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Polychaeta, também conhecidos como poliquetas ou vermes de cerdas, é uma classe de animais invertebrados pertencentes ao filo Annelida, com cerca de 15.000 espécies conhecidas[1]. O termo “Polychaeta” deriva do grego “polu” = muitas + “khaitē” = cerdas[2], em referência às numerosas cerdas presentes no corpo da grande maioria desses animais.
Possuem corpo segmentado (metamerização), apêndices carnosos (parapódios) ao longo de todo o corpo, aos pares em cada segmento. Em sua extremidade anterior localiza-se o prostômio, região da cabeça que é bem desenvolvida, dotada de cérebro e órgãos sensoriais, como olhos, antenas e por vezes cirros ou palpos tentaculares. O pigídio se localiza na extremidade posterior do animal, terminando no ânus.
Alguns grupos de poliquetas são exuberantes, apresentando coloração em tons de rosa, verde, vermelho ou uma ampla combinação de cores, e ainda podem apresentar iridescência e luminescência. A maioria desses animais possui um diâmetro corporal entre 2 a 10 mm e menos de 10 cm de comprimento, embora existam registros de diâmetros medindo cerca de 1 mm e até mesmo animais com mais de 3 m de comprimento. Os hábitos alimentares dos poliquetas são diversos, estando correlacionados aos diferentes modos de vida do grupo. São conhecidos herbívoros, onívoros, consumidores de detritos, pastejadores, parasitas e predadores ativos[3].
São animais predominantemente marinhos e em sua maioria de vida livre, não estando associados de forma direta a outros organismos[4]. Algumas espécies são também encontradas em ambientes salobros e em água-doce, havendo registros da ocorrência de espécies em todo o mundo[5]. Muitas espécies são bentônicas, vivendo nas profundezas dos oceanos, podendo ser encontrados nadando livremente na coluna de água, próximos à superfície, como parte do plâncton ou enterrados no fundo oceânico. Podem ser comumente encontrados nos litorais, e existem registros de espécies marinhas observadas em profundidades acerca de 10.000 m abaixo da superfície[6].
Tradicionalmente, os poliquetas são divididos entre errantes (poliquetas de vida livre) e sedentários (poliquetas sésseis), a partir da morfologia corporal e características gerais que apresentam (ver filogenia). De acordo com estudos mais recentes, o táxon Polychaeta é dividido em dois grandes grupos: Errantia e Sedentaria, que inclui os Clitellata, sendo, portanto, um clado parafilético em Annelida, ainda havendo um numeroso registro de espécies fósseis.
Assim como a maioria dos anelídeos, são animais triploblásticos (durante seu desenvolvimento são formados três folhetos embrionários), celomados (possuem cavidade interna delimitada por mesoderma) com trato digestivo completo, sistema circulatório fechado e sistema nervoso bem desenvolvido na maioria dos grupos, e realizam excreção através de protonefrídeos ou, de forma mais comum, por metanefrídios[7].
Os diferentes hábitos de vida e as diferentes estratégias alimentares dos Polychaeta resultaram em graus variados de modificações no plano básico desses anelídeos. O plano básico aqui descrito é comumente mais observado em grupos de poliquetas errantes.
De forma geral, possuem o corpo segmentado e alongado, sendo os segmentos corporais (metâmeros) limitados ao tronco que, na maioria das espécies, são perfeitamente idênticos. O número de metâmeros varia muito de acordo com a espécie, podendo ser encontrados menos de uma dezena e até centenas de metâmeros nesses animais. Cada metâmero conta com um par de parapódios, apêndices carnosos altamente vascularizados semelhantes a ramos e dotados de cerdas, de onde se origina a nomenclatura do grupo.
O corpo desses animais possui formato cilíndrico, sendo levemente achatado dorso-ventralmente. A cabeça fica localizada no prostômio ou ácron, região mais anterior do corpo (primeiro anel), que contém o cérebro e os órgãos sensoriais do animal: olhos, antenas, palpos sensoriais, entre outros[8]. Frequentemente são observados órgãos nucais na borda posterior do prostômio ou peristômio (segundo anel), atuando como quimiorreceptores[9][10]. Os órgãos nucais são considerados um caráter típico e de importância filogenética dos poliquetas, por estarem ausentes em apenas algumas espécies, enquanto que os demais órgãos sensoriais são mais restritos a alguns grupos ou espécies[8].
Os órgãos sensoriais, quando presentes, permitem que esses animais reconheçam o ambiente, ainda que a visão proporcionada pelos olhos simples se limite à percepção de luminosidade na maioria dos grupos. O peristômio ainda pode apresentar cirros tentaculares sensoriais ou um par de apêndices alimentares longos[3].
