Nota: Para a visão judaica do texto, veja Devarim.

Deuteronômio (português brasileiro) ou Deuteronómio (português europeu) (do grego Δευτερονόμιον, "Deuteronómion", "Segunda lei""; em hebraico: דְּבָרִים, Devārīm, "palavras [ditas]") é o quinto livro da Torá, a primeira seção da Bíblia hebraica e parte do Antigo Testamento da Bíblia cristã. O título em hebraico é derivado do primeiro versículo, "Eleh ha-devarim", «Estas são as palavras que Moisés falou...» (Deuteronômio 1:1). O título em português deriva do grego, que significa "segunda lei", uma referência à frase da Septuaginta "to duteronomion touto", "uma segunda lei", em Deuteronômio 17:18. Esta frase é, por sua vez, uma tradução incorreta do hebreu "mishneh haTorah hazoth", "uma cópia desta lei".[1]

Deuteronômio no Codex Aleppo.

O livro está dividido em três sermões ou homilias proferidas aos israelitas por Moisés na planície de Moabe pouco antes da entrada na Terra Prometida. O primeiro recapitula os quarenta anos vagando pelo deserto que culminaram naquele momento e termina com uma exortação para que se observe a lei, mais tarde conhecida como Lei Mosaica. O segundo relembra os israelitas da necessidade do monoteísmo e da observância das leis que Deus lhes entregou no monte Sinai, da qual depende a posse da terra que irão conquistar. O terceiro oferece o consolo de que, mesmo que Israel se mostre infiel – e, por isso, perca a terra –, com o arrependimento, tudo poderá ser restaurado.[2]

Tradicionalmente visto como sendo uma transcrição das palavras de Moisés proferidas antes da conquista de Canaã, um amplo consenso entre os estudiosos modernos defende que o texto se originou no Reino de Israel (o reino do norte) e foi levado para o sul, para o Reino de Judá, na iminência da conquista assíria de Aram (século VIII a.C.) e depois adaptado para se conformar à reforma nacionalista na época de Josias (final do século VII). A forma final do texto como conhecemos hoje emergiu no contexto do retorno do cativeiro da Babilônia no final do século VI a.C.[3] Muitos estudiosos entendem que este livro é um reflexo das necessidades econômicas e do status social dos levitas, grupo a que o autor provavelmente pertencia.[4]

Um dos mais importantes versículos da Bíblia, conhecido como "Shemá Israel", está no Deuteronômio e se tornou com o tempo a afirmação definitiva da identidade judaica: «Ouve, ó Israel; Javé nosso Deus é o único Deus» (Deuteronômio 6:4). Este versículo e o seguinte ("Amarás, pois, a Javé teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças.") foram citados por Jesus em Marcos 12:28–34 como parte do Grande Mandamento.

Conteúdo

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Primeira página do Deuteronômio na Biblia de San Paulo, da Basílica de São Paulo Extramuros.

Estrutura

Patrick D. Miller sugere que diferentes pontos de vista sobre a estrutura do Deuteronômio levarão a diferentes conclusões sobre o que ele trata.[5] A estrutura é geralmente descrita como uma sequência de três discursos ou sermões (capítulos 1:1 a 4:43; 4:44 a 29:1 e 29:2 a 30:20) seguidos por vários apêndices curtos[6] — Miller chama isto de estrutura literária. Alternativamente, o livro é por vezes entendido como tendo uma estrutura circular, com um miolo central (capítulos 12-26, o chamado Código Deuteronômico) e duas molduras, uma interna (capítulos 4 a 11 e 27 a 30) e outra externa (capítulos 1 a 3 e 31 a 34)[6] — Miller chama isto de "estrutura da aliança".[5] Finalmente, há os que percebem uma estrutura teológica revelada no tema da adoração exclusiva de Javé estabelecida no primeiro dos Dez Mandamentos«Eu sou Javé teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa de servidão. Não terás outros deuses diante de mim» (Êxodo 20:2–3) — e na Shemá Israel.[5]

