Pintura no Brasil
história da pintura no Brasil / De Wikipedia, a enciclopédia encyclopedia
A pintura no Brasil é uma das principais expressões da cultura brasileira. Nasceu com os primeiros registros visuais do território, da natureza e dos povos nativos brasileiros, realizados por exploradores e viajantes europeus cerca de cinquenta anos após o Descobrimento. Os índígenas já praticavam há muito tempo algumas formas de pintura no corpo, em paredes de grutas e em objetos, mas sua arte não influenciou a evolução posterior da pintura brasileira, que passou a ser dependente de padrões trazidos pelos conquistadores e missionários portugueses.
No século XVII a pintura no Brasil já experimentava um desenvolvimento considerável, ainda que difuso e limitado ao litoral, e desde então conheceu um progresso ininterrupto e sempre com maior pujança e refinamento, com grandes momentos assinaláveis: o primeiro no apogeu do Barroco, com a pintura decorativa nas igrejas; depois, na segunda metade do século XIX, com a atuação da Academia Imperial de Belas Artes; na década de 1920, quando se inicia o movimento modernista, que teve sucesso em introduzir um sentido de genuína brasilidade na pintura produzida no país, e em tempos recentes, quando a pintura brasileira começa a se destacar no exterior e o sistema de produção, ensino, divulgação e consumo da pintura está firmemente estabilizado através de muitos museus, cursos universitários e escolas menores, exposições e galerias comerciais, além de ser uma atividade que conta com inúmeros praticantes profissionais e amadores.
Relativamente pouco se conhece a respeito da arte pictórica praticada no Brasil de antes da descoberta do território pelos portugueses. Os povos indígenas que foram encontrados pelo colonizador não praticavam a pintura como era conhecida na Europa, usando tintas na ornamentação corporal e na decoração de artefatos de cerâmica. Dentre as relíquias indígenas que sobreviveram desta época destaca-se um bom acervo de peças das culturas Marajoara, Tapajós e Santarém, mas tanto a tradição de cerâmica como a de pintura corporal foram preservadas pelos índios que ainda vivem no Brasil, estando entre os elementos mais distintivos de suas culturas. Também ainda existem diversos painéis pintados com cenas de caça e outras figuras, realizados por povos pré-históricos em grutas e paredões rochosos em certos sítios arqueológicos. Estas pinturas provavelmente tinham funções rituais e teriam sido vistas como dotadas de poderes mágicos, capazes de capturar a alma dos animais representados e assim propiciar boas caçadas. O conjunto parietal mais antigo conhecido é o da Serra da Capivara, no Piauí, que exibe pinturas rupestres datadas de 32 mil anos atrás.[1] Entretanto, nenhuma destas tradições se incorporou à corrente artística introduzida pelo colonizador, a qual se tornou predominante. Como disse Roberto Burle Marx, a arte do Brasil colonial é em todos os sentidos uma arte da metrópole portuguesa, embora em solo brasileiro tenha passado por várias adaptações ditadas pelas circunstâncias especificamente locais do processo colonizador.[2]
Entre os primeiros exploradores da terra recém-descoberta vieram alguns artistas e naturalistas, encarregados de fazer o registro visual da fauna, flora, geografia e povo nativo, trabalhando apenas com a aquarela e a gravura. Pode-se citar o francês Jean Gardien, que realizou as ilustrações de animais para o livro Histoire d'un Voyage faict en la terre du Brésil, autrement dite Amerique[3], publicado em 1578 por Jean de Léry, e o padre André Thevet, que afirmou ter realizado do natural as ilustrações para seus três livros científicos editados em 1557, 1575, e 1584, onde se incluía um retrato do índio Cunhambebe.[4]
A produção dos viajantes ainda mostrava os traços da arte renascentista tardia (maneirista), e se insere mais no âmbito da arte europeia, para cujo público foi produzida, do que brasileira, ainda que seja de grande interesse pelos seus retratos da paisagem e da gente dos primeiros tempos da colonização. O primeiro pintor europeu que deixou obra no Brasil de que se tem notícia foi o padre jesuíta Manuel Sanches (ou Manuel Alves), que passou por Salvador em 1560 a caminho das Índias Orientais mas deixou pelo menos um painel pintado no colégio da Companhia de Jesus desta cidade. Mais importante foi o frei Belchior Paulo, que aqui aportou em 1587 junto com outros jesuítas, e deixou obras de decoração espalhadas em muitos dos maiores colégios jesuítas até seu rastro se perder em 1619. Com Belchior se inicia efetivamente a história da pintura no Brasil.[5][6]
Pernambuco e os holandeses
O primeiro núcleo cultural brasileiro que se assemelhou a uma corte europeia foi fundado em Recife em 1637 pelo administrador holandês conde Maurício de Nassau. Herdeiro do espírito do Renascimento, como descreveu Gouvêa, Nassau implementou uma série de melhorias administrativas e infraestruturais no chamado "Brasil holandês". Além disso, trouxe em sua comitiva uma plêiade de cientistas, humanistas e artistas, que produziram uma brilhante cultura profana no local, e embora não tenha conseguido alcançar todos os seus altos objetivos, sua presença resultou na elaboração de um trabalho cultural muito superior ao que vinha sendo realizado pelos portugueses nas outras partes do território. Dois pintores se destacaram em seu círculo, Frans Post e Albert Eckhout, realizando obras que aliavam minucioso caráter documental a uma superlativa qualidade estética, e até hoje são uma das fontes primárias para o estudo da paisagem, da natureza e da vida dos índios e escravos daquela região. Esta produção, ainda que tenha em grande parte retornado à Europa na retirada do conde em 1644, representou, na pintura, o último eco da estética renascentista em terras brasileiras.[7]
