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Ações afirmativas (também conhecidas como discriminação positiva)[1] são atos ou medidas especiais e temporárias tomadas ou determinadas pelo Estado com os objetivos de eliminar desigualdades historicamente acumuladas; garantir a igualdade de oportunidades e tratamento e compensar perdas provocadas pela marginalização decorrente de motivos raciais; étnicos; religiosos; de gênero e outros. São constituídas por favorecimento artificial de membros de grupos que se encontram em situação de desvantagem, realizado por meio de cotas em processos seletivos; criação de serviços especializados; programas de incentivos; etc. Assim, ações afirmativas visam combater os efeitos acumulados em virtude das discriminações ocorridas no passado ou no presente.
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Existem ainda ações afirmativas que são desenvolvidas por entes não estatais, ou seja, instituições da sociedade civil com autonomia suficiente para decidir a respeito de seus procedimentos internos, tais como partidos políticos, sindicatos, centrais sindicais, escolas, igrejas, instituições privadas etc. As ações afirmativas, neste sentido, podem ser temporárias ou não, dependendo das normas que as criaram. [2][3][4]
Apesar das sociedades modernas geralmente concederem igualdade política a todos os seus cidadãos; na prática ainda observam-se grandes disparidades entre diferentes grupos sociais.[5][6][7][8] A ação afirmativa configura-se como uma tentativa de corrigir esta situação desigual e transformar estruturas e tendências sociais. [2][3][4]
Ligado ao Movimento dos Direitos Civis, o termo ação afirmativa nasceu na década de 1960, nos Estados Unidos da América, com o Presidente John F. Kennedy. Referia-se a atos que promovem a igualdade entre os negros e brancos norte-americanos. O conceito de discriminação positiva foi associado à expressão pela primeira vez na Ordem Executiva 11.246, promulgada em 1965 por Lyndon B. Johnson. O texto redefiniu a Ação Afirmativa não apenas como princípio norteador, mas como um processo ativo guiando a conquista da Igualdade Racial.
Exemplos mais antigos de Ação Afirmativa como é entendida hoje podem ser encontrados na Índia. Movimentos a favor da criação de políticas públicas que incentivassem a representação de não-brâmanes em posições no governo existiam no período colonial; e a ação afirmativa como meio de atingir a igualdade entre castas atingiu grande importância no debate político após a independência. A maior parte das medidas deste período visava, por meio de cotas, a igualdade na representação em instituições públicas.
A partir de 1990, na África do Sul, a ação afirmativa em prol da população negra também ganhou grande importância após o fim da Apartheid, fortalecendo-se uma distinção entre a discriminação negativa e a discriminação positiva, usada por partidários desta. A primeira, ubíqua na era Apartheid, era motivada por racismo e existia para piorar a situação de grupos desfavorecidos; a segunda vinha como corretivo aos efeitos da primeira. O apoio da população sul-africana (em grande parte liberta da segregação recentemente) à medidas de discriminação positiva era praticamente universal.
De modo geral, a crescente das Ações Afirmativas nas últimas décadas está essencialmente ligada ao triunfo da Democracia Liberal e à suas concepções de justiça e igualdade. Movimentos sociais a favor de políticas de discriminação positiva tendem a ganhar força frente ao contraste entre os princípios de igualdade política presentes nos sistemas liberais e uma realidade claramente desigual. [9]
Muitos debates têm sido travados no campo da Filosofia Moral acerca da moralidade teórica das Ações Afirmativas. Tradicionalmente, duas vias de argumentação a favor do conceito predominaram: Uma é "retrospectiva", argumentando com considerações sobre o passado; e a outra é "prospectiva", baseando-se na situação presente e em intenções futuras.
O argumento retrospectivo afirma que os membros de grupos minoritários têm suas vidas injustamente prejudicas por sistemas passados como a colonização e o escravagismo, mesmo não sendo vítimas diretas destes, e portanto devem ser ressarcidas, como num pagamento de uma dívida histórica. Apesar de seu poder retórico, esta via de justificação enfrenta sérias dificuldades frente ao "problema da não-identidade", que aponta que a identidade e a existência de membros atuais de minorias é dependente dos mesmos fenômenos injustos passados, tornando a atribuição de injustiça confusa e contrafactualmente sem sentido. Além do mais, é dúbio que o Estado liberal tenha responsabilidade de pagar dívidas passadas deste tipo.
