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A Revolta Ibérica de 197-195 a.C. foi uma rebelião dos povos celtiberos nas novas províncias da Hispânia criadas pelos romanos para regularizar o governo da região contra a dominação romana no começo do século II a.C.[13]
Revolta Ibérica de 197-195 a.C. | |||
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Cavaleiro ibérico. Obra ibérica parte das "Esculturas de Osuna". século III - I a.C. M.A.N., em Madrid | |||
Data | 197 a.C. – 195 a.C. | ||
Local | Hispânia | ||
Desfecho | Vitória romana | ||
Mudanças territoriais | Roma re-estabelece seu controle sobre a Hispânia[1] | ||
Beligerantes | |||
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Comandantes | |||
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Forças | |||
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A partir de 197 a.C., a República Romana dividiu suas conquistas no sul e leste da Península Ibérica em duas províncias, a Hispânia Citerior e a Hispânia Ulterior[14], cada uma delas governada por um pretor. Apesar de várias causas terem sido propostas para o conflito, a mais aceita é que as mudanças administrativas e fiscais produzidas pela mudança teriam provocado a insatisfação das populações locais[15].
Depois do início da revolta na Hispânia Ulterior, Roma enviou os pretores Caio Semprônio Tuditano[16][17] para a província Citerior e Marco Hélvio Blasião[6] para a Ulterior. Pouco antes da revolta se propagar para sua nova província, Tuditano foi morto em combate. Blasião, por outro lado, conseguiu uma importante vitória na Batalha de Iliturgi[11]. Com a situação se deteriorando, Roma enviou os pretores Quinto Minúcio Termo e Quinto Fábio Buteão com a missão de solucionarem o conflito. Apesar disto e a despeito de algumas vitórias, como na Batalha de Turda[11], na qual Quinto Minúcio capturou o general celtibero Besadino[12], os dois também não conseguiram resolver completamente a situação.
Foi então que roma decidiu enviar, em 195 a.C., o cônsul Marco Pórcio Catão à frente de um exército consular para sufocar definitivamente a revolta[18]. Quando Catão chegou à Hispânia, encontrou a província Citerior em revolta, com as forças romanas controlando apenas umas poucas cidades fortificadas. Catão rapidamente estabeleceu uma aliança com Bilistages[19], o rei dos ilergetas, e teve o apoio de Públio Mânlio, o recém-nomeado pretor da Hispânia Citerior que chegou com a missão de ajudar o cônsul[20]. Catão marchou pela Península Ibérica, desembarcou em Rode e sufocou a revolta da população que ocupava o local. Em seguida, o exército marchou para Empório, onde ocorreu a maior batalha da guerra, contra um exército local numericamente muito superior[21]. Depois de uma longa e difícil batalha, Catão finalmente conseguiu uma vitória total[22], provocando mais de 40 000 baixas nas fileiras inimigas[10]. Depois desta grande vitória, a Hispânia Citerior caiu novamente sob o controle de Roma[23].
A Hispânia Ulterior, por outro lado, seguia em revolta e o cônsul teve que marchar até a Turdetânia para ajudar os pretores Públio Mânlio e Ápio Cláudio Nero[24]. Catão tentou estabelecer uma aliança com os celtiberos, que estavam atuando como mercenários dos turdetanos e de cujo serviço necessitava, mas não conseguiu convencê-los a mudar de lado[25]. Depois de uma demonstração de força — Catão marchou suas legiões através do território dos celtiberos[26] —, finalmente Catão conseguiu que os celtiberos voltassem para suas terras. Porém, a submissão das tribos locais era apenas aparente e quando correu a notícia de que Catão havia voltado para Roma, a revolta reiniciou. O próprio cônsul tratou de sufocar a nova revolta, atuando com decisão e efetivamente, vencendo os revoltosos definitivamente na Batalha de Bérgio[27]. Ao final, Catão vendeu os prisioneiros capturados como escravos e toda a população da província foi desarmada[28][29].
No final do século III a.C., a Segunda Guerra Púnica já estava na reta final. Os generais cartagineses Magão Barca e Asdrúbal Giscão haviam se retirado para Gades, o que permitiu que Públio Cornélio Cipião (futuro "Africano") consolidasse sua posição no sul da Península Ibérica e cruzasse para a África para se encontrar com o rei númida Sífax[30], com quem ele já havia se encontrado antes, para forjar uma aliança contra Cartago.