Entre o século XVII e o século XVIII o estilo da pintura brasileira acompanhou a evolução do Barroco praticado na Europa, um estilo de reação contra o classicismo do Renascimento. Além de representar uma tendência estética, constituía uma verdadeira forma de vida e deu o tom a toda a cultura do período, uma cultura que nas artes visuais enfatizava a assimetria, o excesso, o expressivo, o irregular, o contraste, o conflito, o dinâmico, o dramático, o grandiloquente, a dissolução dos limites, junto com um gosto acentuado pelos efeitos de opulência e suntuosidade, tornando-se um veículo perfeito para a Igreja Católica da Contra-Reforma e as monarquias absolutistas em ascensão expressarem visivelmente seus ideais. As estruturas monumentais erguidas durante o Barroco, como os palácios e os grandes teatros e igrejas, buscavam criar um impacto de natureza espetacular e exuberante, propondo uma integração entre as várias linguagens artísticas e prendendo o observador numa atmosfera catártica e apaixonada. Para Sevcenko, nenhuma obra de arte barroca pode ser analisada adequadamente desvinculada de seu contexto, pois sua natureza é sintética, aglutinadora e envolvente. Essa estética teve grande aceitação na Península Ibérica, em especial em Portugal, cuja cultura, além de essencialmente católica e monárquica, estava impregnada de milenarismo e misticismo, favorecendo uma religiosidade caracterizada pela intensidade emocional. E de Portugal o movimento passou à sua colônia na América, onde o contexto cultural dos povos indígenas, marcado pelo ritualismo e festividade, forneceu um pano de fundo receptivo.[8][9]
O Barroco no Brasil foi formado por uma complexa teia de influências europeias e locais, embora em geral coloridas pela interpretação portuguesa do estilo. É preciso lembrar que o contexto em que o Barroco se desenvolveu na colônia era completamente diverso daquele que lhe dava origem na Europa. Na colônia o ambiente era de pobreza e escassez, com tudo ainda por fazer,[10] e, ao contrário da Europa, não havia corte, a administração local era confusa, pouco eficiente e morosa, abrindo um vasto espaço de atuação para a Igreja e seus batalhões missionários, que administravam além dos ofícios divinos uma série de serviços civis como os registros de nascimento e óbito, estavam na vanguarda da conquista do interior do território, servindo como evangelizadores e pacificadores dos povos indígenas, fundavam novas povoações, organizavam boa parte do espaço urbano no litoral e dominavam o ensino e a assistência social mantendo muitos colégios e orfanatos, hospitais e asilos. Construindo grandes templos e conventos decorados com luxo e dinamizando imensamente o ambiente cultural como um todo, a Igreja praticamente monopolizou a pintura colonial brasileira, com rara expressão profana notável.[11][12] Costa faz lembrar ainda que o templo católico não era apenas um lugar de culto, mas era o mais importante espaço de confraternização do povo, um centro de transmissão de valores sociais básicos e amiúde o único local seguro na muitas vezes turbulenta vida da colônia.[11] Logo enraizando, confundindo-se com, e dando forma a, uma larga porção da identidade e do passado nacionais, o Barroco foi chamado por Affonso Romano de Sant'Anna de a alma do Brasil.[13]
Dominando o panorama artístico colonial, a pintura patrocinada pela Igreja Católica almejou basicamente desempenhar uma função didática, de acordo com os princípios definidos pela Contra-Reforma. Em termos técnicos, isso significou a forte dependência da arte em relação a um conteúdo programático narrativo, onde o desenho ocupa um papel central como o definidor e organizador da ideia, permanecendo a cor como elemento secundário, fornecendo em essência a ênfase necessária à melhor eficiência funcional do desenho. Nesse contexto, a pintura colonial é sempre retórica, e pretende apresentar ao público uma lição moral, fazendo uso de uma série de convenções formais significantes e elementos plásticos simbólicos que então eram de entendimento geral. Como exemplo, a cena São Francisco de Assis agonizante, de Mestre Ataíde, pintada na Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis em Mariana, mostra o santo segurando uma cruz, tendo ao lado um conjunto de objetos associados à penitência e à transitoriedade da vida: o crânio, a ampulheta, o rosário, o livro, o açoite e o cilício. Acima, um anjo toca um violino, imagem tradicionalmente vinculada ao santo, enquanto outros o esperam entre nuvens do Paraíso e apontam para um triângulo com um olho no centro, figura simbólica tradicional da Santíssima Trindade, que lança um raio de luz sobre o santo; tudo significando o fim de suas provações terrenas e a conquista do prêmio da vida eterna. Em toda a imagem, o desenho preciso, de contornos claros, garante o reconhecimento imediato de cada objeto que compõe a cena e a compreensão da mensagem proposta.[14]
No século XVIII, acompanhando a expansão do território colonizado, o enriquecimento de algumas ordens e irmandades religiosas, bem como de ricos patronos, o crescimento das cidades e a relativa estabilidade econômica, a pintura brasileira abandona seu caráter pontual, dissemina-se, se multiplica e amadurece, passando a fazer escola.[15] Como foi uma regra durante o período colonial em todo o Brasil, a vasta maioria das obras que chegaram a nós tem autoria desconhecida, e grande parte dela foi certamente produzida por religiosos de várias ordens; por outro lado, existe uma apreciável quantidade de nomes de artistas registrados em arquivos eclesiásticos, atestando uma grande atividade pictórica, mas sem nos oferecerem indicações de quais obras teriam realizado e em geral sem dados biográficos.[16] Além disso, como disse Teixeira Leite,
- "Toda a pintura colonial vincula-se a tendências e estilos europeus, buscando imitá-los com uma compreensível defasagem cronológica, e com recursos técnicos limitados. Influências flamengas, espanholas e em menor grau italianas, muitas vezes absorvidas através de reproduções em gravura de obras célebres europeias, filtram-se através da visão portuguesa para formar um conjunto respeitável de obras, onde um vívido senso cromático anima, por vezes, um desenho tosco e improvisado, de sabor eminentemente popular".[16]
Essas influências heterogêneas são as grandes responsáveis pelo caráter multifacetado e pela pouca unidade formal da pintura barroca do Brasil colônia, e mesmo no trabalho de um mesmo artista são frequentes grandes discrepâncias estilísticas. Isso é verificável até mesmo no caso do maior pintor deste período, o Mestre Ataíde, que atuou na região de Minas Gerais.[17] Outro dado importante na pintura brasileira colonial é a popularização, a partir do século XVIII, do gênero do ex-voto, um memorial visual em ação de graças por algum benefício recebido por intercessão de algum santo, que veio a se tornar um traço característico da religiosidade popular, dinamizando um grande mercado e possuindo além disso um grande valor documental. Em geral os ex-votos são obra de artesãos anônimos, comemoram a cura de alguma doença, e sua iconografia usualmente mostra o doente numa cama junto a uma epifania do seu santo protetor, ou mostra a parte do corpo aflita pelo mal.[18]
