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A língua cocama,[1] ou kokama, é uma língua do tronco Tupi falada por alguns indivíduos da etnia Kokama. É originária do Peru, onde contabiliza 19 mil indivíduos (2003), 9 mil (CGTT, 2003) no Brasil e 792 (Unesco, 2004) na Colômbia.[2] Apesar do número relativamente expressivo do grupo étnico, a língua kokama encontra-se com poucos falantes (estima-se que apenas 5% do total de indivíduos) e em risco de extinção, classificado no nível 8a (moribundo) na escala EGIDS.[3][2]
Cocama Kokama, Kukama-Kukamiria | ||
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Outros nomes: | Cocama-Cocamilla, Huallaga, Kokama-Kokamilya, Kukama, Pampadeque, Pandequebo, Ucayali, Xibitaoan | |
Falado(a) em: | Brasil Colômbia Peru | |
Região: | Amazonas, Brasil;
Leticia, Colômbia; Marañon, Peru. | |
Total de falantes: | 250 no Peru; sem falantes conhecidos na Colômbia; no Brasil há apenas 2 falantes de fato | |
Família: | Tupi-Guarani | |
Escrita: | Alfabeto Latino | |
Códigos de língua | ||
ISO 639-1: | -- | |
ISO 639-2: | --- | |
ISO 639-3: | cod
| |
A origem do nome é incerta, mas há algumas possibilidades. As primeiras hipóteses descrevem que a origem do nome "kokama" tenha vindo da junção de "gwikám+awa", "força+de pessoa", ou seja, "pessoas de força". Outra sugestão é que tenha partido da junção de "kuika-m+wa", "pessoas de lá". Para o nome Kokamilla, há ainda a teoria de ser "kokama+ia", Kokama+coração, interpretado como "Kokama de coração", "Kokama legítimo". Outras sugestões seriam "koka+miri+ia koka(ma)", pequeno+coração ou "pequeno (grupo de) Kokama‟, e "ku+kama", "campo-peito", interpretado como "pessoas crescidas no campo‟, ou ainda "ku+kama+miri+ia", campo+peito+pequeno+coração".[4]
Além dessas hipóteses, há outra baseada na localidade do povo:, crê-se que o nome surgiu a partir do nome dado pelos espanhóis ao rio Ucayali, um deles sendo "Coca", e consequentemente aos seus habitantes: "coca + awa", "coca + povo", ou seja, "Povo do rio Coca".[4]
No Peru, as comunidades kokama são mais numerosas, podendo ser encontradas nas regiões de Ucayali, alto Amazonas, Alto Solimões, Marañon, Huallaga, Nanay, Itaya, Maynas, Maquia, Requena, Iquitos, Yurimaguas e Lagunas. No Brasil, são encontrados em Tabatinga, Benjamin Constant e Tefé, assim como na periferia de Manaus. São encontramos em comunidades no Rio Solimões, nas Terra Indígena Acapuri de Cima, Terra Indígena Espírito Santo, Terra Indígena Evaré I e Terra Indígena Kokama. Na Colômbia, há comunidades kokama na Isla Ronda, na cidade de Letícia, e em Naranjales, Palmeras, e vilarejos de São José.[2]
A língua Kokama pode ser compreendida em sua variedade falada no Brasil e na sua falada no Peru, Kukama-Kukamiria, e a língua Omágua como uma de suas variações. O povo Omágua foi historicamente relacionado ao povo Kokama por também habitarem localidades próximas, como no rio Marañon e do Alto Solimões, devido às semelhanças fonéticas e de vocabulário, sendo no passado consideradas a mesma língua com base em critérios históricos e geográficos. Eram línguas muito próximas faladas em comunidades distribuídas na parte alta do rio Huallaga, rio Cocama, partes baixas do Marañón, Samiria, Ucayali e Amazonas, revelando apenas certas diferenças fonológicas e lexicais entre essas duas variedades mutualmente inteligíveis.[5]
Contudo, hoje compreende-se se tratarem de variações diferentes, e o omágua é o que mais diverge dos três, sendo tratada como uma língua distinta do mesmo sub-grupo tupi-guarani por se tratar de um povo distinto dos Kokama, assim como o Nheengatu, outra língua muito similar, porém distinta.[5]
A história de migração e interação com diversos grupos diferentes (indígenas falantes de outras línguas, europeus e mestiços) resultou em uma gramática e um vocabulário singulares ao povo Kokama em relação ao seu entorno.[4]
