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órgão do poder judiciário com competência para julgar crimes dolosos, ou intencionais, contra a vida Da Wikipédia, a enciclopédia livre
No direito brasileiro, o Tribunal do Júri é um órgão do Poder Judiciário[1][2][3] responsável pelo julgamento de crimes dolosos contra a vida. O Tribunal do Júri é composto por um juiz de carreira ("juiz togado")[1] e vinte e cinco jurados, pessoas do povo escolhidas mediante sorteio,[1] dos quais sete compõe o chamado Conselho de Sentença, responsável pelo julgamento do acusado.[2] Ao Conselho de Sentença cabe a decisão sobre a autoria e materialidade do crime; ao juiz togado, a fixação da pena e a condução do julgamento.[1][3] Estabelece a Constituição Federal (CF) que as decisões do Tribunal do Júri são soberanas e sigilosas. A soberania das decisões significa que o veredito do Conselho de Sentença não pode ser revisto pelo Poder Judiciário. Já o sigilo implica em decisões realizadas sob o sistema da íntima convicção, dispensando a fundamentação por parte dos jurados.[4]
A Constituição brasileira não apresenta uma lista de "crimes dolosos contra a vida", de modo que a competência do Tribunal do Júri é construída por doutrina e jurisprudência. O entendimento amplamente majoritário aponta que o crimes de homicídio, induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, infanticídio e aborto são de competência do Tribunal do Júri, desde que presente o dolo do agente, já que se configuram em crimes contra a vida. Tipos penais que não atentem contra a vida da vítima, mas que acabem resultando em morte - como o latrocínio ou a lesão corporal seguida do resultado morte - não são considerados como "crimes contra a vida", e, portanto, não são de competência do Tribunal do Júri.[5] Ao Tribunal do Júri também compete as infrações penais conexas aos crimes dolosos contra a vida.[6]
O Tribunal do Júri é figura polêmica no direito brasileiro.[7][8] O julgamento de um acusado por um corpo de jurados - pessoas, em regra, desprovidas de conhecimentos técnico-jurídicos - é objeto de crítica constante.[9][10][11] A inexistência de um dever de motivação das decisões também é criticada.[12] Não obstante as vozes contrárias, a Constituição Federal de 1988 situa o órgão dentro dos direitos e garantias fundamentais, de modo que o Tribunal do Júri não pode ser suprimido, por ser considerado cláusula pétrea.[3]
"É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;"— Constituição Federal de 1988, artigo 5º, inciso XXXVIII.
O Tribunal do Júri é o único órgão jurisdicional que se encontra inserido no artigo 5º da Constituição Federal, que trata dos direitos e garantias fundamentais.[8] Os demais órgãos do Poder Judiciário estão inseridos em capítulo próprio ("Do Poder Judiciário", Capítulo III), entre os artigos 92 a 126.[4] Segundo a doutrina, essa posição topográfica do Tribunal do Júri na Constituição foi a forma de o constituinte instituir o órgão como "uma garantia de defesa do cidadão contra as arbitrariedades dos representantes do poder, ao permitir a ele ser julgado por seus pares", nas palavras de Renato Brasileiro. O Tribunal do Júri, portanto, exerce uma função democrática, ao permitir a participação popular dentro do Poder Judiciário.[7][12][13]
Por estar inserido no artigo 5º da Constituição Federal, o Tribunal do Júri é considerado uma cláusula pétrea da Carta brasileira.[3] Isso significa que são vedadas emendas à Constituição tendentes à abolir o órgão. Em outras palavras, não é órgão que possa ser removido do ordenamento brasileiro, salvo com a promulgação de nova Constituição Federal.[14] Por outro lado, as competências do Tribunal do Júri podem ser ampliadas para abarcar outros crimes que não apenas os dolosos contra a vida, seja mediante emenda constitucional, seja mediante simples lei ordinária.[15]
