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A sublimação, na psicanálise, é um tipo de mecanismo de defesa maduro[1][2][3], no qual impulsos ou idealizações socialmente inaceitáveis são transformados em ações ou comportamentos socialmente aceitáveis, possivelmente resultando em uma conversão a longo prazo da pulsão inicial.[4]
Sigmund Freud acreditava que a sublimação era um sinal de maturidade e civilização, permitindo que as pessoas funcionassem normalmente de maneiras culturalmente aceitáveis. Ele definiu a sublimação como o processo de desviar os instintos sexuais em atos de maior valor social, sendo "uma característica especialmente notável do desenvolvimento cultural; é o que possibilita que atividades psíquicas superiores, científicas, artísticas ou ideológicas, desempenhem um papel tão importante".[5] Wade e Travis apresentam uma visão semelhante, afirmando que a sublimação ocorre quando o deslocamento "serve a um propósito cultural ou socialmente mais alto, como na criação de arte ou invenções".[6]
Para Freud[7], a religião promove a renúncia completa do prazer nesta vida e uma recompensa no além. Quanto à ciência, seria, para Freud, a única que supera o princípio de prazer e, mesmo assim, ainda oferece algum prazer direto – o prazer intelectual da pesquisa – e indireto, através de uma promessa – de melhorar as nossas condições de vida. Já a educação manifesta, em essência, um incentivo ao controle do princípio de prazer pelo princípio de realidade, auxiliando o processo de desenvolvimento. A recompensa para a criança pela renúncia ao pulsional está no ganho do amor dos educadores. Vê-se que há algo na educação conforme ao que se passa na religião, na qual o amor do pai todo-poderoso é igualmente o que é visado pela grande renúncia que a religião pede. Quanto à arte, Freud vê o artista como aquele que consegue conciliar os dois princípios de modo peculiar. Com seu talento, o artista promove um retorno da vida de fantasia para a realidade, pois se por um lado a arte serve fundamentalmente ao princípio de prazer, por outro ela encontra o caminho que retorna à realidade. A arte não superou igualmente o princípio de prazer, mas o fez conciliar-se com o princípio de realidade.[7]
Freud introduz a estrutura das vicissitudes da pulsão apenas em 1915, no primeiro de seus artigos metapsicológicos intitulado “Pulsões e suas vicissitudes”[8], no qual postula que, além do uso direto, sexualizado, há quatro outros destinos possíveis da pulsão, são eles:[7]
A reversão no oposto e o retorno ao próprio eu operam essencialmente no período pré-recalque. As duas vicissitudes mais importantes da pulsão são o recalque e a sublimação, que constituem dois polos extremos de possibilidades de transformação para o processo pulsional: quando há recalque não há sublimação, quando há sublimação não há recalque.[7]
O objeto adquire toda a importância na concepção de Lacan da sublimação, em oposição à formulação freudiana, que sempre privilegiou a pulsão, e, mais precisamente, o desvio quanto ao alvo da pulsão. Em Freud, a sublimação é, inúmeras vezes, definida como o desvio da pulsão para alvos não sexuais, valorizados pela cultura. Ao modificar o alvo da pulsão, Lacan faz dessa definição da sublimação a natureza própria da pulsão.[1]
A exposição da sublimação para Jacques Lacan é considerada em uma discussão sobre a relação da psicanálise e da ética no sétimo livro de seus seminários.[11] A sublimação lacaniana é definida com referência ao conceito Das Ding (mais tarde em sua carreira, Lacan denominou esse objeto de petit a. Das Ding é o termo em alemão para "A Coisa", embora Lacan a conceba como uma noção abstrata e uma das características definidoras da condição humana. Em termos gerais, é o vácuo que se experimenta como ser humano, que se esforça para preenchê-lo com diferentes relações, objetos e experiências, os quais servem para preencher essa lacuna nas necessidades psíquicas.