Os Kokama teriam chegado às terras altas da Amazônia peruana em torno de 200 ou 300 anos antes da chegada dos exploradores europeus na região. Os motivos variaram entre procura por alimento, fugir de guerras contra outros indígenas, por motivos religiosos e, mais tardiamente, para escapar da escravidão europeia, representando um dos melhores exemplos das tendências migratórias do etnodinamismo tupi-guarani.[4]
Durante os anos de 1680 e 1820, um pequeno grupo de Kokama migraram por entre o Marañon e o rio Huallaga e criaram, em 1670, uma cidade chamada Lagunas, marcando a origem do subgrupo Kokamilla. Mais tardiamente, um grupo de Ucayali continuou a migrar até sua confluência com o rio Marañon, fundando em 1830 a cidade de Nauta. Durante o período de missionários jesuítas no Alto Amazonas, quéchua e kokama foram as línguas francas na área onde atualmente é a Província de Maynas (Peru), a qual inclui vilas ao longo dos rios Ucayali, Huallaga, Pastaza e Napo. Nesse período, as populações indígenas foram forçadas ou a se juntar às grandes haciendas e viver sob julgo de escravidão para aceitar o sistema reducionista dos missionários, ou escapar de suas terras originais. Nessas reduções, havia vários grupos étnicos distintos e diz-se[quem?] que a língua dominante nessas reduções era o kokama, visto que o trabalho missionário espanhol começou com o povo kokama, o qual foi o primeiro a ter reduções nessa região. Com a expulsão dos jesuítas em 1768, houve mais de 40 reduções com uma população em torno de 1800 indígenas. Por volta de 1853, novas campanhas de colonização da floresta ocorreram, restabelecendo o sistema de haciendas, dos quais os Kokamas eram os principais trabalhadores.[4]
Nas relações dos Kokama no Brasi, conforme registros históricos dos primeiros séculos da colonização do Amazonas, uma variante da mesma língua foi falada através das fronteiras do Peru, do Brasil e da Colômbia, o Omágwa. Importante ressaltar que os povos omágwa e kokama são consideradas línguas distintas, por motivações que vão além da pura análise linguística. Os Kokama também foram desde o século XVI relacionados a eles, tomando como base comparativa principal as belas roupas brancas com desenhos coloridos em formas geométricas, descritas como sendo sofisticadamente pintadas à mão. Mas foi o padre jesuíta Samuel Fritz que, tendo conhecido o povo Kokama e tendo observado suas características linguísticas, conviveu com os Omágwa no Alto Solimões durante mais de três meses. Com isso ele relacionou o povo e a língua Omágwa respectivamente ao povo e à língua kokama, assim como as duas línguas à Língua Geral Amazônica. Considera-se que Kokama, Cocamilla e Omágwa são variantes da mesma língua, sendo o Omágwa o mais divergente dos três, fato corroborado pelos catecismos Omágwa do século XVII e os primeiros documentos sobre essa língua.[5]
No final do século XVII, O Pe. Samuel Fritz levou a maioria dos omágwa que viviam no Brasil para a província de Maynas, no Peru. Com o fim das missões jesuíticas no Marañon e o surgimento das haciendas no Peru, muitos indígenas passaram a viver em novos sistemas de haciendas. Já no final do século XIX, várias famílias Kokama deixaram o Peru para trabalhar nos seringais do Alto Solimões e algumas dessas famílias alcançaram o rio Jutaí já no médio Solimões. Nos Seringais, as famílias Kokama passaram a viver em contato com indígenas de várias etnias e com nordestinos soldados a borracha. Nesses contextos, as crianças Kokama passaram a falar a língua de comunicação nos seringais, que era o português. Salvo os Tikúna, os quais, já no final do século XIX, eram maioria indígena nas beiradas do Solimões e preservaram a língua nativa como primeira língua, os demais indígenas tiveram de adotar o português e deixar para trás as suas respectivas línguas nativas, e isso fez com que, mesmo com algumas famílias Kokama continuando a falar sua língua em casa, apenas fosse falada pelos mais antigos, com seus filhos preservando alguns vocábulos. Os Kokama fundadores de Sapotal, por exemplo, pertencem a algumas dessas famílias que vieram do Peru para trabalhar nos seringais que correspondem, hoje, às aldeias Tikúna de Ourique e de Feijoal. No Brasil, tem-se ações isoladas de revitalização da língua kokama para o ensino da língua Kokama como segunda língua.