A condição social dos pintores e as circunstâncias de sua atuação no Brasil colonial ainda são pouco conhecidas, dando motivo para debates acadêmicos. Não se sabe exatamente se a atividade do pintor se inseria do âmbito dos ofícios liberais, dispondo de relativa autonomia, ou se permanecia subordinado aos estatutos das artes mecânicas e artesanais. No entendimento de Pietro Maria Bardi a sociedade luso-brasileira teria se pautado, para as atividades artesanais, pelas regras das corporações dos ofícios, as antigas guildas medievais, regidas por estatutos definidos em 1572 em Lisboa, com uma tendência, contudo, de os pintores e escultores progressivamente se aproximarem dos profissionais liberais, em conformidade a documentos emitidos pela Ouvidoria do Rio de Janeiro em 1741. Em Portugal o estatuto liberal já havia se firmado para os pintores, mas na colônia as condições reais do mercado de trabalho ainda tinham muito de artesanal e deixavam os artistas numa posição dúbia. Em linhas gerais, parece que a forma corporativa foi a predominante até o advento do Império, organizada da seguinte maneira: o mestre-pintor ficava no topo da hierarquia, era responsável final pelas obras e pela formação e habilitação de novos aprendizes; abaixo estava o oficial, um profissional preparado, mas sem graduação para arrematar obras de vulto; em seguida vinham os auxiliares, os jovens aprendizes, e os escravos ficavam na base.[19]
Escolas regionais
Bahia
Na Bahia formou-se a primeira escola regional de pintura, e uma das mais importantes, ativa desde a chegada de Manuel Alves e Belchior Paulo em meados do século anterior. Mais conhecidos são o frei Eusébio da Soledade, que pode ter estudado com os holandeses da corte de Nassau, Lourenço Veloso, cuja única pintura que resta, o Retrato do Capitão Francisco Fernandes da Ilha, de 1699, está na Santa Casa de Salvador; João Álvares Correia trabalhou na pintura e douramento da sacristia da Santa Casa de Misericórdia, e em 1714 concluiu as 24 pinturas do forro da capela-mor da Ordem Terceira do Carmo, em Salvador, e pode ter sido autor de algumas obras preservadas na Ordem Terceira do Carmo do Rio de Janeiro; e Francisco Coelho pintou uma Santa Ceia e mais quinze figuras de santos e personalidades da Companhia de Jesus para o colégio jesuíta da Bahia.[16]
Antônio Simões Ribeiro, que por volta de 1735 chegou a Salvador e trabalhou em diversas igrejas locais, foi o introdutor na Bahia da técnica de pintura de ilusão arquitetônica nos tetos de igrejas, um recurso sistematizado pelo italiano Andrea Pozzo em seu tratado Perspectiva Pictorum atque Architectorum. Tal decoração produzia um efeito cenográfico típico do Barroco, pois oferecia ilusões de arquiteturas abertas ao espaço, ao encontro de céus onde pairavam santos, anjos e outras figuras gloriosas da Igreja. Ribeiro deixou larga posteridade artística. Entre seus alunos mais destacados está Domingos da Costa Filgueira.[16][20]
Um outro grupo trabalhou em torno de José Joaquim da Rocha, que aparece registrado em 1764 como ajudante do pintor Leandro Ferreira de Souza, mas seu nome se perde até 1769, período em que pode ter estudado em Lisboa. Pintou o forro da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, uma de suas melhores realizações, que lhe valeu a fama em seu tempo de melhor pintor da Bahia, suplantando seu rival Filgueira, que nunca mais realizou qualquer obra de vulto. Nos anos seguintes Rocha pintou diversos outros tetos em perspectiva, permanecendo em atividade até o início do século XIX. Dos seus discípulos se destacaram Antonio Pinto e Antônio Dias, autores da pintura do forro da nave da Matriz do Passo, em Salvador, e Antônio Joaquim Franco Velasco, mas sobretudo José Teófilo de Jesus. Teófilo estudou em Lisboa e entrou em contato com Pedro Alexandrino de Carvalho, tornando-se a partir de 1816 o pintor mais notável da Bahia até sua morte em 1847, se bem que sua predileção fosse a pintura de cavalete. Deixou obra volumosa e qualificada, excepcional também por abordar muitos temas profanos, trabalhando até idade avançada, mas formou somente um aluno. Outros alunos de José Joaquim foram Manoel José de Souza Coutinho, Mateus Lopes, José da Costa Andrade, João Nunes da Mata.[16] Francisco da Silva Romão também deixou obras de qualidade.
Pernambuco
As primeiras expressões notáveis de pintura barroca em Pernambuco estão na Capela Dourada da Ordem Terceira de São Francisco de Assis da Penitência, em Recife. De autoria incerta, Gonsalves de Melo propôs que algumas das pinturas de santos e santas pelo menos podem ter sido feitas por José Pinhão de Matos, talvez o melhor pintor pernambucano em atividade em seu tempo. A capela abriga ainda dois grandes painéis de data posterior, representando os principais mártires franciscanos. Também sem autoria definida são os importantes painéis da Igreja de São Cosme e Damião, em Igaraçu, ilustrando episódios da história da cidade, e numerosas outras peças espalhadas por várias cidades, especialmente Olinda. Os principais artistas barrocos de Pernambuco foram João de Deus Sepúlveda, José Eloi e Francisco Bezerra, com as figuras menores, mas também interessantes, de Manuel de Jesus Pinto, João José Lopes da Silva, Sebastião Canuto da Silva Tavares, Luis Alves Pinto e José Rebelo de Vasconcelos.[16]
Sepúlveda, o mais importante do grupo, veio de uma família de artistas e deixou obras notáveis na Igreja da Ordem Terceira do Carmo, na Concatedral de São Pedro dos Clérigos e na Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Militares. José Eloi produziu vários painéis para o Mosteiro de São Bento de Olinda, com um estilo original. Bezerra foi o autor dos dez painéis sobre a vida de São Pedro que outrora adornavam o forro da Concatedral de São Pedro dos Clérigos, e que se perderam, mas sua habilidade pode ser avaliada pelas cenas da vida de São Bento que executou em 1791 para a sacristia da Igreja do Mosteiro de São Bento de Olinda.[16] Permanecem também lembrados Domingos Rodrigues, Jacó da Silva Bernardes e Antonio Gualter de Macedo, que atuaram em diversos locais entre Pernambuco e Rio de Janeiro.