Pouco tempo depois, Cipião ficou gravemente doente e, aproveitando a oportunidade, 8 000 legionários descontentes se amotinaram em Sucro. Este motim foi aproveitado pelos ilergetas e outros povos iberos para se revoltarem, incitados pelos líderes Indíbil, dos ilergetas, e Mandônio, dos ausetanos, contra os procônsules Lúcio Cornélio Lêntulo[31] e Lúcio Mânlio Acidino. Depois de sufocar a revolta, Acidino retornou a Roma em 199 a.C., mas não recebeu a ovação que lhe foi concedida pelo Senado por oposição do tribuno da plebe Públio Pórcio Leca[32]. Cipião se recuperou de sua enfermidade, acabou com o motim das tropas romanas e sufocou a revolta dos iberos. Indíbil foi morto em combate e Mandônio foi preso e executado.
Magão Barca[33] e Asdrúbal Giscão deixaram Gades com seus barcos e tropas com destino península Itálica para ajudar Aníbal (veja raide no vale do Pó), o que significou a retirada completa das forças cartaginesas da região. Roma passou então a dominar toda a faixa de terra ao sul e sudeste da Península, que ia dos Pirenéus até ao Algarve pela costa mediterrânea. A vitória final dos romanos na Batalha de Zama (202 a.C.) marcou a conquista definitiva da Hispânia pelos romanos[34].
Durante as campanhas de Cipião na Hispânia, os chefes ibéricos que o haviam apoiado — e que desfrutavam de alguma estrutura política e certo poderio militar[35] — consideravam que apenas uma relação pessoal com o "rex" Cipião os unia, sem nenhum dever adicional para com a República Romana. A reorganização da região nas duas novas províncias os levou às armas para defenderem sua autonomia. Outras causas já foram propostas para a revolta, como a morte de Indíbil e Mandônio[36] ou, a mais aceita, os altos tributos cobrados das populações locais[15].
Em 197 a.C., a República Romana dividiu suas novas terras no sul e leste da Península Ibérica em duas províncias[37], a Hispânia Citerior (costa leste, dos Pirenéus até Nova Cartago), posteriormente chamada de Tarraconense por causa de sua capital, Tarraco, e a Hispânia Ulterior (corresponde aproximadamente à moderna Andaluzia), com capital em Córduba, cada uma delas governada por um pretor. A transformação dos territórios em províncias provocou importantes mudanças na estrutura administrativa e tributária[15] e a imposição do stipendium não foi aceita pelas tribos locais. O resultado foi que, mal havia acabado a Segunda Guerra Macedônica, irrompeu na região uma grande revolta[13].
As novas províncias precisavam de seus governadores e Roma rapidamente enviou Caio Semprônio Tuditano para a Hispânia Citerior[16][17] e Marco Hélvio Blasião para a Hispânia Ulterior[38] comandando um total de 8 000 soldados e 800 cavaleiros com ordens de renderem os veteranos e delimitarem as fronteiras provinciais[39]. Quando Marco Hélvio chegou à sua nova província, deparou-se com uma grande revolta e imediatamente informou o Senado[40]. Vários chefes locais haviam se revoltado, entre eles o rei Culcas, que comandava as forças de dezessete cidades, e o rei Luxínio, à frente das forças das cidades de Carmo e Bardo. Também haviam se unido à revolta as cidades de Malaca, Sexi e toda a Betúria[41].
Pouco tempo depois, a revolta se propagou para a Hispânia Citerior, onde Tuditano e muitos de seus soldados acabaram mortos em combate[42] no final do ano de 197 a.C., deixando a província sem pretor no ano seguinte. É provável que o próprio Marco Hélvio tenha assumido também o controle na região até a chegada do novo pretor[43].
Quinto Minúcio Termo e Quinto Fábio Buteão foram os pretores eleitos para o ano de 196 a.C. para a Hispânia Citerior e Ulterior respetivamente. Eles receberam reforços na forma de duas legiões — 4 000 soldados e 300 cavaleiros cada[44] — e tinham ordens de seguir rapidamente para as províncias para continuarem a guerra[44]. Quinto Minúcio derrotou os revoltosos Budar e Besadino em um lugar desconhecido conhecido apenas como "Turda"[11], infligindo 12 000 baixas entre as forças hispânicas e capturando Besadino[12]. Esta vitória lhe valeu um triunfo em sua volta a Roma em 195 a.C.[45][17].
