ministro da defesa Alexander Guchkov alarmou Alexeyev e reafirmou sua convicção de que uma ofensiva no começo da primavera seria impossível.[36] A avaliação de Guchkov da situação na retaguarda obrigava o adiamento das operações militares até julho, porém, Alexeyev temia a reação dos Aliados ao descumprimento por parte dos russos do acordo firmado em Petrogrado em fevereiro, que determinava[38] que o país deveria participar de um ataque durante a primavera.[39]
Alexeyev solicitou ao governo para que tentasse convencer os Aliados a adiar a ofensiva russa até julho, quando os reforços deveriam estar prontos para participar do ataque.[37] Alexeyev também solicitou um relatório sobre o estado das tropas aos comandantes da frente de combate, cuja resposta demonstrou que eles também estavam convencidos de que o momento não seria adequado para realizar uma ofensiva.[9] Em 5 de março, o Estado Maior propôs adiar por vários meses a ofensiva, para poder restaurar a ordem e a disciplina entre as unidades.[9]
Em 5 de maio, o novo governo de coalizão entre socialistas moderados e liberais comunicava suas intenções de adotar as reivindicações do Soviete de Petrogrado (paz sem anexações), de realizar mais reformas democratizadoras no exército e, ao mesmo tempo, prepará-lo para uma futura ofensiva, única medida que agradou o alto escalão militar.[40][41] Ainda que no final do mês de maio os comandantes tenham convencido os principais partidos da necessidade de atacar, as tropas mostravam-se descontentes.[40] O novo ministro da defesa, Alexander Kerensky, tentou motivar os soldados com uma visita à frente de combate em 13 de maio, porém foi recebido com pouco entusiasmo.[40][42] No dia seguinte, visitou os representantes das tropas das frente sudoeste reunidos em um congresso na sede do quartel general desta frente, em Kamianets-Podilskyi.[43] Em seguida, continuou as visitas acompanhado de Brusilov, passando por Odessa, Sebastopol e pela frente norte, antes de voltar para a capital para o início das atividades do Primeiro Congresso dos Sovietes de Operários e Soldados.[43] Apesar de não ter sido recebido com hostilidade, os discursos de Kerensky não tiveram qualquer impacto entre as tropas.[44]
A tarefa de preparar as tropas para a ofensiva acabou recaindo para os comitês de soldados, a maioria de inclinação defensista.[44] A postura adotada pelos soldados frente aos comitês foi hostil e eles passaram a seguir os radicais de esquerda, que em seus discursos diziam que a guerra era um conflito capitalista e que beneficiava somente as classes privilegiadas dos países beligerantes.[22]
Devido ao seu pessimismo frente à situação, o chefe do Estado Maior, Alexeyev, foi substiuído por Aleksei Brusilov em 22 de maio.[45] Kerensky ainda substituiu quatro dos cinco comandantes na frente de combate.[45]
Não obstante, Kerensky tinha a esperança de que uma vitória de seus soldados faria com que ele recuperasse o apoio popular, já que uma vitória poderia restaurar o ânimo das tropas russas,[46][47] beneficiando deste modo o próprio governo provisório e demonstrando a eficácia do "exército mais democrático do mundo", como Kerensky denominava o exército russo.[47] O ataque, que não mais coincidiria com as operações militares dos britânicos e franceses na frente ocidental, deveria mostrar aos Aliados a manutenção dos compromissos russos com a Tríplice Entente. As forças de direita, os socialistas moderados do Soviete de Petrogrado e os Aliados apoiavam a ofensiva, apesar de admitirem seu alto risco.[5]
Kerensky solicitou o adiamento dos planos de Brusilov, que desejava começar a ofensiva em 12 de junho, para conseguir o apoio do Primeiro Congresso dos Sovietes, que aprovou a ofensiva no dia seguinte,[48][49] apesar da forte oposição dos bolcheviques.[5] Obtido tal apoio, Kerensky partiu para o quartel general de Mogilev para estar junto ao Estado Maior durante a ofensiva.[48] Em 12 de junho, chegou em Ternopil e assinou a ordem de ataque.[49]
Em 16 de junho, iniciou-se um intenso bombardeio[50] das posições inimigas; Kerensky passou o dia visitando as unidades militares envolvidas na operação para tentar incentivá-las.[1] As operações iniciaram na manhã de 18 de junho,[48][1][50] com um ataque das tropas russas contra as forças austro-germânicas na Galícia, fazendo-as retroceder até Lviv.[5] Nas operações militares, tomaram parte os 7º, 8º e 11º exércitos russos,[48] que combateram os 2º e 7º exércitos austro-húngaros comandados por Felix Von Bothmer. No primeiro dia da ofensiva, os russos haviam conseguido capturar três linhas de fortificações, milhares de prisioneiros e ultrapassado a frente entre Zborov e Berezhany.[1]
No dia seguinte, os russos haviam ultrapassado as linhas autro-húngaras e avançaram 60 km,[1] superando as expectativas iniciais dos comandantes da operação.[48] As tropas russas capturaram mais de dezoito mil prisioneiros,[48] e tomaram vinte e nove canhões e várias fortificações.[1] O 11º exército avançava até o seu primeiro objetivo, a região de Zolochiv.[1]