A Constituição Federal diferencia a "ampla defesa", que é assegurada a todos os acusados (art. 5º, LV), da "plenitude de defesa", assegurada aqueles submetidos ao Tribunal do Júri. Não há consenso sobre o conteúdo da "plenitude de defesa", mas a maioria dos autores entende que essa implica em um exercício de defesa em um grau ainda maior do que a ampla defesa. Esse grau maior reside no fato de que a plenitude de defesa permite a utilização de argumentos não jurídicos, admitindo-se razões de ordem social, moral, religiosa, etc.[16] Em outras palavras, dispensa-se a obrigatoriedade de uma defesa técnica, pautada unicamente em fundamentos legais.[4] Essa dispensa justifica-se pelo fato dos jurados serem, em regra, leigos em Direito, de modo que se permite a defesa com base em fatos não jurídicos.[17] Renato Lima ainda aponta como aspecto da plenitude de defesa a possibilidade de o acusado também apresentar sua defesa pessoal (autodefesa), defesa essa que deverá ser incluída pelo juiz quando da quesitação aos jurados, sob pena de nulidade do processo.[18] Há decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), contudo, se manifestando pela necessidade de quesitação apenas da defesa técnica, dispensando o questionamento acerca da autodefesa.[19]
A decisão dos jurados deve ser sigilosa. Para assegurar esse sigilo, o Código de Processo Penal (CPP) determina que a votação ocorra em uma sala especial; na falta de uma, o juiz deve determinar a saída do público do recinto de julgamento. Devem estar presentes na sala especial, quando dos votos dos jurados, o representante do Ministério Público (MP) e o advogado do acusado, além do juiz e os auxiliares da justiça. Ao acusado não é permitido assistir a votação, evitando assim que os jurados se sintam constrangidos pela sua presença. Caso o acusado atue como seu próprio advogado, deve ser nomeado defensor exclusivamente para acompanhar a quesitação.[18]
O sigilo das votações impõe o dever de silêncio entre os jurados,[20] significando que esses não poderão comunicar-se entre si e com outrem.[21] A regra de incomunicabilidade impede que um dos jurados possa influir no ânimo e no espírito dos demais, influenciando sua decisão.[22] O sistema brasileiro, nesse aspecto, é completamente diferente do sistema americano, no qual é permitido que os jurados se manifestem livremente.[20] Os jurados que desrespeitem a regra da incomunicabilidade serão excluídos do julgamento e multados em 1 a 10 salários mínimos, a critério do juiz, de acordo com sua condição econômica.
Os jurados devem se manter incomunicáveis durante todo o julgamento. Caso o julgamento demore horas, ou até mesmo mais de um dia, os jurados deverão fazer suas refeições no próprio prédio do Fórum, e ali dormir, se for o caso, para evitar o contato com o mundo exterior.[21] Segundo o STF, não configura quebra da regra da incomunicabilidade a comunicação pelo jurado a terceiros, mediante uso de telefone celular, de que fora selecionado para participar do júri, sem a divulgação de dados do processo.[23] Também não há quebra da incomunicabilidade se o jurado, após o julgamento, revela seu voto; a regra vige apenas enquanto durar a audiência.[21]
Para proteger o sigilo dos votos, o Código de Processo Penal prevê que a resposta negativa de mais de 3 jurados aos quesitos atinentes à materialidade do fato e autoria ou participação encerra a votação e implica a absolvição do acusado, sem que seja necessário se proceder à colheita dos demais votos.[24] Com isso, se evita a identificação dos votos no caso de decisão unânime dos jurados.[25] Apesar de a lei prever esse procedimento apenas para certos quesitos, a doutrina e a jurisprudência entendem que a regra deve ser aplicada em toda quesitação, de modo a interromper a votação sempre que existirem 4 votos num mesmo sentido.[24]
A decisão dos jurados ("veredito"), por representar a vontade popular, é soberana e não pode ser modificada pelos juízes.[26] Como qualquer decisão proferida pelo Poder Judiciário, o veredito dos jurados pode ser impugnado, por meio do recurso cabível; o que é vedado é que o Tribunal, analisando esse recurso, profira decisão que adentre o mérito do que fora decidido pelos jurados.[27] Nesse sentido, o Código de Processo Penal prevê que se a decisão do Conselho de Sentença for "manifestamente contrária à prova dos autos", o Tribunal competente poderá cassar essa decisão, e determinar que novo Tribunal do Júri seja realizado. Dessa forma, o Tribunal reconhece o equívoco na apreciação probatória, sem, contudo, desrespeitar a soberania dos jurados, eis que não proferirá, ele próprio, nova decisão, determinando apenas outro julgamento pelo júri.[28] É possível ainda a revisão criminal contra a decisão do Tribunal do Júri,[29] caso a sentença condenatória tenha se baseado em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos.[26]
Por outro lado, as decisões do juiz togado poderão ser substituídas, caso delas se recorra, já que o juiz do Tribunal do Júri decide apenas questões formais, relativas ao procedimento e a aplicação da pena.