Por conta do relativo fracasso do pretor de 196 a.C. na Hispânia Citerior, o Senado declarou a região como uma "província consular"[11], uma vez que seria necessária a intervenção de um exército consular para controlar a situação[46]. Eleito cônsul em 195 a.C. juntamente com seu amigo Lúcio Valério Flaco[47], Marco Pórcio Catão recebeu, por sorteio a Hispânia Citerior[18]. Além disto, foram eleitos os dois pretores das províncias Citerior e Ulterior, Ápio Cláudio Nero e Públio Mânlio respectivamente[48], cada um no comando das forças provinciais acrescidas, dada a gravidade da situação, de 2 000 soldados e 200 cavaleiros a mais[49]. O cônsul, que não havia conseguido evitar a anulação da Lex Oppia[14], embarcou com suas tropas para a Hispânia Citerior com Públio Mânlio enquanto Ápio Cláudio seguiu para a Ulterior.
Marco Hélvio Blasião, apesar de já haver entregue o governo da província a seu sucessor, teve que permanecer na Hispânia devido a uma grave enfermidade[6]. Já recuperado, com uma guarda de 6 000 soldados cedida pelo pretor Ápio Cláudio, foi atacado por 20 000 celtiberos perto de Iliturgi[7]. Marco Hélvio conseguiu repelir os atacantes e os derrotou, infligindo cerca de 12 000 baixas ao inimigo[11]. Iliturgi foi ocupada pelos romanos e a vitória valeu uma ovação a Marco Hélvio, concedida pelo Senado em 195 a.C. (ele não pôde celebrar um triunfo por ter lutado em uma província que correspondia a outro pretor[7]). Ao chegar em Roma, dois anos depois do previsto, Marco Hélvio entregou ao Erário 14 732 libras de prata sem cunhagem, 17 023 de prata cunhada e 119 439 de prata da cidade de Osca[7]. Tais quantidades de riquezas retiradas da Hispânia dão uma ideia do mal-estar provocado aos povos locais por conta das novas tributações[50].
Marco Pórcio Catão (conhecido como "Catão, o Velho") recebeu do Senado Romano um exército consular, composto por duas legiões, cerca de 8 000 soldados, 15 000 auxiliares e 800 cavaleiros, além de 20 quinquerremes[46] para o transporte das tropas. A estas forças se somavam ainda, como reforços, os 2 000 soldados e 200 cavaleiros de cada um dos pretores, perfazendo um total de 50 000 homens[lower-alpha 2] nos três exércitos[2][52].[3] Catão embarcou seu exército nos 25 navios (5 deles com tropas auxiliares) a partir de Porto Lunas (em latim: Portus Lunae), na Ligúria[53], e seguiu por mar pelo golfo de Leão até chegar à Hispânia, no norte da província Citerior. O exército romano desembarcou em Rode (em latim: Rhode)[6], no golfo de Rosas, em junho de 195 a.C.[54], derrotando no desembarque o exército nativo. Desde a chegada, Catão já encontrou uma situação bastante complicada[55], uma vez que só levava consigo cerca de 20 000 homens — o restante estava dividido entre os pretores.
Os povoados ibéricos costumavam ser construídos no alto de morros (em castelhano: "cerros") estratégicos a partir dos quais controlavam as rotas e estradas da região, o que lhes conferia uma grande vantagem contra seus inimigos; eram também circundados por muralhas[56], nas quais geralmente haviam torres e estava a porta da cidade.
“ | A maioria [...] não foi concebida para rechaçar cercos formais, que nunca viriam, não apenas por que as fortificações exerciam um efetivo papel militar dissuasório mas também por que o atacante não teria nenhum interesse em cercar a cidade. Um assalto rápido ou de surpresa a uma fazenda, certo; uma entrada a tropel por uma porta aberta quando se perseguia um inimigo em fuga, de acordo [...], mas um cerco prolongado careceria de sentido na forma ibérica de entender a guerra [...] [para os ibéricos] mas valeria a pena voltar a saquear os campos e buscar a surpresa na primavera seguinte. | ” |
— Fernando Quesada Sanz[57]. |
A cidade caiu definitivamente em julho de 195 a.C.. Catão saqueou a cidade e deu combate aos locais, sufocando a resistência da guarnição ibérica situada em Puig Rom[58] — a "acrópole de Rode"[59], identificada como sendo a cidadela de Rosas.
