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Ebionismo (em grego: Ἐβιωναῖοι Ebionaioi, derivado do hebraico אביונים, Evyonim, "pobres") é um termo patrístico que se refere a diversos movimentos de cristãos de origem judaica que surgiram a partir do segundo século da Era Cristã[1].[2][3]
Quase tudo que se sabe sobre os ebionitas foi escrito em breves menções pelos autores patrísticos, que entendiam que esses eram grupos como heréticos judaizantes[4]. Assim, a reconstituição histórica dos ebionitas conta com dificuldades de viéses antiebionitas e seu caráter fragmentário das fontes. Além do mais, houve mais de um grupo sob essa designação, não necessariamente com as mesmas doutrinas ou práticas.
O cristianismo nasceu entre israelitas no século I e progressivamente foi ganhando mais adeptos entre não judeus (os gentios). Devido à Revolta Judaica de 66-73, que gerou uma fuga de maior parte dos cristãos judeus de Jerusalém, a importância da Igreja de Jerusalém diminuiu drasticamente. Desse modo, cristianismo judaico se dispersou por toda a diáspora judaica no Levante, onde foi lentamente eclipsado pelo cristianismo gentio, que depois se espalhou por todo o Império Romano sem a competição de grupos judaicos-cristãos. Após a derrota da Rebelião de Bar Kokhba, os judeus foram proibidos de viver na Palestina e Jerusalém tornou-se a cidade gentia de Aelia Capitolina. Contudo, até o século VI era comum ainda encontrar alusões de legados judaicos no cristianismo, diferenciando mais em origem étnica que doutrinária.[5]
Aproximadamente do ano 140 d.C. o escritor cristão vivendo entre os samaritanos e judeus Justino, no "Diálogo com Trifo", relata que existiam dois tipos de cristãos judeus que observam a lei de Moisés: os tolerantes, que observam os preceitos judaicos, mas que não exigiam que os outros da comunidade observassem tais preceitos e aqueles que acreditavam que a lei mosaica seria obrigatória para todos Justino Mártir.[6] Surgiria assim, no século II, a distinção entre grupos judeus-cristãos de doutrina "ortodoxa" seguindo a linhagem de Tiago, o Justo, e grupos marginais como os nazarenos e ebionitas.[7]
O primeiro registro conhecido de um grupo chamado de "Ebionita" (Ebionai) é de cerca de 180 d.C. quando Ireneu de Lyon, que não fazia menção aos nazarenos[8][8][9][9][10][10] .
Segundo Orígenes, o termo "Ebion" significava 'pobre'[11][12][13].
Tertuliano foi o primeiro a escrever contra um heresiarca chamado "Ebion", como fundador dos ebionitas[14][15]. Segundo Epifânio, Ebion teria nascido em um vilarejo chamado Cochabe no distrito de Basã, teria viajado pela Ásia e até mesmo para Roma.[16] Já para Jerônimo, Ebion teria vivido na época do apóstolo João, sendo repreendido pelo apóstolo por não acreditar que Jesus existia antes de Maria.[17]
Uma das última menções contemporâneas aos ebionitas aparece em Epifânio de Salamina (310-320 - 403). Epifânio escreveu Panarion, obra na qual criticou cerca de oitenta seitas heréticas, entre elas os ebionitas, desse modo forneceu descrições gerais de suas crenças religiosas e citações de seus evangelhos, que não sobreviveram[18][19]. Segundo Epifânio, os ebionitas residiram em Nabateia, Banias, Moabe e Kochaba na região de Basã, perto de Daraa. Desses lugares, se dispersaram para a Anatólia, Roma e Chipre[20]. Em 375, Epifânio registrou a existência de ebionitas na Ilha de Chipre, mas no século V, Teodoreto de Cirro relatou que não existiam mais ebionitas naquela região.
