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Corpo político é um conceito filosófico onde uma nação ou entidade é uma metáfora considerada uma entidade corporativa,[2] traçando relação desta com o corpo humano.
Na origem da definição, o corpo político compreende todas as pessoas em um determinado país, considerando-as como um único grupo. A primeira menção do termo impresso na Europa é em 1407 na obra Livro do Corpo de Política, de Christine de Pizan, no qual a autora admite ter recebido o conceito de Plutarco, através de uma carta dirigida ao Imperador Trajano, contudo é possível rastrear a origem ainda mais antiga, em João de Salisbury, que o denota em sua obra Policraticus.[3][4] A metáfora aparece na língua francesa como corps-état.[5] Desenvolvida no Renascimento, quando o conhecimento médico baseado na obra de Galeno passou a ser desafiado por novos pensadores, como por exemplo o britânico William Harvey. A partir da criação dessa metáfora, ela passou a ser utilizada como analogia para as doenças no corpo humano e seus equivalentes no campo político, principalmente aquelas que eram consideradas pragas ou infecções que poderiam ser remediadas através de laxantes e de ditos remédios milagrosos.[6]
De maneira contemporânea, a interpretação de corpo político tem sido usada por grupos para caracterizar manifestação política através da mera existência. A interpretação entende que qualquer corpo que fuja do padrão normativo da sociedade moderna, é automaticamente um corpo político. O filósofo francês Michel Foucault foi um dos pioneiros em caracterizar o corpo político como manifestação individual, desvinculando da definição medieval e trazendo nova significação ao termo.
"Corpo político" é uma expressão derivada do conceito político medieval dos dois corpos do Rei, descrito pela primeira vez pelo historiador germano-americano Ernst Kantorowicz[7] como um ponto pertencente à intersecção de teologia com o estatalidade. O conceito foi trazido à tona como uma realidade codificada e legal pelo juiz e Lorde Chefe de Justiça inglês Sir William de Shareshull em 1351 para o delito de alta traição, após a Primeira Guerra dos Barões.[8] Já no século XV, o juiz britânico Sir John Fortescue moveu este conceito da teologia para a jurisprudência , em seu livro A Diferença entre uma Monarquia Absoluta e Limitada, escrito no exílio por volta de 1462. Fortescue explica que o character angelus (caráter divino) do corpo político é seu poder real, derivado dos anjos e separado dos frágeis poderes físicos de seu corpo. Contudo, ele apenas usa a expressão corpo político em seu sentido moderno, no entanto, para descrever o reino de Bruto de Troia, o primeiro rei lendário da Inglaterra, e relatar sobre como ele e seus companheiros do exílio haviam feito diferentes pactos para formar um corpo político. Fugindo ao que era regra, Fortescue escreveu em inglês e não em latim: "fez um corpo político chamado reino."[2]
Em 1550, o jurista inglês Edmund Plowden reuniu os conceitos de Fortescue aos seus próprios estudos, removendo-os da mera abstração e tornando-os a manifestação real e física do corpo do rei. Plowden, em suas obras, relata como advogados e juristas codificaram esta noção ao examinar um caso de posse de terra referente a um antigo monarca "o corpo político...que não pode ser visto ou segurado... [é] constituído para o direcionamento do povo (...) [e] estas duas entidades são incorporadas em uma única pessoa... o corpo político, inclui o corpo natural do [Rei]."[9] Em 1609, o Procurador-Geral inglês Edward Coke escreveu sua opinião divergente a de Plowden, dizendo mortal era o poder de Deus, enquanto a imortalidade do poder real só existia como tal por tratar-se de um conceito humano. Coke, posteriormente, conseguiu limitar o poder real tanto de Charles I e James VI em seus infames julgamentos de Casos de Proclamações e também com a sua Petição de Direitos, que culminou no desencadeamento da Guerra Civil Inglesa e acabou reverberando em todo o país nos cem anos seguintes.
Com a restauração da monarquia ao fim da Commonwealth, na figura de Carlos II, a ideia de corpo político como definição do rei e da nação permaneceu atual, de maneira que a realiza seguiu utilizando o conceito para reforçar sua autoridade. Apenas com a declaração dos direitos do Parlamento que trouxe a Revolução Gloriosa de 1688[10][11], que isso foi revisto. No século XVIII, juristas e o altamente influente juiz britânico Sir William Blackstone ainda mantinham a utilização da ideia medieval e do argumento jurídico do monarca como "imortal", que ainda sobrevive hoje com uma ênfase quase divina (character angelus).
O filósofo francês Michel Focault em seu livro Vigiar e Punir, trouxe a definição de que o corpo humano está diretamente mergulhado dentro de um campo político, uma vez que relações de poder tem um alcance imediato e direto sobre ele. Essas relações investem, marcam, direcionam, castigam, os sujeitam a trabalhos, os forçam a participar de cerimônias e demandam-lhe sinais. Esses esforços políticos do corpo estão relacionados à maneira que o corpo pode ser utilizado de maneira econômica, de maneira complexa e recíproca. Também está conectada em altos níveis, à força de produção que aquele corpo é capaz de oferecer e às relações de poder e dominação que ele exerce. Em contraponto, para constituir um corpo político como força de trabalho é possível apenas ao prendê-lo a um sistema dependente, onde a necessidade por si só também se trata de instrumento político organizado de maneira cuidadosa, calculada e bem utilizada.
O corpo torna-se útil e torna-se de fato um corpo político ao se impor como corpo produtivo e, simultâneamente, um corpo submisso. E essa submissão é obtida não somente por instrumentos de violência ou por meios ideológicos - ela pode ser providenciada diretamente, ou através de força contra força, de maneira física, ou agindo sobre os elementos materiais, sem, ainda, mesmo neste tipo de exemplo, usar de violência. Essa obediência que o sistema busca pode ser calculada, organizada, tecnicamente pensada, alcançada de maneira sutil sem a utilização de armas, literais ou figurativas, ou de terror, e em momento algum ser realizada de forma física.
Em uma utilização ainda mais moderna da expressão, é possível associá-la a manifestações políticas. O filósofo brasileiro Vladimir Safatle, relacionando o conceito de corpo político a outros pensadores, tais como Rosseau, Hobbes e Spinoza, traz que a política jamais pode ser desvinculada da idéia de corpo, uma vez que a constituição do corpo como unidade, levando em consideração a formação de um consciente, de um eu comum. Safatle ainda traz que, uma vez não sendo possível entender a instauração política sem o usufruto de metáforas corporais por motivo de, na realidade, construir vínculos políticos é indissociável da capacidade de ser afetado, de ser sensitivamente afetado, de entrar em um regime sensível de aisthesis, termo grego que significa a capacidade de sentir o mundo, compreendê-lo pelos sentidos, o exercício das sensações.
Dessa forma, as relações com a metáfora do corpo político na contemporaneidade não apenas discorrem acerca da busca por uma coesão social que seja feita organicamente, mas também indicam a natureza do regime de distúrbios que sustentam as adesões sociais.
No debate político contemporâneo, a problemática da gestão dos afetos penetram o conceito de corpo político na sociedade atual. No ensaio, ensaio “A terra, a guerra a insurreição (2005)”, o filósofo húngaro residente do Brasil, Peter Pál Pelbart define “Falamos de desejo, e não de reivindicações, justamente porque reivindicações podem ser satisfeitas, mas o desejo obedece à outra lógica – ele tende à expansão, ele se espraia, contagia, prolifera, se multiplica e se reinventa à medida que se conecta com outros”.
A nation regarded as a corporate entity
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