O exército romano desembarcou em seguida em Empório e Catão mandou de volta os navios a Massília com todos os suprimentos para forçar o seu exército a lutar[60][61]:
“ | Bellum se ipsum alet | ” |
Em português, "A guerra se alimenta a si mesma", frase pronunciada por Catão durante a guerra quando se negou a comprar suprimentos adicionais para seu exército[63]. Lívio descreveu o que encontrou o exército romano ao chegar:
“ | Empório era formada por duas cidades separadas por uma muralha. Uma habitada por gregos de Foceia, como os massílios, e outra por hispânicos. A cidade grega, próxima do mar, era rodeada por uma muralha de menos de 400 passos. A cidade hispânica, mais distante da costa, tinha uma muralha de 3 000 passos de perímetro [...] A parte da muralha de frente para o interior, bem fortificada, tinha apenas uma porta vigiada por um magistrado por turno. À noite, guardavam as muralhas um terço dos cidadãos [...] | ” |
Catão iniciaria ali a difícil guerra contra um enorme exército hispânico. Ao chegar perto da cidade, os romanos receberam uma calorosa recepção por parte dos gregos[65].[3]
Neste ponto, chegaram ao acampamento romano três legados dos ilergetas, um dos quais era o próprio filho do rei Bilistages[19][66]. Eles contaram ao cônsul que as cidades ilergetas estavam sendo atacadas[67] e que, se não recebessem ajuda imediata, não aguentariam o cerco de suas principais fortalezas. Pediram pelo menos 3 000 soldados[68][69]. Catão respondeu que entendia o perigo e a preocupação dos ilergetas, mas que ele próprio tinha que enfrentar uma batalha contra um grande exército e não poderia prescindir de nenhum soldado. Os ilergetas implorara por ajuda, uma vez que não tinham outro aliado, afirmando terem sido os únicos a terem permanecido leais à República, motivo pelo qual eram, naquele momento, inimigos de todas as tribos locais[70]. Os legados deixaram o acampamento romano decepcionado com a resposta de Catão. O cônsul não queria desprezar seus aliados, mas também não tinha soldados para a missão, o que fez com que ele planejasse uma forma de dar esperanças aos ilergetas para que lutassem com o moral elevado[71]. Na manhã seguinte, Catão chamou os legados e lhes disse que os ajudaria; mandou um terço de seus soldados se prepararem para partir em dois dias e deu a mesma ordem aos navios. Os legados partiram logo depois de verem os soldados embarcando[70]. Passado algum tempo, Catão mandou que todos desembarcassem[72].
Catão permaneceu alguns dias reconhecendo os arredores da cidade, analisando as tropas inimigas e treinando seus soldados[73]. Neste período, visitou o acampamento de Marco Hélvio Blasião[lower-alpha 3], que fazia uma parada em sua viagem de volta a Roma protegido por 6 000 soldados emprestados pelo pretor Ápio Cláudio Nero depois da vitória na Batalha de Iliturgi[7]. Como a região a partir dali era segura, Hélvio devolveu os homens a Ápio Cláudio e embarcou para Roma[7].
Quando Catão considerou que seus soldados estavam preparados para enfrentar as tropas locais em uma batalha campal, ordenou uma marcha para a castra hiberna, um segundo acampamento situado a 3 000 passos da cidade para o interior[72], território inimigo[74], a partir de onde passou a fustigar o inimigo todas as noites, queimando seus campos, saqueando suas colheitas e seu gado[74]. Desta forma, Catão treinava seus soldados e aterrorizava os hispânicos, a ponto de estes se atreverem cada vez menos a sair da cidade[75]. Além disto, Catão ordenou que 300 soldados raptassem um dos sentinelas para que pudessem interrogá-lo[76].
