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heresiarcas durante o Cristianismo primitivo Da Wikipédia, a enciclopédia livre
Marcião de Sinope - ou Marcion - (em grego: Μαρκίων Σινώπης; c. 85 – 160) foi um dos mais proeminentes heresiarcas durante o Cristianismo primitivo.[1] A sua teologia chamada marcionismo propunha dois deuses distintos, um no Antigo Testamento e outro no Novo Testamento, foi denunciada pelos Pais da Igreja e ele foi excomungado. Curiosamente esta separação será posteriormente adaptado pela igreja e utilizada a partir de Tertuliano,[2] assim como a sua rejeição de muitos livros que seus contemporâneos consideravam como parte das escrituras mostrou à Igreja antiga a urgência do desenvolvimento de um cânon bíblico.
Hipólito relata que Marcião era filho de um bispo na cidade de Sinope, na província romana do Ponto (atualmente na Turquia).[3] Seu contemporâneo Tertuliano o descreve como um proprietário de barcos.[4] Marcião provavelmente foi consagrado bispo, provavelmente um assistente ou um sufragâneo de seu pai em Sinope[4]
Quando encontrou-se com ele, Policarpo de Esmirna chamou-o de "primogênito de satanás" segundo Jerônimo.[5] Epifânio afirma que após um começo como um asceta, ele seduziu uma virgem e foi excomungado por seu pai, fazendo com que ele deixasse a sua cidade natal.[6] Este relato já foi contestado por estudiosos, que o consideraram como "fofoca maliciosa". Mais recentemente, Bart D. Ehrman sugeriu que esta "sedução de uma virgem" seria uma metáfora para a sua corrupção da Igreja cristã, sendo esta a virgem não deflorada.[7]
Marcião viajou para Roma em 142-143 d.C.[8] Nos anos seguintes, Marcião desenvolveu seu sistema teológico e atraiu um grande grupo de seguidores. Ele fez uma notável doação de 200 000 sestércios para a Igreja.
Quando os conflitos com os bispos de Roma começaram, Marcião organizou seus seguidores em uma comunidade separada. Ele foi consequentemente excomungado pela Igreja de Roma e sua doação foi devolvida. Após sua excomunhão, ele retornou para a Ásia Menor, onde continuou a propalar o marcionismo.
O estudo das Escrituras judaicas juntamente com outros escritos que circulavam na época da igreja nascente (a maioria foi eventualmente incorporada no Cânone do Novo Testamento) levaram Marcião a concluir que muitos dos ensinamentos de Jesus Cristo eram incompatíveis com as ações de Deus no Antigo Testamento. A resposta dele para este paradoxo foi o desenvolvimento de um sistema dualista por volta do ano 144 d.C.[8] Esta noção dual de Deus permitiu que Marcião reconciliasse as supostas contradições entre a teologia da Antiga Aliança e a mensagem de Boas Novas.
Marcião afirmava que Jesus Cristo era o salvador enviado por Deus Pai, com Paulo como seu principal apóstolo. Ao contrário da nascente igreja, Marcião declarava que o Cristianismo era distinto e oposto ao Judaísmo. Marcião, contrário ao que muitos acreditam, não afirmou que a Bíblia e as escrituras judaicas eram falsas. Ele acreditava e argumentava que ela deveria ser lida de maneira absolutamente literal, provando assim que YHWH não era o mesmo Deus a quem Jesus se referia. Um exemplo: no Gênesis, quando YHWH está andando no jardim do Éden perguntando onde estava Adão, Marcião interpretava isso como se YHWH tivesse literalmente andando através do jardim em alguma forma de corpo físico e que literalmente não sabia onde estava Adão «Deus Jeová chamou ao homem, e perguntou-lhe: Onde estás?» (Gênesis 3:9). Ele argumentava que isso provaria que YHWH poderia habitar um corpo físico e que YHWH também era capaz de ser ignorante, algo completamente diferente do Pai a quem Jesus se referia.
