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anormalidade, sofrimento ou comprometimento da ordem psicológica e/ou mental Da Wikipédia, a enciclopédia livre
Os termos transtorno, distúrbio e doença combinam-se aos termos mental, psíquico e psiquiátrico para descrever qualquer anormalidade, sofrimento ou comprometimento de ordem psicológica e/ou mental. Os transtornos mentais são um campo de investigação interdisciplinar que envolvem áreas como a psicologia, a psiquiatria e a neurologia. As classificações diagnósticas mais utilizadas como referências no serviço de saúde e na pesquisa hoje em dia são o Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais — DSM IV, DSM V e a Classificação Internacional de Doenças — CID-10.
As nomenclaturas, ou os apelidos, são importantes porque, às vezes, estigmatizam e contribuem para majorar o sofrimento daqueles que são portadores de determinados transtornos mentais. É o caso, por exemplo, do Transtorno de Humor Bipolar, anteriormente chamado Psicose Maníaco-Depressiva, que ainda é utilizado. O termo psicose e mania, em si, carregam um peso para os portadores desta patologia.[1]
Em psiquiatria e em psicologia os termos transtornos, perturbações, disfunções ou distúrbios psíquicos são preferíveis, em relação ao termo doença, pois poucos quadros clínicos mentais apresentam todas as características de uma doença no sentido tradicional. O conceito de transtorno, ao contrário, implica um comportamento diferente, desviante, anormal.[2][necessário esclarecer]
O conceito de anormalidade só é compreensível em relação a uma norma; mas nem toda variação em relação a uma norma adquire caráter patológico. Assim uma pessoa superdotada ou um criminoso estão ambos fora da norma, sem que no entanto seu estado tenha um caráter patológico. Assim, para se compreender o termo transtorno é necessário ter-se presente quais normas são relevantes para a definição.[3][4]
Dentre os sistemas de classificação dos transtornos mentais o de Jaspers (1913) recebe, pela sua importância histórica, um lugar preponderante. Esse sistema é triádico, por diferenciar três formas de transtornos mentais:[5]
1. Doenças somáticas conhecidas que trazem consigo um transtorno psíquico, em seus subtipos:
2. Os três grandes tipos de psicoses endógenas (ou seja, transtornos psíquicos cuja causa corporal ainda é desconhecida):
3. Psicopatias:
Dois termos desempenham assim um papel preponderante: neurose designa os "transtornos mentais que não afetam o ser humano em si",[6] ou seja, aqueles supostamente sem base orgânica nos quais o paciente possui consciência e uma percepção clara da realidade e em geral não confunde sua experiência patológica e subjetiva com a realidade exterior; psicose, por sua vez, são "aqueles transtornos mentais que afetam o ser humano como um todo",[7] ou seja um transtorno no qual o prejuízo das funções psíquicas atingiu um nível tão acentuado que a consciência, o contato com a realidade ou a capacidade de corresponder às exigências da vida se tornam extremamente diferenciadas, e por vezes perturbadas, e para a qual se conhece ou se supõe uma causa corporal.
Entre as neuroses costumam-se classificar: a perturbação obsessiva-compulsiva, a transtorno do pânico, as diferentes fobias, os transtornos de ansiedade,a depressão nervosa, a distimia, a síndrome de Burnout, entre outras.[5]
O tratamento das neuroses e psicoses pode ser feito com um psicoterapeuta, um psiquiatra ou equipes de profissionais de saúde mental. As equipes incluem sempre psicólogos e psiquiatras, e podem incluir também enfermeiros, terapeutas ocupacionais, musicoterapeutas e assistentes sociais, entre outros.[8]
Essa forma de classificação, apesar de muito utilizada ainda hoje, tem alguns problemas sérios: (a) a classificação limita o transtorno mental à pessoa (não correspondendo às exigências de uma análise bio-psico-social), (b) a diferenciação entre neurose e psicose endógena não é sempre tão clara como parece à primeira vista e (c) ambos os conceitos (neurose e psicose) estão ligados a uma etiologia psicanalítica dos transtornos mentais, tornando-os de utilidade limitada para profissionais de outras escolas[2] (ver abaixo "Etiologia: A perspectiva psicoanalítica").