O exército de Catão, com cerca de 20 000 homens inicialmente[2] (sem contar as baixas na Batalha de Rode), estava em grande desvantagem numérica em relação ao exército hispânico[21]. O exército rebelde que cercava Empório tinha cerca de 40 000[77][78] guerreiros, se desfez parcialmente durante a época da colheita[79], uma oportunidade que Catão aproveitou para atacar o acampamento hispânico. Assim se dirigiu ele a seus homens:
“ | É chegada a hora que tanto desejaram na qual se apresenta a oportunidade de demonstrarem seu valor. Até este momento, vocês lutaram mais como ladrões do que como guerreiros; agora, em um combate regular, vocês chegarão às mãos do inimigo como inimigos; daqui pra frente não saquearão campos, limparão as cidades de suas riquezas. Nossos antepassados, estando na Hispânia os generais e os exércitos dos cartagineses e não tendo eles próprios nela nenhum soldado, quiseram, ainda assim, que no tratado se acrescentasse essa cláusula: que o rio Ebro seria o limite de seu império. Agora, quando, pelo destino, a Hispânia dispõe de dois pretores, um cônsul e três exércitos romanos, quando há quase dez anos não se vê nenhum cartaginês nestas províncias, perdemos nosso império aquém do Ebro. É necessário recuperá-lo com suas armas e seu valor e obrigar este povo, que é mais corajoso para revolta do que constante para a resistência, a aceitar de novo o jugo que se desfez. | ” |
Durante a noite, Catão ocupou a posição mais vantajosa[82], mantendo uma legião na reserva e posicionando a cavalaria (equites) nos flancos e a infantaria no centro[83], disposição típica de um "exército manipular" da época republicana. Os manípulo se organizavam em três linhas de batalha distintas (em latim: "triplex acies") baseadas cada uma em um tipo de infantaria pesada: Os hastados, os príncipes e os triários[84]: os primeiros, soldados recobertos por armaduras de couro e couraças. Levavam um escudo de madeira reforçada com ferro, uma espada curta chamada gládio e duas lanças conhecidas como pilo (uma mais pesada e outra, de atirar, mais leve)[85]. Os príncipes formavam a segunda linha e lutavam armados e protegidos de forma idêntica aos hastados, mas usavam uma cota de malha mais leve no lugar da couraça mais sólida deles[85]. Atrás deles vinham os triários, também vestidos e armados como os príncipes, mas com uma arma principal chamada pique no lugar dos pilos[85].
Os guerreiros ibéricos, além de em número superior[61], contavam também com armas eficazes, como o gládio, a falcata, o soliferro ou o púgio, um punhal que depois foi adotado pelos romanos. Vários historiadores elogiaram a qualidade das armas ibéricas, especialmente das espadas[lower-alpha 4].
Na primeira hora da manhã, Catão enviou três coortes até o fosso do acampamento ibérico, o que assustou os inimigos, que esperavam um ataque por trás[82]. O exército romano estava entre seu próprio acampamento e as forças inimigas, uma manobra utilizada por Catão para garantir que seus soldados lutariam sem deserções[87]. Em seguida, Catão ordenou que as coortes simulassem uma retirada para atrair os ibéricos a uma perseguição desordenada, saindo do perímetro do fosso de seu acampamento[88]. Neste ponto, a cavalaria romana lhes atacou pelo flanco direito, mas foi repelida e se retirou espantada juntamente com parte da infantaria[89]. Para evitar o pior, Catão teve que enviar duas coortes para socorrer os atacantes pela direita, com a missão de chegarem até a posição antes do encontro das linhas principais da infantaria[90].
O medo provocado pelas tropas hispânicas graças a manobra igualou o medo inicial da cavalaria romana na ala direita[91]. A batalha seguiu parelha enquanto a luta se deu por armas de atirar; no flanco direito, dominavam os iberos, enquanto que, no esquerdo e no centro, se mostraram mais fortes os romanos, que esperavam ainda a chegada de duas coortes da reserva[92]. Com a batalha ainda equilibrada, Catão atacou, à noite, com três coortes da reserva em cunha, o que resultou na formação de uma segunda linha de batalha e na debandada dos ibéricos[93]. Catão então ordenou que a segunda legião, que estava na reserva, atacasse o acampamento inimigo. Esta legião, descansada, se concentrou no fosso do acampamento, a partir de onde os ibéricos se defendiam ferozmente[94]. Finalmente, Catão notou que a resistência era menor na porta da esquerda e ordenou que os hastados e os príncipes da segunda legião que se dirigissem para lá.
Os defensores desta porta não suportaram o assalto e os romanos conseguiram entrar no acampamento[95]. Aproveitando a confusão, o resto da legião liquidou os defensores e os romanos conseguiram uma vitória total[96]. Segundo Valério Antias[97], os hispânicos sofreram 40 000 baixas nesta batalha[10]. Encerrado o combate, Catão deu descanso a seus homens e pôs à venda o butim amealhado[61].