Consta nos escritos de Irineu de Leão, Eusébio e Epifânio que os ebionitas usavam somente um Evangelho. Esse evangelho supostamente teria sido escrito em hebraico, e era considerado como sendo o "Evangelho de Mateus", mas era menor do que o Evangelho de Mateus canônico em grego.
Frequentemente o Evangelho dos Ebionitas era tratado como se fosse o mesmo "Evangelho dos Hebreus" [21], e Epifânio de Salamina[22]. No entanto, é necessário distinguir entre o Evangelho dos Hebreus usado pelos ebionitas e o Evangelho dos Hebreus usado pelos nazarenos, pois o evangelho utilizado pelos nazarenos era uma versão um pouco mais extensa, que continha todos os trechos encontrados no Evangelho de Mateus em grego utilizado pelos cristãos, com alguns trechos a mais, enquanto que o usado pelos ebionitas, ao contrário, era mais curto que a versão canônica.[23]. O Evangelho dos Hebreus usado pelos nazarenos é citado várias vezes por Jerônimo, demonstrando ser definitivamente uma obra distinta ao Evangelho dos Ebionitas.
A análise dos fragmentos do Evangelho dos Ebionitas demonstra que era escrito em grego e e dependente da redação do Evangelho de Lucas e não do Evangelho de Mateus.[24][25] Há similaridades temáticas entre o Evangelho dos Ebionitas e a Literatura Pseudo-Clementina.[26][27]
O erudito Hans-Joachim Schoeps tentou reconstruir um hipotético Atos dos Apóstolos segundo a versão ebionita.[28]
Quanto à Bíblia Hebraica. Há dúvidas de quanto os ebionitas a aceitavam. Há registro de que os ebionitas repudiavam os profetas canônicos.[29] Contudo, um prosélito ebionita, Símaco, produziu uma versão grega do Antigo Testamento, revisando a Septuaginta. Embora os ebionitas aceitavam a Torá como sendo dada a Moisés, negavam que os livros escritos de Moisés (o Pentateuco) fossem a mesma coisa que a Torá. A tradição escrita (as escrituras judaicas) teria sido corrompida, mas restaurada pelo Verdadeiro Profeta, Jesus.[30]
Os ebionitas foram confundidos com outros grupos. Por exemplo, inicialmente Jerônimo confundia os ebionitas com os nazarenos (por exemplo na Epístola 112.13 a Agostinho), mas mais tarde diferencia os dois grupos em seu Comentário de Isaías. Segundo relata Orígenes e Eusébio de Cesareia, existiam dois grupos de ebionitas.[31] Segundo Orígenes os ebionitas estavam dividos quanto ao nascimento virginal de Jesus Cristo, com algum aceitando e outros não.[32]
É possível que os ebionitas dos escritos de Epifânio sejam outro grupo distinto.[33] Os ebionitas registrados por Epifânio apresentam relações com os elcassitas. O livro do gnóstico Elcassai teria aceitação entre os ebionitas e outros grupos da Transjordânia. Os elcassitas, que possuíam ensinamentos vegetarianos, assim como os essênios, tinham a sua religião como uma mistura de ensinamentos dos gentios, cristãos e de judeus.[34] Essa vertente ebionita, talvez por influência elcassita, seria vegetariana.[35]
Além desses grupos judaico-cristãos, o termo ebionita aparece entre alguns grupos judaicos. Entre os Manuscritos do Mar Morto há a autorreferência da comunidade de Qumran como os "pobres" (ebionim). No final do primeiro milênio, os Caraítas empregavam a autodesignação "ebionitas" [36] Há registros fragmentários sobre grupos judaicos marginais árabes medievais que compartilhavam algumas práticas ou nome com os ebionitas, dentre elas:
Os ebionitas consideravam Jesus de Nazaré como o Messias, mas variavam em suas crenças a respeito do nascimento virginal[31][42] Irineu indica que eles acreditavam que Jesus era filho de José.[43][44] Para os ebionitas:
“ | Cristo não foi gerado por Deus Pai, mas criado como um dos os arcanjos ... que ele governa sobre os anjos e todas as criaturas do Todo poderoso.— Epifânio, Panarion 30.16,4. | ” |
Conforme descritos por Irineu e Hipólito, os ebionitas eram adeptos do Adocionismo (como Cerinto e Carpocrates)[45]. Nessa cristologia, o Cristo preexistente (o Logos), incorporou-se em Jesus de Nazaré. Mas, o Cristo se afastou de Jesus na sua morte e ressurreição, enquanto Cristo permaneceu impassível, visto que ele era um ser espiritual.[46][47]
Quanto às práticas judaicas, segundo Irineu de Leão os ebionitas praticavam a circuncisão, perseveram na observância dos costumes da Lei mosaica e possuíam uma veneração por Jerusalém.[48] Segundo Hipólito de Roma, a soteriologia dos ebionitas consitia na crença de que as pessoas que cumprissem toda a lei se tornaria Cristo.[47]
Os ebionitas repudiavam o apóstolo Paulo de Tarso, sustentando que ele era um apóstata da lei.[48][49].