O uso de sistemas de classificação para os transtornos mentais possibilita diagnósticos psiquiátricos precisos, fornecendo uma base comum para o diálogo entre os psiquiatras e psicoterapeutas de diversas linhas. Os dois sistemas atualmente em uso — a Classificação Internacional de Doenças (CID), da Organização Mundial de Saúde e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, sigla em inglês), da Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association - APA) — prescindiram dos termos "neurose" e "psicose", salvo em raros casos, para os quais não havia termo mais apropriado. A CID é um sistema internacional, enquanto o DSM, tem sua importância ligada sobretudo à pesquisa. Apesar das diferenças, ambos os sistemas têm uma série de características em comum:[9]
Para uma descrição detalhada desses sistemas, ver: diagnóstico psiquiátrico, CID-10 Capítulo V: Transtornos mentais e comportamentais e Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais. A CID possui ainda um sistema multiaxial especial para o diagnóstico infanto-juvenil.
Digno de menção é o trabalho do Grupo OPD (Arbeitskreis OPD) que publicou o "Diagnóstico Psicodinâmico Operacionalizado" (OPD, sigla em alemão) que oferece uma classificação de diferentes aspectos psicodinâmicos em complementação aos outros dois sistemas .
Estudos recentes estimam que entre 32% (Robins & Regier, 1991) e 65% (Wittchen & Perkonigg, 1996) dos adultos sofreram em algum momento da vida de um transtorno mental. A grande diferença entre as estimativas dos dois trabalhos devem-se às dificuldades metodológicas envolvidas nesse tipo de trabalho. No entanto a literatura parece unânime em afirmar que os transtornos mais frequentes são as diferentes formas de fobia (9,2-24,9%), sobretudo as fobias específicas, a fobia social e a agorafobia; o abuso e a dependência de substâncias químicas (17,7-26,6%), sobretudo álcool; e os transtornos afetivos (5,5-19,8%), sobretudo a depressão.[10] Outros transtornos são muito menos comuns.
Ao contrário do que se pensa normalmente, os transtornos mentais são relativamente frequentes na população infanto-juvenil: entre 15% e 22% da população apresenta alguma forma de distúrbio nessa faixa etária, sobretudo as fobias, abuso e dependência de substâncias e transtornos afetivos.[11] Além disso há indícios de que a frequência dos transtornos mentais não aumenta com a idade, com exceção dos transtornos da cognição causados pela demência.[10]
Os transtornos afetivos, os devidos à ação de substâncias psicoativas e os transtornos neuróticos (ou seja, ligados ao medo) costumam se manifestar pela primeira vez nas três primeiras décadas de vida. Enquanto a maioria desses transtornos aparece mais frequentemente a partir do fim da puberdade e do início da idade adulta, as fobias específicas tendem a se manifestar pela primeira vez já na infância e na adolescência.[12] Outro fenômeno muito comum é a comorbididade dos transtornos mentais: um distúrbio costuma vir acompanhado de um ou até mais transtornos.[10]
Os transtornos mentais são, tanto em sua gênese como em sua manifestação, fenômenos muito complexos.
O modelo biopsicossocial procura fazer jus a essa complexidade buscando analisar a gênese e o desenvolvimento dos transtornos mentais sob diferentes pontos de vista, de acordo com os diferentes fatores que os influenciam:[13]
Os transtornos mentais podem dar-se assim em diferentes níveis:[2]
De acordo com o modelo estresse-vulnerabilidade o irromper de um transtorno mental está ligado, de um lado, à presença de uma predisposição genética ou adquirida no decorrer da vida (vulnerabilidade) e, de outro, à exposição a situações estressantes. Quanto maior a predisposição, menor tem de ser o nível de estresse para que um distúrbio mental irrompa. A relação entre vulnerabilidade e estresse, no entanto, é mediada pela resiliência, ou seja, a capacidade do indivíduo de resistir ao estresse.[14] Ver mais abaixo "Fatores vulnerabilizantes e fatores protetivos". Importante pare este tema é o conceito de salutogênese.