Depois da batalha, não apenas os habitantes de Empório se renderam, mas também o das cidades próximas. Catão as tratou com justiça e chegou a auxiliar algumas delas, permitindo o retorno dos habitantes[98].
Com a vitória em Empório, Catão conseguiu pacificar a Hispânia Citerior; por todo o caminho até Tarraco, os romanos foram aceitando a rendição de todas as cidades, que devolviam os romanos que tinham como prisioneiros[23][99].
Pouco depois se espalhou a notícia de que Catão estaria marchando com seu exército para a Turdetânia, o que foi aproveitado por alguns povos bergistanos para se revoltarem. Catão aplacou facilmente a revolta por duas vezes, mas não foi tão clemente na segunda e vendeu todos os vencidos como escravos[100]. A tática empregada por Catão nesta ocasião era chegar aos povoados antes do esperado para pegar os revoltosos de surpresa[101]. Finalmente, Catão ordenou que todos os habitantes da província entregassem suas armas, pacificando definitivamente a região[102][103][21].
Catão chamou os representantes das cidades hispânicas da região para aceitassem a medida de forma voluntária e para certificar-se de que não seria possível uma nova revolta contra Roma[104]. Como não houve resposta por parte dos representantes, Catão ordenou que as muralhas de todas as cidades fossem demolidas[105][106][107][99][103][108].[109]
Os pretores Ápio Cláudio Nero e Públio Mânlio estavam na Turdetânia travando a guerra contra os próprios turdetanos e contra os mercenários celtiberos que eles haviam contratado com algum sucesso[110]. Não foram, porém, vitórias complicadas, já que os dois contavam com uma boa quantidade de cavaleiros e legionários veteranos. Porém, posteriormente os turdetanos contrataram mais 10 000 celtiberos e começaram a se prepararam novamente para a guerra[111].
Depois de sua vitoriosa campanha, Catão levou suas tropas até a Sierra Morena, na Turdetânia, para ajudar Públio Mânlio e Ápio Cláudio[112][113], a região onde os turdetanos tinham suas principais minas. Turdetanos e celtiberos, mercenários a serviço deles,[3] estavam acampados separadamente. Inicialmente, ocorreram algumas escaramuças entre romanos e turdetanos, sempre com resultado favorável aos primeiros[113]. Catão enviou tribunos para convencer os celtiberos a se retirarem para suas terras sem batalha ou se unirem ao exército romano[114][115][103], o que lhes valeria o dobro do que haviam pago os turdetanos[116][117]. Diante da proposta, os celtiberos solicitaram tempo para pensar, mas, chegando os turdetanos à reunião, não se chegou a acordo nenhum[118]. Apesar disso, os celtiberos decidiram por conta própria não se juntarem ao combate. Depois de perderem o apoio militar deles, os turdetanos foram derrotados, o que significou a perda definitiva de suas minas. A partir daí, os turdetanos permaneceram no vale do Guadalquivir, dedicando-se à agricultura e à criação de gado.
Catão voltou para o norte atravessando a Celtibéria com o objetivo de amedrontar os habitantes e impedir futuras revoltas e também como represália por terem se juntado à revolta dos turdetanos[119]. Ele seguiu para Segôncia, pois havia ouvido que ali seria a cidade onde conseguiria o maior butim[120] e cercou a cidade, mas não teve sucesso por falta de tempo[121]. Depois, marchou para Numância, em cuja vizinhança discursou para seus cavaleiros[122][123][124].
Posteriormente, regressou para a província Citerior[125] deixando parte de seu exército com os pretores depois de ter pago o salário de seus soldados[lower-alpha 5] e levando consigo sete coortes[128].
Ao retornar da Turdetânia, Catão conseguiu a rendição de ausetanos, suessetanos[28] e sedetanos e se aproveitou da insatisfação de seus aliados contra os lacetanos, que os atacaram na ausência dos romanos[129]. Quando o exército romano chegou à cidade dos lacetanos, Catão posicionou parte de suas coortes[lower-alpha 6] de um lado e as demais, de outro. Ato contínuo, ordenou que seus aliados, na maioria suessetanos , que atacassem a muralha. Os lacetanos, confiantes de que poderiam derrotar facilmente os suessetanos, abriram uma porta e saíram para enfrentá-los; os suessetanos fugiram e os lacetanos os perseguiram[131]. Neste momento, Catão ordenou que as coortes entrassem no povoado, surpreendendo completamente os inimigos[132], que se renderam[133][134].
