Nota: Se procura uma estrutura anatómica dos insectos, veja Antena (biologia). Se procura os flagelos dos machos de Solifugae, veja Solifugae. Se procura as projecções celulares exclusivas dos eucariotas, veja Cílio.

Flagelo (do latim: flagellum; "chicote") é a designação dada em diversos campos da Biologia aos apêndices móveis com forma de chicote presentes em muitos organismos unicelulares e em algumas células de organismos pluricelulares.[1][2] A função primária dos flagelos é a motilidade dos organismos, possibilitando o movimento em meio líquido, mas é frequente assumirem outras funções, entre as quais assegurar a circulação de fluidos, encaminhar alimento, ou funcionar como organelos sensoriais que reagem à presença de determinados compostos químicos ou à temperatura no exterior da célula.[3][1][2][4] Dada a heterogeneidade estrutural e as diferentes origens evolutivas, os flagelos são considerados como organelos definidos pela função e não pela estrutura.

Estrutura do flagelo de uma bactéria Gram-negativa.
Micro-algas verdes do género Chlamydomonas dotadas de flagelos.
Espermatozoide, com o flagelo bem visível, fecundando um óvulo.

Um exemplo de flagelo com funções de mobilidade ocorre nos espermatozoides humanos,[5] enquanto os flagelos dos coanócitos das esponjas se destinam a produzir micro-correntes de água que o organismo filtra para obter alimento. Outro exemplo de motilidade é a bactéria carcinogénica Helicobacter pylori, que usa múltiplos flagelos para se mover através do muco gástrico e atingir o epitélio do estômago humano.[6]

Os flagelos dos organismos eucarióticos são estruturalmente idênticos aos cílios, sendo por isso a distinção geralmente baseada na função ou no comprimento.[7] Fímbrias e pili são também finos apêndices celulares, mas têm funções bem diversas e são geralmente mais pequenos.

Tipos de flagelos

São em geral considerados três tipos de flagelos: (1) eucarióticos; (2) bacterianos; e (3) arqueanos. Esta tipologia resulta da observação de que em cada um destes três domínios biológicos, os flagelos são completamente diferentes tanto em estrutura como em origem evolutiva. A única característica comum entre os três tipos de flagelos é a sua aparência superficial. Os flagelos de Eukarya (os das células de protistas, animais e plantas) são projecções celulares que oscilam ritmicamente gerando um movimento helicoidal. Os flagelos de Bacteria, por sua parte, são complexos mecanismos em que o filamento roda como uma hélice impulsado por um microscópico motor giratório proteico. Por último, os flagelos de Archaea são superficialmente similares aos bacterianos, mas diferem em múltiplos aspectos, sendo considerados como não homólogos. As principais diferenças entre os três tipos de flagelos são:

  • Os flagelos bacterianos são filamentos helicoidais, tendo cada um na sua base um motor proteico rotativo que pode girar no sentido horário ou anti-horário.[8][9][10] Este tipo de flagelos fornece dois dos vários tipos de motilidade bacteriana.[11][12]
  • Os flagelo arqueanos (também por vezes designado por archaellum) são superficialmente semelhantes aos flagelos bacterianos, mas são diferentes em muitos detalhes e considerados não-homólogos aos bacterianos.[13][14][15]
  • Flagelos eucarióticos, que ocorrem nas células de animais, plantas e protistas, são projecções celulares complexas que oscilam de um para o outro lado, sendo classificados, em conjunto com os cílios eucarióticos, como ondulipódios[16] para enfatizar o papel distinto de apêndice ondulante na função celular ou na motilidade. Os cílios primários comuns em organismos pluricelulares são imóveis, não podendo por isso ser considerados undulipódios, e apresentam um axonema estruturalmente diferente, pertencentes ao tipo 9 + 0 em vez do tipo 9 + 2 encontrado tanto em flagelos secundários como em cílios móveis undulipodiais.

Flagelo bacteriano

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Diferenças estruturais entre os flagelos de procariotas e eucariotas: os flagelos dos procariotas têm movimento rotativo, enquanto que nos eucariotas o movimento resulta da oscilação lateral; os procariotas usam um motor proteico rotativo enquanto os eucariotas se movimentam em resultado das contracções de um complexo sistema de filamentos deslizantes; os eucariotas são movidos por ATP, os procariotas por um fluxo de protões.

O flagelo bacteriano é um tubo oco, com 20 nanómetros de espessura, composto pela proteína flagelina, de forma helicoidal com uma dobra à saída da membrana celular chamada "gancho", que faz com que a hélice fique virada para o exterior da célula. Entre o gancho e a estrutura basal existe uma bainha que passa através de anéis de proteína na membrana celular, que funcionam como “rolamentos”. Os organismos Gram-positivos têm 2 anéis, um na parede celular e outro na membrana, enquanto que os Gram-negativos têm 4 anéis, 2 na parede celular e 2 na membrana.