[6] Atualmente são encontrados no Brasil descendentes de aproximadamente 20 famílias kokama, dentre as quais, as famílias Aiambo, Pacaio, Samias, Tibão, Tananta, Kuriki, Panduro, Maniama, Sandoval, Ramires, Peres, Arcanjo, Lopes, as quais, possivelmente, chegaram ao Brasil na mesma época para trabalhar nos seringais do Solimões. Nos seringais onde foram morar, as famílias Kokama ainda falaram por um bom tempo a língua nativa em casa, mas nas demais situações eram obrigadas a falar português, já que não falavam outras línguas indígenas mais numerosas. Dos vários casamentos realizados nos anos 40 entre os Kokama, ou o marido ou a esposa era passivo no conhecimento da língua kokama, de forma que seus filhos aprenderam apenas palavras soltas relativas a nomes de peixes e de plantas, cujo conhecimento se propagou provavelmente pela semelhança entre o kokama e o nheengatú falado até pouco depois da primeira metade do século XX na região.[5]
A princípio, a língua foi documentada como sendo pertencente do tronco tupi-guarani, mas, em posteriores análises, percebeu-se a incompatibilidade gramatical da língua kokama com outras línguas tupi-guarani, apesar de vocabulário consideravelmente congruente entre as línguas. Dessa forma, foi levantada a hipótese de que o kokama foi resultado do contato linguístico entre povos de línguas diferentes, resultando em que kokama não pudesse ser geneticamente classificada. Dentre as possibilidades de sua origem, aventa-se a possibilidade de ter-se como uma nova língua nas reduções jesuíticas na província de Maynas, visto que os falantes precisavam de uma forma de comunicação. Nesse cenário, propõe-se que o contato linguístico ocorreu entre um povo falante de uma língua muito próxima do Tupinambá, e, após pesquisas, concluiu-se que apenas alguns vocábulos kokama são tupinambás, mas não sua gramática. Nem mesmo as correspondências fonológicas seriam regulares. Outra possibilidade é a de que kokama ter-se-ia originado ainda na pré-história em contextos sociais caracterizados por reunir falantes de línguas geneticamente distintas, de forma a criar uma nova língua, sendo esta justamente a kokama, justamente devido à sua gramática contrastante e diferente das demais línguas a ela relacionadas. Ademais, também é levantada a hipótese de que os ancestrais dos Kokama e dos Omágwa teriam sofrido influência de outros indígenas antes do primeiro contato com o europeu pelo menos um século e meio antes do efetivo contato com a colonização europeia na Amazônia. Esse processo foi rotulado como "Crioulo abrupto". Além, a presença de traços não-tupi em kokama sugerem influências de outras línguas como o espanhol, o português, o quéchua, a língua média, a língua geral, línguas pano, línguas aruak, dentre outras.[5] Os numerais kokama, por exemplo, são de origem tupi do 1 ao 4, mas, daí adiante, constituem-se de números emprestados do quéchua[4]
O primeiro escrito do qual se tem conhecimento é do explorador espanhol Juan Salinas de Loyola, o qual encontrou o povo Kokama em suas viagens pelo rio Ucayali:[4]