A reação na capital foi de entusiasmo entre o governo, o soviete, a imprensa e as classes mais altas, porém totalmente hostil por parte dos operários e dos soldados da guarnição.[1][51] Durante o primeiro dia da ofensiva, cerca de quatrocentos mil soldados e operários da capital realizaram uma manifestação demonstrando seu descontentamento,[52] e os soldados da guarnição suspeitavam de que seriam enviados para a frente de combate.[53] Também ocorreram manifestações do tipo em outras cidades.[53] As tentativas de transferir algumas unidades da guarnição para a frente de combate desencadearam uma série de manifestações em Petrogrado, marcadas pelo descontentamento popular e nas quais se reivindicava o fim da guerra, a transferência do poder aos sovietes e a formação de um governo exclusivamente socialista.[53]
O ataque do 7º exército russo foi dificultado por conta da orografia de Berezhany, onde densas florestas escondiam fortificações inimigas ao norte que nem os aviões e a artilharia russa podiam destruir.[54] O 11º Exército deveria apoiar o 7º na captura de Berezhany atacando ao norte após capturar Koniuchy, porém parte dos soldados haviam embebedado-se com as bebidas abandonadas pelo inimigo em retirada e acabaram detidos por soldados alemães escondidos na floresta.[54] Após três dias sem conflitos, os combatentes ao norte de Koniuchy retomaram as atividades em 23 de junho; após diversos enfrentamentos nas trincheiras, os reforços alemães conseguiram deter o 11º Exército russo.[54] Após o confronto, o moral das tropas baixou e os soldados pareciam convencidos de que haviam cumprido o seu dever e que não deveriam seguir combatendo.[54] A única reserva deste exército era o 1º Corpo de Guardas, que se negou a combater.[55]
O 7º Exército não conseguiu avançar na região de Berezhany e algumas de suas unidades se negaram a fazê-lo; seu avanço se deteve já no segundo dia da ofensiva — em parte pelas complicações do terreno, em parte pela resistência dos inimigos, mas também pela apatia das tropas — e a partir de então lhe foi ordenado que simplesmente apoiasse as operações do 11º exército.[55]
Apesar dos problemas enfrentados pelas tropas russas logo após o começo da campanha, algumas unidades seguiram avançando; o general Lavr Korlinov, comandante o 8º exército,[55] saiu vitorioso em um ataque que teve início em 23 de junho e conseguiu romper as linhas inimigas dois dias mais tarde,[55] capturando mais de sete mil prisioneiros.[55] Em 27 de junho, o XII Corpo do 8º exército tomou Aliche e parte de suas tropas cruzaram o rio Dniestre.[55] No dia seguinte, outra unidade capturou o quartel do 3º exército austríaco, localizado em Kalush. Os soldados cometeram uma série de atrocidades contra a população civil da região e uma unidade de cossacos teve de ser enviada ao frente para repelir um contra-ataque alemão.[55] Tanto o XII como o XVI corpos do 8º Exército alcançaram o rio Lomnitsa e se prepararam para um contra-ataque.[55] Condições climáticas desfavoráveis e a chegada de reforços alemães detiveram o avanço do 8º Exército russo.[2]
As operações de apoio aos ataques principais fracassaram completamente.[56] Na frente norte, quatro das seis divisões do 5º Exército designadas para as operações se negaram a combater.[56] Uma delas atacou duas linhas inimigas antes de regressar a sua posição inicial, outra foi obrigada a colocar-se em posição na frente de combate e realizou uma série de escaramuças contra suas próprias linhas; uma terceira se negou a combater e impediu a participação de outras unidades.[56] As unidades do 12º Exército, posicionadas na mesma frente, sequer avançaram.[56]
Ao sul, na frente ocidental, a situação era parecida: as unidades se negaram a avançar.[56] O 10º Exército havia perdido no dia anterior 12 200 homens em uma ação preliminar e se negou a seguir participando da ofensiva; o comandante do 2º exército não confiava em nenhuma de suas unidades e o comandante do 3º Exército deixou claro que suas unidades apenas realizariam operações defensivas.[57] Apesar desta situação, Denikin ordenou um ataque em 7 de julho com tropas de choque, voluntários e alguns regimentos disciplinados e houve avanços até que as reservas alemãs. A falta de reforços por parte das outras unidades russas impediram seu avanço.[58] A superioridade do exército russo em números e armamento não surtiu qualquer efeito durante as operações.[58]
No momento em que o ataque à frente romena iniciou-se em 10 de julho, a operação serviu apenas para cobrir a retirada das tropas da frente sudeste, que três dias antes já retrocedia.[58] Apesar da necessidade de consultar os comitês das unidades para poder iniciar o ataque, o que impedia que as operações fossem simultâneas com as de outras frentes, as forças russas e romenas conseguiram avançar 20 km e capturar mais de cem peças de artilharia antes que Kerensky desse a ordem para cessar o ataque três dias após a retirada das tropas da frente sudoeste.[58]