Maranhão e Pará
Entre os artistas do Maranhão e Pará sobre os quais se dispõe de informações biográficas estão Luís Correia e Agostinho Rodrigues. Do primeiro, contudo, não se identificou nenhuma obra com segurança, mas pode ter ajudado Rodrigues e João Xavier Traer, como pensou Germain Bazin, a pintar painéis na Igreja de São Francisco Xavier, em Belém. Baltazar de Campos produziu telas sobre a Vida de Cristo para a sacristia da Igreja de São Francisco Xavier, e João Felipe Bettendorff decorou várias igrejas na região. Merecem nota dois aquarelistas do Real Gabinete de História Natural do Museu da Ajuda de Lisboa, Joaquim José Codina e José Joaquim Freire, que acompanharam Alexandre Rodrigues Ferreira em sua expedição de 40 mil quilômetros através da selva amazônica, entre 1783-92, produzindo considerável obra de documentação visual daquelas paragens, hoje dispersa entre Portugal e o Brasil.[16]
Rio de Janeiro
A chamada Escola Fluminense de Pintura é melhor documentada. Foi fundada com a chegada do alemão frei Ricardo do Pilar, em meados da década de 1660. Sua obra mais conhecida está na sacristia do Mosteiro de São Bento, um grande painel representando o Senhor dos Martírios, datável dos últimos anos de sua vida e evidenciando afinidades com pinturas flamengo-portuguesas dos séculos XV e XVI. Caetano da Costa Coelho em 1732 produziu para a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência a primeira pintura perspectivista feita no Brasil, antecipando a introdução da técnica na Bahia. Para Araújo Porto-alegre, o verdadeiro seguidor do frei Ricardo e chefe da Escola Fluminense de Pintura foi José de Oliveira Rosa, pintor de temas religiosos, alegorias e retratos. Sua obra mais importante foi o grande painel decorativo, já destruído, da sala de audiências do Paço Imperial, representando o Gênio da América; mas subsistem outras peças na antiga Igreja dos Carmelitas e no Mosteiro de São Bento. Manuel da Cunha, escravo, cedo mostrou talento artístico, obtendo depois permissão para estudar com João de Souza, aperfeiçoando-se mais tarde em Lisboa. Porto-alegre lhe atribuiu a autoria do forro da Capela do Senhor dos Passos e pinturas de tema religioso feitas para a Igreja do Castelo e a de São Francisco de Paula. Cunha também foi professor, mantendo inclusive em sua residência um curso regular com duração de sete anos.[16]
Minas Gerais
Um outro núcleo importante surgiu na região de Minas Gerais em função dos ciclos do ouro e dos diamantes, onde aconteceu um rico florescimento urbano com muitas novas igrejas que precisavam de ornamentação interna. Até 1755 a pintura mineira imitou as tendências que se desenvolviam nas regiões litorâneas, sem, contudo, alcançar uma verdadeira integração à arquitetura, e com um estilo arcaizante e pesado. Exemplo típico dessa primeira fase é o forro da nave da Matriz do Pilar, em Ouro Preto.[16]
A segunda fase é delimitada pela introdução da pintura perspectivista por Antônio Rodrigues Belo, autor da pintura do forro da capela-mor da Matriz de Cachoeira do Campo. Doravante os forros em caixotões são substituídos pelos de tabuado corrido, mais adequados a receber o novo tipo de decoração pictórica. Num terceiro momento, em fins do século XVIII, a pintura perspectivista transborda os limites arquitetônicos naturais em conjuntos de grande fantasia imaginativa, já descritos dentro da estética do Rococó. Dois centros principais se destacam na região mineira; Diamantina e Ouro Preto. O primeiro, mais antigo, foi animado pela produção de José Soares de Araújo e seus discípulos, um tanto similar ao trabalho baiano, em composições severamente estruturadas, de colorido soturno e forte veia dramática.[16]
Bem distinto foi o núcleo de Ouro Preto, marcado pelo colorido rico e as formas leves, tipicamente rococós, muitas vezes exibindo a influência de estilos orientais. Este centro tem na obra de Mestre Ataíde seu apogeu; o teto que pintou na Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto, representando a Assunção de Nossa Senhora entre anjos músicos e santos e ilustrando a abertura deste artigo, é tido como o ponto culminante de toda a pintura colonial brasileira. Ataíde também deixou diversas pinturas de cavalete, como a série representando cenas da vida de Abraão, na Igreja de São Francisco de Ouro Preto, e a renomada Ceia do Senhor, do Colégio do Caraça, uma de suas últimas obras e a única que assinou e datou. Ataíde também colaborou com o célebre Aleijadinho pintando as estátuas da Via Sacra no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas.[16] Também são dignos de nota José Soares de Araújo, João Batista de Figueiredo, João Nepomuceno Correia e Castro, Joaquim José da Natividade, Antônio da Costa Nascimento, Antônio Martins da Silveira, Manuel Ribeiro, Joaquim Gonçalves da Rocha e Silvestre de Almeida Lopes.