O flagelo bacteriano é activado por um “motor” rotativo composto de proteínas, localizado no ponto da membrana interna onde o flagelo tem a sua origem, e é movido por um fluxo de protões, causado por um gradiente de concentrações originado pelo metabolismo da célula (nas espécies de Vibrio o motor é uma bomba de sódio). O motor transporta prótons através da membrana, sendo activado nesse processo e é capaz de operar a 6 000 a 17 000 rpm mas, com o filamento normalmente atinge apenas 200 a 1 000 rpm.

Nas bactérias, os componentes do flagelo podem organizar-se espontaneamente, uma vez que, tanto a estrutura basal como o filamento têm um centro oco, através do qual as proteínas do flagelo se movem para as suas respectivas posições. A estrutura basal tem muitas características em comum com certos tipos de poro secretor, que têm igualmente uma estrutura oca que se estende para fora da célula e pensa-se que o flagelo bacteriano pode ter sido o resultado da evolução destes poros.

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Os diferentes esquemas de organizações dos flagelos nas bactérias: A-Monótricas; B-Lofótricas; C-Anfítricas; D-Perítricas;

Diferentes espécies de bactérias têm diferentes números e organização dos flagelos:

  • As bactérias monótricas possuem um único flagelo;
  • As lofótricas têm múltiplos flagelos localizados num único ponto da superfície da célula e movem-se em sincronia para impelir a bactéria numa determinada direcção;
  • As anfítricas têm um flagelo em cada extremidade da célula, mas apenas um deles opera de cada vez, permitindo à bactéria mudar de direcção rapidamente, operando um flagelo e parando o outro;
  • As perítricas possuem flagelos em toda a superfície da célula.

As espiroquetas possuem ainda flagelos internos entre a membrana interna e a externa, que rodam causando um movimento em forma de parafuso.

O flagelo polar das bactérias monótricas roda geralmente no sentido inverso, empurrando a célula para uma direcção, ficando o flagelo para trás mas periodicamente o sentido da rotação é invertido, causando um "solavanco" que permite a reorientação da célula.

Flagelo arqueano

As arqueias são organismos procarióticos, tal como as bactérias, mas possuem diferenças fundamentais relativamente às bactérias. O sistema de locomoção das arqueias é uma dessas diferenças. As arquéias não possuem um flagelo bacteriano, mas antes possuem uma estrutura análoga (e não homóloga) que lhes permitem movimentar-se através de meio líquido. Devido à falta de homologia entre o flagelo bacteriano e o flagelo arqueano, em 2012 foi sugerido que o flagelo arqueano seja referido como "arcaelo" (ou, em inglês, archaellum).[17]

De modo semelhante ao flagelo, o arcaelo consiste num filamento helicoidal rígido que se localiza no exterior da célula e que se encontra ancorado à parede celular por um nanomotor. Este nanomotor é responsável pela construção do filamento e, posteriormente, pela sua rotação.[18] A rotação do filamento, à semelhança da hélice de um barco ou de um avião, propele as arqueias em meio líquido.[19]

Ao contrário do flagelo, em que a energia necessária para a rotação do filamento é derivada de um gradiente eletroquímico (geralmente H+ mas, em algumas espécies, Na+), no caso do arcaelo a energia é derivada da hidrólise de ATP.[20]

O modo de construção do filamento também parece ser diferente no caso do flagelo e do arcaelo. O filamento do flagelo é formado por unidades chamadas flagelinas. As flagelinas formam um tubo oco através do qual outras flagelinas viajam até à extremidade do filamento em construção. Estes novos monómeros de flagelina são adicionadas à extremidade do filamento, permitindo o seu crescimento. Estudos de biologia estrutural do filamento arqueano demonstraram que no caso do arcaelo o filamento não é oco, sugerindo que a adição de novos monómeros ocorre na base do filamento.[21][22][23] Para além do mais, os monómeros que forma o filamento do arcaelo (chamados de arcaelinas) são inicialmente sintetizados como uma pre-proteína. Estas pre-proteínas possuem um peptídeo sinal no amino-terminal que tem que ser removido por uma protease antes da adição dos monómeros ao filamento.[24] Este processo é semelhante ao que ocorre durante a síntese do pilus (encontrado tanto em bactérias como em arqueias), sugerindo uma história evolutiva comum entre estas duas estruturas celulares.

Flagelo eucariótico

As células eucarióticas possuem também estruturas responsáveis por movimento. De modo semelhante ao arcaelo, o flagelo eucariótico não é homólogo do flagelo bacteriano (nem do arcaelo). Os três domínios da vida aparentam ter desenvolvido independentemente sistemas de locomoção. Uma vez que as diferenças entre o flagelo bacteriano e o "flagelo" eucariótico são conhecidas há mais tempo do que as diferenças entre o flagelo e o arcaelo, o uso tradicionalmente mais aceite para a estrutura eucariótica é cílio, e não flagelo.