“...y más a delante de la dicha provincia di en otra muy menor que se dice Cocama. Tienen las poblaciones sobre las barracas de los ríos, muy bien formadas; la gente es de mucha policía así en los vestidos, porque son de algodón y muy primos con plumaje y joyas de oro y plata de que adornan a sus personas;los caciques que hay en cada pueblo son muy respetados de los naturales; comida de todo género en abundancia y frutas; pescados, muchos y muy buenos y diferentes; montería y caza, loza mejor y más prima y galana que hay en el mundo;la lengua es diferente pero con intérpretes me entendía con ellos. Salieron de muy buena paz y ziendo (así) todo buen hospedaje y lo mismo lo que duro la dicha provincia y lengua, que será hasta sesenta leguas, en el cual distancia hay muchos pueblos y lagunas pobladas naturales...” […e depois dessa província, cheguei a outra muito pequena chamada Cocama. As pessoas ficam à beira dos rios, muito bem organizadas; o povo tem cuidado suas roupas, porque são de algodão e belas penas e joias de prata e ouro decoram seus trajes; os chefes/senhores de cada cidade são respeitados pelos nativos; há todos os tipos de comida e frutas; peixes, muitos e de muitas espécies; caça, cerâmica fina do melhor do mundo; a língua é diferente, mas com intérpretes eu pude me comunicar com eles. Eles saíram em paz e foram acolhedores durante o tempo da viagem que teve lugar nesta província e [onde] esta língua [foi falada], cerca de sessenta léguas, distância dentro da qual havia muitas cidades e lagos habitados por nativos” (Jiménez de la Espada, 1965, T IV: 201-202)
É sabido que os espanhóis nomearam o rio Ucayali de diversas formas, entre eles Coca e Cocama:
“Por los años de 1578 en que Diego de Aguilar y de Córdoba, gobernador de Huánuco y autor de la Soledad Entretenida, escribía su libro titulado El Marañón […] dichas noticias no habían cambiado de carácter, de origen ni de rumbo. Describiendo el río de Cocama o Ucayali, en el cap. 8.0 del ms. original, “su verdadero nacimiento —dice (equivocándose)— es en la misma provincial de Guánuco (verdadera madre de este famosísimo río…” [Por volta de 1578, quando Diego de Aguilar y de Córdoba, governador de Huanuco e autor de "Soledad Entretenida", escreveu seu livro El Marañon […] As notícias não mudaram a respeito de suas origens. Descrevendo o rio Cocama ou rio Ucayali, no capítulo 8 do manuscrito original, ele diz erroneamente que “sua origem verdadeira é na Província de Guánuco (a verdadeira mãe desse famoso rio)”] (Jiménez de la Espada 1965:172, fn. 1)
Com isso, provavelmente a palavra Cocama foi originado do nome dado ao rio Ucayali e, consequentemente, às populações da regiões. Outra ideia é de que Cocama pode vir de "coca + awa", o que seria "pessoas do rio Coca". Contudo, trata-se apenas de suposições dentre muitas outras.[4]
No século XX e XXI, foram realizadas vastas pesquisas acerca da língua (conferir bibliografia) acerca de sua gramática, relações históricas e evolução da língua em comparação com sua versão atual e sua versão antiga. O Governo Peruano, por meio de seu Ministério de Educação pública, desenvolveu um projeto na tentativa de alfabetizar e "castelhanizar" as diversas tribos indígenas do país. Com isso, esperava-se que, com a alfabetização em suas línguas maternas, fossem atraídos a aprender o espanhol. Dessa forma, coube aos membros do Instituto Linguístico de Verão, ligados à Universidade de Oklahoma, alfabetizar os indígenas, em especial os Kokama. A exemplo de dois linguistas, tem-se Norma Faust e Audrey Soderholm. Desenvolveram, então, uma série de cartilhas e atividades seriadas de alfabetização, entre elas o Ini ícua cuatiarayara (1956), na qual desenvolveram uma ortografia, em um esforço de revitalização da língua.[5]
No Brasil e no Peru, há ações de revitalização língua Kokáma, buscando especialmente contato com atuantes indígenas nas regiões do povo kokama e retomar as memórias dos que recordam de sua língua, como por exemplo:[5]
No kokama, há a presença de 16 vocálicos, dentre os quais 4 nasais, e 22 sons consonantais[5]
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