Posteriormente ao prostômio, na região mais terminal do corpo, localiza-se o pigídio, que porta o ânus. O prostômio e o pigídio, assim como o peristômio, não são metâmeros, pois não são originados na zona de crescimento durante a fase larval do animal (ver ontogenia em Annelida). A cavidade oral do animal localiza-se entre o prostômio e o peristômio, na região ântero-ventral[3].
Os parapódios são a principal característica que distingue os poliquetas dos demais anelídeos. Essa estrutura se estende a partir da parede corporal, sendo dividida em duas partes: o notopódio (divisão superior) e neuropódio (divisão ventral). As divisões do parapódio são sustentadas internamente por uma ou mais estruturas quitinosas, ou acícula[11].
Cirros podem estar presentes nos segmentos corporais. São porções tentaculares que se projetam da base dorsal do notopódio e da base ventral do neuropódio, e em alguns grupos de poliquetas os cirros dorsais são modificados em escamas (vermes escamosos)[11].
A projeção de cerdas quitinosas ocorre a partir dos lobos parapodiais, possuindo formas variadas. A maioria das cerdas é empregada na locomoção, podendo ser utilizadas para escavação ou como “âncoras” utilizadas para prender o indivíduo às paredes de tubos ou buracos. Alguns poliquetas utilizam suas cerdas como defesa, como é o caso de alguns vermes do grupo Amphinomida, que apresentam certas quebradiças, tubulares e calcárias, que contém veneno[3].
Apesar de os metâmeros geralmente serem semelhantes, em alguns grupos de poliquetas escavadores observa-se a especialização e diferenciação de regiões do tronco em tórax e abdômen, através de alterações nos parapódios ou pela presença ou ausência de brânquias. O número de segmentos de um verme poliqueta pode variar de 10 a 200, dependendo da espécie[3].
O corpo dos poliquetas é revestido por uma epiderme uniestratificada, ou seja, com uma única camada epitelial, e é recoberta por uma fina cutícula de colágeno. É comum a presença de glândulas secretoras de muco no tecido epitelial. Comumente são observadas células sensoriais ao longo de todo o corpo[8]. Logo abaixo do epitélio se estabelece uma camada de fibras musculares circulares, uma camada espessa de fibras musculares longitudinais e uma fina camada de peritônio. O intestino desses animais fica suspenso dentro do celoma por septos e mesentérios. Em alguns grupos de poliquetas, os septos desaparecem de forma parcial ou totalmente[11].
O poliquetas podem ser predadores carnívoros, herbívoros, onívoros, consumidores de detritos, parasitas e pastejadores. Todos esses hábitos estão diretamente relacionados aos diferentes hábitos de vida encontrados no grupo.
O sistema digestório de poliquetas pode ser descrito como um tubo reto, que parte da extremidade anterior do corpo do verme, onde localiza-se a boca, até o pidígio, onde localiza-se o ânus. Na extremidade anterior do canal, o mesmo é diferenciado em uma faringe ou em uma cavidade bucal, caso não haja faringe. Posteriormente, há um esôfago (reduzido em espécies sedentárias), um estômago, um intestino e um reto. Porém, embora haja diferenciação do aparelho digestório, a aparência a olho nu é de um tubo uniforme, de modo que a divisão de estruturas especializadas normalmente só possa ser observada histologicamente.
No estômago e no intestino ocorre a liberação de enzimas responsáveis pela digestão extracelular. São encontradas invaginações nas paredes do intestino, de forma a aumentar a superfície de contato do epitélio intestinal, já que ali ocorre a absorção de nutrientes. No processo de defecação, os poliquetas podem contar com a ajuda das correntes hídricas, que levam os detritos para longe. Porém, no caso de espécies que vivem enterradas ou em tubos, são capazes de escavar ou projetar o pidígio para fora da abertura do tubo, possibilitando assim o processo de defecação no meio externo.
Grupos de poliquetas predadores incluem espécies que habitam a superfície, espécies pelágicas, eunicídeos, onufídeos tubículas e habitantes de galerias mais ativos. A presa geralmente consiste em pequenos invertebrados, também podendo ocorrer predação de outros vermes. A captura do alimento ocorre pela faringe eversível, geralmente dotada de mandíbulas córneas especializadas. Algumas espécies tubícolas monitoram a corrente de água através de quimiorreceptores para detectar a presença da presa e projetar a faringe no momento mais adequado.
Ainda, são conhecidos poliquetas herbívoros, detritívoros (seletivos e não-seletivos), onívoros e filtradores (muitos dos poliquetas tubículas e escavadores são filtradores). Nesses animais, o aparato bucal é especializado para a captura ou absorção do alimento, a depender do hábito alimentar que apresentam[3].