Após alguns êxitos iniciais na campanha, as operações militares começaram a enfrentar problemas com as revoltas e as recusas em participar no combate por parte dos soldados russos,[51][50] assim como com a chegada dos reforços alemães e o mau planejamento do Estado Maior.[59] Brusilov, que havia planejado ataques secundários em outras áreas da frente de combate, teve de adiar repetidamente tais operações por conta da oposição das tropas em tomar parte da ofensiva. O avanço da ofensiva foi interrompido em 2 de julho.[60]
No dia 6 de julho, as forças austro-germânicas desencadearam seu contra-ataque.[60][58] Enquanto os três exércitos da frente sudoeste reagrupavam-se para aproveitar o avanço dos 8º e 11º exércitos russos, os alemães, apesar de estarem em inferioridade numérica, atacaram o 11º Exército russo, obrigando-o a retroceder.[61] A retirada de um regimento e a impossibilidade de substituí-lo por conta da insubordinação das unidades militares precipitou a retirada do 11º Exército.[61] As 58 329 baixas sofridas até então haviam afetado principalmente as tropas mais leais aos comandantes do exército, o que impediu o envio de reforços e resultou em uma desordem na frente sudoeste.[61] As ordens de combate eram debatidas entre as unidades e acabavam sendo rejeitadas.[61][50] A retirada do 11º Exército russo ao rio Seret obrigou o reagrupamento do 7º Exército, que ficou exposto e foi obrigado a retroceder sob o ataque de três companhias de metralhadoras alemãs.[61] Logo o 8º Exército russo também foi obrigado a retirar-se; durante a sua retirada, os russos cometeram diversas atrocidades contra a população civil.[61] O ataque das Potências Centrais fez com que os russos se retirassem para Ternopil.[61]
Encontrando pouca resistência por parte das tropas russas,[50] os soldados das Potências Centrais avançaram da Galícia e da Ucrânia até o rio Zbruch. As linhas russas foram ultrapassadas em 8 de julho, e no dia 11, os russos haviam retrocedido 240 km. Os ataques posteriores em outras zonas da frente de combate por parte das unidades russas foram inúteis.[60] Em 7 de julho, Kornilov havia obtido o controle de todas as tropas da frente sudeste graças ao seu desempenho no comando do 8º exército durante a ofensiva.[2]
Os franceses e os britânicos desencadearam uma ofensiva tarde demais para influenciar decisivamente as operações russas.[56]
O Governo Provisório Russo foi seriamente prejudicado pelo catastrófico resultado da ofensiva.[62] Longe de reforçar o moral do exército russo e de ajudar a fortalecer o governo provisório, a ofensiva provou que o moral do exército russo era extremamente baixo,[3] e nenhum de seus generais poderia contar que os soldados sob seu comando executassem as ordens dadas. A confiança das tropas ante seus comandantes piorou mesmo entre as tropas mais leais e disciplinadas após as baixas ocorridas na ofensiva.[3] Onde não haviam se desagregado, as unidades militares na frente de combate permaneciam como pequenos agrupamentos incapazes de deter o avanço inimigo.[50]
No exército, a desorganização das tropas e as atrocidades cometidas contra os civis fizeram com que os comandantes solicitassem a restauração da pena de morte.[63] Ante as queixas dos comandantes e os informes dos próprios comissários do governo e dos comitês militares, Kerensky restaurou a pena de morte e a censura na frente de combate, com o respaldo do Soviete de Petrogrado.[64] Os direitos adquiridos com a Ordem Número 8 haviam sido praticamente revogados, o que aumentou o descontentamento dos soldados com o governo e com os socialistas moderados que controlavam o soviete.[64] Após a ofensiva, a disciplina entre as tropas havia praticamente desaparecido[65] e o número de deserções aumentou significativamente.[66]
Na reunião entre Kerensky e os comandantes do exército ocorrida em 16 de julho para avaliar a situação, estes criticaram duramente as medidas adotadas pelo governo desde a Revolução de Fevereiro e atribuíram a elas o fracasso da ofensiva.[64] Após a reunião, Kerensky nomeou Kornilov como chefe do Estado Maior, substituindo Brusilov.[65]
As esperanças de uma vitória que pudesse ter permitido um avanço nas negociações de paz a partir de uma posição de prestígio se esvaeceram.[3][62] Os Aliados deixaram de consultar os russos para tomar decisões sobre a guerra.[65] Nenhum representante russo foi convidado para a reunião dos Aliados ocorrida em Londres no mês de julho e somente quando o embaixador russo soube da convocatória pôde ir precipitadamente ao encontro e participar junto à delegação francesa.[67]
A ofensiva resultou em uma polarização na política russa.[67] Entre as classes médias e altas, o fracasso da ofensiva levou a uma radicalização à direita que culminou no golpe de Kornilov no final do verão.[68] Entre os soldados e operários, a radicalização deu-se ao extremo oposto: os socialistas revolucionários de esquerda e os bolcheviques passaram a receber um apoio cada vez maior entre as tropas e nas fábricas.[68] Aos poucos, tais grupos foram obtendo maioria nos sovietes.[67]
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