Pacificada a Hispânia Ulterior, Catão marchou de volta para a Hispânia Citerior, chegando ao território dos bergistanos[135], que haviam se revoltado pela terceira vez e resistiam na fortaleza de Castro Bérgio[lower-alpha 7][28][29]. Quando Catão chegou, o líder bergistano foi encontrá-lo para dizer-lhe que seu povo ainda era leal a Roma e que eram forasteiros que haviam tomado o controle da cidade e eram hostis aos romanos. Seriam eles também que estavam saqueando a província[137][138]. Catão então arquitetou um plano para comprovar se os bergistanos eram leais ou não e, ao mesmo tempo, para conquistar a cidade mais facilmente[137]. Ele ordenou então que o líder bergistano e seus seguidores que ocupassem a cidadela quando começasse o cerco romano, ordem que ele cumpriu; os bandidos então se viram cercados e foram derrotados[138]. Depois da batalha, Catão ordenou que os cidadãos que haviam sido leais ao seu plano fossem liberados e que os demais fossem vendidos como escravos. Os forasteiros foram executados[139][140][141].
Depois de ter sufocada a revolta, Catão voltou sua atenção para a administração da província. Durante seu governo, as receitas aumentaram[142], especialmente por causa da exploração das minas, principalmente de prata e ferro[143], além de uma grande quantidade de sal, o que atraiu a atenção de Catão[144]. Aparentemente Catão acreditava que, entre as causas da revolta, estavam os excessivos impostos cobrados dos hispânicos e, por isso, reorganizou a arrecadação para aumentar o percentual que ficaria na própria Hispânia[145].
Enquanto ainda estava na Hispânia, foram eleitos em Roma o novo cônsul que deveria sucedê-lo, assim como os dois novos pretores[146]. Cipião Africano, um rival de Catão, foi eleito novamente[147][148] e como pretores, Cipião Násica, para a Hispânia Ulterior, e Sexto Digítio para a Citerior[149]. A intenção de Cipião era que lhe fosse entregue a Hispânia[150], mas o Senado decidiu mantê-lo na Itália, uma vez que as províncias hispânicas haviam sido pacificadas[151].
Por conta dos sucessos de Catão na Hispânia, o Senado aprovou três dias de festividades públicas[152][153][154] e resolveu também qwue os soldados que haviam lutado na Hispânia durante a revolta recebessem uma licença[155].
No final de 194 a.C., Catão retornou a Roma com um enorme butim: 25 000 libras e 123 000 peças em bigatos de prata, 540 peças de prata de Osca e 1 400 libras de ouro[126], todo ele tomado dos povos hispânicos durante a campanha[lower-alpha 8]. O Senado lhe conferiu a honra de um triunfo[157][158][150][159], documentado nos Fastos Triunfais[156]. Catão repartiu parte de seu butim entre os soldados que haviam servido sob seu comando[160][126][127].
A vitória na guerra na Hispânia foi fundamental na carreira de Catão, pois permitiu que ele alcançasse os méritos militares de seus adversários, especialmente Cipião Africano[161].
Depois que Catão chegou em Roma e os novos pretores assumiram suas novas posições nas províncias, uma nova revolta irrompeu[162]. O pretor Sexto Digítio lutou múltiplas vezes com os sublevados e perdeu metade de suas tropas nos combates[163].
Na Hispânia, o processo de conquista continuou depois da campanha de Catão. O procônsul Marco Fúlvio Nobilior enfrentou posteriormente outras rebeliões e Roma iniciou em seguida a conquista da Lusitânia, com duas importantes vitórias: em 189 a.C., a de Lúcio Emílio Paulo Macedônico, e em 185 a.C. a do pretor ou procônsul Caio Calpúrnio Pisão[164].