A Capitania das Minas Gerais teve o diferencial de, por determinação régia, ver-se impedida de sediar ordens religiosas conventuais e missionárias, que foram as maiores mecenas de arte pelo resto de Brasil colonial, uma vez que a prioridade administrativa era a exploração do ouro e diamantes e não a evangelização do gentio. Com isso a religiosidade e a arte sacra na região dependeram muito da organização de irmandades leigas, instituições de origem medieval que providenciavam o assistencialismo para seus membros e também financiaram a construção e decoração de inúmeros templos e capelas. Várias dessas irmandades foram formadas por negros e mulatos, o que explica a aparição de representações étnicas correspondentes na arte a que deram origem, mesmo quando figuravam santos, papas e Doutores da Igreja sabidamente brancos, o que, nas palavras de Carla Oliveira, de certa forma subvertia o discurso visual europeu e fazia uma afirmação de classe e etnia "numa sociedade colonial que em tudo negava as qualidades de mestiços e negros".[21]
São Paulo
A Província de São Paulo, que nos tempos da colônia incluía São Paulo e Paraná, nunca chegou a desenvolver uma escola de pintura comparável aos centros antes citados, contando com poucos artistas e uma economia bem menos dinâmica. Não obstante uma modesta escola regional se formou especialmente a partir da atuação de José Patrício da Silva Manso, em meados do século XVIII, embora exemplos esparsos já tivessem aparecido antes, incluindo obras em gêneros muito raros no Brasil, como um retrato equestre de Francisco Nunes de Siqueira feito por João Moura, na capital, e decorações em estilo similar ao grottesco do Maneirismo italiano, na capela da Fazenda Santo Antônio, em São Roque. A obra-prima de Manso foi possivelmente o forro da capela-mor da Igreja de Nossa Senhora da Candelária, em Itu, que trai influência da pintura de ilusão arquitetural praticada em Minas.[16]
Foi aluno de Manso o frei Jesuíno do Monte Carmelo, considerado por Mário de Andrade o principal pintor paulista colonial, destacando-se em sua produção as obras nas Igrejas de Nossa Senhora do Carmo de Itu e de São Paulo, marcadas pela veia ingênua do pintor popular. Manoel do Sacramento e Antônio dos Santos, a quem são atribuídas as pinturas da Igreja da Ordem Terceira do Carmo em Mogi das Cruzes, de grande qualidade, se aproximam em estilo da pintura mineira, e podem ter sido eles mesmos mineiros. O último pintor importante em São Paulo foi Miguel Arcanjo Benício da Assunção Dutra, conhecido como Miguelzinho Dutra, que embora fosse ativo já no Império continuou a tradição anterior. Trabalhou na Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte em Piracicaba, mas se destacou sobretudo com suas ingênuas aquarelas, nas quais fixou aspectos da cidade e tipos populares, uma produção de valor documental só comparável ao trabalho de Hercule Florence, integrante da Expedição Langsdorff. No Paraná só merecem uma lembrança Joaquim José de Miranda e João Pedro, o Mulato, autores de guaches e aquarelas que fixam tipos populares e cenas históricas, num perfil ingênuo.[16]
Outros centros
Mato Grosso, Goiás e o Rio Grande do Sul também tiveram alguma produção em pintura, mas ainda em menor escala do que São Paulo. Francisco Xavier de Oliveira, ativo em Mato Grosso principalmente como cartógrafo, pode ter sido autor de alguns retratos para a Câmara de Cuiabá; o padre José Manuel de Siqueira atuou como ilustrador, e João Marcos Ferreira trabalhou no retábulo da Matriz do Senhor Bom Jesus de Cuiabá; Reginaldo Fragoso de Albuquerque e Antônio da Costa Nascimento trabalharam em Pirenópolis; Bento José de Souza, de Vila Boa de Goiás, realizou diversos retábulos para igrejas locais, e André Antônio da Conceição foi autor do forro da Igreja de São Francisco de Paula na mesma vila. No Rio Grande do Sul há registro de atividade pictórica no âmbito das reduções jesuíticas, mas toda a produção se perdeu.[16]
- Outras imagens do Barroco brasileiro
- José Joaquim da Rocha; Apoteose de São Domingos, Igreja de São Domingos, Salvador, Bahia
- Veríssimo de Freitas: São João Nepomuceno, Museu Afro Brasil
- Anônimo: Santa Teresa, Igreja do Carmo, São Cristóvão, Sergipe
- Caetano da Costa Coelho: Glorificação de São Francisco, Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, Rio
- João Nepomuceno Correia e Castro: Imaculada Conceição, Museu da Inconfidência, Ouro Preto, Minas Gerais
- Antônio da Costa Nascimento: teto da Matriz de Pirenópolis (perdido em incêndio), Goiás
- Joaquim José da Natividade: Bandeira da Procissão de Cristo, Museu Afro-Brasil, Salvador, bahia
- Ex-voto de invocação a São Benedito, Museu da Inconfidência
A partir de meados do século XVIII se observa uma gradual mudança no espírito colonial pelo impacto de ideais iluministas e classicistas trazidas da Europa, refletindo o declínio da influência da Igreja sobre a sociedade europeia naquela época e reagindo contra os excessos dramáticos do Barroco e o decorativismo cortesão e caprichoso do Rococó. Contudo, segundo Anna de Carvalho, na arte estas mudanças ocorreram mais em nível teórico do que prático, pois os valores do mundo português ainda não haviam se desvencilhado totalmente de sua participação nas manifestações monárquicas e religiosas, resultando num paradoxo a transmissão daqueles conceitos de modernidade, quer na vertente rococó, quer na neoclássica, ainda mais que o Barroco ainda subsistia como um pano de fundo daquela sociedade. Tampouco havia na metrópole, e muito menos na colônia, um sistema de ensino artístico padronizado e institucionalizado sob a forma das Academias, que já existiam desde o século XVII em outros países, capazes de incorporar, sistematizar e transmitir as novidades racionalistas e científicas do Iluminismo e do Neoclassicismo para o campo das artes portuguesas. Tentativas de normatização, como a criação de cursos de arte da Real Casa Pia e da Academia do Nu, foram muito mal recebidas pela população, tantos os preconceitos ainda arraigados.[22]