Lacan considera Das Ding um objeto perdido em processo de recuperação pelo homem. Temporariamente, o indivíduo será enganado por sua própria psique a acreditar que esse objeto, essa pessoa ou essa circunstância pode ser usada para satisfazer suas necessidades de maneira estável e duradoura, quando na verdade é de sua natureza que o objeto como tal está perdido. Nunca será encontrado novamente; não se encontra, embora suas associações sejam agradáveis. A vida humana se desenrola como uma série de desvios na busca pelo objeto perdido ou pelo Outro absoluto do indivíduo: "o princípio do prazer governa a busca pelo objeto e impõe desvios que mantêm a distância de Das Ding em relação a seu objeto fim." [11]
A sublimação lacaniana centra-se em grande parte na noção de Das Ding. Sua fórmula geral para sublimação é que "ela eleva um objeto à dignidade de "A Coisa". Lacan considera que esses objetos (humanos, estéticos, filosóficos ou relativos a alguma crença) são significantes representativos de Das Ding e que "a função do princípio do prazer é, de fato, levar o sujeito de significante a significante, gerando tantos significantes necessários para manter no mais baixo nível possível a tensão que regula todo o funcionamento do aparelho psíquico." Além disso, o homem é o "artesão de seu sistema de apoio", em outras palavras, ele cria ou encontra os significantes que o iludem a acreditar que ele superou o vazio de Das Ding.[11]
Na seção de abertura de Humano, demasiado humano, intitulada “Das primeiras e das últimas coisas”, Nietzsche escreveu:[12]
Não existe, estritamente falando, nem conduta altruísta, nem ponto de vista totalmente desinteressado. Ambos são simplesmente sublimações em que o elemento básico parece quase evaporado e trai a sua presença apenas à observação mais aguçada. Tudo o que necessitamos e que poderia nos ser dado no atual estado de desenvolvimento das ciências, é uma química das concepções e sentimentos morais, religiosos e estéticos, bem como das emoções que experimentamos nos assuntos, grandes e pequenos, da sociedade e da civilização, e da qual temos consciência mesmo na solidão. Mas e se esta química estabelecesse o fato de que, mesmo no seu domínio, os resultados mais magníficos foram alcançados com os ingredientes mais básicos e mais desprezados? Muitos se sentiriam dispostos a continuar tais investigações? A humanidade adora colocar questões sobre sua origem e início: não é preciso ser quase desumano para seguir o caminho oposto?[13]
C. G. Jung argumentou que a opinião de Freud:
...só pode basear-se na suposição totalmente errônea de que o inconsciente é um monstro. É uma visão que surge do medo da natureza e das realidades da vida. Freud inventou a ideia da sublimação para nos salvar das garras imaginárias do inconsciente. Mas o que é real, o que realmente existe, não pode ser sublimado alquimicamente, e se alguma coisa é aparentemente sublimada, nunca foi o que uma falsa interpretação considerava que fosse.[14]
No mesmo artigo, Jung prosseguiu sugerindo que os processos inconscientes só se tornavam perigosos na medida em que as pessoas os reprimiam. Quanto mais as pessoas assimilam e reconhecem o inconsciente, menos perigoso ele se torna. Nesta visão, a sublimação não requer a repressão dos impulsos através da vontade, mas o reconhecimento da criatividade dos processos inconscientes e a aprendizagem de como trabalhar com eles. Isso difere fundamentalmente da visão de Freud sobre o conceito. Para Freud, a sublimação ajudou a explicar a plasticidade dos instintos sexuais (e a sua convertibilidade para fins não sexuais) - ver libido. O conceito também sustentou as teorias psicanalíticas de Freud, que mostravam a psique humana à mercê de impulsos conflitantes (como o superego e o id). Nas suas cartas privadas, Jung criticou Freud por obscurecer as origens alquímicas da sublimação e por tentar, em vez disso, fazer com que o conceito parecesse cientificamente credível:
A sublimação faz parte da arte real onde é feito o verdadeiro ouro. Disto Freud nada sabe; pior ainda, ele fecha todos os caminhos que poderiam levar à verdadeira sublimação. Isto é exatamente o oposto do que Freud entende por sublimação. Não se trata de uma canalização voluntária e forçada do instinto para um campo de aplicação espúrio, mas de uma transformação alquímica para a qual são necessários fogo e materia prima. A sublimação é um grande mistério. Freud se apropriou desse conceito e o usurpou para a esfera da vontade e do ethos burguês e racionalista.[14]
Em alguns contextos religiosos, a sublimação é considerada como a transferência da energia sexual, ou libido, para um ato físico ou uma emoção diferente, a fim de evitar o confronto com o desejo sexual, que poderia ser contrário à crença religiosa do indivíduo. O exemplo clássico nas religiões ocidentais é o celibato.[15][16]
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