Segundo Epifânio de Salamina, os ebionitas eram vegetarianos[50] e diziam quem Jesus e João Batista também eram vegetarianos[51][52][53]. Como seus contemporâneos estoicos e neo-pitagóricos (esses também vegetarianos), os ebionitas rejeitavam os sacrifícios.[54]
A denominação adotada por eles, ebyonim, ebionim, que significa "os pobres", sugere que eles atribuíram um valor especial à pobreza voluntária. O biblista Bart Ehrman formulou a hipótese de que o termo ebionita seria empregado pelos cristãos-judeus antes da emergência da ortodoxia que compartilhavam suas posses uns com os outros e, assim, levaram uma vida de pobreza voluntária.[55][56]
No século XVIII o erudito bíblico Johann Gabler formulou a hipótese de que havia tensões entre duas supostas vertentes cristãs no período do Novo Testamento: o cristianismo pró-gentio de Paulo e o cristianismo pró-judaico de Pedro. Essa hipótese foi encampada em massa por críticos do cristianismo, como Edward Gibbon ou recentemente por Hyam Maccoby,[57] para os quais o cristianismo seria uma religião inventada por Paulo enquanto os ebionitas teriam sidos seus originais seguidores que consideravam Jesus como o messias, mas um mero profeta humano. Contudo, tais teorias não são consideradas pela historiografia acadêmica.[58]
Há atualmente diversos movimentos religiosos que em maior ou menor grau pretendem restaurar um grupo de identidade ebionita. Dentre eles, o movimento criado por Shemayah Phillips, que em 1985 fundou a Ebionite Jewish Community [59] após frequentar por certo tempo uma denominação do Movimento do Nome Sagrado, a Assemblies of Yahweh[60]. Esta comunidade, estritamente monoteísta, reconhece Jesus como um profeta justo e diferentemente dos ebionitas históricos, rejeitam qualquer possibilidade de divindade, adocionista ou não, de Jesus Cristo. Defende uma interpretação judaica do Tanakh e que tal sirva como meio de união entre judeus e gentios para implantação de uma sociedade justa. Outro grupo, o Movimento de Restauração Ebionita, liderado pelo engenheiro aposentado norte-americano Allan Cronshaw enfatiza o lado gnóstico das fontes ebionitas, mas acreditando na reencarnação.[61]
Os trechos dos livros dos Padres da Igreja que falam sobre os ebionitas são os seguintes:
1. Ireneu, Contra Heresias:
2. Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica 3:27
3. Tertuliano, Apêndice, Contra Todas as Heresias, capítulo III
4. Hipólito de Roma, Contra Heresias 7:22
5. Orígenes, Filocalia 1:24
6. Orígenes, Comentário sobre Mateus 11:12
7. Orígenes, Contra Celso:
8. Jerónimo de Estridão, Carta para Agostinho:
9. Agostinho de Hipona, Carta para Jerônimo, 3:16
10. Epifânio, Panarion:
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