De qualquer forma, as mudanças eram inevitáveis, e surgiram primeiro no Rio de Janeiro, que desde 1763 fora transformada em capital da colônia e era o principal escoadouro da produção dos minérios das Minas Gerais, o que propiciou a formação de uma classe burguesa abastada que competia com a nobreza e o clero na encomenda de obras de arte. Como consequência, a pintura brasileira começou a experimentar uma maior laicização, proliferando os gêneros do retrato civil, da paisagem, da cena urbana, da alegoria profana e da natureza-morta. Além disso, diversos artistas do fim do Barroco tiveram a oportunidade de estudar na Europa, sintonizando-se com as tendências mais progressistas, que se tornaram visíveis em uma produção híbrida, devedora tanto de referenciais barrocos e rococós como neoclássicos.[22]
É importante frisar que no restante do país ainda se praticará pintura de forte herança barroca por um período significativo. Como exemplo basta a menção a Manuel de Ataíde, líder da escola mineira, que falece em 1830, a José Teófilo de Jesus, uma das maiores figuras na Bahia, que desaparece da cena somente em 1847, e José Rodrigues Nunes, morto em 1881, deixando o primeiro uma obra perfeitamente rococó; o segundo, trabalhos em que se percebe uma atualização estilística apenas ligeira, com elementos pré-clássicos, e o terceiro, uma obra ainda em tudo barroca. Além destes muitos outros, principalmente os artistas de extração mais popular, mantiveram viva a antiga tradição até perto do final do século XIX. Tais exemplos apontam para a complexidade da evolução da arte da pintura no Brasil e à multiplicidade de forças em movimento, falando por uma trajetória bem pouco linear.[23] Entre os mestres mais conhecidos da transição pode-se citar, na Bahia, José Maria Cândido Ribeiro e Antônio Joaquim Franco Velasco, que por sua vez foi professor de José Rodrigues Nunes e Bento José Rufino Capinam. No Rio, Leandro Joaquim, que deixou obras religiosas, alguns retratos e paisagens, sendo bem conhecidos seis painéis com cenas do Rio de Janeiro, que estão entre as mais antigas em seu gênero; José Leandro de Carvalho talvez o retratista mais requisitado do Rio de Janeiro no início do século XIX, produzindo também para a corte de Dom João VI; João Francisco Muzzi, que inovou com o gênero do retrato coletivo, Manuel Dias de Oliveira, aluno em Roma do celebrado italiano Pompeo Batoni, e Francisco Pedro do Amaral, o último grande vulto da Escola Fluminense, um dos primeiros alunos de Debret e chefe de decorações da Casa Imperial, trabalhou no Palácio da Quinta da Boa Vista e no Paço Imperial, mas suas melhores obras estão no palacete que pertenceu à Marquesa de Santos, hoje o Museu do Primeiro Reinado[16]
- Leandro Joaquim: Procissão Marítima, fim do século XVIII, Museu Nacional de Belas Artes.
- Manuel Dias de Oliveira: Alegoria de Nossa Senhora da Conceição, 1813, Museu Nacional de Belas Artes.
- Antônio Velasco: Retrato de senhora, 1817, Museu Castro Maya.
- Francisco Pedro do Amaral:Retrato da Marquesa dos Santos, Museu Histórico Nacional.
Com a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, começou um novo ciclo cultural no Brasil. Dentre as várias providências tomadas por Dom João VI para melhorar a vida na colônia constam a fundação de escolas, museus e bibliotecas, mas teve impacto ainda maior sobre as artes nacionais o primeiro projeto de institucionalização, uniformização e estabilização do ensino de arte com a criação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios em 1816. As verdadeiras causas do lançamento deste projeto são um tanto obscuras, mas parece que a iniciativa partiu primeiramente de um grupo de artistas franceses liderados por Joachim Lebreton, que propôs ao rei em um memorando a fundação de um estabelecimento de ensino superior de arte. O grupo veio a ser conhecido como a Missão Artística Francesa, e entre vários artistas contava com os pintores Jean-Baptiste Debret e Nicolas-Antoine Taunay, responsáveis pela divulgação consistente do estilo Neoclássico em terras brasileiras.[24][25]
Lebreton propôs instaurar uma nova metodologia de ensino com disciplinas sistematizadas e graduadas. O ensino se daria em três fases:[26]
- Desenho geral e cópia de modelos dos mestres;
- Desenho de vultos e da natureza;
- Pintura com modelo vivo,
Paralelamente Lebreton estruturou o ensino de escultura, gravura e arquitetura e sugeriu ainda que se introduzisse o ensino da música, bem como sistematizou o processo e critérios de avaliação e aprovação dos alunos, o cronograma de aulas, indicou formas de aproveitamento público dos formados e projetava a ampliação de coleções oficiais com suas obras, discriminou os recursos humanos e materiais para o bom funcionamento da Escola, e previu a necessidade da formação de artífices auxiliares competentes através da proposta de criação paralela de uma Escola de Desenho para as Artes e Ofícios, cujo ensino seria gratuito mas igualmente sistemático.[27] A orientação didática estabelecida por Lebreton balizou o funcionamento da Academia, com algumas modificações, até o fim do Segundo Reinado.[24]
A escola foi criada no papel, mas tardou em se estabelecer, enfrentando muitas oposições, intrigas palacianas e hostilidades declaradas por parte de artistas já estabelecidos. Lebreton morreu em 1819, e até então as aulas foram dadas mais ou menos informalmente. A posse de Henrique José da Silva, crítico implacável dos franceses, como diretor da Escola em 1820 agravou o ostracismo sofrido pelos estrangeiros.[28] Nicolas-Antoine Taunay, desistiu e abandonou o país em 1821, mas deixou seu filho Félix-Émile, que também viria a ser pintor de nomeada e diretor da instituição. Debret formou alguns discípulos e permaneceu no Brasil por dez anos, período em que realizou extensa e inestimável documentação visual da natureza, dos índios e escravos e da vida urbana do Rio e de outras regiões brasileiras em uma série de aquarelas e desenhos, depois reproduzidos na justamente célebre obra Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, publicada por ele na França.[24] A Missão teve resultados pouco visíveis de imediato, e sendo um enxerto cultural em um ambiente pouco receptivo, sofreu severas críticas desde a origem. Sua maior contribuição para o sistema de arte brasileiro foi a introdução de um sistema educacional de nível superior, baseado em modelos institucionais europeus de tradição antiga e eficiência comprovada,[29] e com um objetivo claramente progressista, mas a implantação deste modelo levaria décadas para se consolidar no Rio e mais ainda no restante do país.[30]
- Félix Taunay: Rua Direita, 1823, Pinacoteca do Estado de São Paulo.