Mesmo que alguns filósofos se proponham a resolvê-lo, este problema faz que a maioria dos argumentos pró ação afirmativa foquem em perspectivas presentes e futuras, ignorando ideias de retribuição passada. Nesse sentido, existem alguns argumentos que tentam estabelecer as ações como meios para um bem concreto, como a diversidade ou a integração entre grupos sociais. Essas tentativas, entretanto, também possuem problemas significativos, deixando o maior espaço para outro argumento de grande influência, baseado na ideia de realização efetiva da justiça e da igualdade. [10][11]
Este argumento apoia-se nas concepções do Liberalismo Rawlsiano, que mantém, em termos simplificados, que a função do Estado é promover condições que permitam que todos os cidadãos se tornem igualmente livres, distribuindo os bens públicos de modo a valorizar o mérito; o talento; o esforço e o desenvolvimento da sociedade em geral. Neste paradigma, a discriminação positiva existiria como um "nivelador" que corrigiria as distorções no sistema liberal causadas, por exemplo, por desigualdades em acesso à educação; pela falta de autoestima de membros de grupos minoritários; pelas diferenças em número de conexões no mercado de trabalho; por preconceitos de empregadores; pelo descaso com comunidades marginalizadas, etc. Seria, é claro, uma medida meramente paliativa, e não uma solução para o problema. [11]
Para criticar as medidas de discriminação positiva, seus oponentes podem apontar para a primazia do ideal de Meritocracia e de não-discriminação, mantendo ser injusta e danosa à sociedade a escolha de indivíduos que não demonstram as competências necessárias para suas posições. Também é possível formular uma crítica apontando que a discriminação positiva na verdade dificulta a meta de igualdade entre grupos (especialmente raciais) porque encoraja o pensamento baseado em identificação e diferenciação entre esses grupos, além de causar dúvidas acerca dos méritos dos membros bem-sucedidos de minorias. Em resposta a esta objeção o defensor da ação afirmativa pode manter que, apesar da eliminação da consciência racial ser uma boa meta de longo prazo, a curto ou médio prazo nós somos obrigados a considerar esta consciência como necessária para combater as desigualdades atuais.[10][11]
Além das críticas acerca do raciocínio abstrato da ação afirmativa, existem levantamentos acerca dos efeitos reais destes programas.
Críticos podem, por, exemplo, argumentar que qualquer forma de discriminação é ilegal baseada nas leis de cada país, independente do contexto histórico da minoria em questão. [9][10]
Os críticos da ação afirmativa também sugerem que os programas podem beneficiar os membros do grupo-alvo que menos precisam do benefício, ou seja, aqueles que têm as maiores vantagens sociais, econômicas e educacionais dentro do grupo-alvo. Assim, os que mais perdem com estas políticas são os membros menos afortunados de grupos não preferenciais. Alguns beneficiários da ação afirmativa também podem ser descritos como totalmente não qualificados para a oportunidade disponibilizada para eles.
Outra crítica da ação afirmativa é que ela pode reduzir os incentivos tanto dos preferidos quanto dos não preferidos para ter o melhor desempenho. Os beneficiários da ação afirmativa podem concluir que é desnecessário trabalhar tanto, e aqueles que não se beneficiam podem considerar o trabalho árduo fútil.
Uma obra muito citada por partidários dessas linhas de argumento é Ação Afirmativa ao Redor do Mundo, livro do direitista americano Thomas Sowell. [12]
Nas últimas décadas, muitos países têm estabelecido políticas de discriminação positiva, principalmente por meio de cotas em seletivos públicos, gerando quase sempre controversas e debates.