Normalmente, os poliquetas apresentam um cérebro bilobado, localizado no prostômio, abaixo do epitélio dorsal. Na maior parte dos casos, dois conjuntivos circunfaringianos ou circum-esofágicos contornam o intestino anterior de modo a conectar o cérebro a um cordão nervoso central. Os órgãos sensoriais têm diferentes graus de enervação de acordo com a sua sensibilidade e grau de desenvolvimento.
O cordão nervoso ventral primitivo tem forma de escada e é duplo ー são dois cordões fundidos ao longo do corpo em graus variáveis. Apresentam comissuras transversais entre os gânglios. Além disso, cada gânglio normalmente projeta um inchaço ganglionar a cada segmento. O padrão de inervação nos poliquetas assemelha-se ao dos artrópodes.
Cada fibra muscular do verme têm mais de uma terminação nervosa, e a contração e o relaxamento muscular acontece por meio da atividade dos diferentes neurônios que terminam naquela fibra, assim como o controle quanto ao grau e intensidade da contração.
Os reflexos dos poliquetas são rápidos e eles possuem uma capacidade de contração muito rápida, principalmente quando falamos de tubícolas. Tal capacidade está relacionada com a presença de axônios gigantes nos cordões nervosos ventrais, onde o diâmetro aumentado do axônio faz com que a velocidade de condução seja ainda maior, possibilitando a contração simultânea de músculos segmentares. Esse mecanismo é muito importante para a defesa da maioria dos poliquetas contra os seus numerosos predadores[3].
Devido a toda a diversidade encontrada em Polychaeta, os órgãos sensoriais apresentam graus diversos de desenvolvimento, sendo melhor desenvolvidos nos poliquetas errantes.
Os olhos são compostos por fotorreceptores bastonetes, células pigmentantes e células de sustentação. Portanto, na maior parte dos vermes, os olhos apenas percebem intensidade luminosa e são capazes de identificar a fonte da luz. No entanto, em alguns grupos, principalmente predadoras como Alciopidae, podem apresentar olhos maiores e mais desenvolvidos, capazes de formar algum tipo de imagem. Enquanto isso, em espécies como vermes-leque (Serpulidae), com dispersão de fotorreceptores, pode haver extrema sensibilidade a reduções rápidas de luz, estimulando que o animal se recolha. Acredita-se que isso se trate de uma adaptação de proteção contra potenciais predadores[3].
Já os órgãos nucais tem função quimiorreceptora, geralmente se apresentando como duas fendas sensoriais na região da cabeça dos poliquetas. Dessa forma, em espécies predatórias, como anfinomídeos (Amphinomidae), costumam apresentar um grau maior de desenvolvimento, podendo se expandir e formar uma espécie de “coroa retorcida” na parte superior da cabeça[3].
Os estatocistos, frequentemente encontrados em escavadores sedentários ou tubícolas, podem atuar como georreceptores, de forma a manter a orientação corporal do indivíduo quando o mesmo está cavando ou construindo um tubo[3]. Eles podem ser fechados ou abertos ao exterior, e normalmente apresentam-se em apenas um par localizado na região da cabeça. Entretanto, poucas espécies possuem superdesenvolvimento dessa estrutura, com vários pares de estatocistos.
Os poliquetas, assim como a maioria dos anelídeos, possuem alta capacidade regenerativa. Embora existam exceções, esse processo é mais eficiente em vermes que possuem o tronco não diferenciado. Tubícolas e escavadores apresentam um grande potencial de regeneração de tentáculos, palpos e até mesmo de cabeças arrancadas[3][12]. Alguns poliquetas são capazes de regenerar o corpo inteiro a partir de um único segmento (Chaetopterus e a Dodecaceria). Experimentos realizados em Spionida[12][13] demonstram que a regeneração geralmente se inicia com a cicatrização, formação de blastema, diferenciação de segmentos e formação dos aparatos alimentares e órgãos sensoriais (boca, palpos, órgãos nucais, etc.). O sistema nervoso desses animais tem um papel fundamental na regeneração, como indutor. Experimentos realizados em alguns grupos demonstram que, quando apenas o cordão nervoso é rompido, ocorre a formação de uma nova cabeça na região do corte[14]. A formação de novos metâmeros após uma lesão sempre ocorre anteriormente ao pigídio, a partir da zona de crescimento (ver ontogenia).
São levantadas hipóteses de que as brânquias surgiram de forma independente dentro de Polychaeta por diversas vezes, já que são comumente encontradas no grupo, mas variando em localização e estrutura. A maioria das espécies que possuem brânquias vivem em tubos e buracos e, portanto, encontram-se protegidas, dispensando uma câmara protetora para as brânquias[3].