- Nicolas-Antoine Taunay: Apolo visitando Admeto, Museu Nacional de Belas Artes.
- Simplício de Sá: Dom Pedro I, ca. 1830. Museu Imperial.
- Augusto Müller: Retrato da Baronesa de Vassouras, Museu Imperial.
Após muitos impasses e funcionamento precário, a Escola, ora nomeada como Academia Imperial de Belas Artes,[31] iniciou suas atividades regulares somente em 5 de novembro de 1826, por força da intervenção do Conde de Valença e do Visconde de São Leopoldo.[32] Sua primeira exposição pública de obras de arte, a primeira no gênero ocorrida em todo o Brasil, foi aberta em 2 de dezembro de 1829, contando com mais de 150 trabalhos em várias técnicas, de alunos e professores. Na pintura expuseram Debret, com dez quadros, entre os quais A Sagração de D. Pedro I, O Desembarque da Imperatriz Leopoldina e o Retrato de D. João VI; Félix-Émilie Taunay, com quatro paisagens do Rio de Janeiro; Simplício de Sá, com alguns retratos; José de Cristo Moreira, com figuras histórias, marinhas e paisagens; Francisco de Sousa Lobo, com retratos e figuras históricas; José dos Reis Carvalho, com marinhas, quadros decorativos, flores e frutas; José da Silva Arruda, com vários estudos, e Afonso Falcoz, com estudos de cabeça, retratos, esboços e desenhos.[33]
Após a morte de Henrique José da Silva em 1834 a direção da escola passou para Félix-Émile Taunay, que retomou a orientação primitiva francesa desvirtuada por seu antecessor e implementou diversos melhoramentos. Na mesma época Simplício Rodrigues de Sá assumiu a cátedra de Desenho e depois a de Pintura Histórica.[33] Em seguida Debret voltou para a Europa, e iniciou-se um outro período improdutivo e conflituoso, fazendo com que uma terceira exposição só acontecesse em 1840. Neste ano um impulso novo veio através da instituição dos prêmios e condecorações, e das exposições regulares, e em 1845 foram instituídos os prêmios de viagem ao exterior para aperfeiçoamento.[34]
Mas já na exposição de 1849 Manoel de Araújo Porto-alegre teceu fortes críticas aos resultados apresentados, acusando escasso preparo dos artistas. Ele teria chance de introduzir melhorias no ensino ao assumir a direção da Academia entre 1854 e 1857, ampliando o prédio e introduzindo novas cátedras, além de criar a pinacoteca da Academia, que foi sendo enriquecida com a produção de mestres e alunos destacados, como Agostinho José da Motta, que obteve o Prêmio de Viagem à Europa, de onde voltou para lecionar na escola que o formara, sendo excelente pintor de paisagens e naturezas-mortas; José Correia de Lima, bom retratista e futuro professor de Vítor Meirelles, e Augusto Müller, paisagista e retratista de talento superior e digno seguidor da escola francesa, posteriormente titular de Pintura de Paisagem.[34]
Apogeu da Academia
A estabilidade do Segundo Reinado e o mecenato pessoal do imperador Dom Pedro II criaram condições para mais um ciclo de grande desenvolvimento nas artes. Mas, sintomaticamente, esta estabilidade política de certa forma deixou o ambiente nacional um tanto alheio às vanguardas do momento, e a alguns problemas sociais que existiam. Os bolsistas na Europa pouco contato tiveram com figuras renovadoras, preferindo manter-se numa linha segura e aceitável à sociedade que os sustentava. A produção central desta fase pode ser descrita como romântica, com um imaginário e tratamento de índole heróica, dramática e ufanista, e se alinhou em um projeto nacionalista inédito na história cultural do Brasil, resultando em uma série de obras-primas onde brilham algumas das mais notórias imagens da arte brasileira de todos os tempos.[35][36]
Ao mesmo tempo, durante este período, não tendo o Brasil uma história oficial antiga e nobre como a européia, a temática indígena adquire relevo como símbolo de uma brasilidade arquetípica, autêntica e pura. Mesmo que tais personagens tenham sido muito glamourizados, sua passagem para um plano destacado na grande arte acadêmica foi um dado importante no resgate das raízes nacionais.[36] O negro, entretanto, com raríssimas exceções, só vai deixar de figurar como elemento anônimo e mera parte da paisagem para assumir o primeiro plano quando o movimento abolicionista já estava ganhando uma força irrefreável, para depois da República tornar-se mais comum e aceitável.[37] A obra das figuras maiores desta geração demonstra bem os interesses da ordem vigente. Pedro Américo, um dos maiores pintores brasileiros do século XIX, privilegiou cenas históricas com temas nacionais, num estilo grandioso que tanto glorificava as façanhas do povo e de seus protagonistas como a augusta benevolência e firmeza da Coroa. Suas obras mais importantes, O grito do Ipiranga e A batalha do Avaí são peças capitais do academismo nacional, e são panegíricos do nacionalismo e da ordem estabelecida, sem que isso lhes tire vigorosas qualidades estéticas. Também pintou inúmeras cenas religiosas e alegóricas, e muitos retratos.[38]
Outro mestre desta fase é Vítor Meirelles, que também pertence à mesma estirpe de grandes criadores, servis aos seus mecenas, mas possuidores de um talento que transcende a política e a ideologia heróica, antes delas fazem uso para expressarem a força de seu próprio gênio. Também foi autor de quadros que permanecem vivos até hoje no imaginário nacional: A primeira Missa no Brasil, de feição tranqüila e composição impecável, Moema, peça-chave do nacionalismo indigenista, tipicamente romantizado, a Batalha naval do Riachuelo, a Batalha dos Guararapes e a Passagem de Humaitá, três obras sobre momentos da história nacional tratados com grande fôlego e maestria. Suas outras composições, sobre temas sacros ou mitológicos, são menos impressionantes, mais formais, mas sempre corretas.[39][40]
Por esta altura a Academia já se tornara uma instituição sólida e respeitada, e cumpria um papel determinante e seletivo na orientação das tendências artísticas que deveriam ou não vicejar.[39] O ensino dava frutos visíveis e de qualidade, influenciando outros centros, o acervo da pinacoteca da Academia era constantemente enriquecido, exposições independentes começavam a aparecer fora de seus muros como prova da fertilização do solo artístico nacional,[34] e outros nomes importantes surgiam no cenário, como Rodolfo Amoedo[40] e Henrique Bernardelli.[41]
Em São Paulo se destacavam Oscar Pereira da Silva[42] e sobretudo Almeida Júnior, dono de um estilo original, transitava com a mesma facilidade e gênio de temas históricos para momentos burgueses e cenas da vida do brasileiro comum, do interiorano rústico, introduzindo notas de realismo inéditas na produção acadêmica anterior e que seriam uma força renovadora em relação à tendência romântica.[43] Também foi importante a criação em 1873 do Liceu de Artes e Ofícios, que em 1905 passaria a contar com uma Pinacoteca, a atual Pinacoteca do Estado de São Paulo, um dos maiores museus de arte do país.[44][45] Na Bahia uma Academia de Belas Artes nos mesmos moldes da carioca foi fundada em 1877 e desenvolvia atividade regular e proveitosa.[46]
- Agostinho José da Mota: Mamão e melancia, 1860, Museu Nacional de Belas Artes.