Apesar de fatores genéticos desempenharem sempre um papel ora mais ora menos importante na gênese dos transtornos mentais, até hoje pouco se sabe a respeito do exato funcionamento de seus mecanismos: apenas para o Mal de Alzheimer pôde-se localizar um grupo de genes responsáveis — que no entanto ainda não explica a doença completamente. Nos outros casos a influência genética parece dar de maneira mais indireta na forma de tendências, que são influenciadas (fortalecidas ou enfraquecidas) por outros fatores.[15]
Para o desenvolvimento dos transtornos mentais são importantes sobretudo três sistemas do corpo humano: o sistema nervoso, o sistema endócrino e o sistema imunológico.
Relacionadas à maioria dos distúrbios mentais foram observadas modificações do sistema nervoso central; os distúrbios mais importantes ligam-se às funções cognitivas (memória, atenção, concentração, processamento e avaliação de informações, planejamento de ações, etc.) bem como distúrbios da regulação das emoções e do estresse. Esses dois últimos grupos de funções estão, além disso, intimamente ligados ao sistema nervoso periférico — como no caso dos ataques de pânico, normalmente caracterizados por taquicardia e suor excessivo.[16]
A regulação hormonal desempenha também um importante papel no desenvolvimento dos transtornos mentais, e não apenas nos transtornos psicossomáticos. Modificações na regulação hormonal foram descritos também nas depressões, transtornos de estresse pós-traumático e transtornos alimentares. Aqui, como no caso dos demais fatores biológicos tratados, é muito difícil de estabelecer a causa, porque as observações têm caráter correlativo: é difícil estabelecer se o transtorno mental provoca a mudança física ou vice-versa.[16]
Fatores vulnerabilizantes são aqueles que provocam a vulnerabilidade da pessoa, ou seja, uma maior probabilidade de ela apresentar um transtorno mental.[17] A vulnerabilidade pode ser pessoal, com uma maior influência dos fatores biológicos, ou ambiental, com maior influência de fatores sócio-econômicos e do meio ambiente. As diferentes vulnerabilidades podem ter um valor mais ou menos relativo conforme sejam mais ou menos estáveis — geneticamente determinadas ou ligadas a determinadas condições externas; relacionadas a determinadas fases da vida (ver abaixo, ex. puberdade) ou à situação geral da pessoa (ex. pobreza), etc.[18]
Paralelamente aos fatores vulnerabilizantes há os chamados fatores protetivos, ou seja, aqueles que agem contra as condições estressantes, "fortalecendo" o indivíduo contra os transtornos mentais. Há dois tipos de tais fatores: os fatores de resiliência, que são as características pessoais e as competências que dão a uma pessoa a capacidade de se adaptar adequadamente a situações ruins ou mesmo ameaçadoras para o seu bem estar; e os fatores de apoio social, que se referem sobretudo ao meio ambiente e à rede social da pessoa. A capacidade de construir uma rede social está intimamente ligada às experiências com relacionamento feitas na infância (ver abaixo).[18]
Robert J. Havighurst (1982)[19] propõe, com seu conceito de tarefas do desenvolvimento (developmental tasks),[20] uma visão abrangente do desenvolvimento humano que envolve toda a sua vida. Ele dividiu a vida humana em 6 fases, desde a infância até a velhice. Cada uma dessas fases confronta o indivíduo com uma série de tarefas ou desafios de ordem biológica ou cultural que devem ser superados, a fim que o desenvolvimento seja visto como "normal". Por exemplo fazem parte das tarefas do início da idade adulta a definição profissional, a escolha de um parceiro, a fundação de uma família, a criação dos filhos. Além das tarefas individuais existem também outros tipos de tarefas, como as tarefas familiares (como se espera que uma família se desenvolva). Caso a pessoa não possua os meios necessários (resources) para superar essas tarefas ou não possa fazê-lo por influência externa surge uma situação extremamente tensa que pode provocar ou pelo menos facilitar o aparecimento de um transtorno mental. Sobre o estresse como fator etiológico dos transtornos mentais ver mais abaixo.