De modo geral, as brânquias são associadas aos parapódios, como sendo uma parte modificada destes. Pode haver um lobo branquial achatado no notopódio (como em Nereidiidae). Espécies sedentárias podem apresentar brânquias nas extremidades anteriores, como na superfície dorsal de segmentos da região anterior (como em Amphitrite, um terebelídeo). Isso garante que a troca gasosa ocorra próxima à abertura do tubo ou buraco onde o verme vive. A ventilação e manutenção da corrente de água no tubo pode ocorrer por movimentos ciliares, por contrações branquiais ou ainda por ondulações corporais ou movimentos peristálticos, como é o caso de espécies escavadoras.
Alguns poliquetas, como os vermes escamosos (Aphroditiformia), realizam trocas gasosas principalmente pela superfície dorsal do corpo, através de correntes criadas por movimentos ciliares. Nesses animais, a superfície corporal é coberta por élitros (cirros dorsais modificados em escamas). Assim, a corrente de água é criada pelos cílios, que então flui por baixo dos élitros[3].
De modo geral, o sistema circulatório dos poliquetas varia de acordo com as estruturas que possibilitam as trocas gasosas. Em alguns grupos, toda a superfície corporal é empregada para trocas gasosas (como nos lumbrinerídeos), outros utilizam as porções altamente vascularizadas dos parapódios como brânquias. As brânquias podem ocorrer como filamentos do tronco (como os cirratulídeos), brânquias anteriores (como os terebelídeos), ou ainda nas coroas tentaculares (serpulídeos, sabelídeos e siboglinídeos). Como o sangue geralmente transporta pigmentos respiratórios, a anatomia do sistema respiratório evoluiu de forma a possibilitar as trocas gasosas a partir dessas estruturas.
De forma geral, nos poliquetas em que os segmentos são homônimos e os parapódios são semelhantes e os notopódios funcionam como brânquias (como nos nereídeos), o sistema circulatório é composto por um vaso sanguíneo mediodorsal, com a função de de transportar o sangue para a região anterior, e um vaso medioventral, que leva o sangue para a região posterior. Entre esses vasos, há redes vasculares anterior e posterior, que são dispostas em série e possibilitam as trocas gasosas entre os vasos mediodorsal e medioventral, onde o vaso ventral origina um par de vasos parapodiais ventrais, com a função de de irrigar a parede corporal, os parapódios, nefrídios e vasos intestinais ventrais. Enquanto isso, o vaso ventral é interligado a um par de vasos parapodiais dorsais e um vaso intestinal dorsal.
No sistema circulatório dos poliquetas não há a presença de coração ou outras bombas, e a circulação ocorre através do tecido muscular da parede corporal e dos músculos das paredes dos vasos sanguíneos. Dessa forma, a circulação do fluido ocorre através de ondas peristálticas de contração nos vasos sanguíneos.
Os pigmentos respiratórios, como a clorocruorina (um tipo de hemoglobina presente em poliqueta, que apresenta cor verde ao invés de vermelha) atuam no transporte de oxigênio. O sangue rico em oxigênio é diretamente levado aos tecidos-alvo. Em alguns casos, o sangue que vem das brânquias pode se misturar com o sangue não oxigenado, e então a afinidade da hemoglobina com o oxigênio é alta, mantendo suas pressões de oxigênio baixas[3].
A excreção nos poliquetas ocorre por meio de nefrídios filtradores. A quantidade e a disposição varia de acordo com as particularidades de cada família, onde observa-se desde um par de nefrídios por segmento até um par para o indivíduo inteiro. Podem apresentar protonefrídios (ocorrem naqueles que não possuem sistema sanguíneo-vascular ou este encontra-se reduzido) ou sistemas metanefrídicos. O túbulo parte do celoma, do segmento anterior ao que o nefridióporo se abre.
A primeira filtração do sangue (ultrafiltração), nos poliquetas vascularizados, ocorre na parede dos vasos sanguíneos. Então, o fluido segue através de um duto ciliado, chamado de túbulo metanefrídico ou metanefrídio. Na ausência de sistema sanguíneo-vascular, essa primeira filtração ocorre enquanto o fluido celômico passa pelas paredes das células terminais protonefrídicas, e a reabsorção ocorre dentro do tubo protonefrídico, que é idêntico e tem a mesma função do metanefrídio. Os solenócitos (células terminais protonefrídicas) apresentam um único flagelo e um longo colar de filtração tubular.
Na extremidade pré-septal está localizado o nefróstomo, que tem a forma de um funil ciliado aberto. No canal pós-septal existe um enrolamento de túbulos formados por células peritoneais - provavelmente, com a função de aumentar a área de superfície para a secreção e reabsorção. Na base do neuropódio, o nefridióporo se abre pelo lado ventral, e a urina é liberada de forma direta para o lado externo[11][3].