A conquista da Celtibéria foi iniciada em 181 a.C. por Quinto Fúlvio Flaco[165], que venceu os celtiberos e anexou parte de seus territórios, recebendo por isto a honra de uma ovação em 191 a.C.[166][167][168][169]. Apesar disto, a maior parte das operações de conquista e pacificação foram realizadas pelo pretor Tibério Semprônio Graco entre 179 e 178 a.C. Ele tomou cerca de trinta cidades e aldeias utilizando variadas estratégias, se aliando aos celtiberos ou atiçando a rivalidade entre eles[lower-alpha 9] e os vascões[171][172][173]. Graco fundou sobre as ruínas da antiga cidade de Ilurcis a nova cidade de Graccuris ou Gracurris[174].
Mais tarde apareceriam problemas na Lusitânia, onde, a partir de 155 a.C., o general Púnico realizou importantes campanhas em território controlado por Roma[175][176], saqueando o território da Bética[177] e chegando até a costa do Mediterrâneo tendo os vetões como aliados[178]. Púnico conseguiu grandes vitórias contra os romanos, como a contra os pretores Marco Mânlio e Lúcio Calpúrnio Pisão[177].
A partir de 147 a.C., a República teve que enfrentar um novo inimigo, ex-pastor de ovelhas Viriato[179], que tornar-se-ia uma grande dor de cabeça para os romanos, a ponto de receber o apelido de "Terror de Roma"[180]. Depois de conseguir fugir do massacre de Sérvio Sulpício Galba em 151 a.C.[181], Viriato se revoltou e conseguiu várias vitórias contra os romanos[182]. Ele conquistou várias cidades, como "Tucci" (provavelmente a moderna Tejada la Vieja), e a região da Bastetânia[183]. Sua revolta só terminou quando Viriato foi assassinado por volta de 139 a.C.[184].
O tratamento dado à Revolta Ibérica foi maior e mais exaustivo do que o dado a outras campanhas similares ocorridas na Hispânia. A causa certamente foi a participação de Catão, o Velho, cujas obras despertavam grande interesse ainda na Antiguidade[55]. Entre os autores, cabe mencionar Plutarco e Apiano, mas sobretudo Lívio, que foi quem tratou com maior profundidade o relato dos acontecimentos[185]. É importante assinalar que, apesar disto, nenhum autor antigo tratou do conflito em sua totalidade[186].
Em seus próprios escritos, Catão soube destacar seus próprios sucessos, especialmente por ter realizado um triunfo[187][188]. Esta campanha foi a única em sua carreira na qual teve o comando supremo de um conflito militar. Por isto, é lógico que Catão exibisse os galardões de seu sucesso na defesa de seu consulado, especialmente contra as críticas de seus adversários[189]. Toda a narrativa da campanha foi incluída em sua obra posterior, "As Origens"[55], provavelmente no livro quinto[190][191], do qual se conservaram apenas alguns fragmentos[192].
A biografia de Catão escrita por Plutarco em suas "Vidas Paralelas" ("Cato Maior") é a mais detalhada e a mais influente[193]. Sua fonte foi o próprio Catão, como o próprio Plutarco mesmo indica em vários ocasiões[194]. Ele também se baseou em Políbio, fonte também de Cornélio Nepos[195], em quem se baseou o próprio Plutarco[196].
Apiano narra a campanha em sua obra "Ibéria", entre os capítulos 39 e 41. Segundo E. Gabba, Apiano é um autor crível dependendo da fonte utilizada para cada tema[197].[198] Neste sentido, Apiano parece ter utilizado as fontes mais fiáveis justamente na narração deste conflito[199]. Ele se baseia em grande parte no próprio Catão para narrar os sucessos[200], mas também se utilizou da obra de Lívio. No capítulo 41, sobre a destruição das muralhas, Apiano aparentemente retoca a versão de Lívio ou se baseou em uma manipulação de um autor posterior[201]
O tratamento dado por Lívio à campanha é o mais extenso e exaustivo de todos os que sobreviveram e é o que serve de referência principal para a narrativa do conflito[202]; cabe destacar neste sentido que vários episódios da guerra só aparecem em sua obra, como a descrição de Empório[203]. Lívio trata Catão, o Velho, de uma forma diferente do resto de sua obra e com uma profusão de detalhes[202]. O relato dos acontecimentos está contido nos libros XXXIII e XXXIV de sua "Ab Urbe Condita". A principal fonte de Lívio foi o próprio Catão e, para assuntos mais gerais, a crônica oficial dos atos do Senado Romano[203]. Lívio, por sua vez, foi a principal fonte de autores posteriores, como foi o caso de Frontino[203].
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