O Deus do Antigo Testamento, o Demiurgo, a Divindade criadora do mundo material seria então uma divindade tribal invejosa dos judeus, cuja Lei representaria a justiça recíproca legalista e que pune a humanidade por seus pecados com sofrimento e morte. Já o Deus a quem Jesus se refere seria um ser completamente diferente, um Deus universal de compaixão e amor e que olha para a humanidade com compaixão e piedade.
Marcião afirmava que Jesus era o filho do Deus Pai, mas entendia a encarnação de maneira docética, ou seja, de que o corpo de Cristo era apenas uma imitação de um corpo material. Ele acreditava que Cristo na crucificação pagou a dívida de pecado que humanidade tinha, absolvendo-a e permitindo que ela então herdasse a vida eterna.[9]
Marcião propôs um cânon bíblico. Porém, seu cânon só tinha onze livros agrupados em duas seções, o Evangelho, uma versão do Evangelho de Lucas[10] e dez cartas do "apóstolo", ou seja, de Paulo, a quem ele considerava como o mais correto intérprete e transmissor da mensagem evangélica de Jesus. Ambas as seções também foram purgadas de elementos relacionados à infância de Jesus, a religião judaica e outros materiais que contestavam a sua teologia dualista.
Marcião também produziu uma obra chamada Anthiteses, que contrastava o Demiurgo com o Deus Pai.
Marcião é às vezes chamado de o filósofo do Gnosticismo. Em alguns aspectos essenciais, ele propôs ideias que se alinham bem com o pensamento gnóstico. Assim como eles, Marcião argumentava que Jesus era essencialmente um espírito aparecendo aos homens e não totalmente humano.[9]
Porém, o marcionismo conceitualiza Deus de uma maneira que não é totalmente conciliável com o Gnosticismo. Para estes, todos os humanos nascem com uma pequena parte da alma divina alojada dentro de seu espírito (similar à noção da "fagulha divina").[9] Deus está, portanto, intimamente conectado a uma parte de Sua criação. A salvação é alcançada ao abandonar o mundo físico (que os gnósticos afirmam que é uma ilusão para aprisionar esta parte de Deus) e abraçar estas qualidades divinas que estão dentro de cada pessoa.[9] Já Marcião, contrariamente, afirma que Deus Pai seria um Deus completamente fora do mundo material. Ele não participou da criação do mundo material (uma criação do Demiurgo) e nem tem conexão alguma com ele. Ele intervém para salvar a humanidade por compaixão apenas.
Marcião figura entre os primeiros heréticos de renome na história da igreja nascente. Sua interpretação alternativa da vida e ministério de Jesus Cristo ajudou a inspirar a noção de que certas teologias deveriam ser sancionadas como "ortodoxas" e outras, como "heréticas" – um conceito até então desconhecido nos círculos eclesiásticos. Reagindo à popularidade da seita recém-fundada de Marcião, a igreja começou então a sistematizar um conjunto de crenças que seriam consideradas ortodoxas por todo o Cristianismo.
Marcião foi o primeiro líder cristão a propor e delinear um cânon bíblico. Ao fazê-lo, ele estabeleceu uma maneira particular de avaliar os textos religiosos que persiste no pensamento cristão até hoje. Após Marcião, os cristãos passaram a dividir os textos entre os que se alinhavam bem com um "régua de medida" (em grego: kanōn) de pensamento teológico aceito, e os que promovem a heresia. Esta bifurcação essencial teve um papel essencial na finalização da estrutura da coleção de obras chamada "Bíblia", uma vez que o ímpeto inicial para finalizar o cânon surgiu justamente da oposição à proposta de Marcião.
A igreja que Marcião fundou se expandiu por todo o mundo conhecido na época durante a sua vida e foi uma séria rival para o Cristianismo. Seus aderentes eram fortes o suficiente em suas convicções para manter o extenso poder da igreja por mais de um século. Ela sobreviveu à controvérsia cristã e à desaprovação imperial por muitos séculos.[11]
Algumas ideias similares às de Marcião reapareceram entre os bogomilos da Bulgária no século X e entre os cátaros do Languedoque, no sul da França, no século XIII.
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