De acordo com os diferentes modos de vida e formas corporais, os poliquetas adotam diferentes estratégias e apresentam diversas adaptações locomotoras.
Animais que possuem corpos mais alongados, parapódios e apêndices reduzidos normalmente utilizam-se da escavação peristáltica para se movimentarem, e por isso a musculatura circular é bem desenvolvida. Alguns dos vermes que utilizam de movimentos peristálticos para escavação pertencem aos grupos Eunicida (Arabellidae, Lumbrineridae) e Sedentaria (Capitellidae e Orbiniidae). Porém, mesmo escavadores podem utilizar de outros meios de locomoção, como o rastejamento realizado através de uma faringe eversível, mecanismo em que o animal se ancora no substrato e posteriormente recolhe o corpo por retração, movendo-se à frente (Glycera e Arenicola).
Alguns se locomovem através da produção de ondulações alternadas no corpo (produzindo movimentos ondulatórios) e até mesmo utilizando-se de cílios, cerdas e parapódios bem desenvolvidos para facilitar o processo de rastejamento (Nereididae, Lacydoniidae). Os movimentos são resultados da ação dos parapódios, da musculatura da parede corporal e, também, do fluido celômico. Grande parte dos poliquetas bentônicos utilizam dos movimentos de rastejamento para escavação e locomoção no substrato[3][11].
Os tubícolas são poliquetas que vivem dentro tubos, que podem ser compostos de um material secretado pelas glândulas ventrais dos seus segmentos, de grãos de areia e outros materiais encontrados no substrato, ou até mesmo de misturas de materiais externos e secretados pelo próprio animal[11]. Entre os grupos que produzem tubos, podem ser citados os Sabellidae, Sabellariidae e Serpulidae[15]. A maioria dos tubícolas são sedentários altamente especializados, que apresentam segmentos diferenciados e se movem por dentro do tubo por meio de peristaltismo.
Tubos temporários podem servir aos poliquetas errantes como abrigos protetores ou covas, para que vermes predadores, como alguns Eunicida, estendam-se a partir da abertura do tubo e possam capturar a presa que estiverem de passagem, assim como providenciar água limpa e com boa quantidade de oxigênio, quando se trata de substratos lamacentos e arenosos[16]. Além disso, alguns poliquetas utilizam seus tubos para incubar seus ovos, outros bombeiam água por meio do tubo para a realização de trocas gasosas e se alimentam por filtração. Ainda, a construção de tubos pode possibilitar que os poliquetas ocupem áreas com superfícies duras e nuas, como rochas, conchas e corais[11][3].
A maior parte dos poliquetas se reproduz de forma sexuada, embora exista registros de reprodução asexuada em alguns grupos, que normalmente ocorre por meio de brotamento ou divisão do corpo em duas ou mais partes que dão origem a organismos distintos (regeneração).
Quanto à reprodução sexuada, de forma geral, os indivíduos são gonocorísticos, mas alguns grupos apresentam hermafroditismo, como alguns serpulídeos, sabelídeos e nereídeos de água doce. Nos animais unissexuados, as gônadas são órgãos distintos, mas podem variar em sua posição e número. Geralmente as gônadas se restringem aos segmentos genitais. No caso de animais que possuem regiões abdominal e torácica separadas, as gônadas costumam ficar no abdômen. Nos casos de hermafroditismo, como nos vermes-leque (sabelídeos), a porção anterior do abdômen produz óvulos e a posterior espermatozoides.
Os gametas são formados a partir da proliferação de células originadas no peritônio. A liberação dos gametas no celoma acontece na forma de gametogônias ou gametócitos primários, para que a maturação dos gametas ocorra no fluido celômico. A partir do momento que o verme atinge a maturidade sexual, o celoma se enche de óvulos ou espermatozoides. Os gametas podem sair do corpo por diversas formas, através de nefridióporos, por aberturas anais especializadas ou até mesmo por uma simples ruptura na parede corporal.
Geralmente, a fecundação é externa e o desenvolvimento é indireto com larvas trocóforas planctotróficas. Alguns grupos apresentam padrão misto, com fecundação interna e formação de ovos.
Os ovos são comumente liberados de forma livre na água. Alguns poliquetas retém os ovos dentro dos tubos ou buracos. Outras espécies tubícolas ainda podem incubar seus ovos nos tubos ou no próprio celoma.