O Tribunal de Júri tem competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, segundo a Constituição Federal. Essa competência é dita mínima, pois não pode ser reduzida, nem por emenda constitucional, mas pode ser ampliada, por meio de lei ordinária.[3][28] Essa ampliação da competência do Júri por meio de lei já ocorre de fato, já que o Código de Processo Civil (CPC) determina que o Tribunal do Júri julgue também os crimes conexos ao crime dolosos contra a vida, salvo em se tratando de crimes militares ou eleitorais, hipótese em que deverá se dar a obrigatória separação dos processos.[3][28]
A Constituição Federal não uma lista de "crimes dolosos contra a vida", de modo que a competência do Tribunal do Júri é construída por doutrina e jurisprudência. O entendimento amplamente majoritário aponta como crimes contra a vida:
Para que tais crimes sejam julgados pelo Tribunal do Júri, é necessário a presença do elemento subjetivo dolo por parte do agente.
"A competência para o processo e julgamento de latrocínio é do juiz singular e não do Tribunal do Júri."— Supremo Tribunal Federal, enunciado de súmula nº 603.[30]
O Código Penal (CP) não prevê uma infração penal autônoma denominada "latrocínio"; a figura, em verdade, é constituída pelo crime de roubo qualificado pelo resultado morte.[28] Dessa forma, em se tratando de roubo, considera-se uma infração contra o patrimônio, e não contra a vida, uma vez que o roubo se encontra inserido no capítulo "dos crimes contra o patrimônio".[3] Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, consagrado em seu enunciado de súmula nº 603.
Nos termos da Constituição Federal, os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos à legislação especial, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8 069/1990), comumente chamado de "ECA". Segundo o ECA, "considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal"; dessa forma, menores de 18 e maiores de 12 anos não cometem crimes, mas atos infracionais, que são de competência do Juizado da Infância e da Juventude.
O crime de genocídio, no Brasil, é constituído por variadas condutas elencadas pela Lei nº 2 889/1956, dentre as quais incluem-se atos que não implicam na morte de integrantes de grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tais como "causar lesão grave", "adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo" e "efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo". Dessa forma, o genocídio, em abstrato, não é de competência do Tribunal do Júri; todavia, se praticado mediante morte de membros do grupo, deverá o agente responder pelos crimes de homicídio em concurso com o delito de genocídio, sendo então julgado pelo Júri.[28]
"A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual."— Supremo Tribunal Federal, enunciado de súmula vinculante nº 45.[31]
Segundo o Supremo Tribunal Federal, o crime doloso cometido por agente público que disponha de foro por prerrogativa de função será de competência do respectivo Tribunal, e não do Júri, desde que esse foro esteja previsto diretamente na Constituição Federal. Segundo o entendimento mais recente da Corte sobre a prerrogativa de função, é necessário também que o crime tenha sido cometido durante o exercício do cargo e relacionado às funções deste.[32] Assim, a título de exemplo, se um Promotor de Justiça for denunciado por homicídio doloso, será julgado pelo Tribunal de Justiça de seu respectivo estado, e não pelo Júri,[3] desde que demonstrado que o homicídio seu deu durante o exercício do cargo público e esteve relacionado com as funções de Promotor.
Caso a prerrogativa de foro esteja prevista exclusivamente em Constituição Estadual, o agente público será julgado pelo Tribunal do Júri, nos termos do enunciado de súmula vinculante nº 45 do Supremo Tribunal Federal.
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