- João Zeferino da Costa: São João Batista, 1873, Museu Nacional de Belas Artes.
- Delfim da Câmara: D. Pedro II, 1875, Acervo Artístico do Ministério das Relações Exteriores - Palácio Itamaraty.
- Almeida Júnior: Descanso do modelo, 1882, Museu Nacional de Belas Artes.
- Rodolfo Amoedo: O Último Tamoio, 1883, Museu Nacional de Belas Artes.
- Belmiro de Almeida: A flagelação de Cristo, 1887, Museu de Arte Sacra da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência.
- Rodolfo Amoedo: A narração de Filectas, 1887, Museu Nacional de Belas Artes.
- Léon Pallière: Fauno e Bacante, c. 1887, Museu Nacional de Belas Artes.
Outros estrangeiros
A exuberante paisagem tropical do Brasil sempre causou admiração e atraiu o estrangeiro. Durante o século XIX se estabeleceriam aqui diversos artistas de fora, por intervalos maiores ou menores, principalmente no Rio de Janeiro, e deixariam registros apreciáveis da paisagem e dos costumes. Algumas figuras ativas no século XIX são Richard Bate e Friedrich Hagedorn, aquarelistas, Augustus Earle, pintor de animadas cenas de gênero, Charles Landseer, retratista de tipos e costumes, e Maria Graham, preceptora da Princesa Maria da Glória e autora de uma série de refinadas paisagens da capital do Império. Mais importante foi Thomas Ender, aquarelista integrante da comitiva da Princesa Leopoldina e autor de preciosas cenas de costumes e de trabalho. Mas estes foram presenças isoladas, espectadores do cenário que possuíam já uma formação prévia ao chegarem, e não tiveram maior influência no desenvolvimento da pintura nacional, ainda que tenham legado atraentes e valiosos testemunhos do ambiente natural e humano.[47]
Bastante ativo no circuito oficial foi François-René Moreaux, que entre 1840 e 1859 participou de muitas das exposições da Academia, viajou extensamente pelo Brasil e foi um dos fundadores do Liceu de Artes e Ofícios, além de realizar uma quantidade de retratos de personalidades ilustres da época, inclusive a cena da Sagração de Dom Pedro II, pela qual recebeu o hábito da Ordem de Cristo. Seu irmão Louis-Auguste também expôs na Academia e em 1841 obteve Medalha de Ouro pela tela Rancho de Mineiros, e recebeu a Ordem da Rosa por Jesus Cristo e o Anjo. Outro premiado foi Raymond Monvoisin, que chegou ao Rio em idade já avançada mas cuja obra causou excelente impressão. Abraham-Louis Buvelot, com uma obra paisagística muito sensível, foi elogiado por Porto-alegre. Também merecem atenção Nicola Antonio Facchinetti, grande paisagista, Eduardo de Martino, marinista de primeira linha, e já perto do final do século são notáveis os portugueses José Maria de Medeiros e Augusto Rodrigues Duarte, que em suas obras históricas de refinada execução traduzem perfeitamente o Romantismo ainda em vigor.[47]
Acima de todos Georg Grimm deixou sua marca no cenário nacional. Em sua aparição de 1882 nos salões da Academia expôs nada menos de 105 paisagens do natural, obtendo imenso sucesso. No mesmo ano foi indicado como Interino da cátedra de Paisagens, Flores e Animais, popularizando a prática do ensino ao ar livre que havia sido introduzida possivelmente por Agostinho da Motta muitos anos antes,[47] valendo-se das novidades técnicas representadas pelo surgimento das tintas em tubos e telas pré-preparadas.[48] Sua permanência na Instituição durou apenas dois anos, inadaptado ao formalismo reinante. Com sua saída um grupo de discípulos o acompanhou, criando-se uma escola que revelou alguns dos melhores paisagistas brasileiros: Castagneto, Parreiras e García y Vásquez, e uns poucos mais. Sua influência perduraria até perto da década de 20 do século vindouro.[47]
- Thomas Ender: Vista do Rio, 1817, Academie der Bildenden Künste, Viena
- Augustus Earle: Capoeira, 1824, Biblioteca Nacional de Canberra
- Augusto Rodrigues Duarte: As exéquias de Atalá, 1878, Museu Nacional de Belas Artes
- Eduardo de Martino: Fragata Constituição, 1872, Museu Histórico Nacional