Existe um fenômeno reprodutivo que é característico de alguns poliquetas, chamado de epitoquia, que é observado em grupos como os silídeos, nereídeos e eunicídeos. Tal fenômeno consiste na formação de um indivíduo sexualmente reprodutivo chamado de epítoco, com adaptações como alterações na forma da cabeça, parapódios e cerdas para deixar o buraco, sendo formados a partir de um indivíduo dito átoco, não reprodutivo, por meio da transformação do indivíduo (como ocorre em nereídeos) ou por brotamento (como nos silídeos). Assim, esses vermes epítocos possuem os segmentos posteriores do corpo preenchidos por gametas, e nadam para a superfície enquanto os óvulos e os espermatozoides são liberados, comportamento conhecido como enxameamento. Nesse fenômeno, vários indivíduos maduros se juntam, aumentando as chances de fertilização, havendo o comportamento de corte característico de cada família. Geralmente o enxameamento ocorre em julho, próximo ao último quarto de um ciclo lunar.
A classe Polychaeta foi primeiramente separada dos anelídeos clitelados em 1850 por Grube[17], através de estudos baseados majoritariamente em características morfológicas e pela variação de hábitos de vida que apresentam.
São animais segmentados conhecidos como vermes de cerdas devido à sua morfologia geral. Constituem grande parte da diversidade encontrada no filo Annelida, com cerca de 15.000 espécies descritas atualmente[18]. Muito comuns no ambiente marinho, a maioria dos poliquetas apresenta menos de 10 cm de comprimento, com diâmetro variando entre 2 a 10 mm, mas algumas formas intersticiais podem apresentar menos de 1 mm. Por outro lado, são encontrados muitos poliquetas que ultrapassam 1 m de comprimento corporal, como algumas espécies dos gêneros Eunice (Eunicida) e Nereis (Nereidiformia)[3].
A diversidade que esses animais apresentam os permitem ocupar variados nichos ecológicos. Algumas espécies de poliquetas errantes são estritamente pelágicas, e vivem movendo-se livremente na coluna de água dos oceanos e lagos, enquanto outras são rastejadoras, sendo encontrados indivíduos vivendo por debaixo de rochas, conchas e estruturas semelhantes no fundo dos oceanos. Outras espécies de errantes são escavadoras ativas, capazes de se enterrarem na areia ou lama, ou ainda ocupam tubos estacionários.
As espécies de poliquetas sedentárias podem viver em galerias construídas pelo próprio indivíduo, ou ainda em buracos ou tubos especializados[3]. Geralmente, espécies tubícolas obrigatórias não podem deixar seus tubos, e apenas projetam a região anterior do corpo para fora através de aberturas, em situações específicas. Também são conhecidas espécies comensais e parasitas, condições que resultam em alterações significativas na estrutura corporal desses animais.
Durante o século 20, os poliquetas foram amplamente classificados em dois grandes grupos, errantes e sedentários, a depender do hábito de vida e das estratégias de alimentação que apresentam, apesar dessa distinção não ser tão precisa. Os poliquetas errantes são vermes em sua maioria predadores, capazes de se moverem livremente no ambiente em que vivem, incluindo os escavadores. Os poliquetas sedentários compreendem os vermes mais sésseis e tubícolas[19][20][21]. Análises filogenéticas e estudos cladísticos demonstraram que tais agrupamentos taxonômicos baseados principalmente em caracteres morfológicos são inválidos em muitos casos. Hoje em dia, a posição de Polychaeta dentro do filo Annelida não foi precisamente estabelecida, sendo revisada através de novas ferramentas e dados moleculares disponíveis.
Conforme citado, ainda não existe um consenso quanto à classificação e taxonomia dos anelídeos. Estudos recentes apresentam novas evidências de que os Clittelata, táxon que inclui os Hirodinea e Oligochaeta, se originaram dentro de Polychaeta, tornando a antiga classe dos poliquetas sinônimo de Annelida. Hoje, Oligochaeta e Polychaeta são reconhecidos como grupos parafiléticos, e um novo clado denominado “Pleistoannelida”, sugerido por Stuck et. al. (2011)[22], reúne grande parte dos grupos tradicionalmente classificados em “Errantia” e “Sedentaria”.
Assim, os principais grupos aqui descritos são incluídos no filo Annelida, mas não possuem necessariamente uma relação direta à tradicional organização linneana[11]. Grupos que antes eram considerados filos distintos, hoje são reconhecidos como anelídeos, como os Myzostomida[23], Siboglinidae, Echiura e Sipuncula[24][25].
Myzostomida: os mizostromídeos agrupam 156 espécies. Análises filogenéticas recentes os classificam como um grupo basal no filo Annelida[22]. São animais em sua maioria ectossimbiontes, endossimbiontes ou parasitas de equinodermos, e alguns ainda são parasitas dos Anthozoa.[11]
Filogenia dos poliquetas | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Cladograma baseado em Phylogeny of Annelida (Struck, T.).