Referências

  1. Bardy SL, Ng SY, Jarrell KF (fevereiro de 2003). «Prokaryotic motility structures». Microbiology. 149 (Pt 2): 295–304. PMID 12624192. doi:10.1099/mic.0.25948-0
  2. Wang, Qingfeng; Suzuki, Asaka; Mariconda, Susana; Porwollik, Steffen; Harshey, Rasika M (2005). «Sensing wetness: A new role for the bacterial flagellum». The EMBO Journal. 24 (11): 2034–42. PMC 1142604Acessível livremente. PMID 15889148. doi:10.1038/sj.emboj.7600668
  3. Jarrell, K (editor) (2009). Pili and Flagella: Current Research and Future Trends. [S.l.]: Caister Academic Press. ISBN 978-1-904455-48-6
  4. Malo AF, Gomendio M, Garde J, Lang-Lenton B, Soler AJ, Roldan ER (junho de 2006). «Sperm design and sperm function». Biol. Lett. 2 (2): 246–9. PMC 1618917Acessível livremente. PMID 17148374. doi:10.1098/rsbl.2006.0449
  5. Lacy BE, Rosemore J (outubro de 2001). «Helicobacter pylori: ulcers and more: the beginning of an era» (abstract page). J. Nutr. 131 (10): 2789S–2793S. PMID 11584108
  6. Haimo LT, Rosenbaum JL (dezembro de 1981). «Cilia, flagella, and microtubules». J. Cell Biol. 91 (3 Pt 2): 125s–130s. PMC 2112827Acessível livremente. PMID 6459327. doi:10.1083/jcb.91.3.125s
  7. Silverman M, Simon M (1974). «Flagellar rotation and the mechanism of bacterial motility». Nature. 249 (452): 73–74. PMID 4598030. doi:10.1038/249073a0
  8. Meister GL, Berg HC (1987). «Rapid rotation of flagellar bundles in swimming bacteria». Nature. 325 (6105): 637–640. doi:10.1038/325637a0
  9. Berg HC, Anderson RA (1973). «Bacteria Swim by Rotating their Flagellar Filaments». Nature. 245 (5425): 380–382. PMID 4593496. doi:10.1038/245380a0
  10. Jahn TL, Bovee EC (1965). «Movement and Locomotion of Microorganisms». Annual Review of Microbiology. 19: 21–58. PMID 5318439. doi:10.1146/annurev.mi.19.100165.000321
  11. Harshey RM (2003). «Bacterial Motility on a Surface: Many Ways to a Common Goal». Annual Review of Microbiology. 57: 249–273. PMID 14527279. doi:10.1146/annurev.micro.57.030502.091014
  12. Ng SY, Chaban B, Jarrell KF (2006). «Archaeal flagella, bacterial flagella and type IV pili: a comparison of genes and posttranslational modifications». J. Mol. Microbiol. Biotechnol. 11 (3–5): 167–91. PMID 16983194. doi:10.1159/000094053
  13. Metlina AL (2004). «Bacterial and archaeal flagella as prokaryotic motility organelles». Biochemistry Mosc. 69 (11): 1203–12. PMID 15627373. doi:10.1007/s10541-005-0065-8
  14. Jarrell (2009). «Archaeal Flagella and Pili». Pili and Flagella: Current Research and Future Trends. [S.l.]: Caister Academic Press. ISBN 978-1-904455-48-6
  15. A Dictionary of Biology, 2004, accessed 2011-01-01.
  16. Jarrell, Ken F.; Albers, Sonja-Verena (julho de 2012). «The archaellum: an old motility structure with a new name». Trends in Microbiology. 20 (7): 307–312. ISSN 1878-4380. PMID 22613456. doi:10.1016/j.tim.2012.04.007
  17. Albers, Sonja-Verena; Jarrell, Ken F. (27 de janeiro de 2015). «The archaellum: how Archaea swim». Frontiers in Microbiology. 6. ISSN 1664-302X. PMC 4307647Acessível livremente. PMID 25699024. doi:10.3389/fmicb.2015.00023
  18. Shahapure, Rajesh; Driessen, Rosalie P. C.; Haurat, M. Florencia; Albers, Sonja-Verena; Dame, Remus Th (fevereiro de 2014). «The archaellum: a rotating type IV pilus». Molecular Microbiology. 91 (4): 716–723. ISSN 1365-2958. PMID 24330313. doi:10.1111/mmi.12486
  19. Streif, Stefan; Staudinger, Wilfried Franz; Marwan, Wolfgang; Oesterhelt, Dieter. «Flagellar Rotation in the Archaeon Halobacterium salinarum Depends on ATP». Journal of Molecular Biology (em inglês). 384 (1): 1–8. doi:10.1016/j.jmb.2008.08.057
  20. Poweleit, Nicole; Ge, Peng; Nguyen, Hong H.; Loo, Rachel R. Ogorzalek; Gunsalus, Robert P.; Zhou, Z. Hong (março de 2017). «CryoEM structure of the Methanospirillum hungatei archaellum reveals structural features distinct from the bacterial flagellum and type IV pili». Nature Microbiology (em inglês). 2 (3). ISSN 2058-5276. doi:10.1038/nmicrobiol.2016.222
  21. Jarrell, K. F.; Bayley, D. P.; Kostyukova, A. S. (setembro de 1996). «The archaeal flagellum: a unique motility structure». Journal of Bacteriology. 178 (17): 5057–5064. ISSN 0021-9193. PMID 8752319

Ligações externas

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