Sumário

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Selo israelense de 1958 com a inscrição em hebraico do versículo 8 do capítulo 8; "numa terra de trigo, de cevada, de vides, de figueiras e de romeiras; numa terra de azeite de oliveiras e de mel"

A estrutura literária seguinte é baseada na obra de John Van Seters[7] e pode ser comparada com a visão circular de Alexander Rofé[8]:

  • Capítulos 1–4: a jornada pelo deserto, do monte Sinai (Horeb) até Cades e depois até Moabe.
  • Capítulos 4–11: depois de uma segunda introdução em Êxodo 4:44–49, os eventos no Sinai são relembrados, incluindo o recebimento dos Dez Mandamentos. Os líderes de cada família são instruídos a educarem os seus nos ditames da lei, alertas são feitos em relação a outros deuses que não Javé, a terra prometida a Israel é louvada e reforça-se ao povo a necessidade da obediência;
  • Capítulos 12–26, o Código Deuteronômico: leis governando a religião dos israelitas (capítulos 12-16a), nomeação e regulamentação de líderes comunitários e religiosos (16b-18), regulamentos sociais (19-25) e confissão de identidade e lealdade (26).
  • Capítulos 27–28: bênçãos e maldições aos que obedecem e desobedecem a lei.
  • Capítulos 29–30: discurso final sobre a aliança na terra de Moabe, incluindo todas as leis do Código Deuteronômico posteriores às recebidas no Sinai (Horeb); novamente a importância da obediência é reforçada;
  • Capítulos 31–34: Josué é definido como sucessor de Moisés, Moisés entrega a lei aos levitas (a casta sacerdotal) e escala o monte Nebo (Pisgah), onde morre e é sepultado por Deus. A narrativa destes eventos é interrompida por dois poemas, a "Canção de Moisés" e a "Benção de Moisés";

Nos versículos finais (Deuteronômio 34:10–12), a frase "não se levantou mais em Israel profeta algum como Moisés" é uma reivindicação da autoridade da visão teológica deuteronomística e revela sua insistência que a adoração de Javé, o Deus único de Israel, é a única religião permitida por ter recebido a aprovação do maior dos profetas.[9]

Código Deuteronômico

Deuteronômio 12-16, o chamado "Código Deuteronômico", é a parte mais antiga do livro e o miolo à volta do qual o restante se desenvolveu.[10] Ele consiste de uma série de mandamentos ("mitzvot") aos israelitas sobre como eles deveriam se portar em Canaã, a terra prometida por Javé, o Deus de Israel. A lista seguinte organiza a maior parte destas leis grupos temáticos:

Seções segundo as porções semanais da Torá no judaísmo

Ver artigos principais: Porção semanal da Torá e Devarim

As subdivisões são as seguintes:

  • Devarim, sobre Deuteronômio 1–3: líderes, batedores, Edom, amonitas, Siom, Ogue e as terras para duas tribos e meia;
  • Va'etchanan, sobre Deuteronômio 3–7: cidades-santuário, Dez Mandamentos, exortação, instruções para conquista;
  • Eikev, sobre Deuteronômio 7–11: obediência, conquista da terra, bezerro de ouro, morte de Aarão, deveres dos levitas;
  • Re'eh, sobre Deuteronômio 11–16: adoração centralizada, alimentação, dízimos, ano sabático, festivais peregrinos;
  • Shofetim, sobre Deuteronômio 16–21: estrutura social básica para os israelitas;
  • Ki Teitzei, sobre Deuteronômio 21–25: leis variadas sobre a vida civil e doméstica;
  • Ki Tavo, sobre Deuteronômio 26–29: primeiros frutos, dízimos, bênçãos e maldições, exortação;
  • Nitzavim, sobre Deuteronômio 29–30: aliança, violação, escolha entre a benção e a maldição;
  • Vayelech, sobre Deuteronômio 31: encorajamento, leitura e escrita da lei;
  • Haazinu, sobre Deuteronômio 32: punição, punição contida, despedidas;
  • V'Zot HaBerachah, sobre Deuteronômio 33–34: benção final e morte de Moisés.

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