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Tradicionalmente, o filo Annelida era constituído por três classes: Polychaeta, como sendo o grupo mais numeroso e diversificado, Oligochaeta agrupando as minhocas e semelhantes, e Hirudinea (ou Hirudinoidea), compreendendo as sanguessugas. Por muito tempo, o táxon Polychaeta foi dividido em dois grandes grupos, Errantia e Sedentaria, com base principalmente em características morfológicas e pelos diferentes hábitos de vida desses animais[28]. Na década de 70, estudos passaram a revisar tal classificação, que era considerada por demasiado arbitrária, sendo somente adotada por motivos práticos[22]. Dessa forma, surgiram outras propostas para a classificação dos poliquetas em ordens e subfamílias[29][30][31].
Rouse e Fauchald (1997)[32], utilizando métodos cladísticos, classificaram Polychaeta como um clado monofilético dividido em dois grupos: Scolecida e Palpata. Em Palpata estão inclusos os clados Aciculata e Canalipalpata, com Aciculata incluindo dois grupos reconhecidos como os poliquetas errantes, Eunicida e Phyllodocida. Ambos os grupos Eunicida e Phyllodocida são, segundo os autores, monofiléticos, devido às sinapomorfias que apresentam (presença de cirros ventrais, acículas, cirros dorsais, antenas laterais e palpos protostomiais simples e sensoriais). No entanto, essa proposta foi construída a partir de caracteres morfológicos, e diversos grupos tradicionalmente aceitos por essa filogenia não foram sustentados por análises de dados moleculares[33]. Assim, durante os últimos anos, muitos autores questionam se Annelida e Polychaeta são grupos monofiléticos.
Mais recentemente, através de análises moleculares, uma nova filogenia de Annelida foi proposta[22]. Como resultado, Chaetopteridae, Mysostomida e Sipuncula são posicionados na base da árvore filogenética de Annelida e os demais grupos são divididos em Errantia (incluindo Eunicida, Orbiniida, Amphinomida, entre outros) e Sedentaria (incluindo Siboglinidae, Clitellata, Capitellida, Echiura, Terebellida, entre outros). Deste modo, os estudos realizados por Stuck e colaboradores[22][34] mostram que a classificação de Quatrefages (1866)[19] estava próxima da realidade, uma vez que as características morfológicas e hábitos de vida dos Annelida puderam, de fato, contribuir para a construção da árvore filogenética do grupo.
Grupos de posição incerta dentro dos anelídeos não foram representados no cladograma aqui inserido.
Struck et. al. (2011)[22], ao restabelecerem os antigos clados Errantia e Sedentaria a partir de estudos moleculares, os agrupam em um novo clado, “Pleistoannelida”, que compreende a maior parte da diversidade de anelídeos, e define o último ancestral comum de Errantia e Sedentaria, agrupando todos os descendentes desse ancestral. O termo "Pleisto" deriva do grego "pleistos" = a maioria.
Portanto, hoje as três classes mais antigas do filo Annelida (Polychaeta, Oligochaeta e Hirudinea) não são ordenadas da mesma forma[11], e alguns autores consideram a divisão de “poliquetas” e “oligoquetas” como apenas uma classificação informal.
As análises de dados moleculares que sustentam a filogenia atual dos anelídeos se baseiam principalmente em conjuntos de dados de RNAr 18S, RNAr 28S, sequências de genes Hox, genoma mitocondrial, miosina II, entre outros[35], além dos caracteres morfológicos que serviram de base para classificação dos anelídeos por muito tempo.
A classe Polychaeta[6], por muito tempo considerada um táxon monofilético, é sustentada majoritariamente por análises baseadas em caracteres morfológicos. Estudos[22] [34]moleculares publicados nos últimos anos sugerem que a antiga classe Polychaeta constitui um táxon parafilético. A taxonomia aqui incluída se baseia na divisão tradicional da classe dos poliquetas dentro do filo Annelida em subclasses e ordens.
Os poliquetas são importantes sob vários aspectos. Do ponto de vista ecológico, constituem um papel significante na cadeia trófica do ecossistema de populações bentônicas. Servem de fonte energética para diversos organismos marinhos, inclusive de peixes de grande importância econômica com cerca de 80% de sua alimentação baseada nesse grupo de anelídeos[4]. Possuem uma grande quantidade de espécies contribuindo para a biodiversidade da zona de marés. Além disso, os poliquetas são utilizados como indicadores biológicos para o monitoramento de ambientes poluídos como mar, estuários e lagoas costeiras, apontando o grau de impurezas. Sua utilização na avaliação do estado de sanidade em determinada área não se deve apenas pela sua abundância nestes ecossistemas, mas também pelas suas respostas aos diferentes tipos de poluição. É de se considerar ainda que há promissores estudos sobre as neurotoxinas produzidas por alguns Nereídeos que são letais para muitos insetos, sugerindo que estas possam ser usadas para a produção de inseticidas.