Freud (1917)[21] foi o primeiro a propor um modelo abrangente do desenvolvimento dos transtornos mentais: De acordo com esse teórico são eles fruto de tensões internas e, no mais das vezes, inconscientes não resolvidas que têm sua origem no desenvolvimento da libido da criança. Nesse desenvolvimento a criança atravessa diferentes fases (oral, anal, fálica, edipal e genital), nas quais faz a experiência de ter determinadas necessidades saciadas ou não. Quando adulta a pessoa faz determinadas experiências traumáticas que desencadeiam os distúrbios mentais — a forma exata desses distúrbios está então ligada às experiências feitas nas diferentes fases do desenvolvimento.
Apesar de ser muito difundida e ter tido muita influência sobre toda a psicologia posterior, a perspectiva psicanalítica é alvo de muitas críticas, sobretudo por parte de psicólogos ligados a uma abordagem mais experimental em psicologia: Os conceitos psicanalíticos são de difícil operacionalização e são assim difíceis de ser averiguados empiricamente. Além disso vários estudos parecem sugerir que algumas partes da teoria original de Freud precisam ser revistas — sobretudo no que diz respeito à origem da personalidade. O poder heurístico da teoria psicanalista é no entanto muito grande, servindo como base de alguns paradigmas de pesquisa muito férteis também sob um ponto de vista empírico — como é o exemplo da teoria do apego (ver abaixo); além disso ela apontou desde muito cedo a importância da infância como uma fase central para o desenvolvimento dos transtornos mentais.[18]
A teoria do vínculo ou da ligação afetiva (attachment) parte da observação do chamado "comportamento de apego", que pode ser observado em crianças desde seu nascimento: são formas de comunicação rudimentares (ex. choro, sorriso, primeiros sons orais, mais tarde a linguagem) que têm por fim gerar e manter a proximidade entre a criança e sua mãe. Através desse tipo de comportamento surge uma forma especial de relacionamento — o relacionamento de vínculo afetivo — que é uma forma especial de relacionamento social caracterizada por segurança emocional e confiança. A qualidade dos primeiros relacionamentos de vínculo é de grande importância para o desenvolvimento da pessoa, influenciando a autoestima, o otimismo em relação à vida, etc. O relacionamento mãe-filho é o modelo de tal relacionamento, que no entanto pode se desenvolver com outras pessoas (pai, mãe adotiva, babá, etc.). Problemas no desenvolvimento de um relacionamento de vínculo saudável podem surgir por meio de diferentes formas de privação social: interações sociais descontínuas, interações sociais nocivas e interações sociais insuficientes. Esse tipo de privação aumenta a susceptibilidade a diferentes tipos de transtorno mental, desde transtornos do funcionamento social na infância (CID F94) até outros transtornos na idade adulta.[18]
A contribuição da psicologia da aprendizagem para o entendimento dos transtornos mentais apontam três tipos de condições de aprendizagem que aumentam a susceptibilidade a transtornos mentais — o comportamento nocivo pode ser fruto:[18]
Segundo Tseng (2001) a cultura pode ter seis tipos de efeito sobre os transtornos mentais:[22]
Para as intervenções psicológicas ver intervenções psicológicas ou ainda psicoterapia. Para intervenções medicamentosas ver psicofarmacologia e psiquiatria.
No Brasil, a Câmara Federal aprovou em 17 de março de 2009, em caráter conclusivo, o Projeto de Lei 6 013/01, do deputado Jutahy Junior (PSDB-BA), que conceitua transtorno mental, padroniza a denominação de enfermidade psíquica em geral e assegura aos portadores desta patologia o direito a um diagnóstico conclusivo, conforme classificação internacional. O projeto determina que transtorno mental é o termo adequado para designar o gênero enfermidade mental, e substitui termos como "alienação mental" e outros equivalentes.[23]
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