A ação afirmativa à favor de negros em Universidades dos EUA encontrou grandes complicações legais desde sua criação. Pela maior parte da história, a Suprema Corte julgou que a discriminação positiva baseada apenas em raça era inconstitucional, mas que universidades ainda poderiam considera-la em processos de admissão como forma útil de buscar diversidade e históricos de vida diferentes nos discentes.[9] Entretanto, em 2023 uma Corte mais conservadora reavaliou as decisões anteriores, e decidiu proibir a consideração explícita de fatores raciais. Ainda há espaço, entretanto, para consideração de outros fatores visando diversidade ou inclusão.[13]
Os EUA também são palco de várias ações afirmativas voltadas para mulheres. Uma análise de 2012 da economista Fidan Ana Kurtulus cobriu o o avanço ocupacional de minorias e mulheres durante 1973-2003 e mostrou que o efeito da ação afirmativa no avanço de mulheres negras, hispânicas e brancas em ocupações gerenciais, profissionais e técnicas ocorreu principalmente durante o 1970 e início de 1980. Mas o efeito positivo da ação afirmativa desapareceu inteiramente no final dos anos 1980, o que Kurtulus diz que pode ser devido à mudança política da ação afirmativa iniciada pelo presidente Reagan. Tornar-se uma contratada federal aumentou a participação das mulheres brancas nas ocupações profissionais em 0,183 pontos percentuais, ou 9,3%, em média durante essas três décadas, e aumentou a participação das mulheres negras em 0,052 pontos percentuais (ou 3,9%). Tornar-se um empreiteiro federal também aumentou a participação de mulheres hispânicas e homens negros em ocupações técnicas, em média, em 0,058% e 0,109 pontos percentuais, respectivamente (ou 7,7 e 4,2%). Estes representam uma contribuição substancial da ação afirmativa para as tendências gerais no avanço ocupacional de mulheres e minorias ao longo das três décadas em estudo.[14]
O Ministério de Defesa francês tentou uma política de discriminação positiva, em 1990, que consistia no ganho de bônus em classificações e maior facilidade de tirar carta de condução para soldados jovens de origem árabe. Depois de um forte protesto, por um jovem tenente francês no jornal do Ministério da Defesa ("Armées d'aujourd'hui"), a medida foi cancelada. [15]
A União Europeia estabelece extensivas políticas de ação afirmativa para mulheres, utilizando-se de campanhas de conscientização contra estereótipos de gênero; efetivação de leis anti-discriminação e cotas para empresas. Em 2022, após muitas negociações, adotou um plano de 2012 para as mulheres constituírem 40% dos cargos de diretoria não executiva em grandes empresas cotadas na Europa. [16]
O Brasil viu, no decorrer de sua história, muitos sistemas e atitudes discriminatórias, como os 358 anos de escravidão e a proibição da participação feminina na política perpetuaram estratificação social e a marginalização de vários grupos sociais. Estas implicam ainda hoje em disparidades entre várias seções da sociedade e na exclusão parcial destes grupos do mercado de trabalho, das universidades e de outros âmbitos sociais, em geral. [5][7]
A discussão sobre ações afirmativas no país, entretanto, é relativamente recente: a primeira obra relevante sobre o tema (Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade) foi publicada apenas em 2001. [11]
Em 2012 foi sancionada pela presidente Dilma Roussef a Lei n. 12.711 (conhecida como Lei de Cotas) que estabeleceu uma porcentagem de vagas nas instituições federais de ensino superior e de ensino técnico de nível médio a ser destinada para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas e oriundos de famílias com renda igual ou inferior a um e meio salário-mínimo, assim como por pessoas autodeclaradas pretas, pardas e indígenas e por pessoas com deficiência. [17]
A lei brasileira 12.288, que institui o Estatuto da Igualdade Racial, define ação afirmativa como: os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades.[4] Dez anos depois, em 2023, uma "atualização" da política de cotas foi efetivada, como previsto na lei original. [18]
Com o passar dos anos desde a implementação da Lei de Cotas acumularam-se denúncias de fraude, levando ao estabelecimento de comissões de heteroidentificação ou tribunas raciais. São processos avaliativos que averiguam se a autodeclaração do possível cotista equivale à sua percepção social.[19] Estas organizações são criticadas por sua subjetividade e imprecisão. [20]
Em 2021, uma pesquisa do site Poder360 apontou uma aprovação de cerca de 60% para as cotas raciais entre a população brasileira, porcentagem consistente com a de um levantamento interior do instituto.[21] Uma pesquisa de 2023 do instituto Datafolha encontrou uma aprovação de cerca de 50%. A porcentagem de apoio permanece praticamente igual entre diferentes raças.[22]
Alguns estudos sugerem, na contramão de expectativas, que não existem grandes diferenças no desempenho acadêmico de alunos cotistas e não cotistas. Pesquisas também apontam que cotas baseadas apenas em indicadores sociais não diversificariam de forma significativa o corpo discente, havendo uma hierarquia entre brancos e negros mesmo dentro das classes econômicas.[23]
Além da Lei de Cotas, o governo brasileiro estabelece ou estabeleceu outras medidas de ação afirmativa, como concessão de bolsas de estudo; prioridade em empréstimos e contratos públicos; distribuição de terras e moradias; medidas de proteção diferenciada para grupos ameaçados, etc.[2]
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