Na esfera econômica, algumas espécies de poliquetas ganham espaço na pesca esportiva para servirem de iscas e possuem altos valores nos Estados Unidos e nos países da Europa, movimentando um comércio internacional que envolve cifras de milhões de dólares[37]. A exploração e exportação desses animais são feitas principalmente em alguns países asiáticos, gerando altos lucros neste mercado.
Os poliquetas também podem ser encontrados na alimentação humana. Mais especificamente a forma epítoca da espécie Eunice viridis é usada na culinária Fiji, país localizado na Oceania, e é conhecida como “palolo” pela população local.
Geralmente, por possuírem corpo mole, os poliquetas são preservados nos registros fósseis com apenas partes de apêndices, como as mandíbulas ou estruturas calcárias, como partes dos tubos, que eram secretados pelos próprios indivíduos e utilizados como abrigos dos vermes sedentários, tal como as espécies tubícolas que conhecemos hoje. Em raras situações, sob condições específicas, como quando ocorre a deposição de minerais sobre a matéria orgânica, são preservados fósseis de corpos inteiros dos poliquetas[38].
A grande maioria dos fósseis de representantes dos filos que conhecemos datam do final da grande radiação cambriana, há cerca de 550 Ma (milhões de anos) atrás, no início da era Paleozóica[39]. Hoje, destaca-se como um importante sítio fossilífero o Xisto de Burgess, localizado no Canadá, que abriga numerosos fósseis de animais, incluindo um rico registro de poliquetas datados do cambriano. Nesse depósito são encontrados fósseis de vermes com idade de cerca de 505 milhões de anos.
Os poliquetas mais antigos são datados do Cambriano médio, há cerca de 520 milhões de anos atrás, encontrados no Sirius Passet, um lagerstätte cambriano da Groenlândia. Estudos apontam que os fósseis de Phragmochaeta canicularis[40], encontrados nesse depósito, são os fósseis do ancestral comum a todos os anelídeos viventes, por apresentarem caracteres primitivos de todos os anelídeos, como a segmentação do corpo em numerosos metâmeros. Esse verme não apresentava apêndices na região mais anterior do corpo, como palpos tentaculares ou antenas, como a grande maioria dos poliquetas atuais apresentam (apêndices tentaculares e sensoriais no prostômio, região mais anterior no corpo dos poliquetas). No entanto, apresentavam numerosas cerdas nessa região, possivelmente com função sensorial.
Vermes do gênero Canadia, encontrados no Xisto de Burgess (cerca de 505 Ma), continham numerosas cerdas na porção dorsal dos parapódios. Também existem evidências de que esses vermes seriam luminescentes, sugerindo algum parentesco com os Phyllodocida, grupo de vermes que comumente podem apresentar iridescência ou luminescência. Assim como vermes fósseis do gênero Burgessochaeta, esses fósseis apresentam palpos sensoriais na região cefálica, evidenciando a proximidade destes com os poliquetas atuais. Pygocirrus é um gênero de vermes fósseis encontrados em Sirius Passet que são, segundo alguns estudiosos, os vermes mais próximos dos poliquetas atuais[40], pois apresentavam tentáculos sensoriais na região mais posterior do corpo (que seria equivalente ao pigídio nos poliquetas), uma característica comum em poliquetas atuais.
A maioria dos fósseis descritos também sugerem que o ancestral comum aos anelídeos se tratava de um verme parecido com os poliquetas errantes que conhecemos hoje, por se tratar de um organismo extremamente ativo e que vivia majoritariamente na superfície do fundo oceânico. Evidências fósseis comprovam que os anelídeos se diversificaram de fato no começo do Ordoviciano, há cerca de 485 Ma. Palpos tentaculares encontrados nos poliquetas atuais não são encontrados no registro fóssil antes do Ordoviciano[41]. As características dos poliquetas atuais são cada vez mais evidentes nos registros fósseis mais recentes. No final do Carbonífero, há cerca de 299 Ma, surgem os primeiros fósseis dos poliquetas errantes atuais. No Jurássico, há cerca de 200 Ma, surgem os primeiros fósseis de poliquetas sedentários, evidenciados pela presença de tubos calcários[42].
Kootenayscolex barbarensis[43], um fóssil encontrado em 2012 datado de 508 Ma, tem sido explorado por estudos que indicam uma mudança radical da hipótese de como surgiram a cabeça dos anelídeos. A presença de cirros na região cefálica, semelhantes aos cirros encontrados nos parapódios em todo o tronco dos poliquetas, demonstra que a cabeça desses vermes pode ter surgido a partir da diferenciação de um dos metâmeros posteriores do corpo desses animais, através da especialização de um ou mais segmentos.
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